o-rapaz-que-receou
– … de ser rápidos, ou nunca chegaremos a tempo. O Expresso para Hogwarts parte sempre às onze horas, sem falha. Os miúdos já estão preparados?
– James! – ouvi a minha mãe chamar, enquanto eu ia rastejando para fora da cama. À distância, podia ouvir o meu pai mover–se para um lado e para o outro da casa, provavelmente ocupado com qualquer assunto do Ministério, ou simplesmente a verificar o que é que o Profeta Diário poderia dizer sobre ele, agora que mais um ano letivo estava prestes a iniciar, e os filhos d’o rapaz que sobreviveu iriam para Hogwarts. – Albus! Lily! Despachem–se! Não é como se pudéssemos Aparatar para Hogwarts só porque vocês se atrasaram!
Fosse escolha minha, e não chegaríamos a tempo à estação de King’s Cross. Todavia, preparei–me, e fechei a minha mala, enquanto olhava para o traje da escola. Não tinha, ainda, a gravata e cachecol da minha Casa – esses seriam enviados pela minha mãe assim que passasse pelo Chapéu Selecionador – e era esse o meu maior receio. O filho do Potter, o grande Potter! E como se não bastasse, o James passara o Verão inteiro a atirar ao ar sobre a minha personalidade, e que seria uma desilusão para a nossa família se eu fosse colocado em qualquer outra Casa que não Griffindor.
Desde pequeno ouvira as histórias em como o meu pai pedira ao Chapéu para não o colocar nos Slytherin, e que este lhe respondera positivamente ao pedido. Mas, e se o mesmo não acontecesse comigo? E se, como o James dizia, o chapéu me mandasse para os Slytherin? Como é que voltaria a casa no Natal, sabendo ser uma desilusão?
– Albus, estás pronto? – a minha irmã entrou no meu quarto, meio tímida, com o seu boneco em forma de hipogrifo na mão. Timidamente, sentou–se ao fundo da minha cama, balançando os pés na borda desta.
– Sim, estou pronto. – disse, enquanto me sentava ao seu lado, passando o meu braço ao seu redor. Ao contrário de James, a Lily tinha um feitio muito mais calmo e sereno, já mostrando indícios de magia no seu dia–a–dia.
– Para ti – Lily estesdeu–me o seu boneco, com um sorriso na cara. – Assim, caso aconteça alguma coisa na escola, e não queiras escrever aos pais, podes tentar aumentá–lo e vir para casa sozinho.
Sorri, internamente, enquanto me levantava.
– Vamos, não queremos chegar atrasados. E é melhor se tu ficares com o hipogrifo. Assim se me quiseres visitar, também sabes o que fazer.
Enquanto nos dirigíamos de metro até à estação de King’s Cross, a sensação de ter Pixies a esmurrar–me a barriga aumentava, assim como ampliava o êxtase expelido pelo James. Caminhávamos em direção à porção entre as plataformas 9 e 10 quando o James começou a correr com o seu trólei, passando por mim e batendo contra o meu, ao mesmo tempo que sussurrava “Slytherin!”. Atrás de nós vinham os nossos pais e Lily, aos ombros do nosso pai.
– Pai – comecei, com a sensação de desconforto a aumentar – o James continua a dizê–lo.
– Pára com isso, James – ouvi o meu pai dizer, sem surtir qualquer efeito.
– Só disse que ele poderá ser selecionado nos Slytherin! E quase de cert… Tudo bem – suspirou, quando a nossa mãe o olhou incisivamente. Agarrando–me a essa âncora, questionei–a se me iria enviar cartas.
– Diariamente, se for isso que quiseres.
– Não – respondi rapidamente. – Todos os dias, não. O James diz que maioria dos alunos só recebe cartas de casa uma vez por mês. Eu não quero que…
– Blasfémias! – atirou o nosso pai, enquanto brincava com a Lili. – Escrevíamos ao teu irmão três vezes por semana, o ano passado.
Olhei para o meu irmão, com uma súbita vontade de rir. É claro que ele me mentira. Nunca tinha apanhado o James numa situação em que não se propusesse a brincar nem que fosse uma vez.
– Sim, não queiras acreditar em tudo o que ele te diz – salientou a nossa mãe, enquanto colocava a sua mão no meu ombro, massajando–o ligeiramente. – Principalmente quando o tema é Hogwarts. O teu irmão não diz que não a uma brincadeira.
– Podemos ir agora? – inquiriu James, visivelmente cansado com o rumo que a conversa estava a tomar.
– Tudo o que tens de fazer é caminhar em direção à parede entre as platatormas nove e dez – reiterou a minha mãe, puxando o James para perto de si. Mesmo atrás de mim podia ouvir a excitação provinda da Lily.
– Não pares, nem tenhas medo de bater contra ela – proferiu o meu pai, enquanto se apoiava no meu trólei. Por sua vez, a Ginny apoiava–se ao do James. – Isso é muito importante. É melhor correr, se estiveres nervoso.
– Estou pronto – menti, mais para mim que para eles.
Um passo de cada vez, e aumentando um pouco a velocidade, encaminhei–me em direção da parede. Sempre ouvira o entusiamo do meu pai e do James sobre Hogwarts e sobre todo o significado de todos os anos ter de atravessar a plataforma. E embora gostasse de partilhar essa emoção, tudo o que conseguia sentir era receio pelo desconhecido. A minha magia não se insinuara tão cedo como a de James ou da Lily, mas despertou dentro do considerado normal. Mas será que seria o suficiente para ser colocado nos Griffindor, e dar bom termo ao peso que o nome Potter possuía? Porque, ao contrário de James, eu não tinha o espírito aventureiro e rebelde que tão comummente parece exister na casa fundada pelo lendário Godric Griffindor. Seria eu suficiente para aguentar a pressão do leão, ou faria parte dos corvos, dos texugos ou, pior, das serpentes?
Com esta linha de pensamento em mente, nem reparei que tínhamos deixado para trás a parte Muggle da estação, e à minha frente encontrava–se o Expresso 5972, que partiria em direção ao lugar que seria a minha casa durante os próximos meses. Sem que me esforçasse por isso, todo o ambiente envolvente começou a preencher–me, e pouco depois a incerteza quanto ao que me esperava dissipou–se levemente.
Pelo corredor ao lado da locumotiva podiam ver–se alunos de Hogwarts, já com o manto colocado, e tantos outros tão perdidos quanto eu, com a novidade do que seria uma nova realidade. Pais corriam, entregando pela janela os últimos itens esquecidos pela sua progénie, irmãos mais novos gritavam de enfuria, ou então choravam por verem partir os irmãos mais velhos. Contudo, a sensação de segurança era total. O mundo mágico já não se encontrava em perigo desde que o meu pai derrotara o que fora o maior feiticeiro negro do seu tempo. E esse facto era também palpável a partir do momento que chegáramos à estação.
– Uau! – suspirou a Lily, de novo nos braços do nosso pai. – Onde é que eles estão? – perguntou, olhando em redor como se tivesse perdido algo. – Já estão cá? Talvez nem venham…
Seguindo o dedo do meu pai, dei com vários rostos conhecidos.
– Tio Ron! Tio Ron!!
A Lily saltou dos braços do Harry, correndo em direção aos braços do Ron.
– Se não é a minha Potter preferida! – exclamou este, ao lado da Hermione e dos meus dois primos, Rose e Hugo. Rose permanecia séria, e autoritária, um pouco como eu suponho que Hermione tenha sido quando tinha a sua idade.
– Tem algum truque? – inquiriu Lily, de sorriso rsagado.
O Ron, fazendo ar de quem está a pensar em algo que poderá ter esquecido, sussurra–lhe.
– Tens conhecimento do novo hálito da Weasley’s Wizard Wheeze que te roubam o nariz?
– Mãe, ele vai fazer palhaçadas de novo! – atirou Rose, na expectativa que Hermione intervisse. Lily, por sua vez, tapou o seu nariz, enquanto a minha mãe se ria, junto ao James.
– Tu chamas palhaçada, ele chama glorioso… – exclamou Hermione, olhando ternamente para Ron. – Eu digo algo entre os dois.
– Calma! – atirou Ron, enquanto colocava a Lily no chão, e fazia gestos com a mão, na tentativa de dar um ar mágico ao truque que teria preparado. – Deixa–me só mastigar este ar. E agora é só uma questão de… desculpa se tenho um pouco o hálito a cebola…
E terminando a frase, expirou pela boca para a cara da Lily, fazendo com que esta se risse.
– Cheiras a papas – disse, tapando o nariz momentaneamente.
– Bing. Bang. Boing. Jovem senhora, prepara–te para não conseguires respirar!... – disse, enquanto lhe empurrava a ponta do nariz para cima, delicadamente.
– Onde está o meu nariz? – inquiriu a minha irmã, profundamente feliz. Eu, contudo, via a sensação de desconforto voltar à medida que a brincadeira ia fazendo com que cada vez mais feiticeiros olhassem para o local onde nos encontrávamos.
– Ta–da! – gritou o Ron, ignorando todas as pessoas em redor, tal como os restantes membros da nossa família. Levantou uma mão, abrindo–a e mostrando–a vazia à minha irmã. Embora fosse um truque fraco, toda a gente se estava a divertir.
– Tolo! – expeliu Lily, enquanto voltava para junto da nossa mãe.
– Toda a gente está a olhar de novo para nós – disse, desconfortável.
Ron olhou em redor, como se apenas agora se tivesse apercebido de que havia feiticeiros de todas as idades à nossa volta. Com gestos teatrais, respondeu–me com um sorriso que me tentava acalmar.
– Por minha causa, obviamente! Sou extremamente famoso! As minhas experiências com narizes são lendárias!
– De facto, são algo… – atirou Hermione, entrando no jogo do Ron, aproximando–se mais dele.
Tentando não cair num ambiente pesado, o meu pai dirigiu–se ao Ron.
– Conseguiste estacionar? – à sua questão, a Hermione sorriu, e Rose acompanhou–a. Hugo, contudo, manteve–se inalterado.
– Consegui – respondeu, erguendo ligeiramente o peito, olhando para a Hermione. – A Hermione não acredita que eu passei ao exame de condução Muggle, pois não? Pensava que eu teria de Confundir o examinador.
– Eu não pensei nada disso – atirou ela, com um sorriso travesso. – Eu tenho completa fé em ti!
Rose, ao seu lado, opinou.
– E eu tenho completa fé que ele Confundiu o examinador.
– Oi! – exclamou o Ron, olhando para todos em seu redor, principalmente para Rose, chocado. Embora a conversa não tivesse nenhuma conotação negativa, a menção de um meio de transporte fez com que eu olhasse para o comboio e reparasse que este já expelia os primeiros fumos do carvão a ser aquecido.
Indo lentamente de encontro ao meu pai, com um nó na garganta e a ansiedade a aumentar, puxei–o ligeiramente pelo braço. Engolindo em seco, enquanto ele olhava para mim, reuni toda a coragem que consegui e finalmente coloquei–lhe a questão que há tanto tempo de atormentava.
– Pensas que… e se eu sou… e se eu for colocado nos Slytherin?
Lentamente, o meu pai baixou–se, apoiando–se num joelho, de modo a que os seus olhos se encontrassem ao mesmo nível que os meus.
– Albus, e o que teria de errado nisso?
– Slytherin é a Casa da serpente, da Magia Negra… – disse, engolindo mais uma vez todo o meu receio. – Não é uma Casa para feiticeiros corajosos e brilhantes.
– Albus Severus – começou o meu pai a dizer, colocando a sua mão no meu ombro – tu tens o nome de dois diretores de Hogwarts. Um deles foi um Slytherin, e era provavelmente o homem mais corajoso que eu alguma vez conheci!
– Mas e se… – continuei, alheio às emoções que vi aflorarem no seu olhar.
– Se isso significa muito para ti, o Chapéu Selecionador poderá ter isso em consideração. Fez isso por mim. Hogwarts será aquilo que tu fizeres dela, posso–te prometer isso. Não há motivo algum para a receares.
– À exceção dos Thestrals – gritou James, por cima de todas as vozes. – Tem sempre atenção aos Thestrals.
– Eu achava que eles eram invisíveis… – sugeri, algo entre uma afirmação e uma questão.
– Albus… Ouve os teus professores. Não ouças o James, e lembra–te de te divertires. Agora, se não queres que o comboio parta sem ti, é melhor entrares…
– Eu vou correr atrás do comboio! – enquanto o dizia, a Lili começou a correr em direção a ele, parando apenas quando a nossa mãe o exigiu.
– Rose – ouvi a Hermione dizer, ao mesmo tempo que me ia despedindo deles – manda cumprimentos ao Neville.
– Mãe – insurgiu–se, por sua vez, a minha prima – eu não posso mandar cumprimentos a um professor! – e com isso, virou–se em direção ao comboio, desaparecendo dentro destre.
Voltei–me uma última vez para os meus pais, não querendo partir, abraçando–os fortemente antes de me encaminhar para a entrada. À medida que me aproximava, o receio aumentava, não só do desconhecido, mas principalmente daquilo que conhecia – a fama do meu pai.
***
– Eles vão ficar bem, certo? – inquiriu Ginny, mais para si que para os outros que estavam com ela. Um certo receio tomou conta dela ao ver o seu filho entrar no Expresso para Hogwarts. Ao contrário de James ou mesmo de Lily, o Albus era mais reservado e reticente. E eram essas diferenças que faziam com que ela gostasse tanto dele – por ter a sua própria individualidade. Mas também sabia, ou sentia, como mãe dele, que ele não teria essa visão em relação a si mesmo. Por não ser tão como o seu irmão. Por não ser como o seu pai – Harry Potter.
– Hogwarts é um lugar grande – respondeu–lhe a Hermione, numa das suas respostas à Dumbledore, que originavam mais questões que certezas.
– Grande e maravilhoso! – exclamou, por sua vez, o Ron. – Cheio de comida. Faria tudo para voltar.
– É estranho… – disse, ao seu lado, Harry, um pouco alheio à sua questão, aumentando, contudo, todo o receio que ela sentia. – O Al estava preocupado sobre ser colocado nos Slytherin.
– Isso não é nada, a Rose está preocupada sobre se irá quebrar o recorde no Quidditch no primeiro ou no segundo ano, e sobre quão cedo poderá fazer os seus O.W.L.s.
– Não faço ideia de onde provém a ambição dela – disse o Ron, sorrindo e apertando a Hermione para mais perto de si.
Eu, não satisfeita com a tentativa de mudança de conversa, voltei–me para o Harry.
– E como te sentirias, se o Al… se ele fosse selecionado nos Slytherin?
– Sabes, Gin – interrompeu Ron, não o deixando responder – nós sempre achamos que tu poderias ser selecionada nos Slytherin.
– Porquê? – inquiri, chocada.
– É verdade! De facto, o Fred e o George fizeram apostas sobre isso.
– Podemos ir? – interrompeu desta vez a Hermione. – As pessoas estão a olhar, sabem?
– As pessoas olham sempre que vocês os três estão juntos – respondi–lhe, olhando eu mesma para a multidão que nos rodeava, embora o comboio tivesse acabado de partir, e não houvesse mais nada a fazer na estação. Quando nos começamos a movimentar, em direção à saída, a massa dispersou–se. – Ou quando estão separados. As pessoas olham sempre para vocês.
Momentos antes de atravessarmos a plataforma nove e três quartos de volta a King’s Cross, segurei levemente a mão do Harry, fazendo com que ele olhasse para mim.
– Ele vai ficar bem, não vai?
Com um olhar carregado de dúvida, e parecendo estar a tranquilizar–se mais a si do que a mim, foi com a resposta dele na cabeça que atravessamos a plataforma.
– É claro que vai.
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