Passeio Noturno Acompanhado
Harry havia dormido, no dia anterior, com a visão nítida na cabeça de Aurora riscando um raio na janela com o dedo indicador, e sorrindo, desejando boa noite para ele. No dia seguinte, porém, ela não saiu de casa nenhuma vez, e até o cair da noite, ele pensou que não a veria, e ficou mais depressivo do que o normal.
A presença dela, antes, havia feito com que ele esquecesse a ausência de seus amigos e saudades do lar. Com a volta desses sentimentos que o faziam se perder em dor e angustia, Harry decidiu deixar a casa dos tios aquela noite para outra caminhada longa e sem rumo, em que desejaria com todas as forças que o vento levasse seus pensamentos para longe.
Como Duda também estava fora de casa, não seria um problema, afinal, tudo o que o Dudiquinho fazia estava mais do que correto para os tios e para quem mais quisesse saber.
Harry pulou a mureta que separava a casa de n°4 da rua e começou a caminhar seguindo pelo lado direito, sem olhar para a casa dos Catburry ou pensar para onde iria. Estava cansado de esperar coisas das pessoas, e até de aguardar os sinais de Lorde Voldemort. Apenas o som de seus passos decididos ecoavam na rua, e foi assim por um minuto, mais ou menos, então ele escutou o som de outro par de pés que vinham atrás dele rapidamente, e não se parecia com os passos pesados de Duda ou de qualquer um que ele conhecia, nem com o som de patas de cachorro (mesmo que ele realmente quisesse se virar e encontrar um cachorro grande e preto correndo para ele), o som de Sirius.
Num ímpeto de coragem e curiosidade, ele se virou abruptamente, e a pessoa pequena e descontrolada que o seguia não conseguiu frear a tempo de evitar a colisão. Era Aurora, e ele a segurou pelos braços para impedir que caísse.
— Ah, meu Deus. – ela tomou distancia dele rapidamente, parecendo envergonhada – É a segunda vez que a gente se fala e a terceira que preciso me desculpar.
Ela estava afobada, os cabelos cobriam um pouco o rosto, as mãos na frente do corpo em uma posição meio defensiva.
— O quê você está fazendo? – perguntou, mais rude do que gostaria que soasse, mas a frustração que carregava no peito era maior do que a surpresa que sentia.
— Eu... – ela piscou várias vezes tentando encontrar palavras – Não queria te seguir, só andar. Andar, a noite, e te vi saindo, pensei em perguntar se poderia andar junto com você.
Ele sentiu arrependimento por ter sido rude no momento em que ela terminou de se explicar, e queria pedir desculpas, mas seu orgulho e fúria continuaram falando mais alto, porém não tão alto quanto antes.
— Porquê você quer andar com o garoto esquisito a essa hora da noite? – questionou, mas lhe deu as costas e prosseguiu a caminhada, assentindo com que ela o seguisse sem necessariamente pôr em palavras.
— Entendo porque você fica por ai tão tarde. É a única hora que não tem ninguém para ficar observando e fofocando, não é? – ela deu de ombros, estava caminhando no mesmo ritmo ao lado dele, sem olha-lo – Também não é tão quente a essa hora, e fica mais fácil de se esconder daqueles garotos estúpidos.
Se referia a gangue de Duda, e Harry silenciosamente concordou com ela, sobre tudo. Como se pudesse ler sua mente e prever a pergunta que faria a seguir, Aurora continuou a falar.
— Eu desapareci hoje porquê estava ajudando meus tios com algumas coisas domésticas. – explicou de forma banal – Foi isso que me manteve trancada em casa nos primeiros dias aqui, quando cheguei. Eles precisavam pintar a casa e outras coisas, são velhos e meio caducos, então eu fiquei, sabe? Mas agora já não tem quase nada para fazer, e esse lugar é tão... monótono.
— O quê mais você achou interessante? – perguntou, mais provocativo do que imaginava.
— Além de você? – ela ergueu as sobrancelhas – Ah, tem uma sorveteria e aquele parque depois do túnel.
Eles andavam mais de vagar, observando as casas com janelas escuras, os jardins bem cuidados e os carros nas garagens. Os postes iluminavam seus rostos quando passavam embaixo deles, e Harry a pegou sorrindo para ele ao passarem por um.
— A melhor coisa sobre você é ser esquisito, sabia? – ele finalmente olhou-a nos olhos enquanto viravam uma esquina – Tudo é tão normal e sem graça aqui.
— Fique sabendo que também acham você esquisita. – ele falou com zombaria – Espero que se sinta agraciada.
Ela explodiu em uma gargalhada e deu alguns passos para passar a frente dele, deu uma pirueta no ar e esperou que ele a alcançasse com as mãos na cintura e uma expressão desafiadora. Harry estava sorrindo com a reação espontânea dela.
— Queria que cada fofoca sobre mim se transformasse num saquinho de chá envenenado para essas senhoras desocupadas. – jogou os cabelos para trás e voltaram a caminhar juntos.
O garoto concluiu mentalmente que nenhum feitiço poderia fazer o que ela queria, mas era possível envenenar o chá ou transformar as senhoras em animais viscosos. Ele já não sentia raiva, só a sensação morna no peito que olhar Aurora por algum tempo lhe causava.
— Então, você precisa me dizer qual é a sua história verdadeira, porquê os boatos eu já conheço. – ela disse cautelosamente.
Ele parou de andar de repente e assim que percebeu isso, ela voltou alguns passos e encarou os olhos verdes no escuro.
— Quais são os boatos? – ele perguntou com voz neutra.
— Hum... Seus pais, eles morreram em um acidente de carro. – ela engoliu em seco – Você foi deixado na porta dessa gente desprezível, e sempre foi um delinquente nojento que só causava problemas, mas nos últimos anos eles mandam você para uma escola de disciplina rigorosa e bruta.
Os dois ficaram em silencio se encarando, a garota mexia os pés desconfortavelmente.
— Você acredita? – Harry perguntou num sussurro.
— Eu não acreditaria em nada que não saísse da sua boca. – Aurora disse solenemente – Então, por favor, se você for me contar alguma coisa, escolha a verdade. Me orgulho de saber guardar segredos.
Harry era quem havia ficado desconfortável desta vez, pois ela parecia muito sincera e gentil, e ele jamais poderia dizer a verdade completa, nem um terço dela. Mas não tinha a obrigação de contar nada àquela estranha adorável.
— Já deve ter o bastante para guardar. – ele desviou os olhos dela e recomeçou a caminhar – Não me disse nada sobre você ainda, e já escutou muito sobre mim.
— Ah, é verdade. – ela se colocou a seu lado novamente, mas parecia ligeiramente triste – Não é tão emocionante, moro em Londres e tive que vir para cá porque meus pais estão se separando e queria dar um tempo para os dois se ajeitarem, toda essa história de divisão de bens e essa confusão sobre com quem eu vou ficar... É bem ruim.
— Divórcio? – ela balançou a cabeça positivamente – Sinto muito.
Harry se sentia triste muitas vezes por não ter os pais, e sentiu uma tristeza e pena ainda maior ao descobrir a situação de Neville Longbottom, que os tinha, porém não em estado mental perfeito, e agora havia essa perspectiva nova de ter pais, porém eles não ficarem juntos, que também deveria ser uma tristeza considerável.
— Tudo bem, acho que continuar junto sem querer é como manter uma pessoa presa a você, numa ilusão infeliz. – deu de ombros, mas havia um brilho de lágrimas em seus olhos que ela afastou piscando várias vezes seguidas – É irônico como é um ato de amor libertar alguém que você não sabe mais como amar.
Harry sorriu melancolicamente, solidário a ela, e ela lhe sorriu de volta, um sorriso não tão aconchegante como os outros. As palavras sábias e tristes o lembraram de alguém que sempre sabia o que dizer na hora que deveria dizer: Alvo Dumbledore. Ele também fazia imensa falta para o garoto.
— Mas que droga, Harry. – ela bufou inesperadamente – Não vou mais te contar nada, até você me dizer alguma coisa importante.
— Certo, eu digo. – ele havia amolecido após saber a história dela, e decidira que seria injusto não compartilhar alguma coisa sobre si mesmo – Você queria saber da cicatriz.
— Sim, a cicatriz. – seus olhos brilharam de novo, mas de excitação.
Ele respirou fundo, e escolheu cuidadosamente as palavras que usaria para dizer o que pretendia.
— Um homem matou os meus pais, e eu estava com eles, mas sobrevivi. – explicou lentamente – Eu ganhei essa cicatriz naquela noite, e foi isso.
O silêncio pairou sobre eles, e Harry sentia os olhos de Aurora sobre ele como se o queimassem.
— Eu posso fazer perguntas sobre isso? – o sussurro dela foi quase inaudível.
— Não. – ele respondeu, firme – Hoje, não.
— Tudo bem. – respondeu com delicadeza, e manteve o ritmo da caminhada.
Depois disso eles deram voltas pelo bairro sem dizer mais uma única palavra, e os dois sentiam vontade de ouvir as vozes um do outro de novo, mas também só desejavam caminhar e esquecer os problemas, e a segunda opção venceu. Eventualmente eles colidiam um com o outro e riam, ou roçavam as mãos e se sobressaltavam.
Ao voltarem para Rua dos Alfeneiros e pararem bem no meio, tiveram que se despedir, e não sabiam como.
— Então, até.. – Harry começou, encabulado, mas teve que se interromper quando viu que ela se aproximava dele com um olhar esquisito – O quê v...
Delicadamente, como a brisa que balançava as folhas das árvores, Aurora segurou sua camiseta pela manga, no ombro, e fez com que ele se inclinasse um pouco, ficou na ponta dos pés até seus lábios estranhamente quentes para a noite fria alcançarem a cicatriz na testa do garoto e beija-la. Harry sentiu um choque percorrer seu corpo todo, mas não moveu um músculo.
Ela voltou para o chão e o soltou com a mesma delicadeza anterior, sorriu, e disse:
— Boa noite, Harry. – deu as costas e começou a andar em direção a casa dos Catburry, e não entrou antes de se virar para dizer, orgulhosamente – Ah, eu aposto que sou mais esquisita que você.
Ele ficou ali, paralisado, sentindo um formigamento diferente na cicatriz, não a dor que já era comum desde o retorno de Voldemort, mas uma sensação agradável. Foi relaxando até conseguir respirar normalmente de novo, e sorrir pensando na garota que havia acabado de sumir pela porta dos vizinhos.
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