VARINHAS NEGRAS



CAPÍTULO 16:


VARINHAS NEGRAS


O intenso luar dava um toque quase sobrenatural ao branco das espumas, formadas pelas ondas que se chocavam contra o alto penhasco. Do alto da muralha da prisão de Azkaban, Nicolas Marlowe ajeitou o casaco do uniforme, para que este lhe cobrisse um pouco as orelhas geladas. Era consenso, entre ele e os colegas, que haviam duas únicas vantagens no emprego nefasto de guarda daquela espelunca: o alto salário que o Ministério estava pagando para quem aceitasse o risco de trabalhar ali, e a incrível vista do mar revolto, em noites limpas e claras como esta.

Caminhou distraído por toda a extensão norte da muralha, parando ao lado da guarita, divagando sobre uma boa caneca de cerveja amanteigada e uma cama confortável. Talvez, se estivesse um pouco mais atento, teria percebido a presença de alguém às suas costas. A azaração o atingiu, fulminante, e Marlowe tombou desacordado, sem ver quem o enfeitiçara. A figura alta, envolta em panos escuros, passou pelo guarda sem um segundo olhar, esgueirando-se de encontro à parede fria. Escondido pela guarita, assistiu à repetição do que acabara de suceder, os guardas sendo eliminados por misteriosos invasores, em cada lado da fortaleza. O restante da defesa, pelo que podia ouvir do alto dos muros, estava reunido em uma construção baixa e larga dentro do perímetro da prisão, provavelmente os alojamentos dos funcionários. Gargalhavam e falavam alto, ignorantes do perigo que chegava.

Severus Snape jogou os cabelos escuros para trás, sorrindo arrogantemente. Tolos! Mesmo com Voldemort de volta à ativa, e estando de posse de comensais próximos ao Lord Negro, eles enchiam a cara de cerveja, descuidando de suas obrigações. Tanto melhor! Facilitaria sua missão ali. Sinalizando para alguns dos companheiros, indicou o alojamento, passando o dedo pelos lábios, num gesto característico. Os guardas lá não deveriam dar o alarme. Uma dezena de comensais foram cuidar disto.

Os outros o seguiram, descendo silenciosos as escadas de pedra, em direção às grandes portas de ferro. Snape conjurou o feitiço que os dementadores utilizavam para abrir e lacrar as portas, quando eram as sentinelas daquele lugar. Não se surpreendeu quando nada aconteceu. Rufus Scrimgeour era um auror experiente, e mudara os feitiços de proteção. Tirando um pequeno frasco das vestes, ordenou aos outros que se afastassem, e depois derramou o líquido translúcido pela enorme fechadura, saltando sem demora para longe.

A poção surtiu efeito, explodindo sem ruído algum o material da porta, deixando um buraco no lugar. Não era grande o suficiente para que passassem por ele, mas com certeza serviu para que Snape pudesse amaldiçoar o ingênuo e descuidado guarda, que aproximou-se pelo lado de dentro para averiguar o que acontecia.

- Impérius!

Estacando abruptamente, o jovem assumiu a típica expressão aérea de satisfação.

- Abra as portas!

Ele obedeceu sem hesitar. Encostou a varinha em um ponto específico acima de sua cabeça, e logo, todo o grupo estava do lado de dentro.

- Feche as portas novamente. Não deixe os outros guardas entrarem ou saírem. Mate-os se precisar.

Os comensais riram debochadamente, quando o rapaz postou-se em frente a entrada, com a varinha em punho.

- Calem-se! – Snape sibilou. – Há ordens a serem cumpridas! Não sabemos quantos guardas há nos corredores, então, fiquem atentos! Façam o necessário para sairmos daqui rápido e com o que viemos buscar. Lembrem-se, só os escolhidos pelo Mestre, ninguém mais! Agora vão!

Os comensais dispersaram-se, e não demorou para que gritos de alerta soassem entre os corredores e celas, seguidos de feitiços e maldições, resultantes dos embates entre os guardas e os invasores. Em menor número e menos capacitados, os funcionários do ministério não resistiram por muito tempo. Snape livrou-se de quatro sentinelas, em poucos minutos, e agora caminhava lentamente pelos corredores, ignorando os pedidos frenéticos dos presos para que os libertassem. Tinha alvos bem específicos, os outros não o interessavam.

- Severus! Severus! Aqui!

A voz rouca lembrava pouco a fala arrastada de meses antes. Aliás, depois de mais de um ano na prisão, Lúcio Malfoy estava muito diferente. Os cabelos platinados, presos de qualquer jeito, estavam emaranhados e sujos. As roupas antes luxuosas, eram agora simples e cinzentas. Pelas grades da cela, Snape pode ver os efeitos que as refeições nada suntuosas de Azkaban provocaram no bruxo. Os olhos, entretanto, possuíam o mesmo brilho ardiloso de outrora, quando ele afirmou:

- Você veio me tirar daqui! O Mestre finalmente decidiu resgatar-me!...

- É verdade, Lúcio... Embora haja a possibilidade de que seja para matar você pessoalmente, que ele ordenou que viesse buscá-lo. – Disse preguiçosamente. Malfoy recuou, branco como cera. Depois retomou o ar arrogante.

- Ele não me matará! Sabe o quanto eu fui e ainda serei útil. Agora, abra logo essa cela!

- Se você acredita nisso... – Sorriu enviesado, e Malfoy empalideceu mais ainda.

- Nott!

O comensal aproximou-se, e Snape ordenou, sem deixar de sorrir para Malfoy. – Pegue um dos guardas rendidos e o traga para abrir as portas. E estupore os outros presos, assim param com essa gritaria infernal. Vou continuar procurando...

- Bella está aqui ao lado. – Lúcio comunicou, como se isso encerrasse a questão. Snape voltou-se novamente para ele, o olhar mais cínico e frio do que antes.

- Ah, sim? Vamos levá-la também, então. Mas vocês dois vão apenas aproveitar a carona, digamos assim. Não são quem realmente vim buscar...

Deu as costas para o estupefato Malfoy, e continuou o passeio pelos corredores, desacordando os enjaulados que esganiçavam por ajuda nas celas. Até que encontrou quem queria. O bruxo baixo e fedorento estava escondido sob o catre, soluçando de medo. Snape girou a varinha, e a rude cama voou para outro canto da cela, expondo o aterrorizado prisioneiro.

- Snape! Não! Não me mate!... Eu não estou mais com eles... Me prenderam...Você sabe! Nunca fui perigoso para... Me deixe! Me deixe!...- O bruxo chorava e resmungava, rastejando para o canto mais próximo, e enrodilhando-se ali.

Nott aproximou-se com um dos guardas de arrasto, e o forçou a abrir a cela, enquanto seu ocupante grunhia alto, cada vez mais apavorado. Snape entrou e olhou enojado para a trêmula criatura.

- Cale-se, escória! Você vai comigo, e vai quieto! É a única forma de garantir mais alguns dias para a sua inútil existência! – Atirando o bruxo franzino para o corredor, questionou Nott.

- Já acharam todos?

- Sim, Muldber e Dolohov aguardam com Malfoy e o casal Lestrange. Os guardas que não estão mortos, estão bem amarrados e inconscientes. Só falta este aqui... Estuporaça!

O guarda caiu aos pés de Snape, que por sua vez, agarrou o prisioneiro que viera buscar pelas encardidas vestes, colocando-o em pé, enquanto comandava:

- Vamos embora, então! O Mestre tem pressa de conversar com este aqui, e os idiotas do ministério sempre podem aparecer pra complicar...

Os três saíram rapidamente, encontrando o resto do grupo aos pés da enorme muralha.

- Snape, preciso de uma varinha.... – Começou Malfoy, mas foi calado com um gesto impaciente do outro.

- Varinhas estão sendo providenciadas para todos vocês. Não temos tempo para isso agora!

Ao lado de Malfoy, Lestrange amparava Bellatrix, que parecia completamente alheia ao que acontecia. Dolohov e Muldber estavam exultantes com a liberdade. Snape sentiu asco por todos eles... Subiu as escadas à frente dos demais, aproximando-se de seu meio de fuga. As imensas aves de rapina, de compridas e feias penas negras e perigosas garras, contribuições dos gigantes à Voldemort, obedeceram a seu comando. Uma a uma, levantavam vôo das pedras no penhasco, e pousavam silenciosamente na muralha, carregando então entre suas asas vários comensais de uma só vez, e sozinho com seu choroso convidado especial, Snape foi-se com a última delas.

Somente muito depois disto, um prisioneiro que ficara incógnito em sua cela, moveu-se. Stanislau Shunpike saiu das sombras e olhou cuidadosamente por entre as grades, verificando se os invasores realmente não estavam mais na prisão. Certo disto, começou a andar de um lado para o outro na cela, murmurando freneticamente.

- Tenho que fazer alguma coisa... Tenho que chamar alguém... Tenho...

==*==

- Hermione, por favor! Seja razoável...

- Harry, por favor! Deixe de ser machista... – Com os braços cruzados e as faces coradas, a amiga era a imagem da indignação.

- Mione, não existe possibilidade de qualquer um de nós usar a capa, enquanto você vai desprotegida...- Ron juntou-se à discussão.

- Desprotegida? ... Desprotegida? Fique sabendo, Weasley, que eu sei me proteger melhor do que vocês quatro juntos!

Fred soltou um longo assobio.

- Hiiiii Roniquinho, ela te chamou de Weasley!... A situação está negra pro seu lado... Segundo “round” da Hermione!

Jorge concordou, sacudindo a cabeça entusiasticamente. Os gêmeos haviam se estirado confortavelmente no tapete em frente à lareira de seu apartamento, nos fundos da loja de logros, para assistirem à discussão entre os três amigos sobre quem usaria a capa de invisibilidade. Harry tentou soar o mais calmo e sério possível, para dar crédito à sua argumentação.

- Exato, Mione! Você se defende melhor , tem na memória mais feitiços do que o Livro Padrão em que estudávamos, e é capaz das melhores estratégias de ação. Por isso mesmo, se estiver oculta sobre a capa, e alguém nos apanhar no flagra, terá muito mais possibilidades de agir, salvando-nos!

A determinação da amiga estremeceu, mas ela ainda discutiu.

- Quem deve ir com essa capa é você! Você não pode ser pego!

- E você acha, que um comensal de Riddle seria capaz de dar de cara com vocês dois e os gêmeos, e acreditar por um minuto que eu não estivesse por ali também?

Hermione ajeitou os cabelos para trás, suspirando. Olhou para cada um deles, procurando alguma alternativa, e então desistiu.

- O .k., mas vou sob protesto!

- Incrível, Senhoras e Senhores, em uma virada espetacular, Harry Potter vence por nocaute técnico!

A garota fulminou os risonhos gêmeos com o olhar, antes de sibilar enfurecida:

- Vamos de uma vez! A essa hora não deve haver ninguém por lá.

Para não chamarem atenção, os gêmeos foram antes, carregando mochilas cheias do que descreveram como “brincadeirinhas úteis”. Quando já tinham tomado uma boa distância, Harry e Ron puseram-se a caminho também, com Hermione escondida pela capa, andando entre eles. Ron deu um pulo quando sentiu algo segurando sua mão.

- Shhhhh... Sou eu! Assim você pode saber onde eu estou. – A voz de Mione estava abafada.

Ron sorriu de orelha a orelha e Harry encarou as estrelas, concentrando-se nelas para não rir da esfarrapada desculpa. O resto do percurso foi feito em apreensivo silêncio, as mãos segurando firmes as varinhas ocultas sob as vestes. Realmente, passando de meia noite, não encontraram viva alma, no Beco ou no curto pedaço da Travessa do Tranco, quer percorreram até chegar próximo à entrada da Borgin & Burkes.

Das sombras de um espaço vago entre duas construções, um braço comprido esticou-se e puxou Harry, enquanto outro agarrava Ron. Antes que emitissem algum som, o rosto de Fred surgiu da penumbra, levando o dedo aos lábios, pedindo silêncio. Apontou para a lateral da loja, e Harry visualizou um vulto, displicentemente encostado ao batedor de uma porta estreita. O luar o atingia em cheio, e era possível perceber que fumava, mas as feições estavam indistintas.

- Droga!

- Deixem comigo! – antes que Rony pudesse impedi-la, Harry escutou o farfalhar da capa e os passos rápidos de Hermione afastando-se.

- O que ela acha que está fazendo?! – Soou Ron, apavorado.

Harry permaneceu atento ao vulto fumante. Pouco depois ele retesou-se por um segundo, e então caiu. Hermione o havia azarado. Os quatro rapazes avançaram rápidos pela rua, encostando-se à parede da loja.

- Aqui! – A voz da amiga saía de algum lugar próximo ao bruxo estuporado. Aproximando-se Harry o reconheceu: Amycus. Fred e Ron se colocaram nas laterais da porta, alertas a qualquer aproximação. Jorge abriu sua mochila e tirou de lá... um caramelo? Harry arqueou as sobrancelhas para ele, que disse satisfeito:

- Balas de desmaio! Vai ficar inconsciente por mais de uma hora. – Tapou o nariz do comensal, que mesmo estuporado, abriu a boca em busca de ar. Jorge enfiou ali o caramelo, fechando depois com violência o maxilar do bruxo. Esconderam-no atrás de algumas caixas de madeira, espalhadas nos fundos do prédio.

- Vamos! – Comandou Harry. Adiantou-se para dentro da loja, varinha em punho. Supôs que Hermione estivesse logo atrás dele, depois Ron, e como perfeitos batedores que eram, Fred e Jorge vigiando a retaguarda.

- O que estamos procurando? – Sussurrou a voz de Mione às suas costas.

- Riddle conseguiu dois de seus Horcruxes através desta loja. – Sussurrou de volta. – E também trabalhou aqui. Fiquem de olho em qualquer coisa que possa ter ligação com ele ou com Horcruxes.

O corredor estreito por onde caminhavam tinha uma porta mais larga, que estava entreaberta e que dava para a loja, e outras duas estreitas como a que usaram para entrar. Nas duas menores, a luz passava por suas frestas, indicando que havia alguém por ali. A loja permanecia na escuridão e no silêncio. Harry colou o ouvido à porta mais próxima, quando um par de orelhas extensíveis foi colocado sobre seu ombro. Fazendo sinal de positivo para Fred, indicou a restante, e os gêmeos foram para lá. Harry passou os fios cor de carne pela fresta iluminada e aguardou. Murmúrios, entremeados com ruídos que pareciam madeira sendo raspada, e murmúrios novamente.

Empunhou a varinha, e girou vagarosamente a maçaneta. Diante de si havia uma sala larga, mal iluminada, ocupada por prateleiras abarrotadas de potes, caixas e garrafas de aparência suja e suspeita. Harry, Ron e Mione andaram vagarosamente pelo aposento, que a primeira vista, parecia estar deserto. E então ouviram os murmúrios outra vez. Vinham dos fundos da sala, e quando finalmente conseguiram distinguir quem os fazia, o queixo dos três caiu.

O Sr. Olivaras estava sentado em uma cadeira baixa. Muito magro, com as roupas sujas, tinha as mãos trabalhando freneticamente em uma varinha. Na sua frente, uma mesa comprida, que continha objetos estranhos aos garotos, e uma infinidade de novas e lustrosas varinhas. Eram lapidadas em uma madeira muito escura, mais compridas e grossas que o normal, e de aparência decididamente maléfica. Fred e Jorge, que chegavam, não se deram ao tempo para surpresas, e Jorge foi logo falando:

- Tem comensais lá! Nós bloqueamos a porta, para que não pudessem nos ouvir, mas se tentarem sair...

Harry olhou para o fabricante de varinhas. Continuava trabalhando sem demonstrar que os notara. Hermione sussurrou :

- Impérius. Ele não está normal... O seqüestraram para fabricar...- Apontou para a mesa.

Harry assentiu. Isso explicava a presença dos comensais. Olivaras não deveria ficar ali todo o tempo, senão o ministério já o teria encontrado antes. Os meliantes de Riddle presentes eram sua guarda, incumbidos de transportá-lo. Aproximando-se, segurou o homem pelo braço.

- Vamos, Sr. Olivaras! Venha conosco.

O homem livrou-se com um safanão, e continuou a trabalhar. Harry ergueu a varinha. Não havia outro jeito.

- “ Relaskio!”

O bruxo deixou cair o que segurava, tombando a cabeça na mesa. Fred e Jorge adiantaram-se.

- Nós o levamos...

- Esperem! – Hermione ressurgiu, tirando a capa. Levou-a até o velho bruxo, e com a ajuda de Ron e Harry, embrulhou-o . Assim oculto, ele foi seguro pelos braços por Fred e Jorge, que o levaram arrastado para fora. Ron e Hermione encararam Harry, que oscultava o ar, como fizera no terreno da casa dos pais, dias antes.

- Nada, a não ser maldade. Não há vestígios da magia de Riddle aqui. – Olhou para as varinhas sobre a mesa, antes de completar. – Por enquanto. Vão na frente, vou fazer uma pequena limpeza e vou em seguida.

- Harry...

- Vão!

Depois que os amigos estavam fora da enorme sala, Harry girou a varinha no alto. Da ponta saíram rajadas de fogo, que serpenteando como laços, atingiram a mesa, iniciando rapidamente um pequeno incêndio. Saiu rápido, e quando pôs os pés no corredor, sentiu o calafrio. Algo estava errado. Não viu sinal dos amigos, e eles não sairiam do prédio sem ele. A porta onde se encontravam os comensais permanecia fechada. Erguendo a varinha, com a fumaça já chegando aos pulmões, andou em direção à saída. Quando passava pela entrada que levava à loja, duas mãos o agarraram pelas vestes, e ele se viu jogado no centro do aposento, junto a Ron e Hermione. À volta deles, Borgin, Alecto e meia dúzia de comensais. Estavam cercados.


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