O Segredo




“A felicidade pode ser encontrada mesmo nas horas mais sombrias. Você só precisa lembrar de acender a luz.” (Alvo Dumbledore)




 



O Expresso de Hogwarts parecia mais lotado do que nunca. Se fosse para dar um palpite, Lílian apostaria que, naquele ano, a escola estava recebendo o dobro de calouros, afinal, não se lembrava de tantos pequenos na última vez que embarcara naquele trem. Não que tivesse crescido nos últimos meses, mas Lílian poderia dizer com segurança que não era uma baixinha. Ao contrário de sua amiga, Olivia, que parecia esbarrar em mais calouros do que o normal e praguejava a cada cinco minutos.



— Por Merlin, vamos usar seu distintivo de monitora-chefe e expulsar uns alunos de alguma cabine! — a amiga implorava.



— Seria uma boa ideia — brincou também. — Mas não, — disse antes que a amiga se empolgasse de verdade — vamos fazer do jeito tradicional.



— Odeio o jeito tradicional. Ainda bem que é a última vez que passaremos por isso!



— Não reclame, Olive. Você sentirá falta dessa bagunça.



Olivia bufou, mas não retrucou, confirmando a suspeita da amiga. Lílian também sabia que sentiria saudades.



Um esbarrão em específico, porém, acabou com seu sorriso. Olhou para o rosto da pessoa desatenta e se controlou para não fazer uma careta.



Tudo o que ela não queria era ouvir uma cantada de James Potter antes de sequer encontrar uma cabine no trem.



— Lílian! — Remo, um dos amigos do Potter, falou animado. — Olivia! Como estão?



Com exceção do Lupin, Lílian poderia dizer que detestava aquele grupinho de baderneiros. James Potter, Sirius Black e Pedro Pettigrew não se esforçavam para melhorar a péssima imagem que tinham, o que resultava no desprezo que a ruiva sentia por eles. Todo restante de Hogwarts também se perguntava o que uma pessoa tão boa e estudiosa como Remo Lupin fazia naquele grupo.



— Estamos bem! — Olivia respondeu por ela. — E você? Como foram as férias?



— Boas... — Ele parecia hesitante, lançando olhares para James. — Se não se incomodam, estamos procurando uma cabine vazia.



— Claro! — A moça abriu espaço para os quatro passarem. — Até outra hora.



Lílian estreitou os olhos na direção do grupo.



— Você está pensando o mesmo que eu?



Olivia confirmou com a cabeça.



— Potter não mexeu com você. Sequer a olhou, para falar a verdade.



— E nenhum dos outros estava com aquele sorrisinho metido.



— E Remo não parecia tão bem assim quando eu perguntei...



As duas se olharam, adivinhando os pensamentos uma da outra.



— Aconteceu alguma coisa com Potter! — falaram juntas.



Lílian suspirou. Não era normal ver o espírito brincalhão do grupo sequer dando um oi.



— Mas não é da nossa conta — concluiu. — Vamos, falta pouco para o trem partir e ainda não achamos uma cabine.



 



 



No jantar de boas-vindas, Lílian e Olivia sentaram a poucos metros d'Os Marotos. A ruiva ainda tentou se distrair com a seleção dos calouros e com o discurso de Dumbledore, mas de vez em quando seu olhar desviava para o moreno cabisbaixo que pouco ou nada falava, que mexia na comida sem a intenção de levá-la à boca. O clima triste acabava se espalhando para os outros três e para quem tentava falar com James, que mal cumprimentava quem se aproximava para conversar.



O choque maior veio quando Amanda Lewis, uma das garotas que vivia dando em cima de James, chegou perto do garoto e foi dispensada sem meias palavras. O queixo de Lílian caiu quando, sem precisar ouvir, viu que Amanda bateu os pés, indignada com o descaso que recebia, e deu as costas para o grupo, bufando de raiva.



Amanda era um dos casos que James se gabava de ter na escola, então, vê-la saindo irritada de perto dele com certeza não significava coisa boa.



— Pare de secar o Potter, Lil — cochichou Olivia. — As pessoas estão começando a notar.



— Você viu o que eu vi, não foi? — Lílian virou o rosto para a amiga, falando no mesmo tom baixo. — Potter acabou de dar um fora em Amanda Lewis, a garota mais rodada de Hogwarts!



— Deve ser por isso que ele a dispensou, não? Porque ela é rodada!



— Eles têm um caso há séculos, Olive! Não pode achar isso normal. Você viu que ele estava estranho desde cedo.



— Ele está em um dia ruim, oras. Todos temos alguns. Não há nada de anormal nisso.



Não conseguiu argumentos contra aquilo. Devia ser apenas isso, ela pensou, um dia ruim para o todo brincalhão James Potter... era estranho, sem dúvidas, mas com certeza iria passar. Era o líder dos Marotos, afinal!



Lílian se conformou e voltou para sua sobremesa, imaginando que não levaria dois dias para o grupinho aprontar pela escola novamente.



 



 



Dois dias passaram. Uma semana. Quinze dias.



Lílian não conseguia mais disfarçar que estava incomodada com a quietude de James, mas ao menos não era a única. Metade de Hogwarts, incluindo os professores, perceberam a mudança no comportamento do rapaz. Ao contrário da moça, no entanto, essa mesma metade parecia saber o porquê de James Potter simplesmente não ser mais o James Potter.



Ela então resolveu tomar uma atitude drástica.



Falaria com um dos Marotos. Sirius, no caso. Ela preferia falar com Remo, é claro, mas sabia que o Black era o melhor amigo de James, então seria a melhor opção.



Convencê-lo a se abrir com ela seria a parte mais complicada, uma vez que nunca o levara muito a sério.



Enfeitiçou um bilhete no meio de uma aula de Feitiços e o fez voar até a mesa de Sirius. A surpresa dele ao ler o recado foi clara para os amigos ao redor, mas ele desviou bem das perguntas e escondeu o pedaço de pergaminho o mais rápido possível no bolso, sem dar a entender que o responderia.



Lílian arriscou mesmo assim: o esperou na biblioteca naquele mesmo dia, após o jantar. Estava quase desistindo, quando ouviu um pigarro e um tom desinteressado:



— Desculpe o atraso. — Sirius não parecia nem um pouco arrependido. — Tive que despistá-los e dizer que viria encontrar com uma garota.



— Não é uma completa mentira. — Ela deu de ombros.



— Concordo plenamente.



Ele pôs as mãos nos bolsos, abrindo um sorriso convencido.



— E então? O que a monitora-chefe tem para falar comigo? Se for para falar dos meus estudos...



— Seus estudos pouco me interessam — ela cortou de uma vez, tentando não se irritar com o tom galanteador que Sirius usava para beijar metade das garotas da escola. — Eu o chamei por outro motivo.



— Que seria...?



— Potter.



As sobrancelhas se ergueram por um instante, mas logo voltaram ao normal, dando lugar a um semblante divertido.



— Não acredito que ele finalmente a conquistou. — O moreno se esforçava para não rir alto e chamar a atenção de Madame Pince.



— O quê? Não, claro que não!



— Conta outra.



— Eu quero saber o que aconteceu com ele. — Resolveu ser direta, a fim de evitar assuntos mais constrangedores. — Por que Potter não está sendo ele mesmo? Toda Hogwarts já percebeu que ele está estranho. Isso não está afetando somente suas notas, mas também causando preocupação em outros alunos. — Disfarçou. — Eu o aconselharia a procurar um professor e resolver seu problema, assim...



— Todos os professores sabem o que há com ele — Sirius falou seriamente. — Não há nada para conversar.



A curiosidade falou mais alto que o seu bom senso:



— E o que houve?



O rapaz estreitou os olhos, decidindo se contava ou não. Demorou um longo minuto de silêncio – em que Lílian se esforçava para não parecer tão invasiva – antes dele enfim se decidir.



— O pai dele morreu nas férias.



 



 



Precisava fazer o exercício de Feitiços que não terminara durante a aula, mas ela simplesmente não conseguia se concentrar. A conversa com Sirius não saía de sua cabeça, e suspeitava que não sairia tão cedo.



“Aquele cara era o meu herói” lembrou das palavras amargas do Black. “E ele nem era o meu pai. Imagine como James deve estar se sentindo”.



Lílian engoliu em seco. Não tinha ideia de como era perder alguém próximo e torcia para isso não acontecer tão cedo, mesmo sob a ameaça iminente de Voldemort. Seu coração ficava pesado só em imaginar perder aqueles que amava.



O sofá ao seu lado afundou, tirando-a de seus pensamentos. Tomou um susto ao avistar os cabelos negros rebeldes e os olhos castanhos sob os óculos.



O mesmo olhar entristecido.



E um estranho aperto no peito.



— Sirius te contou, não foi?



A moça corou de vergonha.



— Mas que... fofoqueiro!



— Ele não me contou nada — esclareceu. — Eu vi seu bilhete. Sirius não soube esconder tão bem. E pelo jeito que me olha agora, eu só posso deduzir que ele tenha lhe falado sobre meu pai.



Os lábios dela tremeram, mas mesmo envergonhada, não negou.



— Sim.



O rapaz virou o rosto, chateado.



— James, eu... eu sinto muito. De verdade, eu... eu não tenho ideia da dor que está passando. Mas você tem amigos! Pessoas com quem contar... não está sozinho.



— Eu sei.



— Converse com seus amigos, James! Tenho certeza que eles podem ajudá-lo a superar isso, a sair desse estado...



— Estado?



Ele a fitou, mais sério do que nunca. Lílian tremeu ao ver a ira nos olhos castanhos.



— Esse não é você. — Ela apontou para ele todo. — Não é o James Potter que conheço.



— Você não me conhece! — retorquiu.



— E ainda assim eu reconheço que você não está bem! Toda Hogwarts está vendo, James, não só eu. Todos viram que está diferente.



— E qual é o problema de eu estar assim?! As pessoas preferem que eu fique rindo pela escola depois da morte do meu pai?



— Ninguém está pedindo para não ficar de luto! Eu estou apenas lembrando que você tem amigos! Que não precisa passar por isso sozinho... — Hesitou. — Sirius também adorava seu pai, sabia? Ele também está sofrendo... e mesmo assim ainda tenta animá-lo.



James levantou-se rapidamente no sofá, os olhos fixos na lareira ao falar:



— De todos os olhares que eu gostaria de receber de você, esse é o último que eu desejava.



— Qual olhar?



Ele a mirou sobre os ombros, frio.



— Pena.



O Potter ainda a encarou por longos segundos, antes de se encaminhar para o dormitório, desejando um breve boa-noite.



Lílian sentiu os olhos marejarem.



— Desculpe...



 



 



Suspirava pelo corredor, de volta para o Salão Comunal. A aula de Defesa Contra as Artes das Trevas tinha sido cancelada após o novo professor não se sentir bem e Olivia acompanhá-lo até a enfermaria.



Não estava nem um pouco chateada por ficar duas horas livres naquela manhã, afinal. A conversa com James, há três noites, ainda martelava em sua mente e a impediu de dormir bem. Tinha esperanças de conseguir descansar um pouco nessas horas de folga.



A esperança, no entanto, morreu ao dizer a senha para a Mulher Gorda e ver um rapaz passando por ela, saindo do salão. James pareceu surpreso ao vê-la ali.



— Não tínhamos aula a essa hora?



— O professor Morgan não se sentiu bem. — Ela se esforçou para não gaguejar. Não imaginava que ficaria constrangida ao estar perto dele novamente. — A aula foi cancelada.



— Ah! — Ele deu de ombros, entrando no Salão Comunal novamente. — Vou voltar a dormir.



— É uma boa ideia — falou baixinho.



Ela abriu um pequeno sorriso ao segui-lo até as escadas.



— Do que está rindo?



— Nada. — Ele continuou a olhando, esperando pela resposta. — É que eu vou dormir também. Não consegui nas últimas noites...



Engoliu em seco na mesma hora, desviando o rosto.



— Até mais tarde, James.



Subiu as escadas apressada, sem dar chances para ele impedi-la. Não que achasse que James tentaria, mas preferia não arriscar. Imaginar que ele sequer entendera a iludia e a acalmava.



Ou quase.



Duas horas mais tarde Lílian descia as escadas com cautela, temendo que o Potter aparecesse novamente e perguntasse o motivo de sua insônia. Seu atraso proposital não iria impedi-lo de esperá-la – a ruiva sabia que o rapaz poderia ser bem insistente quando queria...



Porém, não havia sinal de vida quando desceu ao Salão Comunal. Soltou um suspiro e caminhou quase tranquilamente até à sala de Poções. O professor nem interrompeu sua explicação quando ela entrou.



Os olhos verdes vasculharam rapidamente as mesas.



Nenhum sinal de James Potter.



 



 



— Senhor Potter! A que devo a honra de sua presença? — O sarcasmo na voz de Minerva McGonagall causou arrepios a todos. — O senhor está tão atrasado que nem esperava que desse o ar de sua graça.



O rapaz passou pela mulher rapidamente, tentando evitar um sermão maior. Porém, estancou poucos passos depois, ao se dar conta de que as carteiras estavam fora de ordem.



— Estamos praticando o encantamento da última lição, sr. Potter — continuou a professora de Transfiguração. — Junte-se à senhorita Evans. Ela também está sem par.



Fazia tempo que Lílian não ficava chateada com sua melhor amiga. Mas naquele instante, quando toda a turma olhou para ela – todos sabiam das brigas entre Evans e Potter, e alguns ainda apostavam que sairia um romance dali –, a ruiva odiou o fato de Olivia ser tão prestativa e ajudar um professor. A doce e inteligente Olivia Bishop ainda não comparecera a nenhuma aula daquele dia, deixando Lílian sem par no exercício de transformação humana.



Sem par até a chegada de James Potter.



Ela bufou de forma discreta, mas não o impediu de sentar à sua frente. Os olhos castanhos praticamente sem vida também a obrigavam a não reclamar.



“Pena” a voz do moreno soou novamente em sua cabeça, a fazendo virar o rosto para a professora. Não queria ver a raiva de quatro noites atrás nas íris castanhas.



— Ela pediu para transformarmos o rosto do nosso par com o feitiço da última aula — chamou a atenção do Potter sem olhá-lo diretamente. — Eu estava esperando alguém conseguir realizar o feitiço no colega para tentar também.



— Certo.



A moça respirou fundo antes de voltar o olhar para ele.



— Quer começar?



— Tudo bem.



Ela engoliu em seco enquanto o rapaz a fitava e murmurava o feitiço. Sentiu alguns músculos do rosto se moverem e até sentiu um pouco de dor quando o nariz diminuiu. James apontou para seus cabelos e eles rapidamente encurtaram e se encaracolaram. Lílian pediu para parar, abrindo um sorriso. Conjurou um espelho e riu com a transformação.



Ela olhava para o rosto da melhor amiga.



— Ficou muito bom! — A ruiva apontou a varinha para o próprio rosto e murmurou o contrafeitiço.



— Você estava mais bonita como Olivia — James a provocou.



Por uma fração de segundo, ela se lembrou de como ficava chateada com essas brincadeiras, pela primeira vez se perguntando o porquê. Ele nunca a ofendera de verdade... a intenção sempre fora chamar sua atenção – o que ele sempre conseguia, mas não de um jeito bom. Lílian sentia asco a cada nova provocação e só sentia vontade de nunca mais aparecer nas vistas de James.



Mas agora... ela o olhou profundamente, abrindo um pequeno sorriso.



— Vou contar a ela que você está apaixonado, James.



A risadinha do moreno a fez rir também.



Ele ainda desejava chamar a sua atenção, mas diferente das outras vezes, parecia um pedido desesperado de ajuda.



E ela iria ajudá-lo! Ou não se chamava Lílian Evans!



 



 



Disfarçadamente, ela o chamou para a biblioteca, alegando que Olivia não estava ali para ajudá-la a carregar alguns livros. O rapaz estranhou, mas não fez nenhuma reclamação. Chegando ao lugar favorito da melhor amiga em Hogwarts, Lílian não perdeu tempo e se encaminhou às estantes com os livros de feitiços e transformações, sempre recomendando ao moreno ao lado qual livro era melhor e quais deveria evitar.



— Se você já conhece todos, por que está alugando de novo?



— Porque há detalhes que não me lembro. — Ela colocou mais um livro nos braços dele. Mais dois e ela deixaria de vê-lo. Riu com a ideia.



— Você sempre anda com tantos livros assim?



— Não, eu não. Olive que irá me matar se eu não passar toda a matéria de hoje para ela... os livros irão me ajudar a sobreviver essa noite.



Um esboço de sorriso apareceu no rosto de James, ao que ela parou para analisar um instante.



Ele definitivamente ficava mais bonito sorrindo.



“Que ele nunca saiba disso pela minha boca”, ela rezou mentalmente antes de se virar e andar até Madame Pince, com o Potter sempre a seguindo.



— James Potter na minha biblioteca — a bibliotecária ironizou. — Que dia incrível para se estar viva.



Lílian riu, ao passo que James bufou, revirando os olhos.



— Diga ao seu amigo Lupin que ele precisa devolver o livro sobre lobisomens até amanhã — ela alertou para o rapaz, que confirmou com a cabeça rapidamente. — E por Merlin, Evans, era mais fácil estudar aqui do que levar tudo isso!



— É para Olivia também, Madame Pince.



— Ah, claro! Porque se depender da senhorita, também virá me visitar tantas vezes quanto o senhor Potter, não é?



Devia ter corado até o último fio de cabelo, pois a gargalhada do moreno atrás de si ecoou pela biblioteca. Ele parou quando recebeu um olhar mortal da bibliotecária, mas controlou o riso até saírem dali e chegarem a um corredor seguro de olhares e sermões.



James só faltava rolar no chão de tanto rir – os livros felizmente o impediam –, deixando a ruiva ainda mais envergonhada.



— Ela estava exagerando — falou emburrada. — Eu vou lá sem Olive sim.



— Claro que eu acredito em você. — Seu tom divertido dizia o oposto. Lágrimas de alegria corriam pelo rosto dele, que era incapaz de enxugá-las com as mãos ocupadas. Lílian as olhou, perguntando se seria estranho limpá-las.



Pigarreou, voltando a andar, orgulhosa.



— Os dois livros do topo podem ajudá-lo com Poções. Os dois primeiros capítulos do primeiro livro e o terceiro capítulo do segundo falam do assunto que o professor passou hoje. — Ela o olhou, surpresa por vê-lo com o semblante quase chocado. — O que foi?



— Você pegou os livros para mim?



A garota deu de ombros.



— Por que não pegaria? Você faltou à aula de hoje e com certeza ficará perdido na próxima. — Hesitou. — Você já estava distraído nas últimas semanas... faltando às aulas agora só irá piorar suas notas. Não quero vê-lo reprovado. Eu soube... — Engoliu em seco. — Eu soube que quer se tornar auror.



— Sim...



— Então para se tornar um, precisa passar nas disciplinas, certo? — Ela abriu um pequeno sorriso encorajador. — Ou por acaso vai preferir ver a nerd aqui se tornando auror primeiro?



Piscou um olho para o rapaz aturdido, relembrando-o da única vez que ele a chamara de nerd. Voltou a caminhar outra vez.



— Feche a boca, James! — ela gritou, controlando o riso, quando percebeu que ele não a acompanhava. — Ou toda Hogwarts vai descobrir que você não está apaixonado por Olivia, e sim por mim!



James correu para acompanhá-la, segurando a risada também. Depositou os livros em uma das mesas do Salão Comunal e a olhou meio sonhador.



— James.



— É o seu nome — ela brincou.



— Exatamente. Você nunca me chamou pelo meu nome. Desde que nos conhecemos eu sou apenas “o Potter irritante”.



— Você não mudou muita coisa.



— Mas mudei para você...



Lílian tentou manter o sorriso divertido no rosto, mesmo sendo pega de surpresa. Não tinha reparado que estava o chamando pelo primeiro nome o dia inteiro. E naquela noite também...



O que tinha mudado?



— Não faça eu me arrepender, Potter. — Ela estreitou os olhos, em tom de fingida ameaça. — Pegue seus livros e vá estudar.



— Certo. — Ele riu, pegando os dois livros do topo. — Prometo dar uma olhada.



— Você precisa estudar, não dar uma olhada!



James acenou, se despedindo e andando até as escadas.



— Prometo dar uma olhada! — Ele teimou.



Alguns segundos ainda olhando para a escada vazia a distraíram. O grito que Olivia deu perto de si a fez pular.



— Olive!



— Merlin! Você está se apaixonando por James Potter, não é?



— O quê?! É claro que não!



— Lílian Evans! — A morena se aproximou quase correndo. — Eu estava sentada perto da lareira desde que vocês chegaram e nenhum dos dois reparou na minha presença! Parecia que estavam em uma bolha! — Olivia apontou o dedo em sua direção. — Você vai me contar tudo! Agora!



Então, puxou a ruiva para perto da lareira, ignorando completamente os livros e as lições do dia. O coração de Lílian era o assunto mais importante no momento.



 



 



Limpou o rosto uma última vez antes de decidir se levantar e sair de seu esconderijo. Guardou a carta no sobretudo escolar e tomou um susto ao ver um rapaz a esperando a poucos metros de onde estava.



— James! O que está fazendo aqui? Como me encontrou?



O moreno tinha os braços cruzados em frente ao corpo e se apoiava na parede da estufa de Herbologia. Ele não a olhou, aparentando estar envergonhado.



— Sou bom em encontrar as pessoas. — Tentou soar indiferente, mas os olhos vacilantes em direção à moça o denunciavam. — Professora McGonagall me pediu para encontrá-la e dizer que haverá uma reunião com os monitores essa noite, após o jantar. — Ele hesitou. — Só isso mesmo.



E deu as costas, caminhando de volta ao castelo.



— Obrigada...



Ela o seguiu a uma distância segura, tentando se recompor e rezando para que seu rosto já não estivesse tão inchado quanto meia hora atrás, ao receber uma carta de casa.



— Você tem amigos, Evans. — Ela ouviu James dizer, mesmo a quase dez passos de distância. — Não precisa passar por isso sozinha.



Lílian estancou.



— Acho que posso dizer o mesmo — acusou, ao que ele também parou de andar, permanecendo de costas para ela. — Por acaso já falou com seus amigos sobre seu pai?



Seu silêncio bastou para que tivesse sua resposta. Ela bufou, voltando a andar e o ultrapassando.



— Se quiser conversar...



O sussurro dele quase a assustou. A ruiva virou-se para ele, esforçando-se para esconder o choque.



— Você me falará sobre seu pai?



Ele claramente engoliu em seco, mantendo-se em silêncio novamente.



— Conversa é uma via de mão dupla, James. De que adianta eu falar sozinha sobre meus problemas se você não compartilhará os seus?



Não se deu ao trabalho de se despedir antes de virar-se novamente e entrar no castelo.



 



 



“Encontre-me em frente à Tapeçaria de Barnabás, no sétimo andar, às dezenove horas. Vou te apresentar o melhor esconderijo de Hogwarts.



J. Potter”



 



Ela não ficou em choque ao chegar no local marcado e não encontrar ninguém. James Potter nunca foi sinônimo de pontualidade, afinal. Lílian bufou, apoiando-se em uma das paredes para esperar.



Revirou os olhos quando o viu se aproximar, quase quinze minutos depois. Ele vinha correndo, e apoiou as mãos nos joelhos, ofegante, quando parou em frente a ela.



— Desculpe. Remo estava me prendendo na biblioteca desde que as aulas terminaram. — Ele arrumou o corpo, tentando controlar a respiração. — Pronta?



— Não exatamente. — Lílian não escondeu o receio. — Não preciso de outro esconderijo, James. Ninguém nunca me encontrou atrás das estufas.



— Então por que está aqui?



O sorriso maroto que não via há meses surgiu. A moça engoliu em seco, pensando se confessava seus motivos.



James, no entanto, não esperou por uma resposta. Passou por ela e parou em frente a uma parede, do lado oposto da tapeçaria. Andou de um lado para outro, como se estivesse concentrado em algo.



Os olhos verdes se arregalaram ao assistirem uma porta aparecer magicamente na parede ao lado do rapaz.



 — Lílian Evans... conheça a Sala Precisa.¹



O queixo dela foi ao chão quando, ao atravessar o portal, se viu nos jardins de Hogwarts, em pleno entardecer primaveril.



— C-Como? — Ela olhou para fora. Através da janela, se via que anoitecera há muito tempo.



Ele fechou a porta atrás deles, sorrindo com a reação da colega.



— É uma sala especial — explicou. — Ela se transforma em tudo que você precisar. E fornece de tudo também. Ninguém a encontra se não estiver realmente precisando dela. E ninguém entra uma vez que ela esteja ocupada. A não ser que a pessoa aqui dentro permita a entrada de outras.



— Posso pedir qualquer coisa?



— Qualquer coisa.



Lílian fechou os olhos e abriu as mãos no ar. Um copinho de sorvete apareceu nelas². Riu em resposta.



— Incrível! — Ela provou do doce, sorrindo ainda mais. — Realmente incrível! Quer provar? — Ele negou com a cabeça, nem um pouco familiarizado com aquela pasta rosa. — Vamos, só um pouco! É doce!



Ele aceitou a oferta, fazendo careta antes mesmo de colocar a colher na boca. Dois segundos depois ele pedia um copo igual para a sala. Os dois sentaram na grama juntos, saboreando os sorvetes. James pediu mais dois antes de finalmente dizer:



— Isso é realmente muito bom. Tem de outros sabores?



— Do que você quiser... — ela incentivou.



Lílian pediu um de chocolate dessa vez. James pediu de chocolate, uva, banana e pêssego. E ficou frustrado quando não recebeu seu sorvete de pudim.



— Não pode pedir um doce de um doce.



— Mas chocolate também é um doce e recebi um! — ele teimou.



— Pudim é um doce pronto.



— Chocolate também!



— É diferente.



— É injusto.



Ele cruzou os braços, emburrado. Cinco segundos depois, um pudim inteiro apareceu na frente deles, ao que James pegou e começou a comer direto do pirex.



— Não sabia que você comia tanto, James Potter.



— Há muitas coisas que você não sabe sobre mim, Evans.



O sorriso dela sumiu, assim como o dele. Lílian sabia que o rapaz estava chateado por conta dos doces e falara aquilo da boca para fora. Mas mesmo assim não pode deixar de se sentir mal com aquelas palavras.



Ela realmente não conhecia nada sobre James Potter. O que estava fazendo com ele em uma sala escondida e tomando sorvete como se fossem amigos?



— Eu não quis...



— Eu sei que não, não se preocupe. — Forçou um sorriso. — Obrigada por me apresentar esse lugar — disse sincera. — Vou usá-lo mais vezes, se não se incomodar.



— A sala não é minha. — Ele deu de ombros, tranquilo. — Pode usar quando quiser.



Levantaram devagar, limparam suas roupas e James pediu para que a porta aparecesse novamente. Saíram em silêncio, com medo de falar qualquer coisa e estragarem ainda mais o clima. O constrangimento só deixou Lílian ao pararam em frente à Mulher Gorda, ao que ela segurou o braço dele, impedindo-o de dizer a senha.



— Por que me mostrou a sala, James? — Evitava olhá-lo, envergonhada. — É um lugar maravilhoso. Podia deixá-lo em segredo.



— Eu sei que você deixará.



— Mas...



— Eu acho que você merece chorar por seus problemas em um lugar mais digno do que os fundos de uma estufa descuidada — falou de uma vez, fazendo com que ela levantasse os olhos, surpresa. — Não gostei de vê-la chorando, Evans. Não combina com você.



— Nem com você — falou sem pensar. Engoliu em seco ao ver a surpresa também nos olhos castanhos, mas decidiu continuar. — Um sorriso combina mais em seu rosto, James Potter.



Ele concordou com a cabeça, meio atônito com a revelação.



— Meteoro-chinês — a ruiva disse enfim para a Mulher Gorda, que abriu a passagem para os dois. Ela quebrou o silêncio novamente antes de que ele subisse as escadas para o dormitório. — Lílian.



— O quê? — O moreno se virou, confuso.



— Me chame de Lílian.



A moça poderia jurar que nunca vira aqueles olhos castanhos brilharem tanto. Ele abriu um pequeno sorriso antes de desviar o olhar, um pouco corado.



 — Certo... Lílian.



James subiu as escadas correndo, deixando-a sozinha no Salão Comunal.



Desde a primeira vez que ele aprontara com Sirius, quando ainda estavam em seu primeiro ano em Hogwarts, Lílian brigava com os Marotos (com exceção de Lupin) quando eles a chamavam pelo primeiro nome. Foi somente no quinto ano que James parou definitivamente de teimar em chamá-la de Lílian apenas para deixá-la irritada.



Até aquele dia ela não tinha reparado nisso.



Depois de tantos momentos juntos, conversando sobre assuntos sérios, falando sobre estudos, ele a encontrando chorando no dia anterior e resolvendo apresentá-la à Sala Precisa... não era mais justo que ele fosse obrigado a chamá-la pelo sobrenome quando ela mesma não fazia isso com o rapaz.



Envergonhada, ela teve que admitir a si mesma que gostou muito de como seu nome soou na voz de James.



 





Notas da autora:



1 - A Sala Precisa não aparece no Mapa do Maroto, mas não se sabe se ou porque os Marotos não a conheciam ou porque simplesmente não a colocaram no mapa. Eu tomei a liberdade de escolher a segunda opção para a história.

2 - A Sala Precisa não fornece comida. Há uma lei mágica que não se pode criar comida do nada, mas pelo bem da história e dos encontros, achei que um bom doce pudesse ajudar a unir um casal.


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