Capítulo - Queda



QUEDA.



Tudo era Escuridão ao redor de Hermione, e a Escuridão era impenetrável, ameaçadora e, aos poucos, lhe roubava a consciência. Hermione flutuava em meio ao negrume como uma folha solitária fustigada por uma tempestade, indo, indo, indo de encontro a lugar nenhum. Ela já não tinha corpo, e nenhuma forma, e estava se apagando aos poucos, os pensamentos escapando juntamente com o medo, o pânico, e o seu eu... Era irresistível o chamado da Escuridão, e ela precisava se entregar.



Horas, dias ou anos depois, nunca saberia ao certo, ela ficou consciência novamente. Ela existia enfim, e ocorreu-lhe então, que tinha um corpo e braços e pernas e sangue, e um coração que batia fraco, e era seu, e tinha pele e ossos e tudo sacolejava, para cima e para baixo, para cima e para baixo, para cima e para baixo...



Junto com a consciência da existência de um corpo, veio também, a consciência das dores; cada músculo gritava em protesto, porém, nada superava a sensação do frio extremo, queimando sua carne e adormecendo suas extremidades. A única fonte de calor era um muro as suas costas, ele subia e descia junto com ela, naquele sacolejar incessante, ela se encolheu ao encontro dele buscando seu apoio quente.



Flashes desconexos invadiram sua mente, lembranças que pareciam ter acontecido há muito tempo: os profundos olhos azuis e angustiados de Harry; o Ministério da Magia; o Departamento de Mistérios; a Sala das Profecias; os Comensais da Morte; a Sala do Tempo; o feitiço roxo que a atingiu no peito e o mundo ficando Escuro e frio.



Será que tinha morrido? Mas morrer era tão... Barulhento?



A sua volta, os sons antes inexistentes, ficavam cada vez mais fortes; havia conversas sussurradas, e o som do vento sobrando sobre arvores, metal raspando em couro, e cavalos – céus, cavalos? – chapinhando na lama.



Seu cérebro lutava contra seu corpo, ele queria mais que tudo se entregar a névoa que o rondava, mas então, o muro quente no qual ela se apoiava, apertou os braços em volta da sua cintura. Hermione abriu os olhos e rapidamente voltou a fechá-los – que insanidade era aquela?! Era real?



Ela esperou sua respiração se acalmar, um tremor diferente dos calafrios a invadiu, abriu os olhos novamente esperando, rezando para que o cenário tivesse se modificado, no entanto, ele ainda estava lá, vivo colorido e intenso como só a realidade poderia ser.



Em volta dela, havia uma verdadeira comitiva, formada por homens grandes e barbudos, que montavam em cavalos maiores ainda, eles vestiam couros e peles e tinham penduradas em suas cinturas, poderosas espadas que facilmente a partiriam ao meio; o grupo cavalgava por uma floresta de mata fechada e anormalmente fria; o muro quente, no qual ela se aconchegava, era em verdade, o peito largo de um homem, que a mantinha sentada a frente dele em um cavalo, os braços dele rodeavam-na para segurar as rédeas do animal que os carregava; não havia nenhum conhecido avista.



A mente de Hermione ficou em branco, toda a dor, todo o frio, toda a confusão esquecidos, ela fez a única coisa racional que a ocasião exigia, virou o corpo de lado na sela o máximo que conseguia e empurrou o peito do homem atrás de si, se debatendo violentamente para se desvencilhar dele.



 



- Me ponha no chão. Me ponha no chão, agora! – Ela exigiu aos gritos, em seu melhor tom mandão, adquirido através de dedicado e extenuante treinamento com Harry e Rony.



Porém, o súbito despertar e a agitação de Hermione, não surtiram os efeitos desejados. O pobre cavalo que os carregava se assustou e se empinou nas duas patas traseiras, jogando os dois para trás, Hermione, num impulso momentâneo, se agarrou a seu captor, e só não foram ao chão, porque o Cavaleiro era muito hábil e conseguiu controlar o animal.



- Acalme-se Senhora, ninguém lhe fará mal – Disse o homem, a quem Hermione agarrava-se como se sua vida dependesse disso - porque provavelmente dependia mesmo - ela o soltou rapidamente, assim que percebeu como o segurava fortemente pela cintura. Sentiu-se corar.



- Uma ova que vou me acalmar. Eu exijo que me ponha no chão – Ela respondeu lançando olhares cautelosos para o animal embaixo dela, dessa vez, tomando o cuidado de não gritar e nem se debater.



- Você encontrou uma gata selvagem, eu vejo – Disse outro homem, a direita de Hermione, em tom de riso. Ela não conseguia vê-lo e não se atrevia a se mexer novamente no cavalo. - Melhor deixá-la descer, antes que lhe arranque um olho.



 - Ninguém vai desmontar. Já nos demoramos muito no lago e a noite esta chegando – Ordenou uma terceira voz autoritária, essa de um homem mais velho que cavalgava a frente do grupo.



De fato, o sol ia se ponto no horizonte, mas Hermione estava indiferente a paisagem que se descortinava ao seu redor, o pânico embaralhava seus pensamentos, e tudo parecia apenas borrões em diferentes tons de verde e marrom.



Lentamente, a ansiedade e o nervosismo foram cedendo à curiosidade e as perguntas começavam a fazer cócegas na sua mente.



- O que aconteceu comigo? – Ela questionou a si mesma, num sussurrou.



- Não sabe Milady? – Perguntou o homem que cavalgava com ela, achando que ela perguntava para ele.



- Não – Hermione respondeu cautelosa, registrando o tratamento antiquado que ele usou.



- Nós a encontramos caída as margens do Lago do Passo, não muito longe daqui. Estava desacordada. – Respondeu o homem com gentileza.



- Mas não entendo. Onde estou exatamente? – Ela voltou a perguntar sentindo a garganta se apertar de antecipado temor.



- Ora, em Winterfell é claro – Ele respondeu surpreso – O que Milady fazia no lago?



- Eu não... me lembro. – Hermione respondeu tremula, o que não era uma mentira, já que ela não fazia idéia, de como havia saído de uma Londres do século XX e ido parar no meio de uma floresta da Idade Média – aparentemente, ou em um set de filmagens.



Ela ainda aguardava alguém gritar “corta” a qualquer momento.  Era uma esperança.



- Não tenha medo. Já estamos perto de casa, e então nosso Meistre poderá se certificar de que você está bem. Levaremos você para casa logo depois.  – Disse o homem, claramente tentando tranqüilizá-la.



Hermione não poderia ficar mais longe da tranqüilidade do que com essa promessa, mas supunha que poderia agradecer por ele não fazer mais perguntas.



- Depois, meu pai ira querer lhe fazer algumas perguntas.



Claro que sim!



Hermione buscou na memória qualquer coisa sobre alguma Winterfell, mas simplesmente nada lhe vinha à mente, enquanto fazia isso, passou a mão pelas costelas, tinha alguma coisa que lhe cutucava incessantemente o lado direito.



Ela sentiu sob os dedos, debaixo das roupas, um objeto cilíndrico e cumprido – mas o que é isso? Ah é minha varinha. Minha Varinha. Eu sou uma Bruxa! – ela lembrou. Alivio a invadiu, e teve que se conter para não gargalhar – Como assim você tinha esquecido que era uma Bruxa, Mione? - sua mente gritava com ela, na inconfundível voz de Rony – Cala a boca – ela replicou silenciosamente. – Louquinha, louquinha – Ele assoviou em resposta.



Depois daquela pequena troca de palavras com o homem com quem ela cavalgava, ficou claro que eles não a soltariam. Hermione não fazia idéia de como havia ido parar ali, não fazia idéia de quem eram aquelas pessoas, e não fazia idéia se estava indo em direção de um calabouço, uma pira, ou a ajuda, mas tomou a decisão de não fazer magia, pois se suas suposições estivessem certas, poderia ser perigoso revelar-se pelo que era. Por outro lado, estava menos preocupada agora que sabia que não tinha perdido a varinha e poderia contar com magia se as coisas ficassem muito ruins.



Passado o choque inicial, ela se deu conta de que precisava ser uma verdadeira Grifinória, fria e racional, o medo só a deixaria mais vulnerável, então ela respirou fundo e decidiu fazer o que fazia de melhor, iria pesquisar.



Começou naquele mesmo momento, observando tudo ao seu redor. O grupo agora estava saindo da orla da floresta, entrando em um extenso campo aberto e esverdeado, a estrada de terra por onde cavalgavam, levava a uma praça repleta de tentas e balcões, e ao redor da praça, tinha uma pequena Vila formada por casinhas de madeira e pedra, a Vila por sua vez, cercava uma poderosa muralha, e por suas ameias muitos guardas faziam a vigia.



Se Hermione ainda não estava convencida de que se encontrava em uma espécie de sociedade Medieval, o Castelo dentro da muralha a convencerá; não era nada tão impressionante quanto Hogwarts, porém suficientemente impressionante para distraí-la por um momento de seus problemas, e deixá-la curiosa. 



O Castelo era grande, mesmo dali dava para ver outras construções que se aglomeravam a sua volta, todo o complexo era feito de pedras cruas e argamassa a vista, a arquitetura mais rústica e de linhas muito mais antigas que as encontradas nos Castelos da Grã Bretanha trouxa.



Ela supôs que o inverno estava começando ou acabando, pois havia pequenos montículos de neve no chão, e fazia um frio considerável.



A comitiva na qual ela se encontrava, tinha mais ou menos vinte pessoas, todos homens; alguns andavam a pé carregando diferentes tipos de utensílio que ela identificou como objetos para caça; o grupo era uma mistura de homens jovens e velhos, e havia até um anão.



Liderando a caravana, cavalgava a frente dois homens; de onde Hermione estava, pode ver que eram jovens, não pareciam ter mais do que trinta e poucos anos, o homem a direita era alto e imensamente gordo, seu cavalo parecia um pônei embaixo dele, tinha cabelos pretos, e uma barba igualmente emaranhada e negra, o outro a esquerda, era aquele que havia dado a ordem de não parar, ele era também alto, mas mais atlético, seus ombros eram largos, seu rosto era comprido, e os cabelos eram castanhos escuros que chegavam até os ombros.



Neste momento, os portões da muralha foram abertos, e por eles saiu um homem cavalgando a toda em direção ao grupo, ele alcançou a comitiva e parou em frente ao homem atlético, os dois confidenciaram por um momento e então, partiram em disparada em direção ao Castelo, deixando o homem gordo e o restante da comitiva para trás. 



- Robb, espere – Alguém pedia, a voz era a mesma do homem que a chamara de “gata selvagem”.



O Cavaleiro que cavalgava com Hermione parou, esperando a aproximação do outro. Um rapaz jovem, talvez com dezenove vinte anos, apareceu ao lado deles, montando um baio, ele era magro, tinha os cabelos escuros e olhos azuis. 



- Chamo-me Lorde Theon Greyjoy – Ele se apresentou para Hermione com um sorriso largo nos lábios; disse seu nome, como se fosse um Rei.



Hermione não lhe devolveu o sorriso e tão pouco lhe disse seu nome, não se sentiu confortável diante do olhar do rapaz.



- O que pode ter acontecido no Castelo? – O Cavaleiro que se chamava Robb perguntou ao outro, forçando Theon a afastar os olhos dela.



Hermione respirou aliviada, por ter a atenção desviada de si.



- Algo grave, para que seu pai abandonasse o Rei desse modo.



Robb nada disse, mas Hermione podia sentir que ele ficou tenso, os músculos de seu braço flexionaram em volta dela.



Alguns minutos depois disso, finalmente a comitiva começou a passar pelos largos portões. Hermione que estava bem mais atrás, só podia observar a sua volta as construções e o pátio que se descortinava a sua frente conforme se aproximava da entrada.



Ela notou que o homem gordo que havia permanecido junto ao grupo, se apressou para desmontar, e bamboleou o mais rápido que seu corpo permitia pelo pátio, até alcançar os degraus que davam acesso ao Castelo, ele sumiu por detrás das portas duplas, logo depois.



Hermione gelou e um buraco em sua barriga começou a se abrir lentamente, conforme Robb se aproximava mais e mais do pátio e ela sentia os olhares de todos que ali estavam, presos nela. Será que de algum modo eles sabiam o que ela era? Estava acontecendo alguma coisa no Castelo que envolvia a sua chegada? Era por isso que os dois homens pareciam tão aflitos?



Cavalariços se apresentavam aos cavaleiros para ajudá-los a desmontar e recolher os animais às baias, todos eles olhavam para Hermione com expressões apreensivas e lamuriosas.



Hermione sentiu-se doente de apreensão; o clima em volta deles era pesado, tanto que um silêncio enervante caiu sobre a comitiva que desmontava no pátio, havia alguma coisa muito errada, isso era certo, Hermione estremeceu.



Atrás dela, Robb desmontou aterrissando no chão com graça e leveza, ele estendeu a mão para ajudá-la; ela teve dificuldades para conseguir desmontar, nunca tinha feito isso antes, e o nervosismo não estava ajudando; ela quase se estabacou vergonhosamente no chão, mas foi salva por Robb, que a amparou em seus braços bem a tempo.



Por um segundo, quando Hermione nivelou seus olhos com os de Robb e pode finalmente ver o Cavaleiro – como Hermione passou a chamá-lo intimamente – ela se esqueceu completamente de ficar apreensiva; tratava-se de um rapaz jovem, algo entre os quatorze e os dezesseis anos, era difícil ter certeza, pois seu rosto era juvenil mas ele tinha ombros mais largos que os amigos dela tinham nesta idade, e era mais alto do que Harry e mais forte do que Rony, ele usava uma barba curta e os cabelos caiam em cachos vermelhos escuros pelo seu rosto de queixo quadrado e muito bonito, os olhos eram incrivelmente azuis e prendiam a atenção tanto quando sua boca de lábios carnudos.  



Ele olhava para ela com interesse, mas ligeiramente distraído e claramente preocupado com a atenção estranha que os dois recebiam.



Outro rapaz se aproximou, quebrando o contato visual entre Hermione e o Cavaleiro.



- Jon, o que está havendo? – Perguntou o ruivo que ainda segurava Hermione nos braços.



- Não trago boas noticias, irmão – Respondeu Jon solenemente.



Hermione achou estranho que fossem irmãos, pois não podiam ser mais diferentes, Jon era moreno com olhos cinzentos, seu rosto era cumprido e mais oval, enquanto o ruivo tinha ombros largos, Jon os tinha mais estreitos, também era bonito, mas de um jeito diferente, a única coisa parecida com Robb, era a altura.  



- É Bran. Ele estava escalando a Torre Quebrada. – Jon vez uma pausa e suspirou desgostoso – Ele caiu.



- Mas ele nunca cai – Robb argumentou quase infantilmente com a voz sumida.



- Vá vê-lo – Jon pediu - O Pai e sua Mãe estão no quarto de Bran com Meistre Luwin.



Robb finalmente soltou Hermione, ele não parecia ter consciência de nada a seu redor, correu escadas acima sem dizer palavra, e foi só então que ela percebeu que os olhares que recebera quando chegaram, não eram para ela, mas para Robb.



Jon voltou-se para Hermione, ele fez mensal de falar, mas então um dos homens que estava na comitiva, o Anão, chamou por ele, e Jon fez uma pequena reverencia para ela, se afastando em seguida e deixando-a para traz.



E foi assim, que Hermione Jean Granger, se viu em Winterfell, deixada completamente só, em um Castelo Estrangeiro, com ninguém em volta para se importar com o fato de que ela era uma Bruxa, que vestia roupas esquisitas, que estava coberta de sujeira, neve e manchas de sangue, e que não tinha idéia do que deveria fazer a seguir.


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