O MAL NAS SOMBRAS
CAPÍTULO 31:
O MAL NAS SOMBRAS.
O castelo de Hogwarts cintilava sobre os campos verdes, banhado pelos primeiros raios dourados do dia. Dividido entre o desejo de conquistá-lo e a exasperação pelo que a imponente construção simbolizava, um bruxo alto e esguio admirava-lhe as linhas, oculto pelos galhos farfalhantes das árvores da Floresta Proibida, enquanto ouvia atentamente o sibilar entusiasmado da cobra a seus pés.
O ser rastejante fez uma pausa na narrativa, e acomodou a larga e escamosa cabeça sobre as várias voltas de seu próprio corpo, esperando seu amo e senhor terminar a fria gargalhada que ressoava áspera pelas sombras da floresta. Seus olhos cor de sangue voltaram-se satisfeitos para o animal.
- Que notícias interessantes me traz, minha cara!... Enfim, o inseto incômodo que era Alastor Moody foi esmagado! Um a menos para proteger o fedelho...
A cobra soergueu-se até seus olhos emparelharem com os do bruxo, e ela sibilou novamente, desta feita cheia de expectativa maquiavélica. Nova risada gelada soou entre as folhas e galhos, antes da figura alta responder a seu bichinho.
- Ainda não, minha bela! Aguardaremos mais um pouco... Vamos deixar que Harry Potter e seus aliados nos convidem a entrar em nossa amada escola... Entretanto, não podemos deixá-los sem entretenimento até lá. Acho que as feras farão um trabalho melhor em nos estender um tapete de boas vindas, que os gigantes fujões...
Nagini aproximou-se mais e esticou a bifurcada e escura língua, acariciando de forma asquerosa as faces de Voldemort, e contou a seus ouvidos sua última e mais saborosa notícia. Os olhos rubros brilharam com redobrada intensidade na semi escuridão.
- Então, devem estar na Ala Hospitalar..., Aaaahhhhh... – O Lord Negro jogou a cabeça para o alto, puxando o ar largamente pelas fendas que tinha como nariz, como quem aspira um perfume particularmente inebriante. – Interessante! Interessante!...
Os vários metros da serpente enroscaram-se em torno de seus pés, toda ela satisfeita com o regozijo de seu senhor.
==*==
Harry e Ron invadiram a enfermaria assim que MacGonagall retirou o feitiço com o qual impedira o corredor. Fora o único meio de segurar os dois fora da Ala Hospitalar, sem recorrer a azarações, enquanto Madame Pomfrey e ela mesma medicavam Hermione Granger e Gina Weasley. Apesar de todos os acontecimentos da noite, a diretora chegou a esboçar um sorriso, enquanto assistia à coragem impávida dos rapazes esmorecer diante da visão das duas garotas acamadas. Eles voltaram repentinamente à condição de jovens comuns, perdidos diante da enfermidade de quem lhes é querido.
Ron colocou-se entre as duas camas, os olhos passando rapidamente das pernas imobilizadas da irmã, para o largo curativo na cabeça de Hermione. Estava tão pálido quanto as duas. Harry permaneceu a alguns passos, o conhecido sentimento de revolta fazendo a criatura em seu peito trovoar de raiva. Todo esse descontento estava escancarado na pergunta que soltou a seguir.
- O que eles fizeram a elas?
MacGonagall acariciou de leve o cabelo vermelho de Gina, que estava imóvel em suas muitas ataduras, e ajeitou-os sobre o travesseiro, olhando sensibilizada para a mais nova dos Weasley.
- Gina teve as duas pernas fraturadas, algumas costelas trincadas e arranhões feios pelo corpo. Ela já tomou a poção restauradora de ossos, e nós a sedamos para aliviar a intensa dor, enquanto fecham-se os ferimentos. Não corre riscos maiores, mas terá que ficar em repouso algum tempo. Ela dormirá por muitas horas ainda.
Harry fechou os punhos. Ron segurou a mão da irmã levemente por sobre um dos curativos. MacGonagall suspirou pesadamente e virou-se para o leito de Hermione. A garota tinha os cabelos quase totalmente escondidos sob a larga bandagem que lhe tomava metade do rosto e boa parte da cabeça. Estava tão branca que a cor das faces confundia-se com a fronha do travesseiro.
- Já Hermione... Bom, temo que teremos de esperar para saber exatamente o alcance de seus ferimentos .
- Como assim? – Ron reagiu em um pulo. A revolta de Harry agora subia quente e amarga pela garganta, e ele encarou raivosamente a diretora, calado.
- O que a diretora quis dizer, Sr. Weasley, é que Hermione apresenta um hematoma profundo característico de uma boa pancada na cabeça. – Madame Pomfrey manifestou-se, levantando com cuidado parte das ataduras da garota, e os amigos puderam ver a cor roxa azulada que lhe coloria toda a face esquerda e perdia-se em direção ao couro cabeludo. – Além de um corte extenso que acompanha a linha da testa. Apesar de eu ter feito tudo que posso e sei por ela, teremos que esperar para avaliar se o machucado trouxe seqüelas maiores e quais foram... E agora, vamos dar uma olhada em vocês dois!
Ambos esboçaram reações contrárias, e MacGonagall, usando do poder quase exclusivo de controlar jovens rebeldes sem erguer a voz, sentenciou em tom firme.
- Vocês vão se sentar, deixarão Madame Pomfrey examiná-los e tomarão todas as poções que ela julgar necessário. Isto não é uma sugestão! Fui clara?
Harry acalmou-se, mas não desistiu.
- Mas, o que farão com Moody?... E sobre os que permanecem em Hogsmead? Devem ser trazidos para cá! Seremos atacados outra vez a qualquer momento...
Os olhos da diretora brilharam um tanto a mais com a menção ao amigo recém perdido e dos problemas a resolver, mas ela não perdeu a convicção.
- Os professores Sprout e Flittwick estão cuidando das providências necessárias com relação a Alastor. Quanto à nossa segurança, Lupin, Tonks e Hagrid continuam de olho, liderando grupos de vigia alternados e de imediato, nada nos ameaça. O ministro e os aurores ainda estão na vila, cuidando dos estragos que os gigantes aprontaram por lá. Não há nada em que possa ajudar, Potter. Aproveitem este tempo para descansar, e fiquem de olho nas meninas, quando Papoula descer para ajudar Sprout... – Lançou novo olhar pesaroso para as garotas, e um outro repleto de avisos para Harry e Ron, já retirando-se da enfermaria.
De fato, após examiná-los, aplicar novo curativo em Harry, e empurrar a eles uma poção relaxante, Madame Pomfrey deixou-os, seguindo os passos da diretora até a sala de defesa contra as artes das trevas, para onde o corpo de Olho Tonto fora levado. Harry observou-a sair com os olhos consternados, e mal as portas se fecharam, caminhou até a janela e cuspiu fora os goles de poção, que intencionalmente não engolira. Ron fazia o mesmo próximo dali.
- Esse lance de você falar comigo por pensamentos, dando sugestões do que engolir ou não, pode ser útil, mas é muito estranho! – Resumiu o ruivo, limpando os cantos da boca com a manga das vestes.
- A poção nos faria dormir... Ao contrário de MacGonagall, não acho que tenhamos tempo para isso.– Ron assentiu, calado. Harry colocou-se aos pés da cama de Gina, olhando dela para Hermione, cheio de preocupação. - Elas poderiam estar...
- É. Como Moody... – Completou o amigo, pegando a mão de Hermione e escondendo-a entre as suas, enquanto agachava-se ao lado da cama. Depois descansou a testa sobre o cobertor da garota, exalando o ar dos pulmões.
Harry sentou-se na beirada da cama de Gina, não atrevendo-se a tocá-la, porém. Podia apenas imaginar o medo e a dor pelos quais ela passara... Embora a criatura em seu peito por hora estivesse silenciosa, sua raiva quieta ecoava em cada músculo de Harry. Maldito Riddle! Fora ele que as machucara, e que matara Olho Tonto, mesmo que através da ação dos gigantes. Inquieto, andou até a janela oposta às camas, e vagou os olhos pela Floresta, ainda escondida pelas sombras da madrugada que findava, apenas com o topo das altas árvores sendo banhados pelos raios do sol nascente.
A dor foi tão intensa que dobrou seus joelhos e Harry teve que amparar-se nas pedras frias da parede. Sua cicatriz emanava centenas de farpas pontiagudas contra seu cérebro, e o suor gelado que cobriu suas faces de nada adiantou para aliviar o calor doentio que percorreu seu corpo. O enjôo violento reteve sua respiração, aumentando a sensação de sufoco. Embora não houvesse emitido um pio, Ron percebeu o que se passava, e logo estava ao seu lado.
- Harry?
O amigo esfregou a testa, ainda escorado na parede. Depois respirou profundamente várias vezes, e quando falou, a voz fria ainda estava carregada de dor e entrecortada pela falta de ar.
- Temos que falar com Lupin e com Hagrid. Precisaremos visitar o estoque de Slughorn também.
- O que foi que você viu?- Ele já vira Harry reagindo assim antes, e em todas as vezes o amigo antecipara um ataque inimigo.
- Ele está próximo. Muito próximo. E logo estará mandando mais amigos para cá. – Diante do olhar inquisidor de Ron, Harry resumiu. – Tom Riddle aparentemente aprendeu a controlar mais uma maldição, utilizando-a a seu bel prazer... – Aprumando-se, o rapaz firmou-se nas pernas, e puxou do bolso o pequeno cantil, dando dois goles. A cor voltou a seu rosto, e já com voz firme, chamou.
- Dobby!
O elfo poderia estar esperando do lado de fora da porta, tão rápido estalou a seu lado.
- Meu Senhor Harry Potter finalmente chama Dobby! Dobby preocupado com os gigantes maus! Dobby queria ajudar meu Senhor Harry Potter!
Harry segurou a ladainha com um gesto de mão, e abaixou-se para falar com o elfo.
- Dobby, eu tenho um pedido especial para fazer a você! Uma missão muito importante. – Os olhos enormes de Dobby passearam de Harry para Ron, e ele permaneceu em silêncio, aguardando. Apenas suas orelhas se agitavam, demonstrando a satisfação em ser útil. – Precisamos que fique aqui, e aconteça o que acontecer lá fora, não saia do lado de Gina e Hermione, o.k.? Proteja-as, e de forma alguma permita que elas deixem essa enfermaria. Qualquer sinal de perigo, tente escondê-las da maneira que puder, e depois me chame, entendeu? Cuide de Madame Pomfrey também ...
- Meu Senhor Harry Potter pode ir sossegado! Nada acontecerá às amigas de Harry Potter enquanto Dobby estiver aqui!
Ilustrando suas palavras, Dobby saltou para o criado mudo entre as duas camas, e ali sentou-se, os braços cruzados indicando sua determinação.
- Meu Senhor Harry Potter pode confiar em Dobby!
Harry esticou o braço e afagou as orelhas do elfo, admirando sua feroz lealdade.
- Eu confio!
Olhando em despedida para Gina e Hermione, Harry caminhou para a porta, resoluto. Ron mexeu nos cabelos da irmã e beijou a face pálida de Mione, antes de disparar atrás do amigo. O elfo os assistiu partir, mantendo o olhar confiante, até que os rapazes tivessem desaparecido de suas vistas. Quando se viu sozinho com as enfermas, ele deixou as orelhas caírem, e escondeu os olhos com as mãos, preocupado com o poderia estar para acontecer...
No corredor, Harry interrompeu as largas passadas, subitamente alerta do fato de que induzira o amigo a não descansar, e que não tendo o auxílio do precioso líquido guardado em seu bolso, Ron logo sentiria o desgaste. Tirando o cantil das vestes, ofereceu-o para ele, sem maiores explicações.
- O que é isso afinal? Já o vi beber várias vezes, sempre no meio de uma encrenca grande...
- Beba primeiro! Vai lhe fazer bem... É o que me manteve na ativa nas últimas horas.
Ron abriu o cantil, meio ressabiado. Entornou um grande gole, e imediatamente franziu todo o rosto em uma careta de intenso desagrado.
- Eca! O que diabos...???
Harry sorriu, bebendo ele mesmo mais um pouco. Quando falou, a resposta direta derrubou o queixo de Ron.
- Sangue de dragão.
==*==
Remo Lupin apoiou as mãos na mureta da torre de astronomia, avaliando cuidadosamente os terrenos abaixo. Nada à vista, nenhum movimento suspeito. Tinha sido assim por todo o seu turno de vigia, um silêncio vazio e pesado cercando a escola. Ao contrário do que seria lógico, isso não o tranqüilizou em nada. Parecia a ele que presenciava os minutos quietos que sempre antecedem uma grande tormenta.
Atrás de si, um pequeno murmúrio chamou sua atenção. Tonks cochilava a um canto, aninhada ao casaco que ele mesmo colocara sobre ela, quando a auror praticamente desabou de exaustão, em meio à vigília. Lupin sorriu carinhosamente para a adormecida, e então o pressentimento voltou com força total. Todos os instintos de lobo que permaneciam nele bradavam a seu cérebro que havia perigo próximo. Esfregou a mão com força no peito, tentando dissipar a sensação. Não era possível! Não em plena luz do dia, e longe do período da lua cheia... Não. Estava cansado, acabara de perder um amigo e um exemplo e estava preocupado com os quatro jovens excepcionais que se encontravam na Ala Hospitalar. Sim, só poderia ser isso, concluiu, encostando-se novamente na amurada.
Foi assim que Harry e Ron encontraram-no pouco depois. Bastou um olhar para o filho de seu grande amigo, para Remo entender que ele também farejara mais encrenca.
- Para vocês dois terem escapado dos domínios de Papoula, suponho que existam novidades... – Comentou, após fazer um gesto para que os garotos falassem baixo, indicando Tonks. – O que há, Harry?
Harry hesitou, sabendo que o que tinha a dizer poderia ser encarado como louco e impossível.
- Há alguma maneira, algum feitiço ou coisa assim, que possa transformar um lobisomem fora das noites de lua cheia?
Lupin curvou um pouco os ombros, tenso. Se Harry lhe fazia essa pergunta do nada, então não era apenas impressão sua...
- Quando eu circulei por entre os lobisomens, a mando de Dumbledore, eles realmente andavam excitados com essa possibilidade. Parece que Voldemort e Fenrir andavam tentando descobrir como conseguir tipo de transformação há tempos. Como não ouvi mais nada sobre isso, pensei que não tivessem alcançado êxito. Porém, hoje... Hoje quase consigo farejá-los, perto demais para nossa segurança.
Harry acompanhou o olhar de Lupin para a floresta.
- Agora a pouco, na enfermaria, minha cicatriz doeu mais intensamente do que o costume. A única vez que senti algo assim foi naquele cemitério, quando Tom Riddle encostou em mim. E a dor permanece até agora. Junto com ela veio a sensação... a certeza, de que eles estão mesmo por aqui, e não são poucos.
Lupin passou a mão pelos cabelos grisalhos, suspirando. Ron olhava de um para o outro, apreensivo.
- Ron, me faça um favor, chame Minerva e Hagrid. Harry, você vai atrás de Bull. Eu vou contar para Tonks e desço em seguida. Nos encontraremos na masmorra de Sev... de Slughorn, daqui a pouco.
Harry, que também havia pensado na hipótese, perguntou sem rodeios.
- Prata?
- É o único jeito. Vamos torcer para que Voldemort não tenha conseguido defendê-los contra isso...
Meia hora depois, os primeiros caldeirões de prata sendo derretida infestavam a sala do mestre de poções de fumaça acre e azulada. Minerva MacGonagall não perdera tempo desconfiando das predições estranhas de Lupin e Harry, e agora ela e Tonks passavam o castelo em revista, descobrindo e levando para as masmorras todo objeto de prata que pudessem encontrar. Os pelúcios de Hagrid novamente foram de grande ajuda, e logo o metal liqüefeito tomava o lugar de belos candelabros, taças e molduras trabalhadas. Diante da manifestação de pesar de Sprout diante da destruição de tais tesouros, a diretora limitou-se a um comentário.
- Faremos outros enfeites depois. Por hora prefiro manter aquelas garras e dentes longe desta escola, a qualquer preço.
Harry, Neville e Ron remexiam os grandes caldeirões, e quando o metal atingiu o ponto de liquefação necessário, assistiram admirados a Lupin, que deitava fios prateados da matéria derretida sobre uma mesa, e com um floreio da varinha os transformava em setas, que serviriam para o arco de Hagrid, ou então em pequenos cilindros, cópia exata de uma das balas do rifle de Bull.
Trabalharam sem pausas, sempre com a sensação de que a qualquer momento ouviriam rosnados do outro lado das portas. Em pouco tempo um pequeno arsenal argênteo repousava sobre uma mesa no saguão de entrada. MacGonagall franziu os olhos para o material, resumindo para Lupin e Hagrid.
- Pouca munição, duas armas e não temos mais prata. Isso não será o suficiente!
Hagrid coçou a barba emaranhada, seus olhinhos de besouro passeando pelas feições preocupadas dos amigos, e detendo-se um pouco mais no olhar sombrio de Harry, que observava os jardins de uma janela, a poucos passos dele mesmo.
- Remo, você consegue atirar com meu arco?
- Creio que sim... Mas, por que?
- Se a senhora permitir, diretora, eu preciso sair por algum tempo.
- Como assim, Hagrid? Aonde vai na eminência de um ataque de lobisomens e sabe mais o quê?
- Buscar mais arcos.
Um brilho de entendimento luziu nos olhos da bruxa, e ela assentiu, completando.
- Leve Tonks com você.
O guarda caças concordou, e depois de bater nas costas de Harry, à guisa de despedida, foi procurar a auror. O rapaz sabia o que o grande amigo tencionava fazer, mas não acreditava que ele alcançasse sucesso.
MacGonagall percebeu o distanciamento que o jovem mantinha, e o olhar furioso que sombreava seu semblante. Trocando um gesto de silenciosa concordância com Lupin, que partiu em busca de seu ponto de vigia, a diretora aproximou-se de Harry.
- Sabe onde estão Ron e Neville?
- Em outros andares, procurando com os pelúcios por mais prata.
- Então, leve isto aqui... – Entregou e ele uma caixa grande, repleta das balas de prata recém forjadas. - ... para Bull, na torre de astronomia. Eu vou à Hogsmead, ver porque raios Rufus ainda não trouxe os aldeões...
Harry pegou a caixa e rumou para as escadas, observado pelos olhos preocupados de MacGonagall. No primeiro degrau de mármore ele parou, e virou-se para ela.
- Diretora?
- Sim, Potter?
- Não se demore lá fora. – E subiu os degraus, taciturno.
Minerva entrelaçou os dedos em frente à boca, em um raríssimo momento de temor. Ou muito se enganava, ou a sombra de todo o mal ao redor estava finalmente alcançando seu valente aluno.
Harry depositou a caixa próxima a Bull, que tinha um dos pés sobre a mureta, e descansava o rifle no joelho dobrado, enquanto estudava com olhar de caçador a área em volta.
- Alguma coisa?
- Nada, por enquanto. Eles são predadores, Harry. Provavelmente virão à noite... – Supôs, carregando sua arma com as brilhantes e preciosas balas.
Harry ficou em silêncio alguns instantes, observando seus movimentos, e Bull aguardou. Seu amigo falaria quando achasse que era a hora.
- Me desculpe, Bull!
- Desculpar pelo que?
- Eu apareci em sua vida há alguns dias, tirei você da sua casa e amigos, e o expus a perigos e a situações que não são sua responsabilidade.
- Foi minha escolha vir, está lembrado?
- Eu não lhe deixei alternativa, colocando-o na mira de Tom Riddle!
Bull expeliu o ar dos pulmões com força, e quando falou sua voz de barítono soou impaciente e exasperada.
- O que está na hora de você entender, Harry, é que as pessoas, bruxos ou trouxas, são livres para tomar suas próprias decisões. Não cabe a você decidir se elas devem se arriscar ou não! Não cabe a você julgar se somos capazes de nos defender, ou se devemos ficar de lado enquanto você assume todo o problema! Nessa sua cabeça dura pode ter a ilusão egocêntrica de que o correto seja você enfrentar aquele gângster feioso sozinho, e morrer com ele na briga. Mas e o que é correto para nós, que também vivemos nesse mundo Harry? Não conta? Nossas opções para nós mesmos não são válidas? Só as suas?
Harry o encarava, surpreso e constrangido com o sermão. Enquanto Bull tomava fôlego, tentou se explicar.
- Só não quero mais mortes, Bull.
O grandalhão se acalmou um pouco, e lhe socou de leve as costas.
- Nenhum de nós quer. E isso inclui a sua própria, Harry. Então, aproveite a ajuda que lhe oferecemos, e estoure a sola dos sapatos do cara de cobra! Sozinho, no entanto, só conseguirá se matar... – Sorriu largamente e completou, brincalhão. – Nunca poderei ir para o céu sossegado se algo acontecer a você sob minhas vistas. Sua mãe ficaria me esperando nos portões do paraíso para me esquartejar com uma faca bem pequena e completamente sem fio!
Harry riu, pela primeira vez em dias, ele realmente riu com gosto. Naquele momento um pouco do sentimento amargo que vinha lhe enchendo o estômago a algum tempo, esvaiu-se com o riso. Tão forte quanto essa, uma outra sensação empurrou seus pés para as escadas, e uma necessidade súbita o apressou para fora da torre.
- Tenho algo a fazer, Bull. Se aparecer algo...
- Eu o chamo, fique certo. – Harry estava no segundo degrau quando o amigo acrescentou, risonho. –Dê lembranças minhas às ocupantes da enfermaria...
==*==
Harry entrou silenciosamente na Ala Hospitalar. Luna Lovegood estava sentada quieta, na cama ao lado da amiga, e não falou nada para Harry, apenas o estudou com seus grandes olhos aguados. Dobby encontrava-se acomodado sobre uma cômoda, enrolando magicamente vários metros de ataduras. Madame Pomfrey verificava a temperatura de Hermione, que assim como Gina, permanecia na mesma posição de quando as deixara, horas atrás. Ela sorriu brevemente para ele, enquanto Dobby pulava ao seu encontro.
- Meu senhor Harry Potter! Suas amigas ainda dormem! Nossa honrada Madame Pomfrey diz que estão bem, entretanto.
- É verdade, Potter. Elas estão melhorando, e a Srta. Granger chegou a acordar e falar comigo. Dorme de novo graças às poções...
- O que ela disse?
- Pediu por Moody, por você e duas vezes pelo Sr. Weasley.
Harry sorriu para a amiga adormecida, e aproximando-se, murmurou para ela.
- Me perdoe, Mione! Mas sou obrigado a contar isso ao Ron. – O sorriso desapareceu, e ele segurou a mão da amiga. – Seu bom senso e sua inteligência estão fazendo muita falta por aqui...
Dobby baixou as orelhas, detectando o sentimento implícito nas palavras. Harry agora sentava-se ao lado de Gina, o motivo que o levara até ali.
- Eu acho, Gina, que depois dos próximos acontecimentos, você não sentirá mais orgulho da minha dita nobreza... – Sorriu, amargo. – Acho que terei de fazer coisas, daqui para a frente, que bruxo decente algum faria. – Pegou a mão da ruiva e a beijou, para depois segurá-la durante algum tempo contra a própria testa. – Espero que você entenda... Espero que eu consiga...
O murmúrio de Gina o sobressaltou , e ele viu aliviado seus olhos castanhos se abrirem levemente, sonolentos.
- Harry...
- Oi, Gina! Como está se sentindo? - Curvou-se sobre ela, retirando uma mecha vermelha de seu rosto.
- Estou com frio... – Ao mesmo tempo que Gina voltava para a inconsciência, o coração de Harry enregelou-se, tanto quanto o ar ao seu redor. Luna arquejou, levantando-se agilmente, e a enfermeira também paralisou os movimentos, sentindo a mudança no ambiente. Harry caminhou até a janela e encarou os céus fora por um décimo de segundo, antes de voltar-se para elas.
- Madame Pomfrey, Gina e Hermione vão precisar de chocolate e mais cobertores. A senhora e Luna também, aliás. Dobby, continue protegendo-as.
- O que foi, Potter?
Sinalizando para Luna que ela deveria ficar ali, Harry olhou para Mione e Gina a última vez antes de mais uma batalha, e girou nos pés, dizendo por sobre os ombros a caminho da porta.
- Mais visitas chegaram...
==*==
- O que raios são aquelas coisas?
Bull olhava incrédulo para o céu, e Harry entendeu o que ele deveria estar sentindo. A primeira visão de um bando de dementadores sabia ser impactante. Ele, Ron e Neville voltaram as pressas para a torre, e agora de lá observavam, varinhas em punho, a revoada de dementadores no alto.
- Por que eles não estão descendo? – Indagou Ron, os olhos fixos nos vultos escuros.
As criaturas não pareciam realmente terem pressa em atacar. Voavam em círculos a vários metros, produzindo o frio intenso e o incômodo psicológico característico, mas não mais que isso. Harry massageou a testa, sentindo nova e pungente fisgada.
- Aquilo são dementadores, Bull. Não deixe nenhum chegar perto porque seu amigo aí não serve de nada contra eles. – Alertou, mostrando o rifle. – Se eles descerem, entre no castelo. É sério! – Concluiu, diante da clara negativa do outro. – O único modo de impedi-los é com magia.
- Eles parecem estar... esperando algo.
Neville aparentava calma, mas sua mão tremia levemente segurando a varinha. Harry concordou.
- Ou alguém... – Imediatamente os olhos de todos voltaram-se para a orla da floresta, mas com exceção dos movimentos do vento nas árvores, nada se via ali. Lupin surgiu das escadas, o arco de Hagrid em uma mão e a varinha em outra.
- Não adianta procurar lá embaixo, os companheiros dos dementadores não vêem pela floresta.
- Por onde, então?
Remo apontou para cima e as entranhas de Harry congelaram. As gigantescas aves negras de garras enormes e perigosas haviam se aproximado despercebidas, camufladas pelo movimento dos dementadores. Agora já estavam próximas o suficiente para que se visualizasse com clareza a carga mortal que traziam entre suas asas.
Bull destravou o rifle, ajeitando-o no ombro.
- Está na hora de puxar essa sua espada Harry! A dança vai começar!...
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