NÃO FOI POTTER...
CAPÍTULO 20:
NÃO FOI POTTER...
Mundungo Fletcher foi atirado para dentro do aposento, caindo desajeitado sobre o antigo tapete que ornava o piso de pedras, exatamente aos pés de Lord Voldemort. Sem coragem para encarar seu algoz, permaneceu enrodilhado no chão, abraçado aos próprios joelhos, choramingando baixo.
Voldemort divertiu-se com o desesperado terror de sua vítima. Nagini, sempre a poucos metros de seu mestre, sibilou satisfeita, erguendo a poderosa cabeça a meio metro do chão. Mundungo chorou mais alto, ao espiar-lhe as venenosas presas.
- Acalme-se, velha amiga! Talvez eu o entregue para você mais tarde. Por hora, permanecerá inteiro para que possamos conversar... – O sussurro suave poderia passar por amigável, não fosse a clara ameaça que continha. – Deixem-nos!
Dois vultos deslizaram ligeiros para fora da sala, deixando o histérico bruxo a sós com seu anfitrião.
- Sabe por que está aqui? – Perguntou o Lord Negro, quase educadamente.
- Não.. Não... Não sou perigoso para você... – Mundungo repetiu várias vezes, apavorado, enquanto passava as mãos freneticamente pelos ralos cabelos ruivos.
- É claro que não é! Nunca imaginei acusá-lo disto... – Debochou Voldemort, sentando-se em uma das magníficas poltronas próximas.- Pelo contrário, desconfio que me será útil! Pare de chorar, eu não vou matá-lo! Não agora...
- O Senhor quer saber... quer saber... sobre a Ordem...?
- Não há nada naquela incômoda mas inútil tentativa de organização contra mim, que Severus já não tenha me contado... Ah, por falar nele...
Duas secas batidas na porta haviam antecedido a entrada de Severus Snape. Seu olhar calculista deslizou de Voldemort para a trouxa chorosa de farrapos, ainda encolhida no chão, que era Mundungo. Quaisquer que fossem seus pensamentos, não os demonstrou, permanecendo com a expressão levemente enfadada quando ofereceu-se:
- Quer que eu fique para ajudá-lo com ele, Mestre?...
- Snape... – Soluçou Mundungo. - Você sabe!... Nunca fiz nada de importante contra...
- Cale a boca, Fletcher! Não piore para você...
- Piorar, Severus?... Está preocupado com seu colega na Ordem?
Snape cerrou o maxilar, mas respondeu calmamente.
- O Mestre sabe que não! Só estou tentando poupar-lhe dessas lamúrias inúteis. – Ajeitando a gola sobre a horrenda cicatriz, permaneceu quieto, esperando. Voldemort enviou-lhe um sorriso perigoso.
- Claro... claro... Quero conversar com este aqui a sós, Severus. Saia!
Snape fez uma discreta reverência, contrariado, e mandando um olhar de alerta para Mundungo, marchou para fora, batendo a porta às suas costas. Voldemort ergueu-se, e andou pelo aposento lentamente.
- Fiquei sabendo, por alguns amigos, de seu sucesso como vendedor... Interessei-me particularmente por uma de suas mercadorias, amante da história que sou! Conte-me sobre esse tesouro, essa herança de um grande bruxo que alardeou por meses possuir, e que prometeu vender pelo melhor preço...
- Eu não... Eu não...
Voldemort subitamente ergueu a varinha e Mundungo gritou de dor.
- Não tente enganar ao Lord Negro, idiota! Fale logo!
- Eu inventei,... menti...
- Mentiu para Borgin, negociante e canalha a mais tempo que você, e para cada bruxo da Travessa do Tranco? Enganou-os com descrições detalhadas de algo que não existe? Não... Acho que precisa de um pouco mais de persuasão.– A voz de Voldemort era casual, como se estivesse receitando uma xícara de chá, mas os olhos viperinos brilharam na penumbra da sala. Mundungo retorceu-se novamente em agonia, as mãos agarrando as próprias vestes, os olhos desfocados e febris.
- Sabe, Cruciatus é minha maldição preferida... Avada é definitiva, Imperius é eficiente, mas esta... esta é a que mais me diverte!... E então Dunga? Devo continuar? – O som do apelido era ironia pura.
- NÃO! NÃO! Por favor! Pare... eu conto! Eu falo! ...Achei... Na sede.... Velhos... Mas pareciam ter valor...
- Esforce-se para ser mais coerente... - Voldemort soou impaciente dessa vez. O bruxo no chão puxou fôlego, tentando encorajar-se.
- Ele estava limpando a casa... jogando várias coisas fora. Peguei algumas, que poderiam render algum dinheiro... Taças, uns objetos estranhos... e ... O elfo, o elfo disse que era... valioso, histórico... Mas não está mais comigo! Pegaram de volta da onde eu o escondi...Fui preso antes de achá-lo novamente... – O desespero voltou a tomar conta de Mundungo, e ele soluçou a plenos pulmões.
Voldemort parou muito próximo ao bruxo, erguendo-o pelas vestes.
- Potter? Potter o estava jogando fora?!? – Sibilou, furioso e incrédulo
Mundungo estava quase em choque, tamanho seu medo. Mal conseguiu balbuciar, desconexo.
- Não...Não... A casa ainda era de Black! Foi ele quem se desfez... Guardado lá há muito tempo... E Black jogou ...
Voldemort o estuporou para silenciá-lo. Depois sentou-se novamente, pensativo. Nagini aproximou-se, e ele lhe acariciou as escamas, sussurrando.
- Não foi Potter... Foi Black... Estava lá há muito tempo...
Subitamente levou as mãos à cabeça e urrou, cheio de raiva.
Harry abriu os olhos. Ao seu redor, os rostos ansiosos de Ron, Mione e Gina. Ao lado da cama onde o deitaram, os grandes olhos do tamanho de pires de chá de Dobby espiavam, aflitos. Harry passou a mão pela testa, em um gesto que os amigos logo identificaram. Sua cicatriz parecia querer partir-lhe a cabeça ao meio e a dor o fazia suar frio.
- O que houve?
- Como você está, cara?
- Meu Senhor Harry Potter está melhor?...
Recostando-se na cabeceira da cama, ajeitou os óculos no lugar, enquanto escutava a aflição dos amigos. Apenas Gina permanecia em silêncio, encarando-o apreensivamente.
- A culpa foi nossa! – Hermione sentenciou, contrafeita. Gina se encolheu. – Não deveríamos ter falado com você daquele jeito!
- Deveriam sim! – Harry respirou fundo, tentando amenizar o mal estar. - O alerta que me deram ajudou-me a cuidar para que, dessa vez, nada da mente de Riddle me acompanhasse.
Ron remexeu-se, preocupado. Gina e Hermione abriram ainda mais os olhos. Dobby murchou as orelhas de vez.
- Você está dizendo que... - Hermione hesitou.
- Quando me olhei no espelho, fiquei chocado com a semelhança que apresentava com Tom Riddle. Não física, mas... Enfim, de repente o reflexo mudou, formando o rosto dele, vocês e este quarto desapareceram, e então eu estava em sua mente, outra vez.
- Mas você estava acordado... Sempre aconteceu enquanto dormia. Por que? Como? - Ron perguntou.
- Faz sentido... Das outras vezes Harry estava sem defesa, inconsciente. Dessa, baixou a guarda devido à nossa conversa... – Deduziu Hermione.
- Ele também pensava em mim, e é claro, estava com muita raiva, além de preocupado com o paradeiro de seus Horcruxes. Acho que as emoções alteradas de ambos provocaram a sintonia... e a conexão se fez.
- Meu Senhor Harry Potter vê o que passa na cabeça “Daquele-que-não-deve-ser-nomeado”?... – Admiração e descrença assombravam os olhos de Dobby.
- Não é bem isso, Dobby... Mas você não precisa se preocupar. Por favor, não repita isso... – Hermione pediu.
O elfo aprumou-se, solene.
- Dobby não repete as conversas de Mestre Harry Potter e seus amigos! Dobby guarda bem os segredos de seu mestre!
- Eu sei, meu amigo! – Harry garantiu. - E por isso confio tanto em você! Agora, por favor, desça e ajude a Sra. Weasley no que ela precisar, certo? Nós quatro precisamos conversar mais um pouco, antes que ela venha nos chamar... Você entendeu?
Dobby chacoalhou as orelhas, satisfeito com a própria esperteza.
- O Mestre e seus amigos vão ficar à vontade! Dobby não deixa ninguém vir buscá-los, só Dobby! – Sorrindo para eles, desapareceu. Duas cabeças ruivas e uma castanha voltaram-se novamente para Harry.
- O que foi que você viu? O que Voldemort estava fazendo?
- Ele interrogava Mundungo, Ron...
Os amigos ficaram cada vez mais abismados, conforme ele contava toda a conversa que presenciara. Quando terminou, houve longos momentos de silêncio, cada um digerindo as informações. Foi Hermione quem concluiu primeiro.
- Impossível! Nós estávamos aqui, ajudando naquela faxina feita em toda a casa. Se algo de tanto valor tivesse surgido, nos lembraríamos. E não teríamos posto fora na ocasião.
- Não sei, Mione. Sirius estava louco para se livrar de tudo que pudesse. Principalmente se o objeto simbolizasse a arrogância e a “nobreza” dos Black. – Gina finalmente manifestou-se, com a voz baixa. Harry sorriu para ela, mas a moça curvou a cabeça, desviando os olhos. Um pouco desconcertado, ele continuou:
- Mundungo estava apavorado demais para mentir! Ele realmente achou algo, e o que quer que seja, interessa muito à Riddle.
- Supondo que ele esteja falando a verdade, que tesouro é esse? Herança de qual grande bruxo, e por que Voldemort a quer? Mesmo que seja realmente valioso, ter todo esse trabalho... - O próprio Ron respondeu. –Vocês acham que é um?...
- Parece a ser a única explicação...
- Mas Harry, um Horcrux? Aqui? Mesmo os Black sendo simpáticos às causas de Voldemort, acha que ele escolheria a casa deles como esconderijo? E que o Horcrux estaria sem proteção alguma, a ponto de podermos jogá-lo fora?...
- Talvez ele esteja querendo o objeto para fazer um novo ... Para sabermos com certeza, Hermione, precisamos achar o dito tesouro, e rápido. O que nos leva a mais uma questão: Quem encontrou o esconderijo onde Mundungo o escondeu? Só membros da Ordem circulam por aqui!
Harry levantou-se, massageando a cicatriz que ainda ardia, e andou de um lado para o outro, impaciente e exasperado pela falta de respostas. Os outros calaram, pensativos. Forçando-se a acalmar, sentou-se novamente e tratou de contar o resto.
- Tem mais...
- Ah, Harry! Você não recebeu mais nenhum poder de Voldemort, não é?
- Não. Mas pude perceber algo surpreendente... Todos já concluímos que Riddle não confia mais em Bellatrix ou Malfoy. Acontece que ele também não confia, pelo menos não totalmente, em Snape. – Harry reconheceu sua própria surpresa nos amigos. Aquilo era inesperado. – E há uma boa notícia, Hermione. Pode sossegar quanto as minhas visitas à Tom Riddle. Não acredito que acontecerá outra vez.
- E como é que você pensa impedir?
- Eu não. Ele. Hoje, Riddle soube que eu estava lá, e não ficou feliz...
Dobby reapareceu nesse instante, em meio ao silêncio aterrado que se seguiu às palavras de Harry. Agitado, pulou sobre a cama, guinchando:
- Mestre Harry Potter e os amigos devem descer! Os Srs. Lupin e Moody chegaram! Ambos querem muito falar com o Mestre! E a estimada Sra. Weasley os chama para comer!
- Está bem Dobby! Estamos indo! Vá na frente e avise que já vamos! – Depois que o elfo se foi, Harry voltou-se para os outros.
- O que vamos contar? – Indagou Ron.
- Tudo. Está na hora de pedir ajuda. Se alguém sabe do que se passa nessa casa, esse alguém é sua mãe. Talvez ela saiba do que Mundungo falava...
Remo Lupin ainda estava com alguns curativos, e cicatrizes recentes e avermelhadas eram visíveis subindo pelas mãos e braços. Mas no geral estava bem, como Harry ficou feliz em constatar. Moody deixou que os garotos cumprimentassem o amigo, para depois aproximar-se e dizer no inconfundível rosnado.
- E então Potter? Vejo que estão bem, apesar da dupla caçada contra vocês...
- Alastor! – Esganiçou-se a Sra. Weasley. – Não fale assim...
- Falo assim porque é o que acontece, Molly. E não deveria se preocupar tanto, já que seu filho e os amigos estão dando conta do recado com folga. Poucas vezes vi Rufus tão irritado...- Moody estava decididamente satisfeito com isso. – Ele obrigou-se a aceitar que não tiraria informação alguma de qualquer amigo dos três e acabou desistindo de procurar os Granger também. - Hermione soltou o ar dos pulmões, aliviada. Harry podia jurar que viu Moody piscar para ela com o olho mágico.- Agora, nosso ministro deve estar rezando para que Potter resolva aparecer por vontade própria.
- E Umbridge? – Gina estremeceu de revolta ao indagar.
- Continua tentando criar tumulto. Está em campanha aberta para torná-lo um marginal aos olhos da comunidade bruxa, Potter. Mas antes que ela consiga, trasgos e gigantes tomarão o chá das cinco com a rainha dos trouxas... Ah, sobre Olivaras , ele está no Saint Mungus, fisicamente bem, mas ainda incapaz de articular uma frase que faça sentido.
- Vamos comer em paz... Depois haverá tempo para conversas assim... – Pediu a Sra. Weasley, indicando a mesa repleta de travessas fumegantes e cheirosas. Para não decepcionar a boa senhora, os quatro sentaram-se, seguidos de Moody e Lupin.
Harry tentou comer, sem sucesso. O estômago parecia ter virado pedra e a cicatriz seguia ardendo o que podia. Gina e Mione mal tocaram nos pratos e até Ron, totalmente fora do que era normal em seu renomado apetite, só brincava com a comida. Lupin percebeu logo.
- Eu acho, Molly, que os meninos tem algo os incomodando bastante, a ponto de não conseguirem comer... Por que não nos conta, Harry?
Foi o que ele fez, com a ajuda de Ron e Hermione. Relatou sua invasão à mente de Riddle e toda a conversa entre ele e Mundungo, finalizando com a lista de dúvidas que esta despertara. Lupin preocupou-se. Moody estudou Harry atentamente enquanto ele falava, mas não pareceu surpreso.
- Realmente, Fletcher espalhou pelos sete ventos estar em poder de várias relíquias da família Black. Foi seguindo estes boatos que o ministério conseguiu prendê-lo, em flagrante, vendendo uma estranha caixinha de música que faz as pessoas ficarem sonolentas, e um anel com o brasão dos Black...
Alguma coisa reluziu no fundo da mente de Harry. A Sra. Weasley estava agora tão silenciosa quanto concentrada. Com o cenho franzido, parecia tentar lembra-se de algo. Lupin pensou um pouco, e então esclareceu.
- Pelo que sei, as jóias realmente valiosas da família estão no Gringotes, e em seu nome Harry. Você as herdou, junto com essa casa ... – Foi interrompido por um grito agudo da Sra. Weasley.
- Lembrei! Pode ser isso... No dia em que achamos a dita caixinha que faz dormir, estávamos limpando um grande armário lá em cima, na sala de estar... Lá haviam tantas coisas das quais nos desfizemos...
Fez-se a luz na memória de Harry, e ele reviu como se fosse em um filme trouxa, o extermínio das fadas mordentes, a limpeza das prateleiras abarrotadas de bugigangas sombrias, o objeto que parecia cheio de pinças correndo por seu braço, a mão de Sirius coberta por um grosseirão marrom, a insígnia da Ordem de Merlin do senhor Black, e...
- Havia uma corrente, com um pesado camafeu, que nenhum de nós conseguiu abrir. Sirius a jogou fora, junto com o resto do que considerava lixo, de onde Mundungo facilmente pode tê-lo tirado. – Não acreditou na própria voz quando completou. – Um medalhão.
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