ÚLTIMOS MOMENTOS – (Parte 2).
CAPÍTULO 35:
ÚLTIMOS MOMENTOS – (Parte 2).
...”É com grande prazer e alívio que o PROFETA DIÁRIO volta a circular nesta data, em uma edição que quer não só comemorar o fim dos conflitos medonhos que ocorreram nos últimos dias, como também informar à população bruxa os fatos e mistérios que cercam tais acontecimentos”.
O ataque simultâneo de bruxos das trevas, supostamente comandados por Você Sabe Quem, a vários locais e pessoas importantes para nossa sociedade, como o Saint Mungus, Gringotes, a sede do Ministério da Magia, as residências de tradicionais famílias bruxas e mesmo alguns lares trouxas, e principalmente e de forma mais feroz, a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, deixaram como conseqüências mortes, destruição, muitos feridos e dezenas de dúvidas.
Apesar da ferrenha defesa que os funcionários do Ministério da Magia, os bruxos em geral, e também os membros de uma sociedade secreta de defensores, finalmente revelada em meio a toda essa confusão, desprenderam contra os agressores, ainda não há explicações para a súbita interrupção nos ataques e posterior retirada das tropas das trevas.
De Hogwarts nos chega a notícia, advinda do próprio Ministro Rufus Scrimgeour, de que Harry Potter, na companhia de alguns colegas, conseguiu finalmente derrotar Você Sabe Quem, e esse teria sido o estopim para a fuga desesperada de seus comparsas. Entretanto, nos foi negado qualquer acesso a tais jovens, e uma fonte de muita confiança nos assegurou que não há sinal do Escolhido na escola, de que seus amigos estariam isolados em uma das torres do castelo e de que, como não há cadáver algum a ser mostrado, a única certeza que a comunidade bruxa pode ter da morte Daquele que Não Deve ser Nomeado é a palavra desses jovens, exatamente como no caso do fugitivo acusado da morte de Alvo Dumbledore, Severus Snape, outro “morto invisível” desta guerra.
Essa jornalista, na pura intenção de conseguir para nossos leitores a melhor cobertura do desenrolar dessas situações, conseguiu a muito custo a autorização da atual diretora da escola, Minerva MacGonagall, para que uma estagiária desse jornal permanecesse nos limites de Hogwarts, nos repassando de forma imediata tudo de novo que surgir a respeito do Escolhido, da possível morte de Você Sabe Quem e do que realmente aconteceu nessas últimas horas. Até lá, ficam duas das mais angustiantes dúvidas pairando sobre nossas cabeças: O QUE REALMENTE ACONTECEU COM VOCÊ SABE QUEM? E ONDE ESTÁ HARRY POTTER?
Fiquem certos de que o PROFETA DIÁRIO não ocultará ou modificará qualquer fato, defendendo ou acusando quem quer que seja sem provas suficientes para tal, e mantendo até o fim a sua histórica imparcialidade.
Nos vemos nas próximas notícias!
RITA SKEETER.
(Mais detalhes dos atentados nas páginas 2, 5 e 6, incluindo relatos de vítimas e aurores.).
- Certas coisas não mudam jamais... – Observou Hermione laconicamente, enquanto dobrava o exemplar do jornal e o deixava sobre a poltrona a seu lado. – Rita já está semeando tempestades de novo...
- Você não pode fazer algo? – Ron estava sentado no sofá mais próximo à lareira da sala comunal, ao lado de Gina. Esta por sua vez, guardava um quase absoluto mutismo desde a partida de Harry.
- Poderia, se ela tivesse dito alguma inverdade explicitamente.Mas apesar das insinuações nas entrelinhas, não o fez.
A Sra. Weasley, que preparava as poções que a filha deveria tomar na grande mesa retangular ali perto, fungou exasperada, antes de aproximar-se com uma bandeja onde se viam frascos de várias cores e taças de suco de abóbora.
- Não sei como esta mulher conseguiu o emprego de volta no Profeta! Achei que este jornaleco tinha aprendido a lição...
- As papagaiadas da Skeeter vendem muitos exemplares, mãe. Talvez por isso tenha sido perdoada tão rapidamente. – Observou Ron, servindo-se de uma taça de suco. – O que mais me espanta é que o ataque a Harry, e a nós também pelo jeito, já recomeçou. O cara salvou o traseiro de todo mundo, e nem assim dão um tempo a ele!
- Bom Ronald... Quantas vezes Harry salvou a si e a outros das mãos de malfeitores? E não falo só de Voldemort! Tão logo o perigo desaparecia de suas lembranças, vários bruxos voltavam a tratá-lo como se fosse um louco exibicionista! Então, não é uma novidade tal ingratidão, é? Além do mais, o sumiço dele não ajuda muito...
Ron, que havia arqueado uma sobrancelha diante da menção de seu nome inteiro, limitou-se a sacudir os ombros conformadamente. Seu olhar preocupado passou a acompanhar os movimentos da mãe, que forçava a caçula Weasley a beber as poções coloridas. Haviam se passados dois dias desde a fatídica aventura na diretoria, mas a irmã continuava teimosamente reclusa em seus próprios pensamentos, não aceitando alimentar-se ou dormir se não fosse por meio de poções. A Sra. Weasley, que fora a segunda pessoa a entrar nos limites de Hogwarts vindo imediatamente atrás do marido logo que o feitiço de Voldemort se desfez, ocupava agora as funções de curandeira, cuidando dos três jovens isolados na torre da Grifinória já que Madame Pomfrey achava-se assoberbada de trabalho, e a bondosa senhora não admitia que houvesse pessoa melhor que ela mesma para cuidar dos filhos e de Hermione. Os gêmeos e Gui também estavam no castelo, entretidos em auxiliar nos muitos concertos que a antiga edificação sofria.
Arthur Weasley, que adentrara pelo buraco do quadro silenciosamente e escutara o desabafo de Hermione, manifestou-se, enquanto sentava-se do outro lado de Gina.
- Nem todos os bruxos, minha cara Mione. Nem todos! A grande maioria que está sabendo, mesmo que parcialmente, o que sucedeu por aqui, reconhece e agradece a vocês pelos heróis que são. Principalmente a Harry. Mas, sem dúvida, se ouvissem dele próprio o que aconteceu...
Puxou a cabeça da filha para seu ombro, mas Gina retesou-se e levantou de um salto, abusando de seu estado convalescente. Mancou sua perna imobilizada até a janela e ficou olhando para fora, os braços cerrados em torno do corpo. Molly mexeu-se para admoestá-la, mas um olhar e um gesto do marido a impediram.
Ron e Hermione entendiam bem a angústia da ruiva. Dois dias e nenhuma resposta ou notícia sobre Harry!
Logo após o resumo breve e direto de Ron sobre o que acontecera na sala da diretoria, a experiente professora MacGonagall permitira-se um momento a deixar o queixo cair e a olhar desnorteada para os três alunos diante de si. No minuto seguinte, entretanto, recuperou a energia e disparou a ditar ordens, apontando a necessidade de atenderem aos feridos e levantarem os estragos, bem como a urgência de perseguir os comensais da morte, retirar os abandonados e finalmente mortos por completo Inferis dos jardins e capturar tantos lobisomens quanto possível. Tinham também que se certificar que a compacta nuvem de dementadores realmente se diluíra, esparramando-se para longe da escola.
O exército do mal se sacudira em triunfo ao ver a Marca Negra nos céus de Hogwarts, atacando com ferocidade redobrada aos chocados defensores, a quem a mesma marca trouxera desesperado temor: Voldemort matara alguém dentro do castelo, provavelmente Harry Potter! Entrementes, tão logo a caveira reluzente foi varrida do céu e a silhueta de Bicuço voou sobre eles, rasgando a escuridão, a situação inverteu-se e foram os asseclas de Voldemort que correram em fuga, deixando para trás apenas os Inferis, que finda a magia maligna do Lord Negro, tiveram enfim descanso.
Como a ala hospitalar encontrava-se repleta de feridos, MacGonagall achara melhor que os três fossem recuperar-se na vazia torre da Grifinória, para onde foram levados por Tonks enquanto Lupin, Hagrid e os centauros partiam em busca dos lobisomens na Floresta Proibida, Rufus e os aurores saiam à caça dos comensais e MacGonagall e Bull ocupavam-se do resgate de Sprout, Neville, Luna e os aldeões, escondidos ainda. O baixinho Flittwick fora incumbido de acalmar e organizar quem sobrara no castelo.
Dobby, recuperando-se sob os cuidados dos demais elfos domésticos, principalmente Winky, fora trazido para a torre também, onde estaria livre dos maldosos “acidentes” que aconteciam quando Monstro aproximava-se dele. O elfo falava pouco e permanecia com as orelhas baixas, mas ia recuperar-se. Revoltado com a deslealdade do antigo servo dos Black, o mais forte dos elfos de Hogwarts tomou para si a missão de manter Monstro sob vigilância constante.
Os três jovens, sedados pelas poções de Madame Pomfrey, finalmente puderam cair em um longo e merecido sono, que não foi forte ou profundo o suficiente para apagar de suas mentes a preocupação com Harry. Envoltos em sonhos agitados com o amigo, não viram a chegada dos pais e irmãos à escola, a partida do ministro para Londres levando seus capturados inimigos, o retorno de Neville, coberto de elogios de seus protegidos pela coragem que demonstrou ao conseguir levá-los a salvo para as árvores logo atrás da cabana de Hagrid, e pela perícia em mantê-los invisíveis ali. Ou ainda a descoberta do Expresso de Hogwarts, descarrilado de seus trilhos e oculto e lacrado sob poderosos feitiços em uma das muitas curvas do caminho, seus ocupantes aterrorizados e famintos, mas milagrosamente inteiros. Fora somente na manhã seguinte que tomaram conhecimento da real dimensão do ataque, que ocorrera não só ali, mas em vários lugares dentro e fora da Inglaterra, de forma simultânea e magistralmente organizada. O plano de Voldemort de tomar por completo o poder no mundo bruxo teria sido brilhante, não fosse a valentia daqueles que o enfrentaram e a seus comandados, particularmente do “Full Hand”, (três ases e duas damas!), como o quarteto, juntamente com Neville, passara a ser chamado graças a Bull.
Quando viera saber como eles estavam passando naquela manhã, uma exaurida MacGonagall anunciou que a sala da diretoria, bem como seus retratos, estavam sendo restaurados e assim que estivesse utilizável ela viria buscá-los para terem a conversa elucidativa pela qual todos ansiavam.
- Apesar de estar tão ou mais intrigada quanto vocês sobre o que aconteceu e o que virá, acredito que seria muito mais produtivo se o retrato de Dumbledore estivesse presente em nosso diálogo, concordam? Alem do que, é melhor que descansem por enquanto, sem falar sobre isso. Logo reuniremos todos os principais envolvidos e então contaram uma só vez tudo pelo que passaram...
Sem opção, Ron e Hermione passaram o dia que hora terminava em questionamentos infindáveis, assistidos pela silenciosa Gina e pela irrequieta Sra. Weasley, tão emocionada quanto revoltada pelo que suas crianças estavam vivendo. Era nesse estado de espírito que conversavam, comentando o jornal vespertino que acabara de chegar.
O Sr. Weasley alcançou o informativo e leu silenciosamente a manchete de Rita, juntando as sobrancelhas ruivas em sinal de irritação.
- Que fonte muito confiável será essa que ela cita? Não acredito que quaisquer dos que lutaram aqui abririam para Skeeter o que houve...
- Aposto minhas fichas em Monstro. Ele não é exatamente discreto, é? – Resmungou Ron, entre um gole e outro de suco. Hermione esteve prestes a defender o elfo, mas desistiu, ela mesma acreditando que poderia ter sido o antigo elfo dos Black, realmente.- Ele não é proibido de conversar com pessoas que se aproximem da escola, ou ainda de mandar corujas... – Continuou Ron.
- Eu me surpreendi com o fato de que o Profeta mandou um estagiário para cá... Não seria o caso de mandarem seu melhor jornalista, excluindo obviamente Rita? – O Sr. Weasley andara até Gina, passando o braço por seus ombros, e desta vez a filha não recusou o apoio.
- Pois não se surpreenda, querido. Minerva só permitiu a presença da moça porque ela é recém saída de Hogwarts e ainda tem muitos amigos aqui, de forma que não irá alterar significativamente a rotina da escola... E Rita concordou imediatamente com a sugestão do diretor do jornal, para espanto de todos, aliás.
- Vocês sabem quem é a tal? – Hermione perguntou, já com um forte pressentimento que não gostaria da resposta.
- Aquela menina bonita, que namorou o falecido filho do Diggory... Cho Chang.
- Ahhh... Está explicado. Rita provavelmente está achando que ela terá acesso garantido a Harry, quando ele voltar... – Tanto Ron quanto Hermione encararam Gina, mas nem a menção de Cho modificou seu ar sombrio. Ron remexeu-se, incomodado. Se nem o ciúme agitava o gênio explosivo da irmã, tirando-a da resoluta inércia, talvez fosse hora de ele mesmo fazer algo a respeito.
O buraco do retrato abriu-se novamente e desta vez entraram por ele Lupin e Tonks, ambos com semblante muito cansado. Apesar disto, Lupin sorriu ao anunciar para os presentes, voltando-se novamente para a entrada da torre, enquanto Tonks acomodava-se próxima à bandeja com guloseimas que a Sra. Weasley conjurara.
- Vocês têm visitas...
Neville, Luna, e para espanto geral, Dino Thomas adentraram. A presença dos colegas animou até mesmo Gina, que se soltou do pai e juntou-se aos cumprimentos, mantendo-se, entretanto, bastante distante, para secreta decepção de Dino. Apenas Luna não deu importância para sua reserva e abraçou-a demoradamente, seus olhos aéreos reluzindo de alegria por ver a amiga quase recuperada dos ferimentos. Depois disso Luna acomodou-se ao lado de Ron e foi a vez de Hermione incomodar-se.
- Caras, estou louco para saber cada detalhe da derrota de Você Sabe Quem! Contem logo! – Disparou Dino, olhando de forma demorada para Gina, embora se dirigisse aos três.
- Sinto muito, querido, mas eles não vão falar disto agora! Na hora certa, você e os outros saberão de tudo, certo? – Apesar do tom bondoso, a voz da Sra. Weasley deixava claro que ela não admitiria o contrário. De sua poltrona, Lupin concordou com a cabeça e Tonks, agora aninhada no braço do mesmo móvel, olhou carrancuda para o rapaz.
Neville cutucou disfarçadamente o amigo nas costelas, ordenando com o olhar que ele não insistisse. Foi Hermione que distraiu as atenções do clima constrangedor que se formara.
- Por que não nos conta o que está fazendo aqui, Dino? A escola ainda demora a reabrir...
- Ah, claro... É que, como estávamos sem aulas, consegui um emprego como aprendiz do restaurador oficial de retratos do ministério, e vim ajudá-lo com os quadros que foram danificados aqui. Eu sempre tive um pouco de jeito com canetas e pincéis, vocês sabem... Mas, vocês ficaram sabendo do Simas? A família se mudou para a Irlanda e ele não voltará para Hogwarts...
E assim passaram a hora seguinte, entre detalhes de quem fora capturado e quem fugira, do trabalho que o ministério teria para restabelecer a ordem, do destino de vários colegas e professores e também sobre a aposentadoria precoce de Madame Pince e de Filch e sua gata, os dois se recusando há tempos a voltar para a escola alegando temor pela sua segurança pessoal. Até o sumiço dos fantasmas e de Pirraça teve espaço na conversa. Lupin informou que os fantasmas provavelmente reapareceriam quando tudo se acalmasse, já a covardia de Filch tinha tudo para ser de longa duração, tornando sua ausência definitiva.
A noite já havia caído de vez quando a diretora voltou à torre, desta vez para decretar que estava na hora das visitas se despedirem, já que Madame Pomfrey aconselhara que Ron, Hermione e principalmente Gina fossem cedo para suas camas e tivessem mais uma reparadora noite de sono induzido por suas poções.
- Tonks, o seu superior no departamento dos aurores pediu que voltasse imediatamente a Londres... Você sabe como proceder. Lupin, também deve ir descansar, está realmente abatido. Veja se consegue convencer Bull e Hagrid a fazerem o mesmo. Nunca vi tamanha reunião de homens teimosos... – Entregues todos os recados, MacGonagall fixou o olhar nos dois Weasley mais novos e em Hermione, suavizando o tom de voz. – Quanto a vocês três, amanhã pela manhã venho buscá-los. Boa noite a todos!
Como soldados bem treinados, todos se dispersaram para cumprir suas ordens. O Sr. Weasley foi atrás dos outros filhos que estavam trabalhando ainda e sua esposa praticamente carregou o trio escadas acima, rumo a seus dormitórios. Ron dividia o aposento com Dobby, que sempre se aninhava aos pés da cama de Harry. Aproximando-se do leito do amigo, o rapaz coçou as orelhas do elfo adormecido. Dobby abriu um pouco os olhos e grunhiu com voz entristecida.
- Meu Mestre Harry Potter já voltou, jovem senhor?
- Ainda não, Dobby. Ainda não. Quem sabe amanhã...
Dobby murchou as orelhas, praticamente colando-as ao seu curto pescoço e fungou, enrodilhando-se ainda mais aos pés do leito. Ron jogou-se na cama sem nem ao menos trocar-se e depois de vários minutos encarando o dossel acima de sua cabeça, murmurou para o escuro.
- Quem sabe amanhã...
==*==
- Eu não acredito que vocês entraram aqui, dispostos a enfrentar o pior bruxo das trevas de que temos notícia, com ISTO como plano. Simplesmente não acredito! Não sei se são absurdamente corajosos ou completamente... Doidos!
- Hagrid, por favor! Acalme-se para que eles possam continuar.
A atitude severa de MacGonagall tolheu os movimentos do grande amigo, que mesmo estando chocado, reconheceu a autoridade na voz da professora.
O casal Weasley, Hagrid, Neville, Bull e Lupin encontravam-se sentados mais ao fundo da reformada sala da diretoria, e fora o fato da Sra. Weasley encher constantemente os olhos d’água e do destempero repentino de Hagrid, insuflado pelo temor de ter quase perdido seus amiguinhos, mantinham-se silenciosos e absortos no relato. Os três jovens estavam diretamente à frente da mesa de MacGonagall, sendo observados por ela e pelo retrato de Dumbledore, o único dos quadros presentes à reunião. O ex-diretor ainda não se pronunciara, mantendo os dedos cruzados no colo e o olhar azul baixo. Ron aguardou o gesto de concordância de Minerva para prosseguir na narrativa.
- Como eu ia contando, Harry nos disse que em um duelo feitiço a feitiço, varinha contra varinha, as chances de Voldemort pelo grande conhecimento que tinha de magia eram muito maiores que as dele, no que concordamos plenamente. O que quer que ele fosse fazer para enfrentar o Cara de Cobra teria de ser rápido e surpreendente, para não dar oportunidade de reação, ou ainda, tempo de fazer algo contra Gina.
- Como a maioria das suas capacidades para defender-se de Voldemort vieram do próprio Riddle, por ocasião das invasões na mente um do outro, Harry decidiu provocá-lo até que o Lord invadisse seus pensamentos novamente e então ele retiraria do cérebro de Riddle tudo que precisasse...Ou conseguisse. – Atalhou Hermione. – E colocaria em prática para tentar vencer...
- Mas para matar Voldemort, cujo próprio corpo era o último horcrux, primeiro teria de exterminar a cobra, ela mesma um horcrux também e, de preferência, tirar Gina de perto do confronto. Não dava para fazer tudo isso sozinho e ao mesmo tempo... Não sem ser morto tentando.
Gina estremeceu violentamente neste ponto e Hermione apertou gentilmente sua mão, antes de prosseguir.
- Foi aí que nós entramos. Harry passou a capa de invisibilidade e a espada para Ron, que deveria se preocupar única e exclusivamente em liquidar Nagini. Depois me enfeitiçou com o feitiço da desilusão e a mim coube tirar Gina desta sala, o mais rápido e discretamente que eu conseguisse. Feito isso, nós três deveríamos correr para o mais longe possível daqui, deixando Harry com Voldemort, sem nos demorarmos pelo que quer que víssemos ou ouvíssemos entre eles.
- Harry sabia dos perigos de assimilar poderes de Riddle, já tinha passado por isso. Fomos nós três mesmo que o alertamos para o fato de que ele estava mudando por conta dessa influência. Como dessa vez a coisa toda seria muito mais violenta, quis nos tirar de perto dele também, prevendo que poderia se tornar perigoso de alguma forma. E foi o que aconteceu, só que de uma maneira muito mais... Grave do que pensávamos ser possível.
- Vocês o teriam deixado? – A voz de Gina soou baixa e incrédula, na primeira frase completa dita em muito tempo. Os olhos castanhos passaram do irmão para a amiga, acusadores.
- Claro que não! Mas como Harry sabia disto, antes de sairmos da torre nos obrigou a fazer um juramento inquebrável, prometendo deixar esta sala assim que a tivéssemos, Gina, e que a cobra estivesse morta. Fomos “dispensados” de cumprir o juramento quando Voldemort lacrou a sala assim que entramos, impossibilitando a saída.
- É verdade. Depois de servirmos de testemunha para o juramento um do outro, eu e Hermione o seguimos, ocultos, até aqui. E então...
- Esperem um pouco... Tonks me contou do encontro de Harry com Bellatrix e os comparsas no corredor. Ela disse que Harry os estava enfrentando sozinho. – Não havia censura na voz de Lupin, apenas curiosidade.
Ron sorriu enviesado.
- Harry mantinha contato mental comigo, nos orientando sobre como agir o tempo todo. Enquanto erguia a varinha para Bellatrix, me proibiu de deixar que ela percebesse nossa presença, pois poderia dar um jeito de avisar Riddle.
- Mesmo assim, estávamos prontos a interceder, quando Tonks surgiu. Você precisava ter visto Remo... Ela foi fantástica!
Lupin sorriu, orgulhoso.
- Eu posso bem imaginar, Hermione!
- Quando Tonks assumiu o duelo com Bellatrix, nós finalmente chegamos até esta sala... E a sensação foi mais assustadora do que eu posso explicar. Gina com Nagini enrolada no corpo, os quadros vazios e negros, o frio descomunal e Harry e Voldemort... Sentados frente a frente... Exatamente como nós agora, diretora. Foi... Aterrador.- Hermione baixou os olhos, relembrando nitidamente a cena em sua cabeça. Ron apertou-lhe protetoramente o ombro com a grande mão, sempre solidário. Gina perdeu o olhar nas sombras da grande lareira, uma única e grossa lágrima escorrendo pela face até o queixo.
- Ele me falou... Antes de vocês chegarem... Antes de me estuporar para que eu ficasse quieta... Que me mataria... Na frente de Harry... E de forma... De forma... Falou como se fosse... Algo... Sem importância...
A Sra. Weasley soltou um soluço alto e levantou-se, indo abraçar a filha, encostando a cabeça da garota em seu peito enquanto lhe acariciava os cabelos, acalmando-a. Hagrid e Bull aquietavam Arthur Weasley, que antes sempre tão calmo, desta vez enchera-se de fúria ao ouvir as palavras da filha.A diretora conjurou uma xícara de chá e entregou-a para Gina, dando assim tempo para que todos se recompusessem. Passados alguns minutos, voltou a atenção para Ron e Hermione, novamente.
- Como foi que Voldemort não percebeu a presença de vocês dois? Quero dizer, sendo ele um exímio legilimente...
- Grande parte deste feito se deve a Harry. Ele foi responsável quase que inteiramente pela premeditada confusão na mente de Riddle, que nos manteve incógnitos por algum tempo.
- Quase que inteiramente...? Por algum tempo?...- Foi Lupin que colocou em palavras as dúvidas comuns na sala.
Hermione e Ron sorriram discretamente, antes do rapaz retirar dos bolsos algumas barras de chocolate e apresenta-las ao ex-professor.
- Uma das mais úteis invenções dos gêmeos... Harry sempre tinha alguns na mochila, desde que Jorge e Fred lhe disseram que quem comesse essa belezinha seria capaz de enganar ao próprio Voldemort. Nos fez ingerir alguns e depois nos orientou a pensarmos fixamente que na realidade não estávamos aqui. Isso e a legilimência de Harry deveria ser o suficiente para nos ocultar. Durante um certo tempo realmente funcionou...
Lupin estudava de forma interessadíssima o doce em suas mãos.
- James e Sirius teriam adorado isto aqui...
- Interessante você mencionar Sirius, Lupin. Foi algo relacionado a ele que fez Harry perder momentaneamente a concentração, provavelmente permitindo a Voldemort que nos percebesse, então. – Diante de novos olhares surpresos, Hermione puxou fôlego e contou, desta vez sem qualquer interrupção, toda a conversa entre Harry e Lord Voldemort, incluindo a reação assustadora do amigo aos poderes adquiridos de Riddle, o duelo de feitiços, a maneira como os quatro juntos acabaram conseguindo a destruição do Lord Negro e finalmente o comportamento agressivo e a aura de maldade em torno de Harry, seguidos de sua partida brusca.
A Sra. Weasley voltou o rosto da caçula para cima, perguntando com voz chocada.
- Harry machucou... Machucou você?
- Ferida eu já estava... Mas ele me atirou para longe com um feitiço. E olhou para mim da mesma maneira que Voldemort o fez... Como se não tivesse importância.– Gina calou-se quando a mãe a apertou em novo abraço. O amor e carinhos maternos finalmente libertaram a emoção que lhe comprimia o peito, e ela soluçou surdamente com o rosto escondido no braço roliço de Molly Weasley.
Ron levantou e se ajoelhou à frente da irmã, forçando-a gentilmente a olhar para ele.
- Gina, sou seu irmão e jamais mentiria a você para livrar a cara de Harry, se ele fosse culpado. Desde o momento exato em que Luna o avisou de que você estava com Voldemort, Harry Potter só teve um pensamento, relegando a segundo plano profecias, guerras, medo, revolta, a segurança de quem estava no castelo e até mesmo a sua própria integridade física e o que mais ele tivesse na cabeça. A partir dali, em primeiro plano para ele, Ginny, estava salvar você.
Hermione juntou-se a eles, apoiando o que o rapaz falara.Neville, silencioso até ali, achegou-se também e sentenciou categoricamente no seu jeito tímido.
- É verdade, Gina. Sou testemunha de que nunca se viu Harry tão... Decidido a algo. Mesmo quando me pediu para assegurar que os aldeões ficassem a salvo, era óbvio que havia algo mais importante para ele acontecendo.
- Eu sei de tudo isso! Foi o fato de Harry ser tão nobre a ponto de importar-se mais com os outros do que consigo mesmo que não me deixou esquecê-lo, mesmo quando não achava ter chances... Não choro pelo que ele fez a mim em uma situação de descontrole. Choro porque tenho medo do que esteja acontecendo a ele nesse exato momento! E se ele ficar daquele jeito para sempre? E se tivermos perdido Harry para a maldade de Voldemort?
- Acho que a Srta. Weasley chegou ao âmago da questão.
Todas as atenções fixaram-se no retrato de Dumbledore, que enfim erguera os olhos e falara, enquanto observava bondosamente a tristeza de Gina e a preocupação de seus amigos. Ajeitando os óculos sobre o nariz torto, o desenho da moldura preparou-se para várias e difíceis explicações.
- Sei que esperaram pela minha restauração porque querem de mim informações que em vida eu certamente possuía. Devo lembrar-lhes, entretanto, que agora sou apenas um retrato, um rascunho do que fui, exclusivamente a serviço da diretora de Hogwarts. Todavia o pouco que posso elucidar de tudo isso, o farei da melhor maneira possível.
Passeou os olhos pela sala, na intenção de incluir nas suas palavras todos que ali estavam.
- A ligação entre Tom Riddle e Harry Potter é algo, até onde sei, inédito. Não houve registro de caso sequer parecido. Dessa forma trabalharemos no instável plano das conjecturas, tratando deste assunto. O que pude concluir, durante o fantástico depoimento de vocês, é que Harry entrou tão a fundo na individualidade de Riddle, de forma tão urgente e necessária, que não pôde... Como podemos dizer... Filtrar o que assimilava. Dessa forma, junto com os conhecimentos em magia necessários para o embate, recebeu também traços da personalidade, do temperamento, do caráter, vários dos poderes e, quase com certeza, os poucos sentimentos que Riddle era capaz de sentir. E de maneira mais clara e visível à primeira vista para vocês que estavam presentes, os desejos e vontades de Tom no exato momento que a troca se fez.
- O senhor quer dizer que...
- Eu quero dizer, Srta. Granger, que provavelmente Harry sentiu-se, com relação a vocês, da mesma maneira que Tom sentira-se. Se como a jovem Weasley nos contou, a intenção de Tom era matá-los...
- Harry passou a querer o mesmo. – Concluiu Hermione, em tom quieto.
- Sim. E é aqui que começa a verdadeira batalha entre Tom Riddle e Harry Potter, aquela prevista na profecia. Não me olhe com esse jeito incrédulo, Ronald! De maneira alguma estou desfazendo da terrível batalha que vocês quatro enfrentaram nesta mesma sala. Por certo, o fato de Harry ter nascido poderoso, embora nunca tenha se visto como tal, o permitiu suportar toda a magia injetada em seu ser de forma tão violenta e ainda a reação mágica da destruição do corpo de Tom Riddle sem morrer, enlouquecer ou fugir do que se apresentava, quando a grande maioria dos bruxos o teria feito. E é inquestionável também que a amizade de vocês, e note-se aqui que a amizade é uma das mais puras, incondicionais e desinteressadas de recompensas formas de amor, o salvou, visto que sem a ajuda de vocês três não teria vencido a luta.
- Mas...
O retrato sorriu para a sagaz Hermione, antes de continuar.
- Mas é agora que Harry está travando sua guerra mais intensa. Ele foi invadido por um poder tão grande quanto inimaginável e tão avassalador quanto sedutor. Imaginem passar a vida inteira sendo alvo de desprezo por parte da família, de incompreensão e de interesses fúteis por boa parte dos bruxos que conheceu, e sobre tudo, da arraigada e vingativa perseguição de um vilão mortalmente poderoso. De repente isso tudo fica para trás e ele se vê na posição do algoz praticamente invencível. Junte a tudo isso a maldade pura e forte que Harry absorveu de Riddle, tão perigosa quanto seus muitos conhecimentos em magia das trevas. Quantos bruxos e trouxas não sucumbiriam ao mais sedutor dos corruptores, o poder? Nesse caso, tamanho poder?
Ron bufou alto, as orelhas tingindo-se rapidamente de vermelho. Gina e Hermione também se agitaram, e agora Bull é que estava sendo acalmado pelo Sr. Weasley. Lupin, Neville e Hagrid apenas observavam, estupefatos.
- Harry não... Harry nunca deu importância... Nunca quis ter mais poder e fama do que qualquer um de nós, a não ser que fosse para salvar seu pescoço...E o nosso!!!!!– Vociferou Ron, recebendo um olhar de advertência de MacGonagall.
- Concordo plenamente, Ronald. E é nisso que moram todas as nossas esperanças! No fato de Harry ter sentido a vontade de Riddle de fazer-lhes mal, mas ter escolhido não fazê-lo! No fato de que durante sua vida no mundo bruxo poderia ter convivido com jovens mimados de famílias tradicionais, mas escolheu vocês três como seus mais chegados amigos, baseado nas pessoas que são e não em suas posses ou fama. No fato de ter aceitado Sirius, enxergando nele sua verdadeira índole, apesar da fama de assassino. De ter se afeiçoado a Lupin, apesar de seu “pequeno problema cabeludo de companhia”, de passar anos mais preocupado com o que poderia acontecer com os próximos a ele, pelo simples fato de conhecerem-no, do que consigo mesmo! É a essência boa de Harry, a pessoa íntegra que é, que poderá trazê-lo de volta para nós, vencendo toda a carga negativa recebida de Tom Riddle.
- E se ele não conseguir?- Desta feita foi MacGonagall que recebeu os olhares ultrajados dos presentes. – Como Alvo acabou de explicar, é um poder tamanho que mal podemos imaginá-lo. Eu confio em Harry tanto quanto vocês, mas não podemos deixar de pensar que provavelmente nenhum de nós aqui seria capaz de resistir, e que talvez Harry também não seja. O que acontece então?
- Então Voldemort terá vencido, apesar de já estar queimando no inferno. – Sentenciou Bull, cabisbaixo.
- Deus nos livre! – Atalhou Lupin. – Estamos falando de alguém com a maldade, o poder e os conhecimentos de Voldemort, porém mais jovem, mais cuidadoso, com sua alma inteira e nada disposto a cometer os mesmos erros de seu antecessor. Deus nos livre do terrível bruxo das trevas que Harry Potter seria!
Depois dessas palavras, o silêncio se estendeu por longos minutos, enquanto remoíam tudo que fora dito.
Procurando algo de menor importância diante de tudo aquilo, para desanuviar um pouco as emoções, Hermione dirigiu-se à diretora que secava discretamente os olhos.
- Diretora, a senhora lembra que contei como Harry aparatou e desaparatou em torno de Riddle, enganado-o? Como foi possível? Eu li em “Hogwarts: Uma História” que é...
- Impossível aparatar em Hogwarts. – Completaram Ron e Neville de forma automática, recebendo um olhar torto da garota.
- E você está absolutamente certa, Srta. Granger. Mas, desde que o diretor vigente desfaça o feitiço em algum aposento, como aconteceu por ocasião das suas aulas de aparatação, torna-se perfeitamente possível. Quando Hogwarts foi cercada e não podíamos nos comunicar com o resto do mundo, eu liberei esta sala, e também a Sala Precisa, caso o acesso à diretoria fosse impedido de alguma maneira. Pensei que Voldemort não pensaria em providenciar feitiços anti aparatação, visto que tinha amplo conhecimento desta regra, e que assim poderíamos buscar ajuda. Mas ele foi precavido neste sentido também, infelizmente. Só conseguimos aparatar daqui para a Sala Precisa e vice-versa, e não para fora do castelo. Por sorte Tonks, a primeira que tentou, não se feriu... Quando disse ontem à noite que ela sabia como proceder para regressar a Londres, foi da Sala Precisa que estava falando.
- E como Harry soube disto?
- Através de Voldemort, acredito. Como ele soube, no entanto, é um mistério para mim. Apenas o ministro, Lupin, Tonks e eu mesma sabíamos.
- Riddle era um grande legilimente, como você mesma disse há pouco, Minerva. Um simples pensamento seu sobre isso, na presença dele, seria o suficiente.
- O tempo que ele esteve entre nós, disfarçado... No caminho de Hogsmead até o castelo... Por Merlin, o que eu fiz?...
- Não se preocupe, professora. Aquilo acabou sendo bem útil a Harry! Deixou Voldemort perdido! – Racionalizou Hermione.
- E porque ele também não tentou aparatar? – Quis saber Neville.
- Ele só acreditou no perigo que nosso amigo representava no último segundo, enquanto sua cabeça desprendia do pescoço. Sua própria pretensão foi uma arma importante para Harry. Subestimá-lo não foi nada esperto da parte de Riddle.
Hagrid virou-se para Ron, juntando as sobrancelhas grossas sobre o nariz.
- Êh, Rony... Se entendi direito, você matou a cobra. Destruiu uma daquelas coisas... Daquelas coisas de Voldemort. Como foi que não aconteceu nada com você? Dumbledore se feriu feio...
- Bom Hagrid, Harry achava que como Nagini fosse um horcrux vivo, talvez Voldemort não pudesse colocar feitiços protetores nela, não tão fortes pelo menos. Isso explicaria o fato de ele mantê-la sempre junto de si, já que não era o tipo apegado a animais de estimação, não é? E eu aceitei correr o risco...
Hagrid e os outros, com exceção de Lupin, voltaram-se constrangidos para Hermione, todos com a mesma pergunta silenciosa no olhar, e ela sorriu, calma.
- Não, eu não fiquei ressentida por não ter sido escolhida para tal tarefa. Concordei inteiramente com Harry que Ron era a melhor opção.
- E não havia mesmo porque ressentir-se, Hermione, já que ficou incumbida da segurança de Gina. Eu realmente não consigo acreditar que Harry pedisse isso a alguém em quem confiasse menos que em si próprio.
Hermione corou diante das palavras de Lupin, e ainda mais diante do consentimento dos outros.
- Vocês não estão falando em como vamos buscá-lo! – O gênio de Gina finalmente emergia e com força total, aparentemente. – Ou em quando vamos!
- Esta última batalha Harry deve encarar sozinho, srta. Weasley. Ele voltará, a seu tempo. Não devemos nos aproximar até que tenha...
- Conversa fiada! – Explodiu a garota para assombro geral, mancando resoluta pela porta afora. Dumbledore não reagiu, limitando-se a cruzar os dedos novamente e a encarar pensativo um canto qualquer da sala.Hermione e os Weasley foram atrás de Gina, enquanto Ron, Lupin e Bull trocavam um olhar cúmplice. O mais novo dos rapazes Weasley colocou-se de pé, pedindo de forma direta para a diretora da escola.
- Não deixem que ela tente ir atrás dele! Prendam-na se for preciso. Harry ainda pode ser... Ou estar... Muito perigoso!
- Como sabe? E aonde pensa que vai, que não pode o senhor mesmo olhar por sua irmã?
Ron suspirou, esfregando a nuca. O que vinha a seguir não seria fácil, mas tinha de ser feito.
- Harry não quebrou o contato mental comigo, nem durante nem depois do fim do Cara de Cobra. Foi assim que eu soube que ele, ainda que de forma inconsciente, estava lutando contra a peçonha de Riddle. Foi assim que ele me mostrou que estava tão preocupado em tirar as garotas de perto do perigo, dele próprio aliás, quanto antes da luta com Voldemort. E foi assim também que eu pude entender o que ele murmurou a Bicuço antes de partir...
- E o que foi? – Lupin tinha as feições fechadas, antevendo a resposta.
- “Tire-me daqui, antes que eu os mate!...” É por isso que não devem deixar Gina ir atrás dele! Não há como saber se ele conseguiu se controlar. Sei que talvez não concordem com isso, mas quem vai a procura de Harry sou eu!
==*==
Havia um novo fantasma na vila. Este, porém, não se restringia a soltar sussurros nas encostas da colina durante a noite, permanecendo invisível. Este se atrevia a caminhar durante o dia, apavorando as crianças menores com seu olhar gelado e aspecto atormentado. Naqueles um pouco mais velhos, entretanto, causava uma temerosa curiosidade, que incitava os meninos a segui-lo, atrás de uma alguma ação apavorante. O fato de o destino certo do “Fantasma da Colina” ser sempre o cemitério, mais especificamente, as duas lápides brancas do casal assassinado tantos anos antes, contribuía consideravelmente para o aumento das fábulas a seu respeito. A silhueta magra permanecia longas horas sentada entre os dois túmulos, completamente imóvel.
A criançada só não chegava mais perto dele nestas ocasiões porque o velho vigia do cemitério, que como veterano de guerra sabia reconhecer alguém lutando contra seus demônios internos e sabia também que fantasmas não eram tão sólidos, os escorraçava, resmungando para que deixassem o homem chorar pelos seus mortos em paz. O velho guardião permanecia distante, cuidando para que nada perturbasse o rapaz, que via de regra, desaparecia como fumaça depois de algum tempo diante das lápides brancas.
Harry sentia-se grato a ele, mas não o suficiente para aproximar-se e agradecer. Seus dias e horas eram gastos tentando sufocar sensações e sentimentos que desconhecia, mas que a todo o momento brotavam quase incontroláveis em seu peito. Quanto maior a distância que pudesse manter de qualquer ser vivente, tanto melhor. A magia simplesmente fluía dele, sem parâmetros ou limites. Era capaz de fazer coisas assustadoramente elaboradas com um simples maneio da varinha, fato que o fizera restringir ao máximo o seu uso. O instinto de causar sofrimento era por vezes tão premente, que obrigava-se a sentar diante dos túmulos dos pais, o corpo todo tenso, e ali ficava até conseguir o mínimo de alívio em sua agonia. Fazia o mesmo quando a raiva de trouxas e sangues ruins subia pela sua garganta, e ele sentia ao mesmo tempo alegria maquiavélica ao elaborar planos de destruição e nojo violento de si mesmo.
Mal podia comer dos poucos mantimentos que surrupiara do restaurante fechado de Bull. Suas noites eram repletas de pesadelos com as imagens que vira nas lembranças de Riddle, mescladas com as dele mesmo matando ou atacando seus amigos e outras do padrinho em agonia, acorrentado em um lugar que faria o inferno parecer uma tarde no parque. Quando acordava, encontrava a pequena casa na árvore de Bull atingida pela magia raivosa que liberava durante os pesadelos.O grito que Gina soltou quando a atingiu ecoava em seus ouvidos dia e noite, causando raiva e remorso, simultaneamente.
Conforme as horas passavam, descobriu que não só as visitas aos pais traziam algum controle ao seu íntimo. O trabalho braçal nos escombros da casa na colina foi uma grata surpresa a seu atormentado espírito. Passava cada minuto que não estava no cemitério no terreno cercado de escombros, e desde que chegara já lacrara com terra e pedras o poço, o corredor cortante e o malfadado porão cheio de feitiço definhante, selando para sempre a magia de Riddle que ali se encontrava, neutralizando-a. Ninguém mais seria atingido por ela.
E assim os dias se escoaram. Muito lentamente, conseguiu estabelecer certo controle sobre sua parte Tom, como passara a chamar a massa confusa de malignidade que alojara na mente. Aos poucos conseguiu isolá-la em alguma parte de si mesmo, de forma que ela não fosse latente, mesmo sem deixar de estar presente. Nunca seria capaz de apagar tudo que viera, então, já se sentia satisfeito se conseguisse manter sob certo domínio seus novos poderes.
Enquanto molhava os cabelos nas águas geladas do riacho que corria próximo à cabana, depois de mais um dia de trabalho na sua casa, escutando o granjeio feliz de Bicuço que saboreava uma doninha como jantar, pensou pela primeira vez em voltar. Talvez não em definitivo, mas haviam coisas a serem resolvidas. Precisava devolver a espada que refulgia sob a luz do crepúsculo, encostada na árvore atrás de si, à sua legítima dona, Hogwarts. Também entregar Bicuço aos cuidados de Hagrid. Precisava ao menos se despedir dos amigos... Ver a extensão do mal que causara a Gina... Ou poderia simplesmente partir, ir viver entre os trouxas, em outro país, e deixar aqueles que amava livres em definitivo do perigo ambulante que se tornara. Dividido entre as duas opções, jogou-se de costas na grama irregular, sentindo os últimos raios do sol secarem seu rosto.
Acordou subitamente do leve cochilo a que tinha se entregado, quando sentiu o aço frio da espada tocar sua garganta, e uma voz conhecida declarar rispidamente.
- Hora de morrer, Potter!
==*==
A grande maioria dos estudantes já havia voltado para a escola, apesar das aulas só estarem marcadas para recomeçarem dali a uma semana. Era consenso entre os jovens que a atmosfera segura e familiar de Hogwarts era um bálsamo bem vindo depois de tempos de tanto medo, e eles passavam os dias ora auxiliando nos arremates finais no castelo, ora em longos passeios ao longo do lago, matando as saudades da lula gigante. Era na hora das refeições, porém, que o assunto principal de conversas surgia com força total. Formaram-se inclusive bolsas de apostas sobre quando, como e em que estado Harry Potter reunir-se-ia a eles. Os irmãos Creevey circulavam entre os demais alunos reunindo nomes para um provável fã clube para o Full Hand. Provável, porque a entidade ainda não fora autorizada pela diretora da escola. Até a mesa da Sonserina juntava-se ao burburinho, tendo, no entanto um tom bem mais jocoso e ressentido em suas especulações.
- É claro que o Potter não vai dar as caras! Como é que vai explicar o boato que ele próprio espalhou de que foi capaz de matar Lord Voldemort? Quem é que vai acreditar nisto? – Pansy Parkinson esganiçara várias vezes em alto e bom som, recebendo murmúrios de concordância de seus colegas de casa e francos e hostis olhares de reprovação de todo o resto. – Além do mais, a Granger e o Weasley também deram no pé, sem abrir o bico! Acho que não vamos vê-los por aqui novamente... – Acrescentava, sem muita segurança, porém.
A pena de repetição rápida de Cho voava sobre o pergaminho, registrando cada palavra relevante proferida entre as mesas. Sua dona, entretanto, fixara a atenção na moça ruiva que, passando pela mesa da Sonserina, murmurou algo a Pansy que a fez empalidecer violentamente e calou seus coleguinhas por completo. Depois disso, Gina Weasley caminhou lentamente até seu lugar à mesa da Grifinória, servindo-se de um pouco de suco de abóbora, todavia sem tocar na comida. Cho respirou fundo e recolheu seus pergaminhos e a pena. Tinha que aproveitar antes que algum dos protetores amigos da Weasley aparecessem. Aproximou-se e perguntou da forma mais gentil e descontraída que conseguiu.
- Olá, Gina! Posso me sentar um pouco com você?
Os olhos castanhos de Gina registraram o nervosismo dissimulado da outra. Cho estava insegura e não podia culpá-la. Realmente não estava para entrevistas ou conversas. A boa educação que sua mãe lhe dera falou mais alto, porém, e ela sinalizou afirmativamente.
- Gostaria de lhe fazer algumas perguntas? Posso?
- Poder, pode. Mas não garanto responder a todas.
- Seu irmão e Hermione Granger... Eles estão bem?
- Estão ótimos, obrigada!
Cho ruborizou, perdendo a linha do raciocínio por um momento. O estágio como jornalista, todavia, já havia lhe ensinado um pouco a dissimular o constrangimento.
- Que bom! E eles demoram a voltar?
Gina sorriu de canto.
- Eles estarão aqui para o início do período letivo.
Cho resolveu jogar aberto.
- É segredo para onde eles foram?
- De maneira nenhuma. Hermione foi passar estes dias de folga, ante do início das aulas, com seus pais. Ron a acompanhou.
- Hum... O relacionamento está ficando bem sério, hein?
- Isso você terá de perguntar a eles... E agora, por que não poupa o meu tempo e o seu, e pergunta de uma vez o que a trouxe até aqui, Chang?
Cho guardou a pena e aprumou-se, encarando pela primeira vez a outra nos olhos.
- Eu não vou colocar isto na matéria, é extra oficial, ok? Harry... Você sabe como ele está?
Gina negou com a cabeça.
- E ele, ele realmente... Realmente...
- Matou Voldemort? Sim, matou. Com a ajuda de Hermione, Ron e minha.
A conversa tinha chamado a atenção dos que estavam sentados próximos e um silêncio estabelecera-se naquele lado do salão. Cho tomou um gole de suco, tomando coragem.
- Você e ele... Vocês estão juntos?
Gina lançou-lhe um olhar bem específico, que qualquer mulher no mundo reconheceria.
- Pegue sua pena novamente, Cho. Anote bem o que eu vou dizer, para que fique bem claro para você e para quem ler o jornalzinho para o qual trabalha. Harry Potter é um herói nato, um valente por princípios, um amigo leal, um nobre de coração e sou dele incondicionalmente, apesar do que for, se ele assim quiser.
Despedindo-se com um aceno de cabeça, Gina Weasley deixou o salão, agora silencioso de surpresa, pois muitos haviam ouvido sua declaração. Cho titubeou, sem saber o que fazer quando todos os olhares voltaram-se para ela. Sorrindo amarelo para os mais próximos, seguiu também para fora do aposento, quase correndo para os jardins.
Sentada à beira do lago, deu vazão às lágrimas indiscretas que lhe queimavam os olhos. Fora para o castelo sob o pretexto de compilar as notícias para Rita, mas na verdade tinha a esperança de conversar com Harry. Queria contar como amadurecera durante os últimos tempos, como se arrependia de não ter lhe dado o apoio e o carinho que ele precisara, queria lhe mostrar que agora estava livre da infantilidade e do ciúme gratuito, e que poderia ser uma companheira a altura para ele.
Mas a companheira dele era Gina Weasley. Mesmo não querendo, isto lhe saltava aos olhos. A outra sempre estivera por perto, sofrera por ele, lutara com ele e por Gina ele tinha se arriscado sobremaneira. Conformar-se com o fato, porém, não a ajudou a conter a nova torrente de lágrimas. Com a cabeça baixa, saltou de susto quando um lenço muito branco e macio foi colocado entre seus dedos e alguém se sentou ao seu lado.
- Os dois foram feitos um para o outro.Se você estivesse estado aqui durante os últimos acontecimentos, saberia disto...
- Acho que eu soube desde que os vi juntos a primeira vez... Mas achei que não custaria tentar... – Acabando de enxugar o rosto, olhou meio sem jeito para seu misterioso bem feitor. – Depois eu lhe devolvo seu lenço...
- Pode ficar com ele. Sinto muito não poder ajudar mais.
- Não se preocupe, eu vou ficar bem... A não ser quando contar a Rita que não consegui a exclusiva com Harry. Ela vai me estuporar, com certeza!
O rapaz sorriu, aliviado que o humor já voltava aos olhos da bela jovem. Em tom sensato, ponderou.
- Eu acho que Harry não estará disposto a entrevistas, a quem quer que seja, quando voltar. Não leve isso para o lado pessoal.
- Espere... Você esteve aqui todo o tempo, não é? Lutou com eles, é parte do Full Hand! – Diante do sorriso em resposta, emendou rapidamente, já sacando a pena de repetição. – Você me concederia a entrevista? ... Desculpe, eu lembro de você dos tempos da Armada, mas,... Como é mesmo seu nome?
- Neville, Neville Longbotton. – Acomodando-se de forma a ficar de frente para a estagiária de Rita, Neville sorriu mais uma vez. – O que quer perguntar?
À hora do almoço, Lilá Brown cutucou Dino entre as costelas, fazendo-o saltar em protesto.
- Lali! Quer me matar de susto? – Resmungou, massageando a área atingida.
- Susto você terá quando ver o casal nada provável que acaba de entrar!
Olhando por sobre o ombro, Dino sorriu para Neville, que acabava de escoltar Cho Chang à mesa da Corvinal e acomodava-se junto a ela.
- Grande Neville! Ele merece!
- Ah, DinDin! Por favor! Os dois não tem nada a ver! E quero perder meus cabelos se a Cho não está atrás do Harry.
- Cuidado com o que deseja, Lali. Na minha opinião, Cho chegou à mesma conclusão que eu. O que não tem remédio...
Lilá aproximou-se mais um pouco e jogou os braços pelo pescoço do rapaz.
- Mas você tem um remédio contra Gina Weasley... Eu!
- Isso se “Won-Won” não ressurgir das cinzas, não é?
Um ar excepcionalmente adulto surgiu nas feições fúteis de Lilá, e seu tom era tão sério quanto quando respondeu.
- Ron e eu nunca deveríamos ter acontecido. Ele sempre gostou da Granger, só ela não via isso.
- Então, Lali, vamos ver até onde eu, você, Neville e Cho conseguimos chegar... Talvez seja longe, muito longe...
Vários andares acima, Gina Weasley refugiava-se novamente em seus aposentos, escapando das perguntas ansiosas da mãe. Prometera a Pansy Parkinson que Harry cuidaria das dúvidas dela quando chegasse. Dissera a Cho Chang que estavam juntos, sim. E, no entanto, não sabia se o veria novamente. Tinha a opinião que Hermione e Ron sabiam mais do que falavam, mas a lealdade entre os três era forte demais para que Gina pudesse transpassá-la. Chegara a pensar em fugir e embrenhar sua própria busca, mas Fred e Jorge, influenciados pelos pais, cercavam-na de discreta e acirrada vigilância, revezando em turnos com Gui.
Um leve estampido a seu lado antecipou a chegada de Dobby, seu companheiro mais constante nos últimos dias, que sem uma palavra sentou-se a seu lado na cama. Juntos e silenciosos, esperaram.
==*==
- Quer dizer que nem ao menos consegui assustá-lo?
- Não foi por sua culpa, Ron. Desenvolvi um certo... Pressentimento para o perigo. Se você fosse realmente me matar, eu teria acordado antes. E você? E se eu o tivese atacado?
Ron, encostou-se no tronco de uma árvore caída, junto da enorme fogueira que Harry havia conjurado para preparem alguma comida.
- Se continuasse com seu humor alterado, Harry, eu chegar quieto ou badernando não faria diferença, não é? E eu achei que desta vez o assustador seria eu!
Harry coçou as penas muito brancas de Edwiges, que desde que chegara com Ron, na tarde anterior, não se separava do dono por nada.
- Troco meu lugar de assustador com você a hora que quiser.
Lá estava a amargura outra vez. Desde a noite anterior haviam conversado muito, sem falar de Harry, porém. Haviam apenas acontecido essas pequenas referências a si mesmo, sempre recobertas de amargurada ironia. Outro assunto cuidadosamente evitado até ali tinha sido Gina. Depois das explicações de Ron sobre seu estado físico e de sua tristeza sem par, Harry não tocara mais no nome da garota. Decidindo que já dera tempo suficiente para que o amigo se acostumasse às notícias, Ron partiu para o ataque.
- Vejamos Harry... Já me mostrou as obras na sua casa, me contou como enfeitiçou esta cabana para que não o encontrassem, já me disse que passou as últimas duas semanas revezando entre trabalho pesado e visitas a seus pais. Mas ainda não falou dos pesadelos que teve ontem à noite, de como está se sentindo agora em relação ao que absorveu do Cara de Cobra, e nem do que vai fazer de agora em diante. Sinceramente, fora o aperto de mão que me deu ontem quando cheguei, todo o resto me pareceu comportamento estudado. Vá abrindo a boca, cara. O que quer que seja, eu prefiro saber.
Harry virou as salsichas sobre o fogo, ensimesmado. Depois soltou um longo suspiro, decidindo que devia ao amigo as explicações que lhe pedia.
- Estou me comportando assim, Ron, porque qualquer emoção exarcebada pode me fazer perder o controle dos poderes que adquiri. Os pesadelos são reprises do que vi na cabeça de Tom, acompanhados dos meus próprios medos, e não são nada agradáveis de ter ou contar. Sobre o que fazer agora... Não tenho idéia formada, mas... Não acho que deva expor meus amigos e mesmo estranhos ao campo minado que seria uma convivência comigo. Veja o que fui capaz de fazer com Gina...
- Você está falando do que? De quando a salvou na Câmara Secreta há anos ou mais recentemente quando a salvou na Diretoria?
- Você sabe que eu a feri!
- Não! Foi Riddle quem a feriu! Você, como já lhe disse que Dumbledore explicou, afastou-a das intenções de Voldemort, das vontades que você tinha pego dele. Você a afastou para protegê-la, Harry! E protegeu a nós também! Não esqueça que eu tinha contato com sua mente e presenciei toda a batalha interna que travou. Mal humorado ou não, foi Harry, e não Voldemort, quem venceu!
- Você fala por você, e Hermione talvez... Mas o que o faz pensar que os outros me queiram por perto?
- Primeiro, o mundo bruxo hoje se divide em três: Os que o proclamam herói sem restrições, que graças a Merlin são a maioria, os que acham que você teve somente sorte descomunal e os que não acreditam que tenha realmente acabado com Voldemort, e que só está querendo aparecer. Nenhum dos grupos se importará de forma realmente negativa com a sua volta. Quanto aos que sabem da troca de informações entre você e Riddle, MacGonagall achou que você os usaria para cair fora... Então mandou isso.
Passou a Harry um envelope lacrado com o emblema de Hogwarts, endereçado a ele com a caligrafia fina e verde tão conhecida. Dentro, um pergaminho com uma mensagem bem direta.
“Caro Harry,
Só posso imaginar os tormentos a que foi injustamente exposto, e as seqüelas que eles deixaram. Você tem minha incondicional solidariedade por isso.
Entretanto, antes que se deixe levar pelo sentimento óbvio e equivocado de que isolar-se é o melhor, peço que pense um pouco mais a respeito.
Se precisa refugiar-se de sentimentos e poderes incompreensíveis para você, que o fazem temer por suas ações, pergunte-se aonde eles aflorariam com mais facilidade: Sozinho, quando nossas emoções negativas tendem a potencializar-se? Ou cercado de seus amigos, os primeiros que lhe avisariam sobre qualquer comportamento estranho de sua parte, apoiando-o absolutamente? Sozinho, onde continuaria a aprender tudo sobre suas novas condições com base na frustrante diretriz da “tentativa e erro”, ou junto a nós, dentro de uma escola, repleta de professores dispostos a tudo para ajudá-lo?
Pense bem, Harry. É tudo que lhe peço.
Espero revê-lo antes do primeiro dias de aulas.
Cordialmente.
Minerva MacGonagall.”
Harry leu duas vezes, a dúvida aumentando consideravelmente dentro de si. Não havia como negar a sabedoria nas palavras da professora, mas nem por isso deixava de temer a volta. Sem conseguir responder à pergunta expressa nas faces de Ron, esquivou-se do assunto, ganhando um pouco mais de tempo.
- Como foi afinal que me achou? Bicuço é o fiel do segredo da cabana, e ele não saiu daqui.
Ron sorriu como fazia antes de aplicar um xeque-mate no xadrez.
- Foi só reunir a sensação de que você viria para seus pais, às informações de Bull. Quando as coisas se acalmaram um pouco ele veio ver seu restaurante e descobriu um rombo na sua despensa. Após isso veio atrás do jipe e não conseguiu encontrá-lo ou à cabana, por mais que circulasse por aqui. Quando consegui convencer a MacGonagall e meus pais de que eu deveria procurá-lo, que talvez a mim você deixasse se aproximar, bastou procurar por esta curva do riacho e não pela casa na árvore em si, e aqui estou eu!
Harry armou uma expressão que lembrava brevemente seus antigos sorrisos.
- Você anda convivendo muito com Mione...
As orelhas de Ron avermelharam e ele desviou os olhos, amuado. Sinal claro de que se encontrava sob pressão.
- Que cara é essa? Vocês brigaram?
- Quisera ter chegado a isso... Estava tudo bem durante a guerra, mas... Conforme tudo se acalmava Hermione foi ficando... Sei lá... Frustrada com alguma coisa. Parece que espera que eu diga ou faça algo, sempre que estamos juntos, mas, por mais que eu tente, não consigo pegar o que poderia ser.
Harry ponderou por alguns momentos, enquanto Ron se servia de uma generosa porção de salsichas. Finalmente achou seguro perguntar, já que o outro tinha as mãos ocupadas. Extremamente constrangido, já que tinha muito mais experiência em artes das trevas que em conselhos sentimentais, Harry arriscou-se, pelo bem dos amigos.
- Ron, vocês conversaram? Quero dizer, sobre vocês?
O ruivo engasgou-se, espalhando um tanto de salsicha para os lados.
- Como assim? O que há para conversar que já não foi dito?
- Ron, você falou para Hermione como se sente?
- Eu mal consigo manter as mãos longe dela, e ela sabe disto!
- Mas você não falou, falou?
Ron empalideceu, enfim caindo em si.
- Ah, Merlin! Que grande otário eu sou.
- Realmente!
- Não seja tão rápido em tirar onda com a minha cara, Potter! Sua vida sentimental está bem mais problemática que a minha.
- Por falar em minha vida sentimental...
- Nem vem! Quer saber de Gina, vá pedir para ela!
- Muito obrigado pela ajuda!
- É só voltar comigo, e verá com seus próprios olhos se ela o perdoou! E é bom se decidir logo, pois Dino anda a solta no castelo.
Um brilho escuro riscou os olhos verdes, e Harry segurou um violento tremor que lhe ameaçou as entranhas.
- Provocar algo como ciúmes em mim pode não ser muito aconselhável...
Ron arrependeu-se ao sentir a amargura do amigo retornar.
- Desculpe, cara! Não tive essa intenção... Mas... E então? Vai voltar comigo?
Harry voltou a acariciar Edwiges, o olhar perdendo-se no crepúsculo.
==*==
Hermione releu o pequeno bilhete preso em seus dedos, o coração confrangido de expectativa. Mal chegara de volta ao castelo e Dobby entregara-lhe o pequeno pergaminho, dizendo ser urgente que o lesse. Entregando a pouca bagagem aos cuidados do elfo, abriu-o no hall de entrada mesmo.
“Venha me ver na Sala Precisa. Descobri coisas terríveis. Preciso de sua ajuda!
Ronald.”
Isso queria dizer que as coisas com Harry saíram de mal a pior. Sabia que deveria ter ido com Ron ao encalço do amigo, mas deixara-se convencer, principalmente diante do pedido encarecido dos pais para que fosse ter com eles. Só em casa dera-se conta da artimanha que o ruivo armara com os Granger para mantê-la a salvo. Como mentira para Gina com o mesmo propósito, não se permitira censurar os cuidados de Ron com ela. E agora ele lhe chamava em tom de urgência... Sabe-se lá o que se dera entre ele e Harry! Nunca o caminho pelas mirabolantes escadas que trocavam de lugar de Hogwarts parecera tão longo! Enfim viu-se em frente à conhecida tapeçaria, pedindo mentalmente para encontrar-se com Ron.
A lustrosa porta surgiu de primeira. Adentrando a sala, sem a mínima noção do que encontraria, Hermione perdeu a fala diante da inusitada decoração. Fotos! Fotos e mais fotos que se repetiam e multiplicavam pelas paredes, entremeadas aqui e ali por desenhos fantasticamente realistas. Os personagens principais não mudavam em uma sequer que fosse. Ela e Rony.
Em algumas delas, estavam no dia das bruxas do primeiro ano, logo após o ataque do trasgo, Ron e ela andavam por um corredor, o braço dele protetoramente colocado em seus ombros. No segundo ano, Ron sentado ao lado de sua cama na ala hospitalar, segurando sua mão petrificada cuidadosamente entre as suas. O maior e mais detalhado desenho era de uma cena da qual ela se lembrava muito bem. Diante do buraco do retrato, ela se aconchegava a Ron, que meio sem jeito, acariciava o topo de sua cabeça, tentando consolá-la por ocasião da notícia da execução de Bicuço. E assim as cenas se sucediam, em ordem cronológica, passando pelo olhar ciumento de Ron no Baile de Inverno, pelas divertidas aventuras de faxinar Grimmauld Place e pelo ataque dos passarinhos amarelos.
Quando procurava pelas fotos e desenhos que mostravam o último ano, foi que Hermione reparou em grande livro, encapado de vermelho, que trazia em dourado as palavras “Para Hermione” na capa, e repousava sobre um suporte no centro da sala. Com o coração disparado, abriu o volume.
Os desenhos sucediam-se ante seus olhos, as mesmas fotos da parede, acrescentando-se todos os fatos marcantes da caçada aos horcruxes, estavam ali, mas sempre no ângulo de Ron olhando para ela. E como a olhara! Nunca imaginaria a quantidade de atenção e cuidado de que fora alvo, se não visse aquelas figuras. E Ron tinha colocado a história deles... Em um livro! No objeto que lhe era mais familiar neste mundo! Um livro!
Foi só quando se deparou com a última foto e as várias páginas em branco que se seguiam, que ouviu a voz de Ron às suas costas.
- As próximas são para preenchermos juntos... Se você quiser!
Agarrando o livro junto ao peito, virou-se para ele. Ron tinha o rosto e orelhas inacreditavelmente rubras e parecia não saber onde colocar as mãos, mas a olhava firme. O salto que deu para seus braços fez com que seus cabelos volumosos o cegassem parcialmente, mas Ron não pareceu importar-se. Segurando-a pela cintura de modo a que ficasse na mesma altura que ele, o livro prensado entre os dois, sorriu para a melhor amiga e namorada que poderia ter na vida.
- Isso é um sim?
- Isso é um: “Claro que sim! Mas por que raios demorou tanto a pedir?...”.
Ron sorriu brandamente entes de beijá-la várias vezes, intercalando os beijos com pedidos de desculpas...
Um bom tempo depois foi que Hermione e Ron falaram sobre Harry Potter.
==*==
- Pode entrar! – Autorizou Minerva MacGonagall, tão ocupada na elaboração dos novos horários que só ergueu o olhar para o visitante após ele estar sentado a sua frente. O susto a fez exclamar alto, acordando todos os retratos que cochilavam placidamente, ou fingiam estar.
- Harry! Por Merlin, Harry!
Levantou-se e deu a volta na mesa, não se importando em envolver seu aluno em um apertado e aliviado abraço. Por sobre o ombro da professora, Harry encontrou o faiscante olhar azul de Dumbledore, mais indagador em sua placidez do que nunca.
- Como você está, menino? Onde estava? Como se sente?...
- Se você não der uma pausa entre uma pergunta e outra, como quer que ele responda, minha cara Minerva?
- Odeio admitir, mas Nigellus tem razão... Sente-se Potter, e me conte o que aconteceu. Faz tempo que chegou?
- Não muito. Mas ninguém sabe que estou aqui com exceção de Ron e Lupin, que nos encontrou a meio caminho da torre, quando fomos guardar nossas coisas. Eu estava... Disfarçado.
- Guardar suas coisas? Devo supor que irá ficar conosco, então? – O retrato de Dumbledore e todos os outros se arquearam, interessadíssimos na resposta.
- Enquanto eu achar que tenho controle sobre minhas ações. No exato momento que decidir o contrário, eu vou partir.
- Parece-me justo, e não posso pedir mais de você.
- Mais uma boa escolha para sua coleção, Harry. – Dumbledore cruzara os dedos sob o queixo, parecendo muito satisfeito. – Creio que Ronald o colocou a par de nossas conjecturas sobre o que sucedeu a morte de Tom...?
Harry confirmou com a cabeça.
- E estávamos certos?
- Em grande parte. No todo não posso afirmar, pois nem mesmo eu sei ao certo o que aconteceu.
- Como eu lhe disse na carta, Harry, todos estaremos aqui para ajudá-lo no que for preciso. Ronald estava certo sobre seu paradeiro?
- Sim. Eu estava na cabana de pesca de Bull, tentando me... Desintoxicar.
- E conseguiu? – Novamente os retratos se curvaram para eles.
- Consegui controlar-me em situações normais. Mas não sei o que vai acontecer quando eu ficar com raiva, ou ferido... A peçonha de Riddle pode tomar conta, então.
- Desculpe se discordo de sua modéstia Harry, mas, se conseguiu manter-se no domínio de suas ações, ainda que de maneira pouco ortodoxa, nos primeiros momentos após a queda de Riddle, acredito que o fará daqui para frente, quando for necessário, da mesma forma eficaz.
Harry balançou os ombros, cético. MacGonagall o avaliou por alguns momentos, para depois perguntar.
- Imagino que saiba o alvoroço que sua chegada irá causar, Harry. Vou tentar contê-la para que fique dentro dos limites do aceitável, mas... Não será possível restringir o entusiasmo mais que justificável com que o esperam.
- Fiquei sabendo que nem todos me aguardam com tanta boa expectativa.
- Eu disse a Hagrid na sua frente há tempos, e digo novamente diretamente a você desta vez, que se esperar agradar a todos irá se decepcionar com certeza. Eu mesmo fui tachado de senil e louco muitas vezes, apesar do que estivesse enfrentando.
- Dumbledore tem razão, Harry. Concentre-se nos que lhe fazem justiça e não no contrário. Agora cuidemos de outro assunto... Graças à terrível burocracia do ministério, não pude entregar-lhe seu legado antes, Harry. Mas é mais do que hora de saber o que Alvo Dumbledore deixou para você.
Harry buscou o retrato, boquiaberto.
- Por que a surpresa, menino? Não lhe parece óbvio que eu teria deixado algumas de minhas posses para alguém tão admirado por mim?
- Grande parte da herança de Alvo trata-se de livros Harry, bem como objetos experimentais, que tantas vezes você viu nesta mesma sala. Estes foram deixados para a escola. Mas a você coube algo que usará bastante, com certeza.
Com um maneio da varinha abriu a porta de um dos armários, e de lá veio levitando a antiga bacia de pedra, ornada com estranhas runas: a penseira.
- Senhor... Vai me dar sua penseira? – Uma onda de satisfação atingiu-o quando realizou o alívio, ainda que passageiro, que o objeto representava.
- Eu posso garantir, Harry, que agora você tem muito mais necessidade dela do que eu... Tenho certeza de que existe uma boa porção de pensamentos dos quais ficará feliz em livrar-se, se me entende...
Harry acariciou a borda fria, apreciando o presente.
- Muito obrigado, senhor!
- Ainda não acabou, Harry. Você também receberá isto aqui.
A diretora tirou de uma das gavetas de sua mesa um estojo de couro macio, com armação de madeira bela e ornamentada, que abriu diante dos olhos surpresos de Harry e de todos os retratos.
- Mas essas são... Essas são...
- Minhas memórias, Harry. Não todas, o que seria impossível, mas uma boa parte delas. E eu desejo que elas possam auxiliá-lo no futuro, seja da forma que for. E não me agradeça! A maneira como enfrentou as injustiças e situações adversas em sua curta jornada até aqui, me faz sentir mais orgulho do que julguei ser capaz. Eu é que tenho de agradecer a você!
Harry pegou um dos frascos repletos da substância prateada e novamente encarou seu mentor, sem nada dizer desta feita. O olhar trocado entre ambos valeu mais que mil palavras soltas.
- Tem algo mais que queira me perguntar Harry?
Mesmo com a mudança palpável no rapaz, o retrato era capaz de distinguir-lhe as dúvidas no semblante.
- Senhor, eu sei que Tom Riddle está definitivamente acabado. Eu sinto isto tão claramente quanto sentia antes sua presença... Mas...
- Continua com a sensação de uma tarefa inacabada?
Harry assentiu.
- Veja bem, cada bruxo nasce com uma tendência, um rumo a ser seguido em sua vida. Eu e Minerva, e acredito que Lupin também, nascemos para ensinar, e seríamos medíocres em outra atividade. Os gêmeos Weasley nasceram para descobrir e inventar, Neville para lidar com pessoas e plantas e ser corajoso nos intervalos, e Luna para nos lembrar da poesia e ingenuidade que todos devíamos cultivar. Mas seus amigos e você, principalmente você, Harry, nasceram para enfrentar o mal cara a cara. A última linha de defesa, digamos assim. E embora Tom Riddle tenha sido um representante formidável do mal, ele não era o próprio.
- Isto quer dizer que vem aí mais encrencas para mim, é isso?
- Eu acho Harry, que se você decidir conseguir um cargo no ministério, ou mesmo uma vaga para lecionar aqui em Hogwarts, ninguém no mundo bruxo teria razão ou coragem para censurá-lo. Resta saber se você ficaria satisfeito com uma vida assim. – MacGonagall demonstrava claramente com sua atitude que ela mesma não acreditava nisto.
- Vocês têm noção do perigo que eu seria com o cargo de auror, por exemplo?
- Você seria perigoso sim. A pergunta que deve responder a si mesmo é, perigoso para quem? Mas temos um ano letivo difícil pela frente, visto que já perdemos muito tempo. Até terminá-lo tenho certeza que já terá se resolvido. Agora, há algo mais que parece ser seu por direito...
MacGonagall levantou-se e abriu as enormes janelas novas que tomavam quase toda a parede recém reconstruída. Harry mal pôde acreditar em seus ouvidos quando um som familiar e reconfortante ecoou pelas paredes, enchendo seu coração de alento. A música o permitiu pela primeira vez sentir emoções boas sem interferência da peçonha, e ele encheu os pulmões do ar de Hogwarts, satisfeito por estar ali, e a mente finalmente aproveitou a plenitude do alívio a que tinha direito. Como várias luzes atingindo seu cérebro, regozijou-se por estar na escola, por estar livre de Tom Riddle e por estar vivo, perto de seus amigos. A gratidão por essa libertação o fez acariciar a plumagem vermelha e dourada da fênix que pousara no braço de sua cadeira quase com reverência.
- Fawkes! Achei que nunca mais a veria...– Murmurou para a magnífica ave, que piscou o olho para ele, igualmente feliz pelo reencontro. – O senhor me deixou Fawkes também? – dirigiu-se ao retrato.
- Uma Fênix é uma ave rara e especial, Harry, e essencialmente livre. Não pude deixá-la para você, porque na verdade ela nunca pertenceu a mim ou a quem quer que fosse. Fawkes manteve-se ao meu lado por tantos anos por conta de sua leal amizade. E agora ela escolheu você, pelo mesmo motivo.
- Por isso o meu segundo patrono...Fico grato, Fawkes... – A ave pousou gentilmente em seu ombro, permanecendo ali. – Diretora, posso deixá-la em seu antigo poleiro, enquanto eu estiver na escola?
- Claro, Harry. Daria-me imensa satisfação ter a companhia dela. Acredito que esta sala seria melhor abrigo para sua penseira também, ao invés do dormitório do sétimo ano.
Harry concordou, acomodando a fênix em seu nicho. Depois tornou a sentar-se, levantando os olhos para o retrato.
- Vejo ainda uma pergunta em seus olhos, Harry.- Adivinhou Dumbledore .
Harry puxou o fôlego.
- Sobre Sirius…
- Entristece-me sobremaneira ter de desfazer novamente suas esperanças, mas como já lhe disse, não há feitiço que traga os mortos de volta.
- Riddle não pensava que Sirius estava morto. Eu sei! Vi na cabeça dele!
- E o que ela achava que aconteceu a seu padrinho atrás daquele véu, Harry? – Perguntou MacGonagall apressada, temerosa do brilho escuro que passara pelos olhos verdes do aluno.
Harry murchou um pouco.
- Ele não sabia muita coisa sobre aquele véu, pelo menos não que eu tenha conseguido visualizar. Mas tinha certeza de que Sirius não estava morto. Disso ele sabia e agora eu sei também! E se ele não está morto, tem que haver uma maneira de trazê-lo de volta!
- Harry...
- Eu sei o que vai me dizer, Dumbledore! Mas me responda primeiro: no meu lugar, você desistiria sem tentar de tudo? Vocês desistiriam sem obter a resposta definitiva por suas próprias mãos?
Tanto Dumbledore quanto MacGonagall aquietaram-se, sem resposta. Nigellus e mais alguns retratos protestaram veementemente contra a audácia do moleque, que os calou com um gesto da mão.
- Vejo que magia com as mãos nuas é quase rotina para você, agora.
- Herança de Riddle, uma entre elas... – Disse Harry, arrependido. Evitava ao máximo utilizar o que aprendera de Riddle.
- Na verdade não, Harry. Se bem me lembro, houve um infeliz acidente com aquela sua tia... Em que você resolveu transformá-la em uma espécie de dirigível... – MacGonagall soltou um quase sorriso ao lembrar o fato. – E não me consta que tenha usado sua varinha na ocasião.
- Ou quando fez seus próprios cabelos crescerem para fugir das brincadeiras de seus colegas, antes ainda de vir a Hogwarts ou se descobrir um bruxo. Fazer magia com as mãos é uma dádiva de poucos e poderosos bruxos, entre eles os fundadores desta escola, Tom Riddle, você, e modestamente, eu mesmo. Mas agora que se acalmou, Harry, voltemos ao assunto de Sirius. Se quiser realmente pesquisar se há uma chance de tê-lo de volta, embora eu volte a afirmar que não acredito nisto, terá de abrir mão do seu sonho de ser um auror e optar por outra profissão. Somente a primeira fase de seu estudo será o mesmo treino que os aurores recebem, depois irá separar-se deles.
- Não acredito que Rufus tenha algo contra, já que agora é seu fiel defensor diante do ministério. - Argumentou a diretora
- Faço o que for preciso. Que profissão é esta?
Foi Minerva quem respondeu, já puxando um pergaminho oficial do ministério de dentro da gaveta de cima.
- Você terá que ter acesso ilimitado a todos os departamentos e salas do ministério, inclusive aquela que estuda as proezas que a coragem, mesclada de amor, é capaz de fazer. Sem falar naquele véu! Também terá que poder contar com toda a biblioteca, permitida ou reservada, tanto do ministério quanto de Hogwarts. E suas pesquisas terão de acontecer em quase absoluto sigilo, pois o ministro há tempos mandou isolarem aquele estrado, interrompendo qualquer investigação sobre os murmúrios que são ouvidos ali... Não há alternativas, Harry. Você terá de tornar-se um Inominável.
- Há algo mais que devo encontrar, além de Sirius. Tom Riddle deixou um retrato. É preciso destruí-lo.
- Sabe que retratos não podem fazer magia, Harry.
- Sei, professora. Mas o retrato de Tom pode fazer tanto mal, quanto o de Dumbledore faz o bem. Se me tornar um Inominável auxiliará nestas tarefas, então é o que serei.
- Ou então, pode seguir com seus planos originais e tornar-se um auror.
Harry levantou-se e encarou o retrato, o mesmo brilho escuro rasgando seu semblante rapidamente.
- Certa vez o senhor me disse que não devemos ceder às nossas angústias, mas sim, continuar a batalha. Eu acreditei nisto na ocasião e continuo acreditando. Trazer meu padrinho de volta é parte de minha guerra pessoal. Vou livrar o mundo dos maus elementos que se apresentarem no meu caminho e o farei pelo bem comum. Sirius eu salvarei por ele e por mim, somente. O retrato de Tom destruirei por puro prazer. Agora...
Dirigiu-se a porta, erguendo do chão o que pareceu ser um pacote invisível nos braços. Aproximando-se novamente da mesa, tirou das dobras de sua capa de invisibilidade a espada de Gryffindor. Depositou-a cuidadosamente sobre o tampo, diante da diretora.
- Estou devolvendo- a . Agradeço por tê-la confiado a mim.
- É bom que a espada volte a seu lugar, Harry, já que não pertence a nenhum de nós e sim a Hogwarts. Mas acho que você é a pessoa certa para recolocá-la em sua redoma, o fez por merecer, já que a utilizou tão bem!
Harry aquiesceu e tomou novamente o aço polido nas mãos, sentindo o familiar formigamento quente nos dedos. Levou a arma até sua proteção de vidro e lá a acomodou, agradecendo mentalmente pela ajuda recebida. Relanceou os olhos para o lugar onde costumava ficar o Chapéu Seletor, e MacGonagall previu sua pergunta.
- Eu providenciei um outro chapéu, Harry. Não tão especial quanto o de Godric Gryffindor, mas eficiente a seu modo.
- O chapéu disse que tinha chegado a hora de terminarem as separações em Hogwarts!
- Mil anos de tradição não se acabam assim! E é necessário manter uma certa organização para as aulas e dormitórios... Entretanto, eu erradiquei a disputa da Taça das casas, e o monitor de uma casa não poderá mais castigar os alunos de outra, atendo-se a avisar a algum professor sobre a transgressão cometida. Também não vi porque terminar com o campeonato de quadribol, no que, tenho esperanças, você concorde comigo.
Harry apenas chacoalhou os ombros, lembrando mais uma vez que o mundo não se tornaria um mar rosa e dourado de alegrias e nem tudo seria como deveria ser, só porque Tom Riddle estava morto. Injusto, mas real.
- Se vocês me dão licença, tenho algo muito importante a fazer.
- Claro, Potter. E seja bem vindo!
Harry já abria a porta quando o retrato de Dumbledore falou, mansamente.
- Sabe que estamos muito orgulhosos de você e seus amigos, não sabe?
- Agradeço, mas não sei se há motivos para isso. Fiz o mal para combater o mal. Necessário, mas nem um pouco glamouroso. Com licença...
Antes de descer a escada em espiral, Harry ouviu nitidamente a voz de Phineas Nigellus ecoar sarcástica por sobre o burburinho dos outros quadros.
- Não vou com a cara do moleque, mas admito! O rapaz tem muita coragem!
==*==
Mal colocara os pés dentro da cabana de Hagrid, tirando a capa de invisibilidade, Harry foi sufocado por um abraço coalhado de fofos cabelos castanhos.
- Harry! Harry! Graças a Deus! Não sei nem o que dizer...
Este abraço, Harry correspondeu com igual satisfação.
- Também estou feliz em vê-la Hermione! Mas preciso realmente respirar...
Hermione soltou-o, os olhos brilhantes de lágrimas, e deu um passo para o lado, livrando os braços e olhos de Harry para o próximo efusivo cumprimento.
- Êh! Harry! Que bom vê-lo inteiro, companheiro!
Os “tapinhas” de Hagrid em suas costas quase deslocaram seu coração do lugar e fizeram seus pulmões arderem em protesto, mas Harry não se importou. O prazer que o grande homem demonstrava era genuíno e fazia bem ao espírito. Tanto bem quanto o próximo aperto de mão, também capaz de esmigalhar alguns de seus ossos.
- Se não é o ratinho da minha despensa! Eu deveria ter adivinhado, quando reparei que todas as latas de caramelo haviam sumido...
Harry Potter, o Escolhido detentor de poderes fenomenais, corou como uma criança.
- Ah, desculpe por isso, Bull! E por ter me apossado de sua cabana também!
- Que é isso, menino? Fico feliz que tenha pensado em meu humilde lar para abrigar-se. Foi ver seus pais, aposto?
- Todos os dias. Eles me ajudaram a... Bom, me ajudaram.
- Eu sei que sim! Eu sei...
Uma figura, com cabelos transformados em verdadeiro arco-íris, cutucou Bull e colocou-se a sua frente, abrindo os braços para Harry.
- Eu sabia que você recuperaria o juízo e voltaria para nós! Estou cansada de carregar as honras sozinha por aqui! Vai fazer bem ter outro herói por perto!
- Oi, Tonks! – Respondeu o rapaz, calmo, enquanto era esmagado por um abraço atabalhoado da auror.
- Meu Senhor Harry Potter!
Nenhuma recepção até ali fora tão escancaradamente emocionada, nem mesmo dos amigos mais chegados. O pequeno elfo cingiu os braços em torno de seus joelhos, soluçando convulsivamente. Não era possível dizer se chorava mais de alegria ou de alívio.
- Achei que o Senhor não voltaria... Que deixaria Dobby aqui... Dobby merecia isso, pois falhou com meu Senhor Harry Potter, não conseguiu proteger a jovem srta. Gina, mas Dobby não queria realmente ser esquecido para trás...
Harry abaixou-se para afagar as orelhas de Dobby, acalmando-o.
- Dobby, não fique assim! Eu não o deixei, apenas precisava de um tempo sozinho... Está tudo bem... Acalme-se!
- Dobby sabe que meu Senhor Harry Potter quis ir embora por se achar mau! Meu Senhor Harry Potter está sempre certo, mas não nisso! Meu Senhor jamais será mau! Dobby sente!
Os grandes olhos do tamanho de pires de café marejaram, muito brilhantes, acompanhados por vários outros na cabana circular. Hermione abraçou seu irmão de afeto mais uma vez, antes de comunicar.
- Ron já me contou sobre... Bem... Sua reação ao veneno. Já tenho uma lista de livros que podemos pesquisar e tenho certeza que acharemos outros tantos. Embora sua experiência seja única, podemos encontrar alguma semelhante e...
- Hermione! Espere! Prometo que lerei com você todos os livros que quiser, mas não foi por isso que chamei vocês aqui...
- E por que foi então? – Lupin entrara na cabana pelos fundos, e agora sentava-se próximo a Tonks, acomodada no chão diante da lareira de Hagrid. – Tem alguma coisa com o fato de uma certa jovem não poder saber de nada?
- Só tem! Vou precisar do auxílio de vocês para encontrar alguém muito bom em feitiços. E alguém entendido em música! Céus, preciso na realidade de todos os votos de boa sorte que puderem me fazer... Necessito de muita ajuda, mesmo!
==*==
Gina jogou uma porção de pedregulhos no lago, tentando acertar a lula, que boiava sonolenta sob a luz da lua. A grande criatura limitou-se a erguer um dos enormes tentáculos em protesto, e depois voltar a circular brandamente pela água.
Apesar das noites já estarem bem frias, a garota não tinha intenção alguma de voltar à balbúrdia do castelo, onde todos estavam agitados com o agora iminente início das aulas. Ron e Hermione haviam retornado, e apesar de Gina ter pensado que os dois haviam brigado visto que vieram separados, permaneciam de cochichos e risadinhas românticas o tempo todo, algo extremamente irritante para quem estava curtindo a solidão. Ron dissera que se separaram durante a viagem porque ele quis passar na Toca, ver como iam os reparos na casa paterna, violentamente atacada durante o assalto das trevas.
Então planejou assim mais uma noite em seu lugar preferido, à beira do lago, onde tantas vezes ela e Harry passaram agradáveis horas de almoço. MacGonagall estava excepcionalmente generosa quanto a horários, especialmente com ela, e então se deitou de bruços na relva fria, espiando as estrelas, sem pressa.
De olhos fechados, inalou o agradável perfume que pairou ao seu redor. O suave aroma de flores embriagou-lhe os sentidos, trazendo um relutante sorriso a seus lábios. Abrindo os olhos, viu as primeiras orquídeas surgirem bem ao seu lado. De um amarelo rico e brilhante, foram logo seguidas por outras vermelhas, azuis, lilases, multicores e do mais puro branco. As flores formaram um círculo a seu redor, e a surpresa fez Gina levantar-se. Quando os ramos e pétalas formaram centímetro a centímetro um casulo e o ar se encheu de música suave enquanto a copa florida erguia-se à sua volta, fechando-se finalmente sobre sua cabeça, pensou que deveria estar com medo. Mas cada instinto seu gritava o nome de quem estava por trás daquilo. Enchendo os olhos com a beleza ao seu redor, chamou com voz suave.
- Harry, o que pensa estar fazendo?
- Pedindo desculpas.
E lá estava ele. Mais magro, as feições amadurecidas, a aura ao seu redor rescindindo poder, mas não maldade, os olhos um tanto reservados, mas assombrosamente verdes. E ele sorria. Não tão aberta ou despreocupadamente quanto nos anos em que o mantinha sob seu olhar, mas sorria.
Quando Gina se atirou em seus braços, a única coisa que Harry conseguiu fazer por um longo momento foi sentir-lhe o perfume, infinitamente melhor do que aquele que Sprout havia conjurado para sua redoma, e teve neste instante certeza de mais uma radical mudança em si mesmo. Até ali, fora o ar frio dentre as paredes de pedra de Hogwarts e seus ruídos e cheiros característicos que lhe lembravam um lar. Dali em diante, seria o perfume de Gina que lhe indicaria estar em casa.
- Achei que você não voltaria... – A voz abafada em seu ombro comunicou, sem esconder um tremor de choro.
Embalando-a, como já fizera certa vez, respondeu sinceramente.
- Eu havia decidido agir assim, realmente. Mas havia duas coisas que eu precisava fazer, então... Mudei de idéia.
Gina ergueu a cabeça, encarando-o com curiosidade.
- E o que era tão importante?
- Precisava continuar beijando-a por muitos anos...
Não era estritamente a verdade, mas ela adorou mesmo assim.
- E o que mais? – Indagou, acariciando-lhe a cicatriz, que era tanto maldição quanto dádiva.
- Precisava lhe contar que atendi a seu pedido.
- Pedido?
- Sim. Eu voltei, Gina, porque fiz o que tinha de ser feito... E sobrevivi.
Gina segurou seu rosto entre as mãos pequenas e erguendo-se na ponta dos pés, beijou-o. Como se beija um guerreiro que finalmente chega em casa. Dentro do peito de Harry, a criatura que ali habitava ronronou tranqüila e feliz, sentada em cima da momentaneamente sobrepujada “Peçonha de Riddle”.
Fora da redoma, Sprout, Bull, MacGonagall, Flittwick e Hagrid observavam as belas flores musicais, todos suspirando discretamente.
- Se alguém um dia me contasse, que a essa altura da vida estaríamos atacando de cupidos, eu o chamaria de louco. – Esganiçou Flittwick, sem fechar o enorme sorriso.- Demorei um bom tempo enfeitiçando um livro para que se tornasse uma declaração de amor hoje, sem falar em nossa obra em conjunto ali em frente.
- Ora meu caro colega... Alvo sempre dizia que este mundo precisa de mais amor... E estes dois jovens o merecem, mais do que podemos colocar em palavras. – MacGonagall não sorria, mas tinha os olhos brilhantes.
- Eles, Hermione e Ron... Lupin e nossa estimada Tonks. Eu e minha charmosa professora aqui... Todos nós o merecemos, Diretora, todos nós, inclusive a senhora.
- Agora quem é que está se deixando levar pelo clima aqui, Bull? Eu? Ora, francamente... Eu já tive minha oportunidade, e tolamente a deixei passar... Mas, por falar em Lupin e Tonks, onde estão?
- Eu lhes emprestei minha cabana, antes que a venda junto com restaurante. Foram para lá não faz muito. Pescar um pouco... Relaxar depois de tanta correria...
- Venderá seu restaurante? Então aceitou meu convite?
- Sim, se ainda estiver de pé...
- Que convite?- Perguntou Hagrid.
- Serei o novo zelador da escola. Assim posso ficar perto do Full Hand... E das estufas, também.
Sprout corou de prazer e Bull beijou sua mão, galantemente. Hagrid riu, satisfeito porque teria um amigo capaz de conviver com seus bichinhos tão bem quanto ele, morando no castelo. Bull seria uma ótima companhia para suas aventuras na Floresta Proibida.
- Não devemos chamá-los para dentro, Minerva?
- Ainda não, Flittwick. Deixe-os lá, mais tarde venho buscá-los. Só mantenha os gêmeos longe daqui e eu vou avisar aos Weasley de que a filha deles está bem. Muito bem!
==*==
Harry decidiu fazer uma reentrada gradual no ambiente da escola. Assim, os primeiros que souberam de sua volta, excetuando-se os amigos mais íntimos, foram os alunos da Grifinória. Eles levaram um susto considerável ao retornar de um jantar e encontrar Harry Potter calmamente sentado em sua poltrona preferida em frente ao fogo, com Gina Weasley encostada às suas pernas. Depois de um instante de hesitação, estouraram em festa para o rapaz, que passou boa parte da noite e o início da madrugada respondendo a infindáveis perguntas. O único incidente da noite foi o rasgo de brilho escuro nos olhos de Harry, quando Dino se aproximou para cumprimentá-lo. Gina, atenta, logo frisou o fato de que Lilá e ele vinham se entendendo muito bem, e para ilustrar a afirmação, a própria Lilá materializou-se ao lado do rapaz, ronronando um “DinDin” que fez Hermione engasgar-se com suco e Ron enfiar os dedos na boca para não cair na risada. Para sua felicidade, WonWon estava decididamente esquecido.
Hermione, quando achou que bastava para seu amigo, usou de sua autoridade de monitora e enxotou todos para cama, inclusive Ron, Gina e o próprio Harry. Não sem antes lembrar aos colegas que por hora, a presença de Harry não deveria ser comentada.
No dia seguinte, uma circunspecta e tristonha Luna levou os membros da antiga Armada para um encontro na Sala Precisa, e mesmo que de forma mais discreta, também o brindaram com acolhedora salva de elogios e perguntas. Todos foram unânimes em sua vontade de retomar as reuniões da Armada e também prometeram guardar silêncio.
Ficou para o banquete de início de ano letivo o reencontro com o restante da escola. MacGonagall achou melhor que ele, a namorada, Ron, Mione e Neville chegassem quando os alunos já estivessem acomodados, evitando assim tumulto. Com efeito, quando passaram pelas portas duplas do grande salão foram recebidos pelo aplauso da Grifinória e pelo silêncio admirado das demais casas. Gradativamente, os outros alunos uniram-se aos aplausos e depois de algum tempo estavam em pé sobre suas cadeiras, assobiando e batendo os pés, em uma ovação de marcar época na escola. É óbvio que os poucos remanescentes na mesa da Sonserina mantiveram-se imóveis.
A mesa dos professores também se levantou, unindo-se à saudação. Lá estavam MacGonagall, Hagrid, Flittwick, Sprout, Vector, Sinistra, Madame Hooch e o sorridente Lupin. Uma cadeira vazia lembrava o fato de que Slughorn abandonara seu posto. Seria substituído por Sprout, até que achassem um novo mestre em Poções. Bull sentava-se como convidado especial entre Sprout e Hagrid. Tonks voltara para Londres depois da folga ao lado de seu agora noivo e professor de Defesa contra Artes das Trevas, Remo Lupin.
Enquanto os cinco finalmente conseguiam tomar seus lugares à mesa da Grifinória, MaCGonagall ampliou o som da própria voz e exigiu silêncio. Depois de cinco ou seis chamadas, conseguiu acalmar os estudantes o suficiente para começar o discurso.
- Sejam bem vindos, todos! – Um coro de “Obrigado” seguido de vários “Viva a diretora!”, ribombou pelas paredes, fazendo MacGonagall soltar um ligeiro sorriso. – Folgo em ver que estão felizes e têm motivos para tanto! Cabe a mim dar início a esta nova jornada, primeira e única em suas características nos mil anos desta escola. Antes de tudo, tenho que falar de cinco jovens excepcionais...
Nova onda de festejos, que MacGonagall acalmou com um gesto apaziguador das mãos, antes de continuar.
- Estou me referindo, é claro, a Ronald e Ginevra Weasley, Hermione Granger, Neville Longbotton e Harry Potter.
Desta vez o barulho foi ensurdecedor. Os gritos de “Full Hand!” só foram sobrepujados novamente pela voz ampliada da diretora. Os quatro amigos sorriram abertamente e Harry ostentava uma expressão séria, mais intensamente satisfeita. Luna sorriu aérea e triste para eles.
- Todos sabemos o que eles fizeram por nós, então não vou me ater a detalhes. Mas tenho a impressão de que o Sr. Potter teria algo a nos pedir, se lhe dermos a oportunidade...
Harry levantou-se, e depois de um olhar para os amigos, que confirmaram discretamente, anunciou de maneira direta.
- Gostaríamos de retornar à vida normal, tanto quanto possível.
- Muito bem, vocês ouviram! Isto significa que eles vão contar o que aconteceu ou responder a quaisquer perguntas quando, e se, tiverem vontade. Não serão admitidos cochichos, risadinhas, dedos apontados ou atitudes constrangedoras como pedido de autógrafos e coisas do gênero. Eu e o ministro estaremos controlando o assédio de fora de Hogwarts também... – O penetrante olhar foi para Cho Chang, que enrubesceu e olhou rápida para Neville, recebendo de volta um sorriso tranquilizador. - E principalmente, não serão admitidas ações de... Repúdio. – Aqui um olhar bastante ostensivo para a mesa da Sonserina. – Ah, Sr. Creevey, nada de fã clubes. Utilize tanto tempo e atenção para seus estudos. E falando nisso...
Harry sentou-se, aliviado por MacGonagall finalmente desviar o foco de si.
- Este ano não haverá alunos novos.Muitas famílias preferem que os mais novos permaneçam junto aos pais, nestes primeiros tempos após a guerra, então, daremos ênfase e mais tempo aos do segundo ano em diante. Sendo assim, não haverá também a cerimônia do chapéu, que voltará no ano que vem.Como estamos muito atrasados no cronograma, teremos trabalho dobrado daqui para frente. Passaremos a ter aulas nos sábados... – Manifestação coletiva de desagrado. – Não se apressem em reclamar, ainda não cheguei ao pior. Em virtude do tanto de estudos e deveres acumulados que terão de enfrentar, este ano não disputaremos o campeonato de quadribol. – Muitas vaias espocaram por todos os lados. A diretora continuou, sem lhes dar atenção. – Não vou impedi-los de jogar como distração, entretanto. Mas algumas horas por semana apenas, previamente combinadas com Madame Hooch. Antes de comermos, mais uma advertência...
Passou os olhos por todo o salão, encarando os alunos com firmeza, passando pelo semblante a seriedade do que viria.
- Lord Voldemort foi derrotado, e com ele foram liquidados ou presos muitos bruxos das trevas. Mas ainda há outros tantos a solta, furiosos e frustrados com a perda de seu mestre, alguns deles quase tão perigosos quanto o próprio. Então, tenham cuidado, fiquem atentos e não se aventurem fora da escola. Mais do que as detenções que possam receber, serão os perigos a que estarão expostos seu maior castigo. – Não só os olhos, mas toda a atenção da experiente professora fixaram-se no grupo de Harry. – Por favor, tenham cuidado. Por mais preparados que sejam! E agora... Bom apetite!
Enquanto os pratos e taças dourados enchiam-se da melhor comida e bebida, Harry perguntou aos amigos.
- Nossa mesa está vazia... Sabem se eles foram...?
- Não estão mortos, fique tranqüilo. Mas muitos, incluindo as Patil, que foram para a Índia, e Simas que se mudou para a Irlanda, fugiram da guerra, partindo para outros países. Talvez retornem, agora.
- Minha avó está de volta há alguns dias, já. Outros também o farão, tenho certeza! – Completou Neville. Fechando o semblante, olhou para a mesa da Corvinal. - Vocês souberam do pai da Luna?
- Não. Ela não falou nada! O que aconteceu?
- Falou para mim, mas pediu que eu não comentasse com outros, por enquanto. Não quer que sintam ainda mais pena dela. De qualquer modo, ela só soube a poucos dias também... – Gina olhou triste para a amiga na outra mesa. – O Sr. Lovegood começou a publicar informações sobre as forças das trevas que Voldemort não queria que fossem espalhadas, então... Mandou os dementadores atrás do pai de Luna, enquanto estávamos isolados aqui. Os aurores o acharam há alguns dias, apenas.
- Oh, não! – Hermione, apesar das desavenças com Luna, encheu os olhos d’água diante da tragédia. Em Harry, todavia, a reação foi mais... Perigosa.
- Maldito! – Exclamou surdamente, o já esperado brilho escuro refulgindo forte em seus olhos. Um arrepio gelado passou pelos que estavam mais próximos. Gina pousou a mão mansamente sobre seu braço, sem mostrar medo no olhar.
- Sim, ele era maldito, Harry. E você o venceu! Fez justiça ao pai de Luna, aos seus pais e a muitos outros... Luna está enfrentando tudo com coragem, e já tem planos de tornar-se jornalista e substituir o pai no semanário. E tem a nós, seus amigos, para apoiá-la no que precisar. Ela vai ficar bem, com o tempo, assim como nós mesmos.
Os olhos verdes acalmaram-se, e Harry segurou a pequena mão entre seus dedos.
- É, nós ficaremos bem! E fomos nós que o vencemos, não esqueça. Por falar nisso... Alguém pode me explicar que história é esta de Full Hand?
- Ah, isso foi idéia de Bull! Ele tirou este apelido de um jogo trouxa...Tôquer, ou algo assim...
- É Pôquer, Ron. Bull disse que é uma mão de cartas formada por três ases e duas damas... – Explicou Mione, sinalizando primeiro para os três rapazes e depois para si mesma e Gina. -... E que é praticamente invencível em uma partida.
- Não que eu discorde, mas, “praticamente invencível"?
- Bull disse que escolheu este apelido para que nunca nos achássemos realmente imunes a ataques, caindo assim no mesmo erro de Voldemort. Quase invencíveis nos deixaria com os pés no chão, nas palavras dele.
Harry olhou para o grande amigo em comum que ele e os pais possuíam, que conversava alegremente com Sprout e Hagrid na mesa dos professores. Bull acenou de lá para ele, piscando.
- Muito sábio este nosso amigo! Muito sábio!
Os primeiros dos poucos problemas do resto do ano surgiram enquanto se encaminhavam, sonolentos e satisfeitos depois de um magnífico banquete, para a torre da Grifinória.
- Você está se achando o máximo, não é Potter? – Pansy Parkinson surgiu de um corredor lateral, ladeada de Emília Bullstrudge, Goyle, Blás Zabini e mais dois sonserinos. – Pensa que nós realmente acreditamos que deu fim ao grande bruxo que Lord Voldemort foi? Pensa que temos medo de você?
Gina havia se colocado à frente de Harry, segurando seus braços enquanto o olhava nos olhos em um pedido mudo de calma. Ron e Hermione não hesitaram em erguer as varinhas para o grupo, sendo imediatamente apoiados por Neville e Cho, que chegavam neste momento.
- Pansy, se tem alguma noção de perigo, recolha sua gangue e suma! – Hermione soou calma, ao mesmo tempo em que Ron recuava alguns passos até ficar atrás do amigo e Gina. Harry permanecia encarando um a um dos seguidores de Salazar nos olhos.
- Tenho um recado a entregar ao herói aí... O seu ainda está por vir, Potter! E eu pessoalmente vou me vingar de você pela perda de Draco e pela fuga de Crabble e sua família!
- Se quiser vingar a morte de Draco, vá fazer uma visita a Tom Riddle no inferno, já que foi por ordem dele que Malfoy foi castigado. Quanto a Crabble, só está colhendo o que plantou. As escolhas dele não são minha responsabilidade. E a respeito do recado, diga a quem o mandou que sabe onde me encontrar. Não pretendo ir a lugar algum.
Apesar de calmo, Harry fez todo o grupo adversário recuar até encostarem-se na parede, já sem sua empáfia anterior. Ron caminhou lentamente em direção a Goyle e Zabini, e as feições de ambos enchiam-se de pavor conforme ele se aproximava. Com voz mais grossa que o normal, o ruivo vociferou.
- E não é só de Harry que vocês devem ter medo...
Os sonserinos arquejaram e voaram corredor afora, francamente apavorados. Hermione aproximou-se de Ron e quase desmaiou de susto quando ele voltou-se para ela. Os olhos do rapaz estavam vermelhos, idênticos aos de Voldemort.
- Ron! – Gina estava tão surpresa quanto Hermione, e Cho encolheu-se atrás de Neville, que estava assustado também. Apenas Harry limitou-se a arquear as sobrancelhas para o amigo. Ron sorriu maldoso, antes de passar as mãos pelos olhos, que voltaram instantaneamente à cor normal. Rindo a valer agora, mostrou algo que parecia dois pedacinhos de plástico, acomodados nas pontas dos dedos.
- Olhos Você Sabe de Quem! A mais nova experiência dos gêmeos, a quem terei o prazer de informar que o brinquedo será um sucesso!
- Ronald! Francamente! O que eles falarão sobre você agora?
- Não vão falar nada, porque estão se borrando de medo. E quando o apavoramento passar, pagarão o maior mico por terem se amedrontado por dois pedaços de plástico tingidos, duas lentes de contrato!
- Lentes de contato, Ronald. E ainda acho que você... – Hermione parou abruptamente, quando sentiu o cutucão de Gina. Harry havia se curvado, apoiando-se nos joelhos, e gargalhava! Pela primeira vez, há muito tempo, ria abertamente, lembrando o Harry que fora.
Gina foi até ele e Harry abraçou-a pela cintura, ainda rindo. A moça sorriu, perguntando baixo.
- Nossa vida nunca será monótona, não é?
Os outros quatro retiraram-se discretamente, deixando-os a sós.
- Você gostaria disto? MacGonagall disse que ninguém me censuraria se eu escolhesse um cargo burocrático e uma vida calma...
Harry Potter estava pedindo sua opinião, a sério! Acariciando sua cicatriz, sorriu, matreira.
- De maneira nenhuma! Eu me apaixonei por um herói, cheio de charme sombrio. Não por um burocrata chato...
- Mas eu posso te prometer uma coisa!
- E o que é?
- Este ano. Neste ano vamos nos preocupar em namorar, jogar quadribol e estudar para as provas e exames. Como jovens absurdamente normais!
- E vamos começar pelo que?
- Pelo namoro, claro!
==*==
O Natal aquele ano foi uma reunião agitada e barulhenta na Toca, magicamente ampliada para receber tantos visitantes. Como a família Weasley revesava-se entre a Toca e Grimmauld Place, onde Gui e Fleur tinham fixado residência a convite de Harry, bem como Tonks e Lupin quando não estavam em Hogwarts, cogitou-se fazer a festa lá. Mas a Sra. Weasley protestou, alegando que ficaria muito mais à vontade em sua própria cozinha.
De fato, o cheiro delicioso de sua comida preenchia cada centímetro da residência, fazendo a alegria principalmente dos gêmeos e de Ron, que eram vistos com as mãos cheias de bolinho e doces literalmente o dia inteiro.
O Sr. Weasley inchava de orgulho e satisfação, sentado perto de sua lareira, rodeado da balbúrdia feliz dos filhos e convidados. Até Percy, mais comedido em sua pomposa atitude desde os tempos difíceis da guerra, costumava dar as caras, sem ficar muito, no entanto. Preferia passar seu tempo na residência dos Clearwatter, fato que os irmãos viam com alívio e os pais com conformismo. Carlinhos viera também, trazendo a tiracolo Jéssica, uma moça de cabelos negros e mãos com ataduras sobre queimaduras semelhantes às do rapaz. Ela era curandeira de dragões e foi apresentada como a futura Sra.Carlos Weasley. Imediatamente aceita pela família toda, tornou-se o alvo principal das brincadeiras dos gêmeos. Como Carlinhos era bem mais largo que os dois, mantiveram sabiamente um certo limite nas gozações, pelo bem dos próprios narizes.
Na tarde da véspera de Natal, estavam os irmãos e Harry sentados à grande mesa da cozinha, aguardando a chegada de Hagrid, Bull, Sprout e dos Granger, enquanto Gina, Hermione e as noras auxiliavam a Sra. Weasley, borboleteando tagarelas em torno do enorme fogão. Quando Gina passou próxima a Harry, as mãos cheias de massa de torta de caramelo, o rapaz não resistiu e puxou-a para o colo, roubando um pouco de doce de seus dedos. A cena causou risadinhas nas mulheres e um olhar para o céu, pedindo por paciência, de Ron. Gui e Carlinhos apenas sorriram.
- Mas que pouca vergonha é essa? – Esganiçou Fred, entrando na cozinha.
- Salvador do mundo ou não, você vai penar se não largar nossa irmãzinha! – Ruminou Jorge, vindo em seguida. Gina esboçou a intenção de levantar-se para enfrentar os irmãos, quando Harry segurou-a onde estava. Lenta e intencionalmente, deslizou a mão direita pelas costas da namorada até encontrar a própria varinha, estrategicamente colocada no bolso de seu jeans, sempre. Da mesma maneira lenta, colocou-a na mesa a sua frente e sem deixar de sorrir, olhou de frente para os dois ciumentos irmãos.
- Tentem separá-la de mim e eu compro a briga, na hora.
Gui e Carlinhos explodiram em gargalhadas, as garotas assobiaram e bateram palmas e a Sra. Weasley sorriu, encantada. Ron olhou para os gêmeos erguendo os ombros como quem diz: “Vocês pediram!”.
- O que os dois espertos acharam que ia acontecer? – Gui ainda sacudia-se em risadas. O rosto feliz carregando cicatrizes que não lhe tiravam o conhecido charme.
- É, devem acreditar que o cara que decapitou Lord Voldemort iria tremer de medo de suas ameaças... – Carlinhos riu ainda mais diante do rubor raivoso dos gêmeos. Não demorou a que os dois não resistissem e se juntassem às gargalhadas, porém.
- Hei, queremos ouvir a piada! – Reclamou Tonks, vindo da sala com Lupin.
- São só os gêmeos sendo o alvo das brincadeiras, para variar um pouco... É uma pena que o treinamento de aurores seja ainda mais puxado que Hogwarts! A partir do ano que vem essas reuniões serão mais raras... Sentirei saudades. – Reclamou Hermione, coçando a testa franzida de Bichento.
Ron abraçou a namorada pelos ombros, espantando Bichento para tomar seu lugar.
- Eu mandarei Píchi com notícias todos os dias, não se preocupe!
Hermione acariciou o rosto do rapaz com carinho, antes de surpreendê-lo com sua resposta.
- Encantador! Mas não será necessário, já que eu estarei lá!
- Como assim?
- Eu e Hermione decidimos fazer o curso também! Eu vou demorar um pouco para encontrá-los, mas em um ano...
- DE JEITO NENHUM! Harry você ouviu isso?
- Essa briga é só sua, irmão. Eu sei quando a batalha está perdida...
- De jeito nenhum por que, Sr. Weasley? – Perguntou Hermione em tom baixo e perigoso, enquanto os gêmeos começavam a recolher os nuques de Gui e Carlinhos, que apostavam em Hermione. Fleur, tocada pela gravidez, decidiu votar em Ron por generosidade.
- Por que é muito arriscado! Vocês já estiveram em perigo por mais tempo do que deveriam a vida inteira!
- E você e Harry não?
- É diferente!
O Sr. Weasley juntou-se às apostas, seguido de Tonks. Gui e Carlinhos fizeram caretas para a resposta do irmão.
- Agora ele está lascado! – Ponderou Lupin.
- Diferente como? Por um acaso eu e Gina deveríamos ficar em casa aprendendo tricô enquanto vocês se arriscam, é isso?
- Mamãe fez isso e é feliz!
- Tire-me dessa discussão, meu filho. Criar seis filhos como vocês foi mais perigoso do que ser auror...
- Que mal há em me preocupar com o bem estar delas?...
- Mal há em você achar que não daremos conta. – Gina entrou na briga, levantando-se para enfrentar o irmão, bem mais alto que ela, de igual para igual.
- Eu nunca disse isso! Só me preocupo de se colocarem em risco e não estarmos lá para...
Enquanto observava a briga desenvolver-se, agora com Hermione e Gina cercando Ron de todas as maneiras e a Sra. Weasley apostando mais cinco nuques na filha, Harry teve um momento extremamente “Firenze”. A certeza de que momentos como aquele se repetiriam muitas vezes correu por sua mente, juntando-se à verdade de que sempre poderia contar com a família com que a vida lhe presenteara. Estariam sempre juntos, brigando, namorando, divertindo-se ou lutando. O que quer que os dois extremos radicais que trazia guardados em si mesmo reservassem para Harry Potter, jamais estaria completamente sozinho, outra vez.
N/A: Quarenta e quatro páginas de Word! Tomara que elas sejam suficientes para que me perdoem pelo atraso. O plano inicial era atualizar dia 08 de agosto, data em que a fic completará um ano, mas com tantos “Atualiza!...” não resisti!
Novamente quero frisar, principalmente para os meus críticos de plantão que não cansam de me lembrar “que a JK não faria isso ou aquilo”, que essa não foi uma tentativa de adivinhar o sétimo livro! Essa é, em grande parte, a obra como EU a escreveria! Peço que respeitem a minha vontade no destino de nossos personagens, como eu costumo respeitar a de todos vocês.
Agradecimentos a essa imensa e fantástica turma que se reuniu em torno da história, da qual meu coração já sente saudades em virtude de todo o carinho e atenção com que me presentearam, vocês encontrarão ao final do Epílogo. (É! Eu não esqueci do lance da palavra cicatriz, críticos! Rs,rs,rs...).
Beijo Grande! Fiquem bem!
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