A ÚLTIMA PROFECIA



-- CAPÍTULO 37 --
A ÚLTIMA PROFECIA


Os pés de Harry tocaram o chão duro, seus joelhos se dobraram um pouco e a cabeça dourada do bruxo caiu no chão com um sonoro "clunk". Ele olhou em volta e percebeu que tinha chegado à sala de Dumbledore.

Tudo parecia ter voltado ao seu lugar durante a ausência do diretor. Os delicados instrumentos de prata estavam mais uma vez recostados sobre as mesas com pés em espiral, soprando e silvando serenamente. Nos quadros, os grandes bruxos e bruxas cochilavam em suas molduras, as cabeças caídas sobre os ombros ou encostadas nas bordas das telas. Harry olhou pela janela. Havia uma linha ínfima de um verde pálido no horizonte: a manhã começava a chegar.

O silêncio e a tranqüilidade do lugar, quebrados apenas pelos grunhidos e suspiros ocasionais de algum retrato adormecido, eram terríveis para ele. Se esses ruídos pudessem refletir os sentimentos dentro dele os retratos estariam gritando de dor. Caminhou pela sala silenciosa respirando rapidamente e tentando não pensar. Mas ele tinha que pensar... Não havia saída...

Era sua culpa Sirius ter morrido, era tudo culpa sua. Se ele, Harry, não tivesse sido estúpido o suficiente para cair nos truques de Voldemort, se não estivesse tão convencido de que aquilo que vira em seu sonho era real, se apenas tivesse aberto sua mente para a possibilidade de Voldemort estar, como Hermione havia dito, apostando no gosto de Harry por bancar o herói...

Era intolerável, não devia pensar sobre isso, não agüentaria isso... Havia um vazio terrível dentro dele, o qual não queria sentir nem examinar, um buraco escuro onde Sirius estivera, onde Sirius desaparecera; não queria ter de ficar sozinho com aquele imenso e silencioso vazio, não agüentaria isso.

Um retrato atrás dele fez um grunhido particularmente alto e uma voz fria disse "Ah... Harry Potter...". Phineas Nigellus deu um longo bocejo, esticando os braços enquanto examinava Harry com seus astutos e estreitos olhinhos castanhos.

- E o que traz você aqui nas primeiras horas da manhã? - disse Phineas casualmente. - Essa sala é supostamente barrada a todos menos ao legítimo diretor. Ou terá Dumbledore mandado você aqui? Oh, não me conte - estremeceu novamente. - Outra mensagem para o meu desprezível tataraneto?

Harry não podia falar. Phineas Nigellus não sabia que Sirius estava morto mas Harry não conseguiria contar a ele. Dizê-lo em voz alta seria tornar isso final, absoluto, irremediável.

Mais alguns dos retratos estavam acordando agora. O terror de ser interrogado fez Harry cruzar o aposento a passos largos e agarrar a maçaneta da porta.

Não abriu. Ele estava trancado ali.

- Eu espero que isto signifique - disse o bruxo corpulento de nariz vermelho que estava pendurado na parede atrás da mesa do diretor - que Dumbledore logo estará de volta entre nós?

Harry se virou. O bruxo o estava examinando com grande interesse. Harry fez que sim com a cabeça. Torceu novamente a maçaneta atrás dele, que continuou imóvel.

- Oh, bem - disse o bruxo. - Tem sido muito aborrecido sem ele, muito aborrecido, na verdade.

Ele se acomodou na cadeira semelhante a um trono na qual havia sido pintado e sorriu benevolente para Harry.

- Dumbledore tem um grande conceito a seu respeito, como estou certo de que você sabe - disse confortadoramente. - Oh, sim. Tem você em grande estima.

A culpa que retorcia o vazio no peito de Harry era como um monstro, um verme pesado. Harry não podia agüentar isso, não podia agüentar mais ser quem ele era... Nunca tinha se sentido tão aprisionado em sua própria mente e corpo, nunca havia desejado tão intensamente poder ser outra pessoa, qualquer outra...

A lareira vazia subitamente explodiu em chamas verde-esmeralda, fazendo com que Harry saltasse de perto da porta, olhando para o homem que surgia dentro da grelha. Enquanto a alta figura de Dumbledore se revelava do fogo os bruxos e bruxas nas paredes sussurravam e se regozijavam, alguns chegando a chorar dando as boas-vindas.

- Obrigado, muito obrigado - disse docemente Dumbledore.

Ele não olhou logo para Harry, caminhou até o poleiro ao lado da porta e retirou de um bolso interno de sua capa a minúscula e feia Fawkes, totalmente sem penas, a quem colocou gentilmente no leve ninho de cinzas sob o pilar dourado onde a renascida e adulta Fawkes costumava ficar.

- Bem, Harry - disse Dumbledore, finalmente deixando o frágil pássaro -, você gostará de ouvir que nenhum de seus amigos e colegas sofrerá maiores danos por causa dos acontecimentos desta noite.

Harry tentou dizer "Ótimo" mas nenhum som saiu. Parecia pra ele que Dumbledore o estava lembrando de quanto dano havia causado e embora o diretor estivesse olhando para ele diretamente e sua expressão fosse mais amistosa que acusatória Harry não ousava encontrar seu olhar.

- Madame Pomfrey está colocando todo mundo de pé e bem - disse Dumbledore. - Nymphadora Tonks pode precisar ficar um tempo maior em St. Mungus, mas parece que ela terá total recuperação.

Harry se contentou em inclinar a cabeça, olhando o tapete, que ficava mais e mais brilhante à medida que o dia clareava lá fora. Tinha certeza de que todos os retratos estavam ouvindo cuidadosamente cada palavra que Dumbledore pronunciava, perguntando-se onde ambos estiveram e por que teria havido danos.

- Eu sei como você está se sentindo, Harry - disse Dumbledore calmamente.

- Não, não sabe - disse Harry e sua voz estava de repente alta e clara; uma fúria branca e quente se agitava dentro de si; Dumbledore não tinha a menor idéia sobre seus sentimentos.

- Você vê, Dumbledore? - disse Phineas Nigellus maliciosamente. - Nunca tente compreender os alunos. Eles odeiam isso. Eles prefeririam muito mais ser tragicamente incompreendidos, se afundar na autopiedade, afundar em seus próprios...

- É o suficiente, Phineas - disse Dumbledore.

Harry virou de costas para Dumbledore e olhou determinadamente pela janela. Podia ver o campo de quadribol ao longe. Sirius tinha aparecido lá uma vez, disfarçado como o grande cão negro, assim podia observar Harry jogando... Ele provavelmente tinha ido ver se Harry era tão bom quanto Tiago fora... Harry nunca lhe perguntara.

- Não há vergonha no que você está sentindo, Harry - disse a voz de Dumbledore. - Pelo contrário... O fato de você ser capaz de sentir uma dor como essa é sua maior força.

Harry sentiu a fúria branca e quente o lambendo por dentro, queimando no terrível buraco, enchendo-o com o desejo de ferir Dumbledore por sua calma e suas palavras vazias.

- Minha grande força é essa? - disse Harry, a voz tremendo à medida que continuava a olhar o estádio mas já sem enxergá-lo. - Você não tem a menor idéia... Você não sabe...

- O que eu não sei? - perguntou calmamente Dumbledore.

Isso foi demais. Harry se voltou, tremendo de raiva.

- Eu não quero falar sobre como eu me sinto, está bem?

- Harry, sofrer desse jeito prova que você ainda é um homem. Essa dor faz parte de ser humano...

- ENTÃO EU NÃO QUERO SER HUMANO! - urrou Harry, agarrando o delicado instrumento de prata da mesa ao seu lado e arremessando-o pela sala; ele se espatifou em centenas de minúsculos pedaços contra a parede. Muitos dos retratos soltaram gritos de raiva e medo e a pintura de Armando Dippet disse:

- Realmente!

- EU NÃO ME IMPORTO - gritou Harry para eles, apanhando um lunoscópio e jogando-o na lareira. - TEM SIDO DEMAIS, TENHO VISTO COISAS DEMAIS, EU QUERO SAIR, EU QUERO QUE ISSO TERMINE, EU NÃO ME IMPORTO MAIS.

Ele apanhou a mesa na qual o instrumento de prata estivera e a atirou também. Ela se partiu no chão e os pés rolaram em várias direções.

- Você se importa, sim - disse Dumbledore. Ele não havia hesitado ou feito um único movimento para impedir Harry de destruir sua sala. Sua expressão era calma, quase distante. - Você se importa tanto que sente como se fosse sangrar até a morte com tanta dor.

- EU... NÃO! - Harry gritou tão alto que parecia que sua garganta se rasgaria e por um segundo quis correr até Dumbledore e quebrá-lo também; romper aquela calma no rosto velho, sacudi-lo, machucá-lo, fazê-lo sentir um pouquinho de todo o horror dentro dele.

- Oh, sim, você, sim - disse Dumbledore, ainda mais calmamente. - Você perdeu seu pai, sua mãe e agora a coisa mais próxima de um pai que você conheceu. É claro que você se importa.

- VOCÊ NÃO SABE COMO EU ME SINTO! - Harry berrou. - VOCÊ... SEMPRE AÍ... VOCÊ...

Então as palavras já não eram suficientes, destruir as coisas não ajudava mais; Harry queria correr, queria correr e correr e nunca olhar para trás, queria estar em qualquer lugar onde não pudesse ver os límpidos olhos azuis a fitá-lo, aquela odiosa calma e velha face. Virou-se nos calcanhares e correu até a porta, agarrou a maçaneta e a torceu com força. Mas a porta não se abria.

Harry se virou para Dumbledore.

- Deixe-me sair - disse. Ele tremia da cabeça aos pés.

- Não - disse Dumbledore simplesmente.

Por alguns segundos se olharam nos olhos.

- Deixe-me sair - disse Harry novamente.

- Não - repetiu Dumbledore.

- Se você não deixar... Se você me prender aqui... Se você não me...

- Certamente continuaria a destruir meus objetos - disse Dumbledore serenamente. - Ouso dizer que tenho muitos - ele caminhou para sua mesa e sentou-se atrás dela, olhando Harry.

- Deixe-me sair - disse Harry mais uma vez, com uma voz fria e quase tão calma quanto a de Dumbledore.

- Não até eu dizer o que é preciso - falou Dumbledore.

- Você... Você acha que eu quero... Você acha que eu dou um... Eu não me importo com o que VOCÊ TEM A DIZER - urrou Harry. - Eu não quero ouvir nada do que você tem a dizer.

- Você ouvirá - respondeu Dumbledore, firme. - Você pode estar furioso comigo mas não está nem perto do quão furioso pode ficar. Se está disposto a me agredir, como sei que está perto de fazer, eu gostaria de ter a chance de merecê-lo realmente.

- Do que você está falando...?

- É minha culpa a morte de Sirius - disse Dumbledore claramente. - Ou eu deveria dizer, quase que inteiramente minha culpa, não serei tão arrogante a ponto de assumir a responsabilidade por tudo. Sirius era um homem bravo, esperto e disposto e este tipo de homem normalmente não se contenta em ficar sentado em casa escondido enquanto acredita que outros podem estar correndo perigo. Todavia, você nunca deveria ter acreditado, nem por um só momento, que havia qualquer necessidade de você ir ao Departamento de Mistérios esta noite. Se eu tivesse sido aberto com você, Harry, como eu deveria ter sido, você saberia há muito tempo que Voldemort tentaria atrair você ao Departamento de Mistérios e você nunca teria sido enganado para entrar lá esta noite. E Sirius não teria ido depois de você. Esta culpa me pertence, e somente a mim.

Harry ainda estava parado com a mão na maçaneta da porta mas nem percebia. Olhava para Dumbledore, a respiração difícil, escutando, ainda que pouco entendendo o que estava ouvindo.

- Por favor, sente-se - disse Dumbledore. Não era uma ordem, era um convite.

Harry hesitou mas depois caminhou devagar pela sala, cheia de fragmentos de prata e madeira espalhados pelo chão, e tomou a cadeira em frente à mesa de Dumbledore.

- Devo entender - disse Phineas Nigellus, à esquerda de Harry, devagar - que meu tataraneto, o último dos Black... Está morto?

- Sim Phineas - disse Dumbledore.

- Não acredito nisso - disse Phineas bruscamente.

Harry virou a cabeça a tempo de ver Phineas saindo de sua moldura e soube que ele tinha ido visitar seu outro retrato em Grimmauld Place. Ele caminharia, talvez de retrato em retrato, chamando por Sirius pela casa...

- Harry, eu lhe devo uma explicação - disse Dumbledore. - Uma explicação sobre os erros de um velho homem. Pois vejo agora o que tenho e o que não tenho feito em relação a você suportar as marcas das passagens da idade. Um jovem não pode saber como pensa e sente um homem velho. Mas os homens velhos são culpados, esquecem de como era ser jovem... E parece que eu tenho esquecido ultimamente...

O sol estava começando a nascer agora, via-se uma ofuscante coroa alaranjada sobre as montanhas e o céu sobre elas era claro e sem cor. A luz atingiu Dumbledore, caiu no prateado de suas sobrancelhas e barba, nas linhas profundamente esculpidas do seu rosto.

- Eu soube quinze anos atrás - continuou Dumbledore -, quando vi a cicatriz em sua testa, o que ela significava. Seria o sinal de uma conexão entre você e Voldemort.

- O senhor já tinha me falado isso, professor - disse Harry asperamente. Não se importou de ser rude. Nada mais tinha muita importância.

- Sim - disse Dumbledore justificativamente. - Sim, mas veja, é necessário começar pela sua cicatriz. Pois se tornou aparente, logo após você voltar ao mundo mágico, que eu estava correto e que sua cicatriz lhe enviava sinais quando Voldemort estava perto de você ou a emoção poderosa de outro sentimento.

- Eu sei - falou cansadamente Harry.

- E essa habilidade sua, detectar a presença de Voldemort mesmo disfarçado e saber o que ele está sentindo quando suas emoções estão exacerbadas, tornou-se mais e mais pronunciada desde que Voldemort retornou ao próprio corpo e aos seus poderes.

Harry nem se preocupou em dizer ou fazer nada. Ele já sabia de tudo isso.

- Mais recentemente - retomou Dumbledore - minha preocupação era de que Voldemort percebesse a existência dessa conexão entre vocês. Como previ, chegou a hora em que você entrou tão a fundo em sua mente e seus pensamentos que ele sentiu sua presença. Estou falando, é claro, da noite em que você testemunhou o ataque ao senhor Weasley.

- É, Snape falou comigo - resmungou Harry.

- Professor Snape, Harry - corrigiu Dumbledore serenamente. - Mas você não se perguntou por que não fui eu quem explicou isso a você? Por que eu não ensinei a você o encantamento da Oclumancia? Por que fiz pouco mais do que olhar para você por meses?

Harry olhou para cima. Agora via que Dumbledore parecia triste e cansado.

- Sim - murmurou Harry. - Eu me perguntei.

- Veja - continuou Dumbledore -, acreditei que não demoraria muito até Voldemort tentar forçar uma entrada em sua mente, Harry, para manipular e confundir seus pensamentos, e certamente eu não estava ansioso por dar a ele maior incentivo. Eu estava certo de que se ele percebesse que nosso relacionamento era, ou fora alguma vez, mais próximo do que o de professor e aluno ele agarraria a chance de usar você para espionar a mim. Eu temi pelo uso que ele faria de você, a possibilidade de ele tentar e possuir você. Harry creio que eu estava certo em pensar que Voldemort usaria você dessa maneira. Nas raras ocasiões em que eu e você tivemos contato mais próximo pensei ter visto a sombra dele se agitar atrás dos seus olhos...

Harry se lembrou de ter sentido como se uma serpente adormecida crescesse nele, pronta para atacar, naquelas ocasiões em que seu olhar e o de Dumbledore se encontraram.

- O alvo de Voldemort ao possuir você, como ficou demonstrado esta noite, não seria a minha destruição. Seria a sua. Ele esperava, quando possuiu você rapidamente há pouco tempo atrás, que eu fosse sacrificar você na esperança de matá-lo. Portanto, você vê, eu vinha tentando, mantendo-me distante de você, protegê-lo Harry. O erro de um homem velho...

Ele suspirou profundamente. Harry deixava que as palavras simplesmente escorressem por ele. Teria estado muito interessado em saber de tudo isso há alguns meses mas agora era insignificante comparado ao vazio dentro dele que era a perda de Sirius; nada mais importava.

- Sirius me contou que você sentiu Voldemort acordar dentro de você na noite em que teve a visão do ataque a Arthur Weasley. Eu soube então que meus piores medos estavam corretos: Voldemort havia percebido que podia usar você. Numa tentativa de armar você contra os assaltos de Voldemort à sua mente, fiz os arranjos para que você tivesse as lições de Oclumancia com o professor Snape.

Ele fez uma pausa. Harry olhou a luz do sol que deslizava devagar cruzando a superfície polida da mesa de Dumbledore, iluminando um tinteiro e uma elegante pena escarlate. Harry percebeu que todos os retratos em volta deles estavam acordados e ouvindo extasiados a explicação de Dumbledore; ele podia ouvir o ruído ocasional das roupas, um limpar de garganta. Phineas Nigellus ainda não retornara...

- Professor Snape descobriu - retomou Dumbledore - que você sonhou com a porta do Departamento de Mistérios por meses. Voldemort, sem dúvida, esteve obcecado com a possibilidade de ouvir a profecia desde que recuperou seu corpo e, assim como ele, você tinha a porta em sua mente, embora não soubesse o que significava. E então você viu Rookwood, que trabalhava no Departamento de Mistérios antes de ser preso, contando a Voldemort o que nós sabíamos, que as profecias guardadas no Ministério da Magia estão fortemente protegidas. Apenas as pessoas a quem elas se referem podem ouvi-las sem ficarem loucas: neste caso ou Voldemort teria que ir ele mesmo ao Ministério, correndo o risco de se revelar, afinal, ou você teria que apanhar para ele. Tornou-se, assim, de grande e crescente importância que você dominasse o feitiço da Oclumancia.

- Mas eu não o fiz - disse Harry. Falou alto, para tentar aliviar o peso morto da culpa dentro dele: uma confissão certamente aliviaria um pouco da terrível pressão que espremia seu coração. - Eu não pratiquei, não me importei, eu poderia ter impedido a mim mesmo de continuar a ter aqueles sonhos, Hermione vivia me dizendo para fazê-lo, se eu nunca tivesse mostrado a mim mesmo aonde ir, e... Sirius não teria... Sirius não teria...

Algo irrompeu na cabeça de Harry: uma ânsia de se justificar, de explicar.

- Eu tentei me certificar de que ele realmente havia levado Sirius, fui à sala da Umbridge, falei com Monstro na lareira e ele disse que Sirius não estava lá, disse que ele tinha saído!

- Monstro mentiu - disse Dumbledore calmamente. - Você não é mestre dele, ele poderia mentir a você sem nem mesmo ter que se punir. Ele tinha intenção de fazer você ir ao Ministério da Magia.

- Ele me mandou ir de propósito?

- Oh, sim. Monstro, temo que ele venha servindo a mais de um mestre há meses.

- Como? - disse Harry, debilmente. - Ele não sai de Grimmauld Place há anos.

- Monstro teve sua oportunidade logo depois do Natal - disse Dumbledore -, quando Sirius, aparentemente, gritou a ele "vá embora". Ele pegou Sirius pela palavra e interpretou isso como uma ordem para deixar a casa. E se dirigiu ao único membro da família Black por quem ele ainda tinha algum respeito... A prima Narcissa, irmã de Bellatrix e esposa de Lúcio Malfoy.

- Como você sabe de tudo isso? - perguntou Harry. Seu coração estava batendo muito depressa. Ele se sentia mal. Lembrou de sua preocupação com a esquisita ausência de Monstro no Natal, lembrou de ele voltando outra vez no sótão.

- Monstro me contou ontem à noite - disse Dumbledore. - Veja, quando você deu ao professor Snape aquele aviso oculto ele percebeu que você tivera uma visão de Sirius amarrado no Departamento de Mistérios. Ele, assim como você, tentou contato com Sirius. Eu devo explicar que os membros da Ordem da Fênix têm métodos de comunicação mais confiáveis que o fogo na sala de Dolores Umbridge. Professor Snape descobriu que Sirius estava vivo e seguro em Grimmauld Place. Quando, no entanto, você não voltou da sua ida à floresta com Dolores Umbridge, professor Snape viu crescer sua preocupação: você ainda acreditava que Sirius era prisioneiro de Lord Voldemort. Então alertou imediatamente alguns membros da Ordem.

Dumbledore deu um enorme suspiro e continuou.

- Alastor Moody, Nymphadora Tonks, Kingsley Shacklebolt e Remo Lupin estavam no quartel-general quando ele fez contato. Todos concordaram em ir a seu auxílio imediatamente. Professor Snape pediu a Sirius para ficar, era necessário que alguém permanecesse para me contar o que havia acontecido, já que eu chegaria em breve. Nesse meio tempo ele, Professor Snape, pretendia ir à floresta procurar você. Mas Sirius não desejaria ficar para trás enquanto outros iam à sua procura, Harry. Ele delegou a Monstro a tarefa de me contar o que havia acontecido. E foi assim que, quando cheguei em Grimmauld Place logo em seguida à saída de todos rumo ao Ministério, foi o elfo quem me disse, rindo até quase estourar, onde Sirius havia ido.

- Ele estava rindo? - disse Harry numa voz oca.

- Oh, sim - respondeu Dumbledore. - Veja Harry, Monstro não poderia nos trair totalmente. Ele não é um Guardião Secreto da Ordem, não poderia dar aos Malfoy nossa localização ou contar a eles qualquer um dos planos confidenciais os quais tenha sido proibido de revelar. Ele estava obrigado por encantamentos da sua raça, o que significa dizer que ele não poderia desobedecer a uma ordem direta do seu mestre Sirius. Mas ele deu a Narcissa informações que se tornaram muito valiosas para Voldemort, embora possam ter parecido muito triviais para Sirius sequer pensar em proibir Monstro de repetir.

- Como o quê?

- Como o fato de que a pessoa com quem Sirius mais se importava no mundo era você - disse Dumbledore serenamente. - Como o fato de você estimar e respeitar Sirius como uma mistura de pai e irmão. Voldemort já sabia, evidentemente, que Sirius era membro da Ordem e que você sabia onde ele estava, mas a informação de Monstro fez com que percebesse que a única pessoa a qual você percorreria qualquer distância para salvar era Sirius Black.

Os lábios de Harry estavam frios e dormentes.

- Então... Quando perguntei a Monstro se Sirius estava lá naquela noite...

- Os Malfoy, sem dúvida instruídos por Voldemort, disseram a ele para encontrar uma maneira de manter Sirius fora do caminho uma vez que você tivesse a visão dele sendo torturado. Assim, se você decidisse verificar se Sirius estava ou não em casa Monstro poderia fingir que não. Monstro feriu o hipogrifo ontem e, quando você fez sua aparição no fogo, Sirius estava lá em cima cuidando dele.

Harry sentia seus pulmões praticamente sem ar; sua respiração era breve e superficial.

- E Monstro contou a você tudo isso... E riu?

- Ele não queria me contar - explicou Dumbledore. - Mas sou suficientemente aperfeiçoado na magia de Legilimens para saber quando estou sendo enganado e o persuadi a me contar toda a história antes que eu fosse ao Departamento de Mistérios.

- E - sussurrou Harry, sentindo as mãos cerradas e geladas sobre os joelhos - Hermione nos dizendo para tratá-lo bem...

- Ela estava quase certa, Harry. Eu avisei a Sirius quando adotamos o número 12 da Grimmauld Place como nosso quartel-general que Monstro devia ser tratado com bondade e respeito. Também disse a ele que Monstro poderia se tornar perigoso para nós. Não creio que Sirius tenha me levado muito a sério ou que ele alguma vez tenha olhado Monstro como sendo um ser com sentimentos tão profundos quando os humanos.

- Não o culpe... Não fale... Dele... De Sirius... Assim - Harry mal respirava, não conseguia expressar as palavras, mas a raiva que estava acalmada por um instante ressurgiu dentro dele: não deixaria Dumbledore criticar Sirius. - Monstro é um mentiroso, um tolo... Ele mereceu.

- Monstro é o que os bruxos fizeram dele, Harry. Sim, ele é digno de nossa piedade. A existência dele tem sido tão miserável quanto a do seu amigo Dobby. Monstro era obrigado a obedecer a Sirius por ele ser o último da família à qual estava escravizado, não havia lealdade verdadeira. E qualquer que tenha sido a culpa de Monstro devemos admitir que Sirius nada fez para tornar seu destino mais fácil...

- NÃO FALE DE SIRIUS DESSE JEITO! - berrou Harry.

Ele estava em pé novamente, furioso, pronto para voar sobre Dumbledore, que realmente não tinha entendido Sirius, quão bravo ele era, o quanto ele sofrera...

- E o que me diz de Snape? - Harry cuspiu. - Sobre ele nada é falado, não é? Quando eu disse a ele que Voldemort tinha Sirius ele zombou de mim como sempre.

- Harry, você sabe que o professor Snape não tinha outra opção a não ser fingir para Dolores Umbridge que não tinha levado você a sério - disse Dumbledore com firmeza - mas, como já expliquei, ele informou à Ordem assim que pôde sobre o que você havia dito. Foi ele quem deduziu onde você tinha ido quando você não voltou da Floresta. Foi ele, também, quem deu Veritasserum falso à professora Umbridge quando ela tentava forçar você a contar a ela sobre Sirius.

Harry desconsiderou tudo isso; sentia um prazer selvagem em culpar Snape, parecia acalmar seu próprio senso tenebroso de culpa e queria ouvir Dumbledore concordar com ele.

- Snape... Snape pro... Provocou Sirius... Sobre ficar em casa... Fez parecer que Sirius era um covarde.

- Sirius era adulto e esperto o suficiente para permitir que zombarias tão fracas o atingissem.

- Snape parou de me dar as lições de Oclumancia! - Harry se embaraçou. - Ele me expulsou da sala dele!

- Estou ciente disso - respondeu Dumbledore com firmeza. - Eu já disse que foi um erro não o ensinar eu mesmo, embora eu estivesse certo, naquela ocasião, que nada poderia ser mais perigoso do que abrir sua mente para Voldemort em minha presença.

- Snape tornou ainda pior, minha cicatriz sempre doeu mais depois das lições com ele - Harry lembrou que Rony pensava sobre isso - e como você sabe que ele não estava tentando me amaciar para Voldemort, tornando mais fácil para ele entrar em minha...

- Eu confio em Severo Snape - disse Dumbledore simplesmente. - Mas eu esqueci, outro engano de um homem velho, que certas feridas são muito profundas para serem curadas. Eu acreditava que o professor Snape pudesse superar os sentimentos dele a respeito de seu pai, Harry. Eu estava errado.

- Mas tudo bem, não é? - gritou Harry, ignorando os rostos escandalizados e os murmúrios de desaprovação dos retratos nas paredes. - Tudo bem que Snape odeie meu pai mas não que Sirius odeie Monstro?

- Sirius não odiava Monstro - afirmou Dumbledore. - Ele o considerava um serviçal sem muito interesse ou valor. Indiferença e negligência são muitas vezes mais prejudiciais do que a antipatia direta... A fonte que destruímos esta noite disse uma mentira. Nós, bruxos, temos maltratado e abusado de nossos companheiros por muito tempo e agora estamos tendo nossa retribuição.

- ENTÃO SIRIUS TEVE O QUE MERECEU, É? - gritou Harry.

- Eu não disse absolutamente isso nem você jamais me ouvirá dizer tal coisa - replicou Dumbledore suavemente. - Sirius não era um homem cruel, era gentil com os da casa, com elfos em geral. Ele não tinha amor por Monstro porque Monstro era a lembrança viva do lar que Sirius havia odiado.

- É, ele realmente odiou - disse Harry, a voz como um chicote, virando às costas para Dumbledore. O sol brilhava dentro da sala e os olhos de todos os retratos o seguiram enquanto ele caminhava, sem se dar conta do que fazia, sem enxergar a sala. - Você o fez ficar trancado naquela casa e ele odiou, era por isso que ele queria sair na última noite...

- Eu estava tentando manter Sirius vivo - respondeu Dumbledore serenamente.

- As pessoas não gostam de ser trancadas! - disse Harry em fúria, andando em volta de Dumbledore. - Você fez isso comigo durante todo o ultimo verão!

Dumbledore fechou os olhos e cobriu o rosto com suas mãos de dedos finos e longos. Harry olhou para ele mas os sinais nada habituais de exaustão ou tristeza ou o que fosse de Dumbledore não o comoveram. Ao contrário, sentiu-se ainda mais irritado por Dumbledore estar mostrando sinais de fraqueza. Ele não tinha nada que ser fraco quando Harry estava enfurecido com ele.

O diretor baixou as mãos e olhou bem para Harry através da meia-lua dos óculos.

- Chegou a hora de eu dizer o que devia ter contado a você cinco anos atrás, Harry. Por favor, sente-se. Eu vou contar tudo. Peço apenas um pouquinho da sua paciência. Você terá a chance de se enfurecer comigo, de fazer o que quiser, quando eu terminar. Não vou impedi-lo.

Harry o olhou com fúria por um momento, então se atirou novamente na cadeira oposta à de Dumbledore e esperou.

Dumbledore encarou por um momento as faixas de terra iluminadas pelo sol do lado de fora, depois olhou novamente para Harry e disse:

- Cinco anos atrás você chegou a Hogwarts, Harry, seguro e intacto, como eu planejara e pretendera. Bem, não totalmente intacto. Você sofrera. Eu sabia que isso aconteceria quando deixei você na porta da casa de seus tios. Eu sabia que estava condenando vocês há dez anos escuros e difíceis.

Ele se calou. Harry nada disse.

- Você deve querer saber, com razão, por que tinha que ser assim. Por que alguma família bruxa não poderia ter adotado você? Muitas o teriam feito com mais do que boa-vontade, sentiriam-se honradas e felizes por criar você como um filho. Minha resposta é que minha prioridade era manter você vivo. Você correria mais perigo do que praticamente qualquer um, mas eu percebi. Voldemort havia sido vencido horas antes, mas seus apoiadores, e muitos são tão terríveis quanto os próprios Lord, ainda estavam por perto, zangados, desesperados e violentos. E eu tive que tomar minha decisão, também, levando em consideração os anos pela frente. Eu acreditava que Voldemort tinha ido embora para sempre? Não. Não sabia se seriam dez, vinte ou cinqüenta anos até ele retornar, mas eu tinha certeza de que ele o faria e estava certo, também, por conhecê-lo bem, que ele não descansaria até matar você. Eu sabia que o conhecimento de mágica de Voldemort é, talvez, mais extenso do que o de qualquer bruxo vivo. Eu sabia que mesmo meus mais complexos e poderosos encantos e magias de defesa não seriam suficientes se ele retomasse seu poder plenamente. Mas eu sabia, também, onde Voldemort era fraco. Então tomei minha decisão. Você seria protegido por uma antiga magia que ele conhece, a qual despreza e que, conseqüente, sempre subestimou, e pagou o preço. Estou falando, certamente, do fato de sua mãe ter morrido para salvar você. Ela deu a você proteção duradoura como ele nunca imaginou, uma defesa que flui em suas veias até hoje. Eu então pus minha confiança no sangue de sua mãe. Entreguei você à irmã dela, sua única parenta viva.

- Ela não me ama - disse Harry de imediato. - Ela não se importa nem um pouco...

- Mas ela o recebeu - atravessou Dumbledore. - Ela pode ter ficado com você rancorosamente, enfurecida, amargamente e sem vontade, mas ainda assim ela o recebeu. E fazendo isso selou o encanto que eu pus sobre você. O sacrifício de sua mãe fez dos laços de sangue o mais forte escudo que eu poderia ter dado a você.

- Eu ainda não...

- Enquanto você puder chamar de lar o lugar onde mora o sangue de sua mãe lá você não poderá ser alcançado ou ferido por Voldemort. Ela derramou seu sangue, mas ele vive em você e na irmã dela, sua tia. O sangue dela se tornou seu refúgio. Você precisa voltar lá apenas uma vez por ano, mas enquanto você puder chamá-lo de lar, enquanto estiver lá, ele não pode ferir você. Sua tia sabe. Eu expliquei o que havia feito na carta que deixei com você na porta da casa dela. Ela sabe que recebê-lo em casa pode muito bem tê-lo mantido vivo nos últimos quinze anos.

- Espere. Espere um momento.

Ele se sentou mais ereto na cadeira, encarando Dumbledore.

- Você mandou aquele Berrador. Você disse a ela que lembrasse, era sua voz...

- Imaginei - disse Dumbledore, inclinando levemente a cabeça - que ela precisasse se recordar do pacto que tinha selado ao aceitar você. Suspeito que o ataque dos dementadores a tenham despertado para os perigos de ter você como um filho-hóspede.

- Foi, sim - disse Harry serenamente. - Bem, mais ao meu tio do que a ela. Ele queria me chutar para fora, mas depois do Berrador ela... Ela disse que eu tinha que ficar.

Ele encarou o chão por um momento, depois falou:

- Mas o que isso tem a ver com... - e não conseguiu dizer o nome de Sirius.

- Cinco anos atrás, então - continuou Dumbledore, ainda que não tivesse feito pausa em sua história - você chegou a Hogwarts, não tão feliz ou bem alimentado quanto eu desejaria, talvez, mas ainda assim vivo e saudável. Você não era um principezinho mimado, mas um garoto tão normal quanto eu poderia esperar sob tais circunstâncias. Até então meu plano estava funcionando bem. E então... Bem, você vai lembrar dos acontecimentos no seu primeiro ano em Hogwarts tanto quanto eu. Você triunfou de forma magnífica sobre o desafio dirigido a você e em seguida, muito mais em seguida do que eu previra, achou-se frente a frente com Voldemort. E sobreviveu novamente. Fez mais. Você retardou o retorno dele à plenitude de sua força e poderes. Você travou o combate de um homem. Eu estava... Mais orgulhoso de você do que posso dizer. Contudo, havia uma falha neste meu plano maravilhoso. Uma falha óbvia que, eu sabia, poderia arruinar tudo. No entanto, sabendo quão importante era que meu plano prosseguisse, eu disse a mim mesmo que não permitiria que esta falha arruinasse tudo. Eu sozinho pude prever isso então eu sozinho seria ser forte. E aqui estava meu primeiro teste, enquanto você estava no hospital, fraco da luta contra Voldemort.

- Não entendo o que você está falando.

- Você lembra de ter perguntado a mim, enquanto estava no hospital, por que Voldemort havia tentado matá-lo enquanto você era um bebê?

Harry fez que sim com a cabeça.

- Deveria eu ter contado, então?

Harry fitou os olhos azuis e não disse nada, mas seu coração estava batendo como que aos pulos novamente.

- Você ainda não vê qual era a fraqueza no plano? Não... Talvez não. Bem, como você sabe, eu decidi não responder a você. Onze anos, eu disse a mim mesmo, muito jovem para saber. Nunca tive a intenção de contar a você quando você tinha onze anos. O conhecimento poderia ser demasiado para tão tenra idade. Eu deveria ter percebido os sinais de perigo, então. Devia ter perguntado a mim mesmo por que eu não ficara mais perturbado pelo fato de você já ter feito a pergunta para a qual, eu sabia, um dia teria que dar uma resposta terrível. Eu devia ter percebido que estava muito feliz para pensar em não fazer isso naquele dia em particular... Você era muito jovem, muito, muito jovem. E então chegamos ao seu segundo ano em Hogwarts. E mais uma vez você enfrenta desafios jamais encarados mesmo por bruxos adultos; outra vez você se supera além dos meus sonhos mais selvagens. Entretanto, você não me perguntou novamente por que Voldemort deixou a marca em você. Falamos sobre sua cicatriz, oh sim... Chegamos perto, muito perto da questão. Por que não contei tudo a você... Bem, pareceu-me que doze anos eram, afinal, pouco melhor do que onze para receber tal informação. Permiti a você deixar minha presença ensangüentado, exausto, mas regozijado e se senti alguma pontada de desconforto por, quem sabe, o dever de ter contado a você foi rapidamente silenciada. Você ainda era muito jovem, como vê, e não encontrei forças em mim para arruinar aquela noite de triunfo... Você percebe, Harry? Vê agora onde está a falha em meu plano? Tenho caído na armadilha que previ, que havia prometido a mim mesmo poder evitar.

- Eu não...

- Eu me importei muito com você - disse Dumbledore com simplicidade. - Me preocupei mais com a sua felicidade do que com o seu conhecimento da verdade, mais com sua paz de espírito do que com meu plano, mais com sua vida do que com as vidas que seriam certamente perdidas se o plano falhasse. Em outras palavras, agi exatamente como Voldemort espera que nós, os tolos que amam, ajam. Isso é uma defesa? Eu desafio qualquer um que tenha observado você como eu, e eu o tenho feito mais de perto do que você possa ter imaginado, a não querer salvá-lo de mais dor além daquelas que você já sofrera. Que me importava se pessoas e criaturas sem nome e sem rosto pudessem ser massacradas em um futuro incerto, se aqui e agora você estivesse vivo e bem e feliz? Eu nunca sequer sonhei que teria alguém assim nas mãos. Chegamos ao seu terceiro ano. Acompanhei à distância enquanto você lutava para repelir os dementadores, enquanto você encontrava Sirius, aprendia quem ele era e o salvava. Deveria eu ter contado a verdade a você quando triunfantemente libertou seu padrinho das garras do Ministério? Mas aos treze anos minhas desculpas estavam terminando. Você era jovem, mas já havia provado que era excepcional. Minha consciência não estava à vontade, Harry. Eu sabia que a hora chegaria em breve... Mas você saiu do labirinto no último ano tendo visto Cedrico Diggory morrer, tendo escapado da morte quase certa... E não contei a você embora eu soubesse, agora que Voldemort retornara, que deveria fazer isso logo. E agora, esta noite, eu soube que você estava há muito preparado para o conhecimento do qual o mantive longe por tanto tempo, porque você provou que eu deveria ter lhe dado esta carga antes disso. Minha única defesa é essa: tenho visto você lutando sob mais aflições do que qualquer outro estudante que já tenha passado por esta escola e não seria eu a trazer a você mais uma aflição, a maior de todas.

Harry esperou, mas Dumbledore não disse palavra alguma.

- Eu ainda não entendo.

- Voldemort tentou matá-lo quando você era um bebê por causa de uma profecia feita um pouco antes de você nascer. Ele sabia que ela existia embora não a conhecesse totalmente e partiu para matar você enquanto era um bebê, acreditando que estava cumprindo os termos da profecia. Ele descobriu, a duras penas, que estava enganado, quando o feitiço dirigido a você foi devolvido. E assim, desde o retorno ao seu corpo e particularmente desde que você escapou dele de maneira extraordinária no último ano, ele tem estado determinado em escutar a profecia na sua totalidade. Ela é a arma que ele vem procurando tão assiduamente desde sua volta: o conhecimento de como destruir você.

O sol tinha nascido totalmente agora: a sala de Dumbledore estava banhada em sua luz. O estojo de vidro no qual repousava a espada de Godric Gryffindor refulgia branco e fosco, os fragmentos dos instrumentos que Harry jogara ao chão cintilavam como gotas de chuva. Atrás dele a pequena Fawkes fazia leves gorjeios em seu ninho de cinzas.

- A profecia está destruída - disse Harry sem forças. - Eu e Neville estávamos na sala... Onde estava guardada... Eu mexi... E então caiu...

- O que se quebrou foi simplesmente o registro da profecia feita pelo Departamento de Mistérios. Mas a profecia foi proferida a alguém e esta pessoa tem os meios de recuperá-la perfeitamente.

- Quem a ouviu? - perguntou Harry, embora tivesse a sensação de já saber a resposta.

- Eu. Em uma noite úmida e fria há dezesseis anos atrás, numa sala sobre o bar na estalagem Hog's Head. Eu havia ido até lá para examinar uma candidata ao posto de professor de Adivinhação, embora fosse contra minha vontade permitir a continuação da disciplina. A postulante, entretanto, era a tataraneta de um bruxo muito famoso e poderoso e considerei que seria um gesto de cortesia encontrá-la. Fiquei desapontado. Pareceu-me que ela não tinha qualquer traço do dom mágico. Disse a ela, cortesmente, eu espero, que não a considerava apta.

Dumbledore se ergueu e caminhou para trás de Harry, até o armário preto ao lado do pilar dourado de Fawkes. Abriu-o, destravou um fecho e tirou de dentro a rasa bacia de pedra com signos mágicos entalhados nas bordas, na qual Harry tinha visto seu pai atormentando Snape. Dumbledore voltou para trás da mesa, colocou a penseira sobre ela e colocou a varinha em sua própria têmpora. Dali ele retirou pensamentos em finíssimos fios prateados agarrados à varinha e os depositou na bacia. Sentou-se novamente e por um momento observou seus pensamentos girando dentro da penseira. Então, com um suspiro, ergueu sua varinha e tocou a substância prateada com a ponta.

Ergueu-se uma figura envolta em véus, os olhos enormemente aumentados atrás dos óculos, e se virou lentamente, seus pés na bacia de pedra. Mas quando Sibila Trelawney falou não foi com sua voz etérea, mística e sim naquele tom rouco e áspero que Harry já a tinha visto usar uma vez:

- Aquele com o poder de vencer o Lord Negro se aproxima... Nascido daqueles que por três vezes o desafiaram, nascido ao fim do sétimo mês... E o Lorde Negro vai marcá-lo como seu igual, mas ele terá um poder desconhecido pelo Lord Negro... E um deve morrer pelas mãos do outro porquanto nenhum poderá viver enquanto o outro sobreviver... Aquele com o poder de vencer o Lord Negro se aproxima... Nascido daqueles que por três vezes o desafiaram, nascido ao fim do sétimo mês...

Girando lentamente, a professora Trelawney mergulhou de volta na massa prateada e desapareceu.

O silêncio no interior da sala era absoluto. Nem Dumbledore nem Harry e nenhum dos retratos fez qualquer manifestação. Até mesmo Fawkes se aquietou.

- Professor Dumbledore? - disse Harry suavemente, pois Dumbledore, ainda olhando para a penseira, parecia completamente mergulhado em pensamentos. - Isso... Isso quer dizer... O que isso significa?

- Isto significa que a única pessoa que pode por bem vencer Lord Voldemort nasceu no final de julho, há quase dezesseis anos. Esse menino nasceria de pais que já tivessem enfrentado Voldemort três vezes.

Harry sentiu como se algum coisa estivesse se fechando sobre ele. Respirar parecia novamente muito difícil.

- Isso quer dizer... Eu?

Dumbledore o fitou por um instante através dos óculos.

- O mais estranho, Harry, é que poderia não ser você. A profecia de Sibila, na verdade, poderia ser aplicado a dois meninos bruxos, ambos nascidos no final de julho, ambos filhos de pais que eram membros da Ordem da Fênix e haviam escapado por pouco de Voldemort por três vezes. Um deles, obviamente, era você. O outro era Neville Longbottom.

- Mas então... Mas então, por que era o meu nome na profecia e não o de Neville?

- O registro oficial foi re-classificado depois que Voldemort o atacou ainda criança. Pareceu correto ao guardião do Salão da Profecia que Voldemort só poderia ter tentado matar você porque o reconheceu como aquele de quem falava a profecia de Sibila.

- Então, poderia não ser eu?

- Eu temo - disse Dumbledore lentamente, parecendo que cada palavra lhe custava um grande esforço - que não haja dúvidas. É você.

- Mas você disse... Neville também nasceu no final de julho... E seus pais...

- Você está esquecendo da próxima parte da profecia, a característica final para identificar o menino que poderia vencer Voldemort... O próprio Voldemort marcaria o menino como seu igual. E assim ele fez, Harry. Ele escolheu você, não Neville. Ele lhe deu a cicatriz que tem provado ser tanto uma benção quanto uma maldição.

- Mas ele pode ter escolhido errado! Ele pode ter marcado a pessoa errada!

- Ele escolheu o menino que parecia representar um perigo maior para ele. E perceba, Harry: ele escolheu não o sangue puro (o qual, de acordo com sua crença, é o único tipo de bruxo que deve existir), mas o sangue-ruim, como ele. Voldemort se viu em você antes mesmo de tê-lo visto e, marcando-o com essa cicatriz, ele não o matou, como pretendia, mas deu poderes a você e um futuro, o que você precisou para escapar dele não uma, mas quatro vezes, algo que nem seus pais nem os pais de Neville nunca conseguiram.

- Mas então por que ele fez isso? - disse Harry, sentindo uma dormência fria. - Por que ele tentou me matar ainda bebê? Ele poderia ter esperado para ver entre eu e Neville quem pareceria mais perigoso quando fôssemos mais velhos e então tentar matar quem quer que fosse...

- Este, certamente, teria sido o caminho mais prático, exceto que a informação de Voldemort acerca da profecia estava incompleta. O Hog's Head, que Sibila preferia por ser barato, há muito atraía, deve-se dizer, uma clientela muito mais interessante que o Três Vassouras. Como você e seus amigos descobriram, para o desgosto de vocês e eu para o meu naquela noite, é um lugar onde jamais é seguro supor que você não está sendo escutado. É claro que eu nem sonhava, quando saí para encontrar Sibila Trelawney, que ouviria algo tão valioso. A minha, nossa, porção de boa sorte foi o intruso ter sido percebido logo no início da profecia e colocado para fora do lugar.

- Então ele ouviu apenas...?

- Ele escutou apenas o início, à parte anunciando o nascimento de um menino em julho de pais que haviam desafiado Voldemort por três vezes. Conseqüentemente, ele não pôde avisar ao seu mestre que atacar você seria arriscar transferir poderes para você e marcá-lo como um igual. Assim, Voldemort nunca soube que poderia haver perigo em atacar você, que seria melhor esperar, aprender mais. Ele não sabia que você poderia ter poder que o Lord Negro desconhece.

- Mas eu não tenho! - disse Harry com um fiapo de voz. - Não tenho nenhum poder que ele não tenha, não poderia lutar como ele lutou esta noite, não posso possuir pessoas ou... Matá-las...

- Há uma sala no Departamento de Mistérios - interrompeu Dumbledore -, ela é mantida constantemente trancada. Contém uma força que é a um só tempo mais maravilhosa e mais terrível do que a morte, do que a inteligência humana, do que as forças da natureza. É também, talvez, o mais misterioso dos inúmeros assuntos para estudo que vive ali. É o poder que habita aquela sala o que você tem em tamanha quantidade e o qual Voldemort não possui em absoluto. Foi esse poder que o levou a socorrer Sirius esta noite. Este poder também salvou você de ser possuído por Voldemort, porque ele não toleraria permanecer em um corpo tão cheio da força que detesta e despreza. Afinal, não importou que você não pudesse manter sua mente fechada. Foi seu coração que o salvou.

Harry fechou os olhos. Se não tivesse ido salvar Sirius, Sirius não teria morrido... Mais para retardar o momento em que teria que pensar em Sirius novamente, Harry perguntou, sem ligar muito para a resposta:

- O final da profecia... Era algo sobre... Nenhum poderá viver...

- ...enquanto o outro sobreviver - completou Dumbledore.

- Então - disse Harry, escolhendo as palavras no que sentia ser uma porção de desespero dentro dele -, então isso significa que... Que um de nós tem que matar o outro... No fim?

- Sim.

Por muito tempo nenhum deles falou. Em algum lugar muito além das paredes da sala Harry podia ouvir o som de vozes, estudantes descendo para o café da manhã, talvez. Parecia impossível haver pessoas no mundo que ainda desejassem comida, que rissem, que sequer tivessem conhecido Sirius Black ou soubessem que ele se fora para sempre. Sirius parecia estar já a um milhão de milhas; mesmo agora uma parte de Harry ainda acreditava que se ele apenas tivesse puxado o véu teria encontrado Sirius olhando para ele, saudando-o, talvez com sua risada semelhante a um latido...

- Sinto que lhe devo outra explicação, Harry - acrescentou Dumbledore, hesitante. - Você talvez tenha se perguntado por que nunca o escolhi como monitor? Devo confessar... Você tinha responsabilidades demais para isso.

Harry olhou para ele e viu uma lágrima caindo pelo rosto de Dumbledore, indo se perder em sua longa barba prateada.


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