Reminiscência
Re.mi.nis.cên.ci.a ʀəməniʃˈsẽsjɐ, ʀəminiʃˈsẽsjɐ
nome feminino
1.
recordação que se guarda de modo inconsciente
2.
capacidade de guardar e reconstituir ideias, conhecimentos, impressões adquiridos anteriormente, memória
Château des Rosier - Maio de 1999
A Bordeaux da primavera era capaz de trazer um tímido sorriso ao mais taciturno dos bruxos, e de encher de alegria alguém como Narcissa, com seus vastos campos floridos e um distinto aroma no ar que indicava que as uvas da região, num futuro não muito longe, tomariam o lugar das belas flores. A propriedade dos Rosier tinha sua própria vinícola, é claro, por mais que estivesse aparentemente parada. Narcissa precisaria falar daquilo com a irmã.
Os jardins da família, no entanto, se deslocavam do restante de Bordeaux de maneira belíssima, devido às imensas roseiras que se estendiam a perder de vista. “Rosier significa ‘roseira’ em Francês”, sua mãe lhe dissera quando pequena, ao explicar porque as cartas de seu avô eram seladas com um brasão envolto por rosas. Seu eu infantil secretamente desejara utilizar aquele brasão em vez do da família Black.
— Onde diabos está a sua irmã? — Rodolphus sussurrou, irritado. Eles estavam sentados na sala de estar da enorme casa, cercados de criados, esperando fazia muito tempo. Não que ela estivesse incomodada, servindo-se dos mais variados queijos, doces e vinhos, e aproveitando a vista.
— Ocupada, querido. Ela é a governante de um país. — Narcissa deu de ombros. — Logo estará por aqui. Sabe o que ajuda? — ela se aproximou dele no sofá. — Aproveitar a viagem. Ou você já se esqueceu que estamos aqui a passeio?
A loira pegou a taça de Rodophus, esquecida na mesa de centro, e empurrou-a na direção dele, que franziu o cenho e aceitou mal humorado. — Para você, talvez. Eu e Bellatrix temos assuntos pendentes a resolver, coisas do divórcio.
— Ainda sim, passeio!
— Cissy, você talvez devesse maneirar no vinho. — ele advertiu, com um tom de diversão que anulava qualquer intenção que ele pudesse ter tido de ser levado a sério.
— Talvez… — ela soprou uma mecha de cabelo que insistia em cair em seu rosto, e deu de ombros. — Mas se minha querida irmã acha que eu devia ter tudo isso, por que não? Nós não tínhamos combinado que o tempo de eu me comportar como uma dama tinham acabado? Pois bem! — ela parou de repente, e sentou-se ereta num movimento súbito. — Falando em não me comportar, eu acho que devíamos dar o troco na minha amada irmã. — Narcissa o encarou por um momento, os lábios se curvando em um sorriso muito mais malicioso do que seria apropriado em público, e Rodolphus piscou algumas vezes confuso.
— Dar o troco…? Cissy, do que diabos você está falando?
— Ela está propondo que vocês transem em todos os lugares possíveis da minha casa, — eles ouviram a voz de Bellatrix, e Narcissa quase derramou o vinho em sua roupa impecável. — para se vingar do estrago que eu e o Lorde das Trevas supostamente fizemos na Mansão Malfoy.
Recostada ao portal, Bellatrix os observava com uma expressão que mesclava diversão e preocupação. Ela vestia o que provavelmente era a roupa mais clara, exceto pelo vestido de noiva, que Rodolphus já a vira usar - o calor era, ele imaginava, o culpado. De um verde musgo claro, o vestido parecia ser feito de dezenas de lenços transparentes, que se entrelaçavam onde ela o queria mais justo e opaco, como em sua cintura e torso, e depois se soltavam para criar uma ilusão de mangas - pedaços de tecido que caíam de seus ombros e iam até o chão - e uma longa saia esvoaçante. Ele teria se perguntado porque usar um vestido longo no calor tão incômodo para pessoas acostumadas ao frio da Inglaterra, mas as alças finas, as duas fendas e existência de decotes profundos na frente e nas costas respondiam a pergunta. Os cabelos presos em um alto coque também indicavam que ela estava sentindo tanto calor quanto eles, por mais que ela parecesse irritantemente impecável, e que a casa tivesse algum tipo de encantamento para não estar nem próxima da temperatura real do lado de fora.
— Supostamente? — Narcissa respondeu, mal educada, enquanto colocava a taça seguramente na mesa e se levantava do sofá. — Só eu sei o quanto vocês desrespeitaram a minha casa.
— Pois sintam-se à vontade para “desrespeitar” a minha. Faz bem, Cissy. — Bellatrix respondeu, rolando os olhos, e se aproximou dos dois, fazendo sinal para que os criados os deixassem a sós. — Eu perguntaria se vocês estiveram confortáveis, mas vejo que a hospitalidade não deixou a desejar. Como foi a viagem?
Narcissa abraçou a irmã abruptamente, respondendo rapidamente sobre como tudo havia sido lindo, algo embolado sobre os campos e flores e vinícolas fechadas que Bellatrix não se deu ao trabalho de responder, enquanto Rodolphus simplesmente sinalizava o vinho e a fazia rir. — Bella! — ela se soltou da irmã rapidamente. — E se nós nadássemos no rio? Está calor, e nós fazíamos isso quando crianças!
— Sim, quando crianças, Cissy. — Bellatrix negou com a cabeça. — E eu não mandava em tudo nesse país. — ela sorriu convencida, e foi a vez de Narcissa rolar os olhos. — Não posso simplesmente me jogar num rio no meio do dia. Além do que, grandes possibilidades do idiota do Guillot se jogar atrás e acabar com nossa diversão com medo de eu afogar ou sabe-se lá o que.
— Ah… o cavaleiro. — Narcissa torceu o nariz. — Ele não pode ser tão ruim assim…
— É pior. — Bellatrix se afastou da irmã, e cumprimentou Rodolphus, que surpreendentemente também a abraçou. Ela precisaria deixar o vinho longe daqueles dois, ou dar-lhes mais.
— Precisamos conversar… — ele começou. — Ainda precisamos--
— Separar propriedades, e nosso dinheiro, e ter dois cofres no Gringotts e um monte de coisas chatas. Eu sei Rodolphus. — Bellatrix o cortou. — Mas por aqui, prazer primeiro e negócios depois.
— Não só isso… — ele olhou para Narcissa e depois para ela. — Eu preciso que você.. Que você fale com o Lorde das Trevas.
Em um instante, foi como se todo o calor tivesse sido sugado da sala. Narcissa, mesmo em seu estado afetado, endireitou-se e os encarou séria, não conseguindo ignorar a expressão gélida da irmã, que parecia uma estátua de cera ao encará-los. Dando alguns passos para trás, Bellatrix soltou-se dos braços do ex-marido, e pigarreou de forma quase inaudível.
— E exatamente por que você precisa que eu fale com ele, Rodolphus? — ela virou de costas para eles, e Narcissa o encarou irritada. — Qual de suas necessidades é tão urgente que te faz pensar que eu faria algo que não faço por mim ou pelo país que governo?
— Sinto ser obrigado a me envolver em seus… — Rodolphus parou a si mesmo, forçando-se a engolir a vontade de se referir àquilo tudo como ‘caprichos’ ou ‘joguinhos’, afinal de contas, eles precisavam dela. — problemas pessoais com o Lorde das Trevas, mas… Sua irmã e eu dependemos de você, nesse sentido. Narcissa e eu precisamos ser liberados, Bella, para que possamos...--
— Se casar. — ela completou, seca. — Eu sei muito bem disso, todos nós precisamos da permissão dele. É como nobrezas funcionam, Roldie querido. E por que diabos vocês mesmos não falam com ele?
— E você acha que não falamos? — Rodolphus riu-se. — Ele alega que só vai liberar o casamento quando você entender que nós estamos prontos, por conta do nosso… histórico.
Bellatrix girou nos calcanhares para encará-los. Rodolphus parecia no limite de um ataque histérico e ela nunca vira Narcissa tão entediada na vida. Oh, aquilo era interessante. Aparentemente, a lua de mel não ia tão bem assim, pelo menos não no quesito casamento. — Então parece que, pelo menos nesse assunto pessoal, Voldemort e eu concordamos. — a menção do nome fez os dois outros se sentirem desconfortáveis e fitarem o chão. Bellatrix somente riu. — Vocês são engraçados em algumas coisas… Eu posso ser a única pessoa capaz de convencê-lo, ou de dividir a Coroa com ele, mas não posso dizer o nome dele em família? Tsc tsc, quanta contradição.
— Uau, a rainha da contradição apontando o dedo? Que incrível! Mas, por favor, me ilumine com sua sabedoria, Bella querida: por que vocês concordam? O que nós fizemos para merecer esse purgatório? — Rodolphus se jogou no sofá, cruzando os braços.
Bellatrix sorriu e ajustou o vestido em seu corpo, estudando-os calmamente enquanto se dirigia a uma das poltronas. Narcissa, que ainda estava de pé, somente se recostou ao braço do sofá, olhando para longe de Rodolphus e da irmã.
— Simplesmente porque vocês não estão prontos, Rodolphus. Claramente, já que você ainda não percebeu que ela acabou de sair de um casamento de décadas que terminou infinitamente pior do que o nosso, perdeu momentaneamente o filho, e está pouquíssimo interessada em se enfiar em outro casamento agora. — ela olhou de Rodolphus para Narcissa, que ainda fitava o outro lado da sala.
Rodolphus seguiu os olhos da bruxa, e chocou-se ao encontrar uma Narcissa tão distante e quieta. Estaria Bellatrix correta? Ele estivera tão cego com suas vontades que não percebera o que se passava com Narcissa? A loira negou com a cabeça por um momento, até olhá-lo novamente.
— Eu não sei porque a pressa… Nós temos a vida toda. Digo, nós dois nos enrolamos em casamentos arranjados e horríveis e merecemos ter o nosso tempo. — ela lambeu os lábios. — Não quero te machucar, mas… Talvez eles estejam certos em nos deixar nesse “purgatório”. Eu não preciso ser a nova Sra. Lestrange, não agora.
— Vocês dois precisam se comunicar, isso sim. — Bellatrix adicionou, mal humorada. — Eu não estou na capital, e o Lorde das Trevas não vai ser babá de vocês no meu lugar pra sempre. Em algum momento, ele vai se cansar dos meus problemas familiares e deixar vocês à deriva, principalmente agora que bem… Draco não está mais entrando para a família.
— Eu ainda sou tia da Melinda, Bella… Eu sou da família dele, ele goste ou não, meu filho se casando com a sua filha ou não. Nós duas gostando ou não, sempre seremos da família real. — Narcissa deixou-se sorrir. — Culpa sua, que decidiu misturar as linhagens sanguíneas. Filhos são para sempre, por mais que casamentos não sejam. — Bellatrix desviou o olhar do dela, que deu de ombros. — De um jeito ou de outro, nós vamos trabalhar em estarmos na mesma página com mais frequência. É tudo muito novo… E não quero que nada disso interrompa nossa viagem.
Narcissa esperava que a irmã fizesse algum comentário malcriado sobre aquilo, mas eles todos foram interrompidos pela chegada de alguém muito familiar. Rabastan passara pelas portas perguntando a plenos pulmões se sua irmãzinha havia sentido sua falta, quase não percebendo que o casal estava ali, enquanto se jogava dramaticamente na direção de Bellatrix, para pressionar um beijo estalado em seu rosto, e puxá-la para que ficasse de pé. Se sua irmã tivesse se debatido um por cento menos, Narcissa pediria que alguém a examinasse, mas a sombra do sorriso que tentava se formar nos lábios de Bellatrix contava uma história muito mais interessante.
— Uuuuh, sexy! — Rabastan comentou, se referindo ao vestido, assim que ambos estavam de pé. — Temos visitas que não sejam sua irmã ou seu ex? — ele piscou, e Bellatrix grunhiu. — Oi Cissy, oi Roldie. — ele olhou rapidamente, por cima do ombro. — Vamos, desembucha! — comentou, de volta pra Bellatrix.
— O que te leva a pensar que meu vestido tem algo a ver com visitas?
— Ah, então é pra mim? Ou pra eles? Que errado, Bella!
— Cala a boca, Rabastan! — de forma quase milagrosa, os três exclamaram quase ao mesmo tempo.
— Rabastan, eu juro por Merlin que se você estiver fazendo esse escarcéu sobre um vestido para fazer alguma piadinha sobre a capital… — Bellatrix começou, e parou. — Ou pior se estiver tentando colher informações…
— Eu? Te espionando? Jamais! — ele exclamou, com um excesso de drama digno de aplauso, colocando a mão sobre o peito. — Não é como se eu tivesse passado os últimos meses sendo usado por você como pombo correio nesse jogo de ódio e sedução que você e um certo monarca gostam de jogar… — ela rolou os olhos. — Mas o tal monarca sabe de tudo que todo mundo faz e lê mentes, então, — ele deu de ombros. — não preciso te espionar, meu amor. Estava apenas te elogiando… Não posso?
— Pode… mas não costuma. Não assim. O que está acontecendo, Rabastan? O que você fez? E porque está tentando me amaciar? — Bellatrix deu alguns passos para trás e viu que Rabastan deixara uma caixa branca em uma das poltronas. Em cima da caixa, havia uma carta. Ela não precisava olhar mais de perto para saber que estava selada com a Marca Negra. — O que… O que é aquilo?
Rabastan abriu e fechou os lábios algumas vezes, o nervosismo acabando com a imagem de tranquilidade e flerte que ele havia criado para si. Quando Bellatrix tentou se dirigir até a caixa, ele se colocou no caminho, e jurou ter visto os olhos verdes faiscarem. — Bella…
— Rabastan, última chance. O que diabos você estava fazendo na capital todos esses meses? O que é aquela caixa? E por que você está tão estanho?
— Não sei! Por que você não responde primeiro porque me colocou no fogo cruzado? — ele perguntou, num misto de desespero e nervosismo. — Decidiu bater de frente com o homem mais poderoso do mundo, e me usar de escudo? Você perdeu o juízo?
— Escudo? Não estou te usando de escudo, eu só te mandei como representante!
— Sim, escudo! Para encará-lo e tomar a pancada, quando você não queria! Mas ele não deu pancada alguma, e suspeito que você sabia que ele não ia. — ele passou a mão nos cabelos. — Ou pelo menos imaginava. Só que ele fez pior, porque ele também me usou pra dar o troco. E Bella, se eu não posso dizer não pra você, pra ele então…
Bellatrix passou por ele e se aproximou da caixa, uma série interminável de possibilidades do que estava ali dentro inundando sua mente. “Ele descreve como um presente para você”, Rabastan comentou, em algum momento, mas ela mal registrou. A Marca Negra em seu braço chegou a esquentar quando ela se aproximou da carta, e ela podia sentir que teria que usar sangue ou magia para abrir o tal presente. Em segundos, a varinha antes presa a sua coxa estava entre seus dedos. Estariam eles declarando guerra aberta? Voldemort tentaria ferí-la, apesar de todas as promessas? Por que ela estava tão nervosa? Não devia ser nada demais. Os outros presentes a seguiram de longe, curiosos e amedrontados.
Algumas gotas de sangue abriram o lacre da carta, mas a caixa permanecia travada. Ele queria que ela lesse a carta. Suspirando, Bellatrix pegou o pergaminho e o abriu.
“Para deixar o passado para trás de vez, não podemos deixar pontas soltas.
Esta, creio eu, era a última.
Até algum dia.”
As mãos de Bellatrix tremeram, e a carta se desfez, destrancando a caixa com um clique quase inaudível. De todas as possibilidades que percorreram sua mente, aquela era sem dúvidas a mais impressionante. Dentro da caixa, em uma bandeja de prata repousada em uma almofada muito parecida àquelas que carregavam coroas em coroações, estava uma cabeça. Congelada no tempo por magia, ninguém diria que a pessoa a quem ela pertencera estava morta, se não fosse pelo pescoço decepado e pelo sangue seco que manchava as pontas do cabelo. Os olhos estavam permanentemente fechados, mas ela não precisava de muito para reconhecer Katherine Parkinson. Sem saber muito porque, Bellatrix agarrou os cabelos e puxou a cabeça para fora da caixa, ouvindo os gritos de horror de Narcissa e o som de choque de Rodolphus.
— É claro… — Bellatrix comentou, mais para Rabastan do que para os outros. — Ele não tem mais porque me dar o prazer de destruí-la com minhas próprias mãos… O assunto está resolvido, o que ela fez está vingado, mas não por mim. Chega a ser quase poético. — ela derrubou a cabeça de volta na caixa. — Clássico dele. Deixe-me adivinhar, ele te usou para caçar a maldita em meu lugar…
— Caçar é uma palavra forte. Bella, ele sabia onde ela estava esse tempo todo. — ela girou os calcanhares, o ódio borbulhando em seus olhos. — Ou tinha uma certa ideia. Ele parecia estar guardando para uma ocasião específica que nunca chegou. Eu acho… se posso me atrever, que ela era…
Bellatrix fechou os olhos e negou com a cabeça, rindo-se de maneira quase histérica. — Um presente. — ela comentou, entre as risadas. — Ela era um presente, um mórbido e incrível presente de… — Bellatrix não atreveu a completar, como se as palavras recusassem a deixar seu lábios. — Um que eu nunca vou ver, e que ficou no passado, e todos nós precisamos seguir em frente, não é mesmo? Justo, Majestade, justo. — ela disse na direção da caixa, com uma calma inconsistente com a raiva que a levou a, no segundo seguinte, atirar a caixa do outro lado da sala. Se Narcissa e Rodolphus haviam esperado férias calmas, estavam no lugar errado. Rabastan, por sua vez, apenas torcia para ser poupado daquele tipo de situação no futuro. Assim como o irmão e a cunhada, seus desejos estavam longe de serem atendidos.
Em algum lugar nas montanhas - Meses Antes
Tanto Rabastan quanto Nicky haviam esquecido onde estavam, ou por quantos países haviam passado seguindo o rastro certo, apesar de volátil, de Katherine Parkinson. Quando Voldemort lhes passava as pistas, ou eles as ouviam de algum contato indicado por ele, ficava evidente o quanto ele estava escondendo algo. E, por mais que os dois fossem espertos o suficiente para perceber, não discutiriam. Ele queria dar a impressão de que a busca seria menos óbvia e, se Rabastan fosse sincero, preferia assim.
A cada dia que se passava, ele tinha mais certeza que o Lorde das Trevas sabia as Coordenadas de onde ela estava. Simples assim, mas não as passaria. A amizade confortável que ele estava desenvolvendo com Nicky, contudo, fazia a árdua e interminável jornada - que quase o convencia de se tratar de um castigo por deixar-se usar como um instrumento de Bellatrix, o que era bem possível - mais suportável. Bastante suportável.
— A Marca Negra…. — Nicky comentou, no meio de uma madrugada fria num muquifo escondido nos confins esquecidos da Europa. Aquele era, com certeza, o preço da ajuda dos gigantes.
— O que tem a Marca? — Rabastan perguntou, olhos fixos no teto enquanto deitava sem conseguir dormir na cama de casal dura e empelotada que eles dividiam. Um cigarro de algo que certamente não era só tabaco estava perigosamente solto entre seus dedos.
Nicky debruçou-se por cima dele, perigosamente perto e incomodamente quente em meio ao frio que ainda persistia, para pegar o cigarro e o tragar lentamente, quase torturando-o ao não se mover, e Rabastan admitiria que estava ficando quente além do normal naquele quarto. Após devolver o cigarro para os dedos dele, ela deu um sorriso que, mesclado a suas ações, escancarou a quantidade de sangue Black que corria naquelas veias.
— É como ele sabe. — ela respondeu, ajoelhada na cama. — Onde ela está.
Rabastan sentou-se na cama, deixando o cigarro cair esquecido no chão de madeira. Talvez ele devesse apagá-lo, ou tirá-lo do contato com a madeira, mas a inteligência dela o impressionava demais - principalmente somada à maldita forma como os cabelos ruivos dela guiavam seu olhar para o decote impróprio para o clima. Ela estava certa e, mesmo que ele já tivesse pensado nisso, era interessante vê-la chegar à mesma conclusão sozinha.
— A não ser que ela tenha arrancado a Marca, e ela seria burra se não tivesse. — ele respondeu, calmamente.
— Não é assim que a magia funciona. A Marca é só um gatilho, a ponta do iceberg. O feitiço liga a pessoa diretamente ao Lorde das Trevas, fugir dele é inútil, por isso ele sempre acha Comensais fugitivos. — ela bem se lembrava de Karkaroff, anos antes.
— O que só prova o que já sabíamos… vamos encontrá-la, no final disso tudo. — Nicky não parecera nada feliz com a resposta dele, e se jogou dramaticamente na cama, cobrindo-se com o que pareciam ser cobertores mais velhos do que os dois juntos. — Ei, isso não é ruim! Ele nos deu uma missão controlada, sim, mas divertida e que nos dará imensas recompensas. — uma sombra de sorriso se formou. — E nós ainda por cima fazemos Greyback parecer incompetente, parece justo.
Nicky negou com a cabeça, lançando-o um olhar de repreensão, mas não conseguiu controlar o riso que começava a se formar. Os preconceitos e pequenas guerras internas dos Comensais da Morte lhe incomodavam, mas Rabastan era imensamente divertido, mais do que devia ser.
— Amanhã é o dia. — ela começou a fazer desenhos com as pontas dos dedos no colchão. — O Grande Dia, depois disso… de volta à capital. — Nicky deixou os olhos caírem na direção dos lábios de Rabastan, que segurou a respiração por um momento, tentando se recompor. Aquilo era uma péssima ideia. A pior do mundo. E era ele falando isso.
Num dia normal, numa situação normal, Rabastan não teria problema algum em satisfazer todas as fantasias de qualquer pessoa que ele considerasse minimamente atraente. Por Merlin, ele tinha uma reputação a zelar. Contudo, naquela exata situação, eles estavam numa caça aparentemente inútil e impossivelmente difícil para algo com um fim já escrito, em um país aparentemente hostil no meio do nada, e tudo sobre aquela situação ligava todos os seus instintos de que algo estava errado. Eles estavam, bem provavelmente, subestimando a coisa toda ou algo que não sabiam bem o que era. Rabastan continuaria repetindo aquele mantra dentro de sua cabeça, mesmo enquanto deixava-se sucumbir ao chamado dela, perdendo-se naquilo que insistia em resistir em sua mente. Foi somente quando o frio foi esquecido, e o quarto transformado em uma sinfonia das duas vozes misturadas, que ele deixou sua mente se desligar de suas dúvidas. Ele tinha, afinal, uma reputação a zelar.
Rabastan e Nicky eram adultos, ou ela era quase isso com seus dezoito anos, e sabiam separar as coisas - ou pelo menos gostavam de contar isso um para o outro. Então, a história daquela viagem foi moldada pelo pequeno acordo deles: ninguém falava profundamente do que acontecera no quarto e, caso eles sentissem a necessidade, estavam abertos a repetir a pequena distração.
Quando Katherine Parkinson os superou na manhã seguinte, com uma fuga quase cinematográfica do esconderijo onde estivera por meses, nenhum dos dois se atreveu a pensar sobre como a falta de sono podia ter contribuído com aquele fim. Pelo pouco que eles haviam visto, Parkinson tinha usado fogo ou algo do tipo para remover a Marca de seu antebraço, mas ao vê-los, ela arrancara um pedaço de sua carne muito mais fundo, deixando um buraco imenso e ensanguentado no lugar. Nicky chegou a considerar que se ela tivesse arrancado o braço teria sido menos horrível, e os gritos da mulher… Merlin, ela jamais esqueceria.
— O Lorde das Trevas fará pior com ela, quando botar as mãos nela. — Rabastan comentou, as mãos tremendo, enquanto bebia uma enorme dose de uísque de fogo. Uma carreira branca o esperava na mesa, por mais que seus instintos dissessem que aquela era mais uma de suas ideias ruins. Ele precisava de descanso, mas não podia descansar. Se estava correto, qualquer fosse o tipo de sinal que a Marca emitia, a não ser que Nicky estivesse 100% certa, ficaria mais fraco. Mesmo magia tinha seus limites.
E Rabastan não estava errado, a comunicação de Voldemort foi bastante clara em relação àquilo, a como eles deviam resolver o problema que criaram e trazer-lhe Katherine Parkinson conforme o combinado, ou sofreriam as consequências. Ele havia lhes entregado a mulher numa bandeja de prata e, ainda assim, ela escapara. Rabastan precisaria de muito uísque e muitas drogas para se manter são e acordado até achá-la. Aparentemente, não era tanto a selvageria dela com o próprio braço o responsável, e sim a distância. Quanto mais para o Leste e para o Sul ela ia, mais longe da Mansão Slytherin ficava e, sabendo que estavam em seu rastro, ela se movia do lugar onde ficara por meses para cada vez mais longe, sem nunca parar.
Todos os contatos do submundo foram ativados, colocados atrás daquela maldita mulher, mas ela tinha seus próprios contatos do submundo e trouxas também, pessoas que ela encantara em seu caminho com histórias sobre como conseguira um ferimento tão horrível em seu braço, sobre as pessoas más que a perseguiam. Aquela missão deveria ter terminado na virada do ano, mas não fora o caso.
Eles quase se deram ao luxo de participar das festividades intensamente contagiantes da data no Leste Europeu, e talvez teriam-no feito em uma outra vida ou outro momento, mas estavam a trabalho e precisavam parecer focados. O exemplo do dia desastroso precisou ser utilizado quando Nicky deixou-se seduzir por alguns locais, em diversas ocasiões, e Rabastan precisou não somente recusar participar da diversão, como também arrastá-la para longe.
— Ouvi histórias mais interessantes sobre você. — ela reclamou, ao ser jogada na cama da antiga pousada. — Você tem noção que podiamos estar numa orgia no leste europeu agora mesmo?
— Ah, minha cara, eu adoraria. Diferente de você, já estive em uma dessas, e adoraria repetir. No entanto, preciso mesmo te lembrar que estamos nessa situação exatamente por não focarmos na missão a nossa frente? — Ela franziu o cenho. — Sim, eu sei que aquela loira linda e aquele ruivo incrível provavelmente nos levariam para algum tipo de Nirvana, mas eu quero ter uma vida para dividir um casal desses com você um dia, ok? A gente sobrevivendo a isso… fico te devendo uma dessas.
— Eu vou cobrar. — ela respondeu, jogando os sapatos a milímetros da cabeça dele. — Você é pior amigo com benefícios do mundo, Rabastan.
— Você quis dizer melhor, nenhum outro é tão bom de cama ou tão bem conectado quanto eu. — ele respondeu, tirando o casaco.
— Nem tão convencido.
— Realista… mas você também não é tão ruim assim, com alguns anos de prática será até aceitável. — daquela vez, ele foi acertado pela bolsa dela. — Calma, só uma brincadeira, Nicky querida. Agora falando sério… por mais que essas suas habilidades me interessem, amanhã precisamos das outras.
— Eu já falei que sou uma legilimente péssima…
— Mas uma metamorfomaga decente. Suas palavras, não minhas…. — ele se sentou ao lado dela. — E melhor ainda… seu pai era nascido trouxa, — ela se encolheu. — você entende como trouxas funcionam. E amanhã precisamos que você seja trouxa.
A versão trouxa de Nicky se chamava Natalya - o que lhe causou repreensão da parte de Rabastan, pela obviedade - e era um pouco mais alta, com longos cabelos loiros platinados, e olhos púrpura. Sua figura era um pouco mais quadrada, angular e, mesmo assim, ela parecia doce. Doce era do que eles precisavam, doce gerava confiança. O sotaque esloveno dela era péssimo e assassinava tanto o inglês quanto seja lá qual fosse a língua que ela estava tentando imitar, e Rabastan quase se arrependia de ter gastado sua polissuco naquilo. Ia dar errado, e muito errado. Para não levantar suspeitas, ele utilizara o cabelo de uma turista italiana de nome Fiorenza para sua poção, e agora era uma bela jovem de vinte e poucos anos, com a pele oliva e longos cabelos negros.
— É impressionante que meu sotaque italiano é melhor que o seu esloveno. Você não estudou em Durmstrang?
— Sim, que fica na Noruega, Fiorenza querida. - ela rebateu. — Tive alguns amigos do leste europeu, mas poucos, agora não reclama.
— E por que diabos você não foi uma turista Norueguesa?
— Porque meu Norueguês é pior ainda.
— Misericórdia. E eu que achava que você era boa com línguas. Um dos motivos porque te trouxe, lembra?
— Não é pra tanto, eu entendo bem, mas qualquer um veria que eu claramente não era de lá, melhor pegar algo diferente e fingir, vamos ficar bem. — ele duvidava.
Nicky estivera incrivelmente certa. As pistas caíram no colo de Natalya e Fiorenza com a mesma facilidade que as duas garotas inexistentes caíam nos braços da outra, em meio ao champagne que regava a comemoração. Se é que aquela porcaria poderia ser chamada de champagne, é claro. Rabastan não se lembrava a última vez que tinha transado sob o efeito de uma polissuco, e Nicky claramente nunca tinha feito aquilo usando seus poderes de metamorfomaga naquele nível, e ambos silenciosamente concordaram que era a única maneira de terminar a noite. Aquilo devia ser considerado um crime em algum lugar do mundo, mas tecnicamente eles eram criminosos de carreira. Ele, pelo menos. A legalidade ou moralidade daquilo era a última preocupação dos dois. Após a merecida comemoração, já de volta a seus corpos normais, eles juntariam as pistas e iriam para uma nova parte da jornada.
— Você era mais divertido como Fiorenza, sabia? — Nicky comentou, sentada no colo dele, enquanto organizavam as pistas e dividiam mais um dos cigarros suspeitos que ele trouxera.
— Fiorenza vai voltar para a Itália logo, e tem zero preocupações. Já o Rabastan aqui tem o bruxo mais poderoso do mundo colado na bunda dele de todas as maneiras menos a que seria provavelmente incrível. — Nicky engasgou com a fumaça, e Rabastan disparou a rir. — O que foi?
— Minha tia te mata se ouvir isso…
— Ela concorda, ué. — ele deu de ombros. — Melhor do que isso, a maldita sabe como é, e está fugindo. Deixa pros outros, então, mas não… Nunca vai largar o osso. O que só atiça mais ainda a curiosidade.
— As imagens mentais estão me matando, Rab. — ela balançou a cabeça, levemente chocada como uma adolescente que imaginou os pais fazendo sexo. — Deixa ele pra tia Bella vai, já que ela não larga o osso.
— Se eu tivesse menos amor a vida, diria que minha querida irmã postiça pode se juntar a nós sempre que quiser, porque é outra que… — ele pigarreou. — Mas eu tenho muito amor ao meu lindo corpinho e sei muito bem que me enrolar nos lençóis com qualquer um dos dois é uma ideia suicida, por mais delicioso que deva ser....
— Traumas, mais traumas. — Nicky bebeu uísque de fogo direto da garrafa, como se tentando apagar a imagem mental de um menáge nos moldes teorizados pelo amigo.
— Abra sua mente, Nicky, abra sua mente… Eu só falo verdades. — ele tomou o garrafa da mão dela e apontou para um ponto no mapa. — Acho que Katherine foi para essa cidade…
— Parece que sim… ela parece amar os cenários de filme de terror.
— Cenários do que?
— De coisas que Fiorenza entenderia… — Rabastan teria devolvido a provocação, mas se limitou a calar a boca dela da melhor maneira que conhecia, dessa vez com o próprio corpo. Haviam algumas coisas que Fiorenza não sabia, ele tinha certeza.
Achar Katherine Parkinson pela segunda vez não fora nem de longe tão simples quanto da primeira vez. Mesmo com a ajuda dos gigantes e, ocasionalmente, dos lobisomens, a mulher era ótima em se esconder. “Todo mundo com medo e meio cérebro é”, um dos lobisomens com quem eles conversaram havia comentado. Mesmo com a localização da última cidade onde ela estivera, eles levaram semanas para pegar o rastro real dela, mas utilizando-se de todas as conexões que eles e a Coroa tinham, ela estava perdida. Fugindo, ou não, ela seria encontrada. Encontrada, no entanto, não significava capturada. E, por Merlin, aquela mulher deu trabalho.
A casa onde Katherine se escondia, em um porão embolorado e frio, continha todos os tipos de armadilhas bruxas e trouxas possíveis. Ela, no entanto, estava encurralada no porão, esperando tolamente que as armadilhas fossem o suficiente para para o batalhão que vinha buscá-la. Isolado o porão, eles se utilizaram de todo o tempo necessário para desarmar todas as brincadeiras de boas vindas que os encontravam, enquanto Katherine esperava sozinha pela própria morte. Era quase poético.
Quando a porta foi removida de suas dobradiças com um som horrível de ferrugem enchendo a pequena cabana, eles ouviram os movimentos desesperados dela para tentar sair dali de algum jeito. Impossível, já que ela estava em um buraco no subsolo. O único jeito de sair era passando através deles.
— Kathy…. Kathy…. Kathy… — Rabastan cantou da escada, levantando a varinha para se proteger dos feitiços que ela tentava desesperadamente lançar. — Acabou, Kathy querida. Você pode me matar, mas nunca sairá dessa casa.
Parkinson ainda tentara, com o final de suas forças, se defender e atacá-los, mas estava em número grosseiramente menor do que o daqueles que a atacavam. Foi o próprio Rabastan que teve o prazer de amarrá-la com cordas reais e mágicas, e quebrar a varinha dela em quatro pedaços, bem em frente dos olhos da mulher, que tentou não reagir o máximo possível.
O braço onde outrora a Marca Negra estivera tinha uma horrenda cicatriz, profunda e visivelmente mal curada. Camadas e mais camadas de infecção possivelmente se acumulavam, dando ao local um aspecto pútrido. Caso Voldemort não a matasse, aquilo em não muito tempo a envenenaria até a morte. Para a sorte ou azar de Katherine, ela jamais deixaria a Mansão Slytherin.
Levá-la de volta à capital fora uma aventura em si só, pelo menos até quando eles passaram pelas fronteiras que separavam o domínio de Voldemort do restante da Europa. Katherine precisava ser mantida sempre oculta, e eles viajavam sempre pelas linhas de contrabando. Tudo o que eles não precisavam era perder sua prisioneira para os aurores de algum país aleatório.
— Ele ainda consegue te rastrear… — Nicky comentou, olhando para o ferimento horroroso no braço de Katherine durante a última travessia por território hostil. Os olhos da mulher se arregalaram. — Sempre conseguirá, até depois do túmulo, sua tola. Você ainda não entendeu? — ela se aproximou, com um sorriso que claramente aprendera com a família. — Foi a sua alma que você vendeu, não seus serviços, e o Lorde das Trevas jamais perdoa. — Um pouco dramática, talvez, mas não deixava de causar um estranho orgulho em um Rabastan que já não via a hora de estar de volta em terreno aliado.
A sensação de ver o brasão certo, e as cores certas, era indescritível. Por mais que eles ainda precisassem se esconder dos Ministérios, era tudo mais simples cercados de familiaridade e de bruxos dispostos a ajudá-los. Guardas revezavam-se na vigia da prisioneira, de país em país, até chegar na travessia da França para a Inglaterra, que eles fariam de barco por questões de segurança - aparatar com aquela mulher era pedir para tê-la fugindo de novo, mesmo como acompanhante.
A travessia não era muito longa, e o ar úmido do mar se mesclava com o que eles sabiam ser o ar da Inglaterra - o ar de casa, eles todos haviam pensado. Nem Nicky nem Rabastan conseguem mais mensurar quanto tempo haviam levado desde a captura até sua tão antecipada chegada à Mansão Slytherin.
O palacete se estendia até onde a visão de todos ali podia ver, imponente e sombrio sob a luz do pôr do sol da amena primavera tão comum naquele país. Nenhum dos comuns criados estava à vista, e eles foram recebidos por um jovem de cabelos castanhos e olhos brilhantes, que Nicky lembrou Rabastan de se tratar do cavaleiro de Melinda.
— Oliver! — a ruiva cumprimentou com alegria, jogando os braços ao redor do pescoço do jovem, que a abraçou quase com carinho. — Quanto tempo… onde está todo mundo?
— Vossa Majestade os deu a noite livre, Srta. Tonks. — ele respondeu, sério, e ela reparou que ele estava de uniforme completo. — Assim como a todos os de sua comitiva. Ele pediu para ver apenas a Srta e o Sr. Lestrange. — Oliver acenou com a cabeça na direção de Rabastan, que devolveu com um sorriso. — Os demais têm a eterna gratidão da Coroa, permissão para tiraram o próximo mês para celebração, e encontrarão em suas casa recompensas equivalentes ao serviço que prestaram.
Rabastan e Nicky observaram como os diversos membros de círculos mais afastados de Voldemort se entreolharam felizes, ignorando completamente a prisioneira que fitava o chão, enquanto se perguntavam quais seriam suas ditas recompensas. A maior delas, para alguém que não fazia parte do círculo íntimo, veio segundos depois, quando de um dos grandes portais uma bela figura saiu. Trajando um vestido de veludo verde da mesma cor de seus olhos, com alças finas e um decote avantajado que eram suavizados pela camada fina de tule bordado com renda que formava mangas longas e cobria seu colo, terminando num colarinho formado somente por pérolas e diamantes negros que simulavam a gola de uma camisa. No meio, onde o botão final da camisa estaria, uma jóia estava pendurada, o brasão que todos eles conheciam bem como pertencente à jovem em questão, e que os fizera cair de joelhos no momento em que foi reconhecida.
A Princesa Melinda andou lentamente na direção de todos, aproveitando-se da fenda no veludo da saia, que mostrava a renda e tule que se escondiam por baixo, para parecer ainda mais etérea. Tudo nela havia sido pensado, desde o lindo vestido, até a forma como os cabelos estavam presos ao redor de uma tiara de esmeraldas, passando pelos sapatos altíssimos, pelas luvas de renda negra transparente e pela forma como ela estava maquiada. Melinda brilhava em todos os sentidos literais da palavra. Os lábios perfeitamente desenhados em um tom de ameixa se curvaram em um sorriso, quando ela viu a prima e o tio postiço.
— Boa noite a todos. — ela usou a voz irritantemente carismática que ela guardava para o público, e Rabastan teve que se segurar para não cair em um dos dois extremos: rir ou ser completamente seduzido pela ilusão. Ela era boa.
— Sua Alteza. — foi a resposta que ela recebeu, junto com tímidos olhares daquelas que nunca a haviam visto tão de perto, enquanto indicava para que todos se levantassem.
Melinda se aproximou do homem que havia forçado Parkinson a se ajoelhar, e removeu uma das luvas, para estender sua mão a ele. — Senhor…?
— Ellis, alteza. — ele se curvou, e pegou a mão dela, pressionando um beijo sobre o anel que ela usava e tinha o mesmo brasão que ela carregava no pescoço. Rabastan se perguntava quando ela tinha arrumado um, mas a resposta era óbvia: no momento em que o pai se coroara. Ele adorava aquela garota mais do que devia.
— Primeiro nome? — Nicky deixou o queixo cair, mas também ficou quieta.
— Trevor, princesa. Trevor Ellis.
— Obrigada, Trevor, por lidar com mais uma insolência dessa mulher horrível. — Melinda não se deu ao trabalho de olhar na direção de Katherine. — Imagino que todos serão recompensados propriamente, mas sempre que precisarem, saibam que têm amigos aqui. O serviço que prestaram é inimaginavel. Espero que a jornada até aqui não tenha sido árdua demais?
— Valeu a pena, alteza. — Trevor respondeu, com um sorriso tímido. — Se me permite… — ela assentiu. — Estar em tão estimada companhia é recompensa o suficiente. — o sorriso de Melinda se abriu, e Rabastan a odiou momentaneamente. Devia ser proibido ser tão bonita.
— Quanto cavalheirismo. Obrigada, Sr. Ellis. — Melinda deu alguns passos para trás, e girou nos calcanhares. — Quanta falta de educação minha! — na direção de Nicky e Rabastan. — Prima querida, titio! É um prazer revê-los. — Melinda abraçou Nicky quase com ternura e jogou os braços ao redor do pescoço de Rabastan, que quase se desequilibrou. — Estava realmente preocupada com vocês. — ela se afastou um pouco de Rabastan e plantou um beijo exagerado na bochecha dele. — Conversamos mais depois, precisamos liberar todos estes corajosos homens e mulheres para irem descansar. Boa noite a todos. — Melinda não precisou falar mais uma vez, e um por um os demais se despediram e, fazendo questão de beijar o anel dela, deixaram a Mansão.
No momento em que eles saíram, Melinda se afastou abruptamente de Rabastan, que fingiu choque, e andou na direção de Katherine, que fitava o chão. — Eu estava de fato preocupada com vocês, e vamos jantar, regados a muito vinho, não se preocupem. — ela olhou por cima do ombro e piscou na direção deles. Era reconfortante ver a verdadeira Melinda que eles adoravam, mas havia algo diferente nela…. Algo mais frio. E eles sabiam o que era: as notícias da partida de Draco haviam chegado em todos os lugares, por mais longínquos.
— Eu consigo ouvir os pensamentos de vocês. — ela repreendeu, enquanto removia a tiara e soltava os cabelos, entregando a jóia a Oliver. — E não, não vamos falar disso, temos assuntos mais divertidos para resolver. Eu utilizaria a palavra importante, mas não é caso. — ela olhou na direção de Katherine com o canto dos olhos, desdém cobrindo seu rosto bonito com a mesma intensidade que percorria sua voz.
— Melinda, nós tínhamos instruções de levá-la diretamente ao Lorde das Trevas. — Rabastan começou, calando-se ao receber um olhar assassino vindo de Melinda.
— Não, vocês tinham instruções de trazê-la diretamente à Mansão Slytherin, e entregá-la em um único pedaço ao meu pai. — a jovem corrigiu, andando na direção da prisioneira de forma quase torturante, o tilintar casual dos sapatos no mármore do chão lentamente levantando a ansiedade de uma pessoa que não sabia o que ia sofrer. Oliver observava atento, não tendo tido a oportunidade, em todos aqueles meses, de ver aquela versão de sua protegida. A versão das histórias, que justificava o ‘das Trevas’ não mais tão oficial em seu título.
De fato, Oliver precisava concordar que “Sua Alteza Real, a Princesa Melinda Callidora” e a infame “Princesa das Trevas” pareciam pessoas completamente diferentes. A Melinda do dia-a-dia já era uma outra pessoa, mas aquela terceira garota que ele presenciava traria cor aos pesadelos de muitos. O alvo rosto parecia ainda mais sem cor no hall escurecido da Mansão, fazendo-o pensar que seria gelado ao toque, e toda a expressão dela era congelada e tensa, como se fosse feita de porcelana. Muito similar ao pai em momentos de seriedade, a mente de Oliver adicionou.
O andar de Melinda não era parecido com nada que Oliver tivesse visto, aquela leveza e lentidão divertida que beiravam a crueldade, torturando sua vítima antes de chegar a ela. Rabastan e Nicky, no entendo sabiam de onde ela havia puxado aquilo, com quem havia aprendido a dar um show.
— Sabe, Katherine… Eu não sou uma pessoa que se arrepende com frequência, — Melinda comentou, parando na frente da outra mulher, que ainda estava ajoelhada no chão. Com um elegante e simples floreio de seu dedo indicador, a princesa usou alguma magia silenciosa para fazer com que Katherine a olhasse nos olhos, porque ela com certeza não se daria ao trabalho de se abaixar. — mas me arrependo de ter matado sua filha.
Os olhos de Katherine mantiveram-se fixos nas íris esmeralda da princesa, que a olhava com um misto de desgosto e animação, sem parecer piscar. Katherine esperava algo, e tanto Rabastan quanto Nicky estavam mais interessados nas reações de Oliver do que naquela mulher morta.
Oliver, por sua vez, as observava num misto de horror e admiração, e a forma como seus olhos seguiram a lenta forma com que os lábios de Melinda se curvaram num sorriso paciente atestava que ele pendia muito mais para a fascinação, ainda que temê-la fosse possivelmente prudente. Com mais um quase imperceptível movimento do indicador, Melinda forçou Katherine a se levantar do chão, e Nicky quase rolou os olhos de raiva da prima que tinha uma eterna necessidade de lembrar a todos o quão poderosa era. Não que a ruiva se importasse de verdade, não deixava de ser divertido, e todos eles tinham cada vez menos chances de aproveitar os espetáculos que eram ver Melinda em ação, assim como Voldemort. Silenciosamente, ela e Rabastan concordavam naquele ponto.
Olhando por cima do ombro, Melinda abriu mais o sorriso na direção de Oliver, que ainda segurava sua tiara. Com uma expressão muito mais similar à sua do dia-a-dia, ou talvez até de sua máscara de Princesa, ela o encarou por um momento, estudando-o antes de falar. Era quase estranho para ele vê-la transitar por todas as suas facetas tão rapidamente, mas ele sabia bem o mundo em que ela vivia e a necessidade que a fizera tão boa naquilo.
— Talvez… — a voz dela começou baixa. — Você prefira tirar a noite de folga, como os outros? — seria incerteza que eles ouviam na voz da sempre tão certa princesa? Não, eles não eram tão tolos. Melinda não precisava de palavras, apesar de gostar muito delas. Assim como no passado fizera com Gabrielle Ceresier, ela estava dando a Oliver a escolha. Pelo olhar do jovem, confuso com a proposta dela, qualquer um saberia que ele vendera a alma sem nem mesmo questionar.
Nicky negou com a cabeça na direção de Rabastan, que somente deu de ombros e sussurrou algo no ouvido dela, que somente a ruiva e a própria Melinda foram capazes de entender.
— Olha bem pra ela, o coitado não tinha a menor chance. Eu também diria sim pra qualquer coisa que ela pedisse, e agradeceria de joelhos.
— Rab, existem poucas pessoas para quem você diria não.
— Mas muito poucas a quem eu agradeceria de joelhos.
— E todos pertencem a mesma familia?
— Nem nego nem confirmo. — Nicky rolou os olhos. Não era como se ele precisasse.
Oliver, por sua vez, ainda encarava Melinda em silenciosa confusão. Parte dele sabia o que a pergunta dela significava, manter sua paz, sua vidinha normal, mas também entendia que se ele aceitasse a folga, jamais mergulharia no mundo dela, naquele labirinto cujas paredes ele havia visto sem coragem de tocar, mas que o encantava até o fundo da alma. Se ele tivesse ouvido Rabastan, teria que concordar que, naquela luz, a figura angelical que o encarava paciente era irresistível, a tentação perfeita. Quem seria capaz de dizer não? Quem, no lugar dele, não estaria andando na direção dela, negando com a cabeça, ansiando pelo momento em que o anjo se transformaria no monstro das histórias. A cada passo que ele dava, o rosto belo da jovem se contorcia um centímetro a mais, e a bruxa prisioneira que os encarava parecia mais enojada.
— Meu lugar é aqui. — ele respondeu, firme, usando um floreio de varinha para mandar a tiara que segurava para longe, possivelmente para sua caixa no quarto de Melinda. — Ao seu lado, para te proteger.
— Oh, Oliver, se esse for o caso, então descanse… — ela lambeu os lábios. — Sou a última pessoa nesse lugar que precisa de proteção.
— Neste caso, — Oliver parou bem atrás dela, jogando longe a capa com o brasão bordado do outro lado da sala. — tenho ainda mais motivos para ficar, alteza. Aquelas pessoas se viam sortudos em ver a princesa, como então devo me sentir ao conhecer a verdadeira princesa?
— Cuidado com o que deseja, Oliver… Quem brinca com fogo--
— Esse é o meu problema, eu nunca tive muito medo de me queimar. — Melinda mordeu o lábio inferior e sorriu genuinamente pela primeira vez no que parecia tempo demais para todos a seu redor.
Movendo novamente a mão, Melinda lançara Katherine vários metros na direção oposta, fazendo-a colidir contra uma pilastra. Oliver havia reparado que ela não havia jogado a mulher simplesmente, era como se ela tivesse controle da tragetória…? Algo invisível agarrava-se ao redor de Katherine Parkinson, que estava incapaz de se mover, e a moveria como uma boneca de pano a mercê de Melinda. Prendendo a respiração, Oliver deixou-se sorrir, mas a Melinda que o encarava era uma outra pessoa. Os olhos, ainda mais verdes na penumbra, pareciam capazes de devorá-lo se ela quisesse, como se ela estivesse vendo dentro de sua alma, e ele sabia que ela podia. Olhando lentamente de volta para Katherine, ela se recompôs.
— De volta à escória… — o indicador de Melinda desenhou espirais no ar, e a outra bruxa parou de respirar, como se o ar fosse incapaz de encher seus pulmões. — Onde eu estava mesmo? Ah, sim, em como me arrependo de matar sua filha. — a voz macia não escondia o tom ameaçador e cruel que Melinda sentira tanta falta de usar. Katherine, ainda contorcendo a expressão em dor, as costelas possivelmente trincadas pelo impacto, recusava-se a encarar sua predatória oponente, que de forma alguma aceitaria tamanha insolência.
Com a mão livre, Melinda fez um movimento com a varinha - que nenhum deles havia visto ser pegada ou convocada - muito similar ao que antes fizera com a mão, e forçara Parkinson a encará-la novamente.
— Deixe-me adivinhar, princesa, porque queria tê-la feito sofrer mais? Ouvi que foi uma morte bem limpa…
— Apesar de seu ponto não estar errado e eu ter executado Pansy de maneira muito delicada e completamente não alinhada com seu nível de traição… Não, esse não é o motivo. Sua filha morreu achando que conseguiu o que queria, o que é uma misericórdia que eu jamais vou aprovar. — Melinda sorriu e se moveu alguns passos na direção de Katherine, olhando-a de cima num misto de pena e desdém. — Quanto a você, no entanto, não cometeremos esse mesmo erro. Sua filha falhou, você falhou…
— Falhei? — Katherine desdenhou? — Onde está a rainha? Ah, é mesmo, ela não existe.
— Este não era seu plano, Parkinson. — Melinda sorriu, sem deixar-se afetar. — Queria matá-la, e minha mãe… Oh, ela vai muito bem. Alguns diriam que até por sua culpa. — o nojo na expressão dela fez Melinda abrir ainda mais o sorriso. — E quanto a voltar para cá? Deixe-me te contar um segredo: não demorará, o mundo inteiro sabe. Nada, absolutamente nada, do que você tentou fazer se realizará, e você terá o mesmo destino de Lucius Malfoy: O completo esquecimento, por nossa parte, e pela história.
Puxando a saia do vestido, Melinda abaixou-se um pouco, mantendo os olhos fixos nos de Katherine, que já não mais parecia tão confiante. Engolindo seco, a bruxa parecia preparar-se para algo. Rabastan e Nicky sabiam muito bem o que ela faria, mas Oliver deu alguns passos para a frente, para ver de mais perto.
Delicadamente e com precisão felina, Melinda levantou a mão que invisivelmente segurava Katherine presa ao pilar e a mulher pareceu mais uma vez parar de respirar, como se uma enorme cobra tivesse se enrolado ao seu redor e estivesse impiedosamente apertando seu corpo. Daquela vez, Melinda não parecia interessada em parar até que lhe obrigassem.
Desconfortavelmente, Rabastan ponderou se deveria ou não ser o responsável por interromper a felicidade da princesa, uma vez que o pai havia ordenado que Katherine lhe fosse entregue viva. Embora ele definitivamente temesse mais o pai do que a filha, irritá-la também não era uma posição em que ele queria se colocar. Nicky jamais se atreveria, e negou com a cabeça qualquer insinuação que Rabastan pudesse fazer de intervir.
Perante o fixo olhar de um assustadoramente encantado Oliver, que não parecia se reconhecer mais, Melinda sanou os medos de todos eles, quando girou os dedos finos para o outro lado e a mulher pareceu um pouco mais capaz de encher os pulmões de ar, por um mísero segundo, até fechar os olhos bruscamente e soltar um grito que encheu a sala.
Momentaneamente distraídos pelos gritos de horror, os outros três não viram Melinda se levantar, delicadamente soltando a longa saia do vestido e ajustando-o no corpo displicentemente. Olhando na direção dela, no segundo seguinte, Oliver pode ter quase certeza de que o verde de seus olhos estava ainda mais claro, e que vira algo acontecer, como se por um milésimo de segundo eles tivessem mudado completamente de cor… Seria possível, ou estaria enlouquecendo? De um jeito ou de outro, ela encarava Katherine fixamente, como se pudesse sugar a alma da outra mulher pelos olhos, enquanto ela se debatia contra a cobra ou qualquer que fosse a força invisível que a segurava.
A voz de Katherine Parkinson começava a falhar, exausta pelos gritos intermináveis, quando ela abriu abruptamente os olhos e os fixou em Melinda, que sorria calmamente em sua direção, mas eles estavam nublados, as íris pálidas, como se ela não pudesse enxergar. E foi então que Oliver entendeu o que sua protegida - se é que aquela Melinda podia ser protegida de alguém - estava fazendo. Legilimência, era evidente, utilizada de sua maneira mais poderosa e cruel.
— O que você está mostrando a ela…? — ele se atreveu a perguntar e, com um sorriso de canto, Melinda tirou o receio que ele tinha de que a princesa não o estivesse ouvindo.
— O futuro… Ou pelo menos o futuro que ela teme. — Melinda respondeu, num tom baixo e estranhamente suave, sem jamais quebrar o contato visual. — Dentre outras coisas. — os dedos dela se moveram e, mais uma vez, Katherine começou a se debater, daquela vez chutando as pernas histericamente, como se algo estivesse lhe escalando. Ainda presa à pilastra, seus esforços eram inúteis, e qualquer Oclumência que soubesse… Fraca demais para resistir às investidas de um Legilimente nato, ainda mais se tratando de quem era.
— E como… como sabe quando parar? — a voz de Oliver seguiu o mesmo tom, enquanto ele se aproximava lentamente, sob atento olhar de Rabastan e Nicky, que silenciosamente trocavam apostas.
— Parar…? — ela questionou, sem esconder que já sabia a resposta para a própria pergunta.
— Antes que ela… Bem, seu pai disse que a queria inteira, não? Então, imagino que não seja irreversível e que saiba… — o nervosismo de Oliver era evidente o suficiente para fazer Melinda sorrir ainda mais, e assentir.
— Ollie, Ollie, não se preocupe… Tenho zero intenção de arrumar problemas com meu adorado pai, estou apenas me divertindo um pouco. Ainda que ele não tenha dito que a mente dela precisa estar intacta... — Melinda ouviu todos os três se moverem para protestar e negou com a cabeça, rindo mais ainda. — Podem se acalmar! Ele não especificou, mas sei que está implícito que ele também quer espaço para brincar. Somos uma família que sabe dividir… Quanto à sua pergunta, Oliver: eles sempre lutam. Por mais que não saibam Oclumência, quando o receptor não aceitar a invasão, a mente sempre tenta se defender, criar paredes, barreiras, por mais que eu as ultrapasse com facilidade. Isso acontece por um longo tempo, até não acontecer mais, por exaustão. Eles não desistem de lutar, como se acredita, eles perdem a capacidade de lutar. É assim que sabemos. — ela lambeu os lábios. — Quando parar, ou não.
— Quando começam a perder a capacidade e vontade de resistir… — Oliver assentiu. — E ela…?
— Teimosa, sempre foi, mas completamente inexperiente com Oclumência… pelo menos para alguém que se propôs a fazer o que ela fez, enfrentar quem ela enfrentou. Honestamente, esperava mais. — completou com mais um movimento das mãos. Os soluços e gritos já haviam virado um som de fundo.
Oliver deu alguns passos pra trás, e quase suspirou num misto de sensações que nem o próprio jovem entendia quais eram ou o que significavam, quando ambas as mãos de Melinda caíram ao lado de seu corpo, e Katherine Parkinson pareceu voltar de seu terrível sonho. Ela tossia e tocava o próprio pescoço desesperadamente, levando longos momentos para voltar completamente a si - ainda que parecesse extremamente fraca.
— Foi a primeira coisa que meu pai me ensinou… — Melinda disse, mais para si do que para os outros, que mal a ouviram, com exceção de Oliver. — Nunca falhou… — ajustando a postura e sorrindo para o cavaleiro, Melinda girou nos calcanhares e se dirigiu à porta da sala sem dizer mais nada, mas não sem antes aceitar o braço que Oliver educadamente lhe oferecera.
A força invisível que segurava Parkinson à pilastra já há muito não estava lá, mas ela observava o distanciamento da princesa em tamanho choque, que era como se ainda estivesse presa. Sem entender o que estava acontecendo, ela deixou um som estrangulado deixar sua garganta, quase uma risada desesperada e confusa.
— É isso, então? — Katherine perguntou, chamando a atenção de todos. — Simplesmente vai embora? Esperava mais de você, princesa.
Olhando-a por cima do ombro, Melinda dirigiu-lhe apenas um singelo sorriso e deu de ombros. — Todos nós perdemos tempo o suficiente com suas tolices, Katherine. Aproveite o resto de tempo que meu pai tem reservado a você, e as belas lembranças que deixei em sua memória. — Katherine pareceu tremer e engolir seco. — Porque não terá nada além disso. Bem vinda ao esquecimento.
Voltando a andar, Melinda fez um aceno para a prima e pra Rabastan. “Levem-na a ele”, era a mensagem que eles entenderam bem. Virando-se para Oliver, alheia ao que se sucedeu dentro da sala após sua saída, ela encostou a cabeça no ombro do cavalheiro e sentiu-o relaxar.
— Intenso demais?
— Eu vou ficar bem…
— Hm… Porque eu tenho uma garrafa de absinto que não vai ser tomada sozinha. — ela continuou, e ele negou com a cabeça. — Ollie, por favor…
— Pode bebê-la com seu pai, quando ele terminar, eu ainda estou trabalhando… e o ‘Ollie’ veio pra ficar, pelo jeito.
— Sua Alteza, a Princesa das Trevas, pode chamar quem quiser como quiser. — ela deu de ombros. — E você vai beber comigo, é uma ordem. — Oliver apenas suspirou, e deixou-se sorrir.
— Depois do que eu vi ali dentro, jamais me atreveria a desobedecer. — Melinda respondeu primeiramente com um tapa. As risadas que vieram depois foram a última coisa que Rabastan e Nicky conseguiram ver ou ouvir.
Narcissa e Rodolphus ainda encaravam Bellatrix em completo horror, a caixa com o mórbido presente perdida em algum dos cantos da sala ainda os aterrorizava, mas nem de perto tanto quanto a mulher à sua frente, que apertava a varinha com força, enquanto Rabastan levantava as mãos em rendição.
— Bella, eu sou só o mensageiro… — ele lambeu os lábios. — Seu problema não é comigo.
— Eu sei que não é, — ela respondeu, fria — o que não diminui em nada a minha raiva, Rab. Porque eu consigo ver que uma parte sua se sente bem de tê-lo ajudado.
— Talvez eu me sinta. — ele retrucou, soltando os braços. — Depois que você me mandou pra morrer, ou pior, pra acreditar que eu ia morrer? Eu acho que mereço.
— Ele nunca ia te machucar. — ela abaixou a varinha. — Ele é mais inteligente do que isso… Sou eu quem mato mensageiros. — ela negou com a cabeça.
— Isso devia me confortar? — ela negou com a cabeça. — Ótimo, porque não conforta!
Bellatrix guardou a varinha e andou lentamente de volta a sua poltrona, pegando a taça que antes fora de Narcissa no caminho, e se jogou sentada, parecendo mais cansada do que jamais estivera.
Os outros se entreolharam, perdidos e sem entender bem como deviam reagir. O problema de conviver com pessoas fortes demais era que lidar com a fraqueza delas era extremamente incômodo. Engolindo seco e, possivelmente, se afogando nos próprios pensamentos sobre aquela bagunça toda, Bellatrix estava inerte, presa em seu próprio mundo.
— Bom… — ela sussurrou, longos minutos depois, tirando sua família da estranha paralisia em que eles haviam se colocado. — Pelo menos ela sofreu?
Bellatrix se virou na direção de Rabastan, que fitou os sapatos por um momento, antes de responder. A bruxa franziu o cenho e cerrou os olhos, começando a se irritar com a falta de respostas. — Eu não sei. — ele finalmente respondeu, e ela arregalou os olhos. — Sua filha fez um estrago, é claro… Com todos os talentos de bagunçar o cérebro alheio e algo novo que ela aprendeu e… — Rabastan não pode deixar de sorrir.
— E…? - Rodolphus perguntou, tentando segurar o riso ao ver o irmão encantado com alguma lembrança. — Alguém está apaixonado pela princesa…?
— Apaixonado pela genialidade dela, talvez. — Rabastan respondeu, sem se deixar afetar pelo comentário do irmão. — Não que o resto dela não seja… — o olhar reprovador de Narcissa o parou. — De um jeito ou de outro, ela aprendeu a conjurar… Eu nem sei o que são. Só sei que são invisíveis, se comportam como cobras, e ela as controla com uma precisão anormal….Sem a varinha, sabe? Só… — ele sorria mais ao lembrar, enquanto floreava os dedos de um jeito que fez Bellatrix sorrir. Ela podia imaginar perfeitamente a filha fazendo aquilo. — Katherine Parkinson não gostou nada daquelas coisas, mas o cavaleiro dela, em compensação… Aquele menino deve ter o recorde de vender a alma mais rápido.
— Soa como Melinda… — Bellatrix deu de ombros, e bebeu mais. — Mas… o que quer dizer com não sabe, Rabastan? — ele ficou sério.
— Quero dizer que o pai não foi tão exibicionista quanto a filha, Bella. — Rabastan respondeu, sério, e a mulher agarrou mais ainda a taça de cristal. — Ele nos dispensou, antes mesmo de se dirigir a ela. Acredite, eu daria tudo pra ter o que te contar.
Mansão Slytherin - Dois dias antes
Katherine caiu aos pés do trono com um baque surdo que indicava uma queda bastante dolorida, quando Rabastan a empurrou sem qualquer tipo de misericórdia, ordenando que a prisioneira se ajoelhasse. Atrás dele, Nicky apenas observava o desenrolar de meses de caça, de novos conhecimentos e extrema diversão.
Dando alguns passos para trás, para esperar a chegada de Voldemort, Rabastan se colocou ao lado da ruiva e, com um sorriso e um toque no pulso dela, indicou que tudo ficaria bem.
— Nós conseguimos… — ela sussurrou, quase incrédula. No caso, ela queria dizer ‘eu consegui’ e Rabastan sabia disso. Era encantador assistir os amigos de Melinda saindo de seus casulos de proteção real e abrindo as asas para o mundo real, para se tornarem suas próprias pessoas. Ele bem sabia como ter amigos poderosos era inebriante mas, no fim, inútil a não ser que você se sustente sozinho na falta deles.
O anúncio formal da chegada de Voldemort os pegou de surpresa, mas Rabastan entendia bem a necessidade da pompa e circunstância. Aquilo era uma execução não oficial, e ele faria Parkinson sofrer. Começando pela tortura psicológica, ele entrou na sala, parecendo ter dois metros de altura com suas longas vestes pretas, a capa de veludo se arrastando atrás dele, e a coroa de diamantes negros brilhando em contraste com a pele pálida.
— Majestade. — ele ouviu Nicky a seu lado falar, e se ajoelhar, e lembrou-se de fazer o mesmo.
Voldemort apenas acenou para que eles se levantassem, mantendo a persona fria e distante tão conhecida por aqueles que costumavam ser Comensais, num passado não muito distante. Katherine era uma dessas pessoas, e aquelas lembranças não eram exatamente confortáveis para ela, não mais. Parkinson sabia muito bem como Voldemort lidava com traidores e, lutando para se desprender de suas amarras mágicas, não parecia muito inclinada a entrar para a enorme lista de pessoas que sofreram nas mãos dele.
— Lestrange, Tonks… — sentando-se no trono, e dirigindo a eles um olhar quase inexpressivo, Voldemort começou. — Agradeço os serviços, saibam que serão grandemente recompensados, como sempre são aqueles que me servem com lealdade e maestria. — os dois bruxos agradeceram sinceramente, a mais jovem não sabendo conter sua empolgação e curiosidade em relação ao que seriam suas recompensas. Rabastan, contudo, tinha certeza do que estava por vir. — Em um momento oportuno, discutiremos os detalhes de suas premiações. Por agora, com um grande agradecimento pessoal meu, estão dispensados para comemorar. E, por favor, comemorem por vocês e por mim. Hoje é um dia de celebração, — os olhos dele desceram na direção de Katherine, uma intensidade perigosa começando a aparecer por trás da inexpressividade. — o dia em que nosso reino será expurgado da última mancha de traição do passado. Se tornaria um feriado, se a traidora a meus pés fosse algo além de insignificante. O esquecimento virá no lugar, como devido. Vão, divirtam-se. Lestrange, amanhã pela manhã venha me ver, tenho uma última missão a você, antes de retornar à França.
— Como desejar, majestade. — Rabastan fez uma reverência e, após ser imitado pela ruiva, a puxou pelo pulso para fora da sala. Nicky questionaria o porquê de Voldemort não ter permitido que eles assistissem à execução, e sua pergunta teve uma simples resposta: “esse caso é pessoal demais”. Disso ela não tinha como discordar.
Os guardas foram os próximos a serem liberados e, ainda que com imensa relutância, deixaram a sala do trono. O som da pesada porta batendo fez com que Katherine fechasse os olhos por um momento, sentindo a temperatura estranhamente cair diversos graus, enquanto um silêncio sem comparação tomava conta do lugar. Ela conseguia ouvir o próprio coração a pulsar, cada vez mais rápido.
— Sabe, Katherine... — Voldemort quebrou o silêncio, encarando-a com uma expressão entediada, sentado confortavelmente no trono que tanto havia cobiçado na vida. — Mais uma vez, você vem me decepcionar. — ele se inclinou para a frente, a varinha que ele passara a utilizar no ano anterior, “A Varinha das Varinhas” ela havia ouvido, cuidadosamente posicionada num dos braços do trono. Longe o suficiente de sua mão para que a desesperada mulher considerasse roubá-la, perto o suficiente para que tal feito fosse uma missão suicida. Você vai morrer do mesmo jeito.
— Como eu o decepciono, majestade? — a voz dela tremeu, pelo medo e pela exaustão, e Voldemort suspirou, negando com a cabeça. Estalando os nós dos dedos com uma lentidão desesperadora, e encarando-a com uma expressão de diversão que a incomodava, Voldemort teria parecido escolher as palavras para qualquer um que não o conhecesse, mas ela o conhecia: ele a estava torturando. A missão enlouquecida pela Varinha lhe parecia ainda mais atraente.
— Porque eu quase lhe tomei por uma pessoa destemida, Katherine. — ele respondeu, calmo. — Nada como essa pilha de nervos e medo que vejo prostrada a meus pés. Honestamente, para quem teve a coragem de fazer o que você fez, eu esperava mais do que uma fuga inútil e desesperada para o meio da Rússia e… bem, isso.
— E eu esperava que o grande Lorde das Trevas me encontrasse mais rápido, mas todos nós temos nossas decepções. — Katherine cuspiu de volta. — Erro meu, já que ele não existe mais, só um rei obcecado com a rainha que tirei dele.
Os cantos dos lábios de Voldemort se moveram com perturbadora diversão, indicando que ela reagira exatamente como ele esperava. Resistindo à necessidade de engolir seco, e tentando apagar a estúpida ideia de roubar a varinha dele, Katherine mordeu os lábios e fitou o chão, frustrada.
— Devia saber muito bem que consigo prever todas as suas artimanhas para me distrair, Katherine. E, francamente, esperava mais de você. Apelar para meu orgulho? Achar que eu me deixaria envolver em algo tão juvenil? Eu não preciso provar nada a ninguém, muito menos a uma mulher morta.
Katherine prendeu a respiração por longos segundos, sua mente se enrolando em uma teia de intermináveis opções e planos de escape, a declaração tão certeira dele sobre seu destino acordando instintos primais na bruxa, que imaginara por meses ter evadido o bruxo mais poderoso de todos os tempos. Uma risada controlada da parte de Voldemort arrepiou todos os pelos do corpo dela, que começava a batalhar contra lágrimas que insistiam em querer brotar de seus olhos, e ainda temia encará-lo.
— Desistindo tão cedo? Katherine, por favor, não seja tediosa. Você abertamente me desobedeceu, cometeu alta traição e agora se encolhe em medo novamente? Naquela sua pequena explosão agora há pouco eu quase acreditei que isso seria divertido. Ou será que você sabe…?
— Sei do que…? — o tremor na voz dela indicava que ela sabia exatamente do que ele falava.
Levantando-se e andando lentamente até perto dela, agachando-se para ficar no nível dela, Voldemort sussurrou. — Que você nunca escapou? Que eu sempre soube exatamente onde você estava? — subitamente, Voldemort apertou o antebraço esquerdo dela com força, e Katherine gemeu de dor e horror. — Ah, sim você sabe, Nicky e Rabastan abriram seus olhos quanto a sua tolice. Ainda me entedia, porque você é mais esperta do que isso, devia ter arrancado o braço inteiro. Não que tivesse funcionado, mas teria sido uma aposta mais certeira.
Os olhos de Katherine agiram de vontade própria e recaíram sobre a varinha que em algum momento fora colocada displicentemente no bolso externo das vestes de Voldemort. Os lábios do Lorde das Trevas se curvaram num frio sorriso e ele fechou os dedos no cabo da varinha, mas sem empunha-lá.
— Oh… Audacioso de sua parte. — Voldemort lambeu os lábios. — Que tal jogarmos um jogo? — os olhos dele brilharam perigosamente quando ele empunhou a varinha somente por tempo o suficiente para colocá-la no chão a frente de Katherine e se levantar, dando alguns passos para trás. Com um sinal da mão dele, ela ouviu as portas se trancarem num barulho ensurdecedor. — Quem será que é mais rápido? Você com minha varinha ou eu desarmado?
Os olhos de Katherine se moveram freneticamente entre a varinha e o bruxo, confusa e sem saber como reagir. Era uma armadilha, claro que era, Voldemort jamais entregaria a própria varinha a não ser que tivesse certeza que não estaria se arriscando.
— Ah, mas é claro, como eu pude me esquecer? Isso tudo está muito injusto! — imediatamente, as cordas invisíveis que prendiam as mãos dela as costas se soltaram, e ela o encarou com horror. — Vamos, Katherine! Pegue a maldita varinha! Não era o que você queria esse tempo todo?
Não mais do que dois segundos se passaram entre a última sílaba que Voldemort pronunciara e o momento em que Katherine se moveu, no que seria seu último ato desesperado. Ainda assim, para a mulher condenada, parecera uma eternidade: enquanto sua mente passava rapidamente por todas as possibilidades de um enorme desastre, de todas as maneiras terríveis que o Lorde das Trevas arranjaria para acabar com ela, caso ela se atrevesse… e, também, caso não se atrevesse. Sua mão tentou se movimentar mais rápido do que os pensamentos do perigoso homem que a observava, mas mesmo assim, fora inútil.
No instante anterior ao que ela levantara a mão para tentar convocar a varinha, Voldemort fizera o mesmo, agarrando a própria varinha diante dos olhos da mulher, enquanto sua mão livre se levantava no ar, muito similarmente aos movimentos de Melinda minutos antes, e ela era erguida do chão, até flutuar alto o suficiente para ficar na mesma altura dele. Sempre sendo mais baixa do que o Lorde das Trevas, Katherine nunca tivera a chance de realmente perceber o quão vermelhas as íris dele eram - ou estariam ainda mais assustadoras, naquela noite? Com todo o ódio que ele lhe tinha separado? Engolindo seco, Katherine buscou respirar, tendo aprendido que desviar o olhar só pioraria sua situação.
Diferente da filha, Voldemort não parecia conjurar nada que a segurasse ou levantasse. Não havia pressão, ou tato algum no que ele fazia. Era como se seu corpo, cada molécula dele, obedecesse ao controle de Voldemort, como se sua própria magia tivesse deixado de obedecê-la… O que diabos era aquele homem? ‘O bruxo mais poderoso de todos os tempos’, a voz em sua cabeça dizia, acordando cada memória e gatilho de horror que ela podia ter.
— Sabe, Parkinson, você devia me agradecer. — Voldemort passou por ela e andou a longos e largos passos, até sentar-se no trono. Ainda flutuando, o corpo de Katherine o seguiu, sem que ele pronunciasse uma palavra, ou tocasse na varinha. Katherine fechou os olhos, contendo as lágrimas que insistiam em chegar.
Quando ela o encarou novamente, Voldemort parecia entediado, olhando para um canto da sala, seu rosto pensativo. Àquele ponto, ela não se atrevia a perguntar nada, apenas desejando conseguir manter qualquer tipo de dignidade e compostura em sua morte. Após as investidas de Melinda, os novos ferimentos e seu cérebro exausto, ela não tinha certeza se seria capaz. Ele se esforçaria, e Katherine temia morrer aos prantos, implorando pela própria vida.
— Agradecer? — ela se atreveu a perguntar, quase automaticamente.
— Sim… — ele girou a varinha entre os dedos, e sorriu daquela maneira aterrorizante na direção dela. — Você não sabe a sorte que tem de estar aqui comigo. Sabe, Katherine, eu tenho uma fama inconsistente. Alguns me pintam como a pessoa mais cruel e violenta que já viveu, enquanto outros dizem que sou o mais misericordioso dentre todos a meu redor. A parte mais divertida dessa contradição é que ninguém está errado, ou talvez todos estejam. A questão é que, nessa altura de minha existência, quando vida e morte já são conceitos fúteis... — ele lambeu os lábios. — Quando se é imortal, Katherine, tem-se todo o tempo do mundo e, ainda assim, sabe-se o quanto tempo é uma moeda de troca valiosíssima. Eu sei o preço que paguei para ter todo o tempo do mundo, e não planejo em desperdiçá-lo naqueles que não o merecem.
— Então pretende entregar-me ao esquecimento da história…
— Oh sim, e temo dizer que não, também. — ele a encarou firme. — Eu pretendo ter alguma diversão, mas apenas até o ponto em que eu sinta que não poderia estar usando meus poderes em algo mais útil. A alternativa para você, no entanto, era muito mais sombria. Bellatrix, minha cara Bellatrix, teria te mantido viva por…? Merlin, quanto tempo foi Lucius? Provavelmente o dobro… Considere-se sortuda.
— Sofrerá, mas sofrerá menos… quanto consolo.
— Depois do que fez, Katherine, devia sentir-se grata. — ele ficou sério bruscamente, lembrando-a do perigo que corria. — E lembre-se que é uma questão de escolha eu te jogar no colo de Bellatrix ou não…
— E por que não o fez? — Katherine cuspiu de volta. — Por que não me embrulhou como um belo presente?
Voldemort se ajustou no trono, com uma expressão neutra, somente a encarando, como se esperasse que ela percebesse algo. Em sua mente, seus pensamentos pareciam convergir todos para um único lugar, uma terrível noção.
— Eu não gosto de dever as pessoas. — ele deu de ombros, simplesmente. — E você me fez um enorme serviço, Parkinson. Se não fosse por sua irritante interrupção, sua pior inimiga estaria morta agora. Porque, ao contrário de você, eu teria ficado lá para garantir. Não teria tirado minhas mãos do pescoço dela até sentir… — ele parou e levou os dedos aos lábios. — Até a mente dela parar de ter som. E eu teria me arrependido por toda a vida. E, Katherine, eu sou imortal. — ele deixou-se relaxar no trono. — E então eu pensei que poderia te recompensar pelo serviço e te torturar com ele ao mesmo tempo. Como se sente? Sendo recompensada por salvar a vida de Bellatrix Lestrange? — os lábios da bruxa tremeram e ela gaguejou. — Preferia que tivesse te entregado a ela, imagino? Katherine, ela continua linda e poderosa, soube que ela governa a França agora? Com toda a personalidade e elegância de sempre. E por sua causa! — ele bateu palmas. — Obrigado.
— Eu tentei matá-la…
— Engraçado como as coisas são… sua tentativa anulou a minha e a salvou. — ele pareceu ponderar. — Meses e meses de planejamento, e ainda assim, você a salva. Não só porque me parou, mas porque foi tola o suficiente para contar partes fundamentais de seu plano a Lucius Malfoy. Honestamente, Katherine, você devia ter imaginado.
— Que ele era um idiota? — ela riu-se. — Um frouxo que estragaria tudo?
— Um idiota e frouxo que estava sob nossa custódia, Katherine… — Voldemort relembrou, cruzando os braços. — E que mesmo que tivesse se recusado a falar… Bem, você tinha dois legilimentes poderosos muito interessados em resolver o problema e deixou migalhas por toda a parte, inclusive a arma do crime. Francamente, sua displicência me cansa.
— Eu tinha entendido que estava feliz por minhas falhas terem salvo aquela filha da puta? E no entanto sente a necessidade de me ensinar como devia ter feito para que ela morresse? Não faz muito sentido, majestade. — Katherine zombou, quase sem forças para manter o sorriso irônico que se forçava a exibir. Seu corpo já lhe havia traído minutos antes, parando de responder propriamente a seus comandos, quase se entregando a seu iminente destino.
— Katherine, não me entenda errado. Não estou te ensinando nada, pois o ensino tem como premissa a noção de que você poderá, em alguma ocasião, colocar seu novo conhecimento em prática no futuro. — ele parou e sorriu, olhando-a de cima a baixo. — E sabe tão bem quanto eu que você não possui futuro algum, que a única razão pela qual ainda respira é que apontar todas as falhas em seu plano me diverte.
— Diverte… Tanto quanto vê-la morrer por dias teria me divertido? Ou estar em Hogwarts quando ela foi envenenada? Ah sim, eu soube. — A falta de reação de Voldemort chegava a enlouquecê-la. — E qual será a próxima ocasião? Eu posso não ter futuro, mas outros virão. Convenhamos, para quem não gosta de ter pontos fracos, escolheu se apaixonar logo por uma mulher com um desejo de morte! Que arruma novos inimigos por onde pisa… A verdade sobre aquela desgraçada é que o alvo nas costas dela estava lá muito antes de se envolver com o chefe… Boa sorte mantendo-a viva.
Katherine imaginou ter ouvido Voldemort fazer algum comentário como “Detesto dever, e detesto me arrepender… Devia ter te entregado a ela.”, mas a dor que a atingiu fora intensa o suficiente para ela crer que tivesse imaginado tudo o que aconteceu. A começar pelo buraco em seu braço onde um dia estivera a Marca Negra, uma onda de fogo se espalhou por seu corpo, queimando-a de dentro para fora, parecendo matar cada uma de suas células e reconstruí-las apenas para destruí-las novamente. Ela não sabia ao certo se aquilo era uma Cruciatus muito bem aplicada, ou algo completamente novo relacionado à forma como ele controlava seu corpo, mas de uma coisa ela tinha certeza: nunca na vida desejara tanto estar morta.
Com os lábios tremendo e incapaz de se debater, Katherine não sentia-se capaz de gritar, suas pregas vocais completamente fora de seu controle e queimando como o resto de seu corpo. Apenas as lágrimas que lavavam seu rosto e pescoço eram capazes de denunciar a dor que ela sentia, e o terror que ela vivera ao perceber que ele continuava sentado no trono, impassível, somente raramente murmurando algumas coisas de forma quase inaudível. Pela primeira vez em anos, a noção de onde ela havia se metido tomou conta de uma bruxa que experimentava em primeira mão o medo daqueles que sabiam estar a ponto de morrer, com flashes de sua vida passando por sua olhos, trazendo à tona todos os seus arrependimentos.
Por detrás de seus olhos, novas cenas que ela desconhecia encheram sua mente, cenas de horror e de felicidade das quais ela não havia participado, cenas como as que Melinda havia colocado em sua cabeça minutos antes, e novas… Uma mescla de um futuro que ela temia e de um passado que ela não queria ver. O cadáver de Pansy, estirado no chão de Hogwarts e queimado como mais um dos indigentes de guerra, junto aos desconhecidos da Ordem da Fênix, numa pilha de corpos que jamais ganhariam um túmulo, lhe assombraria pelo pouco tempo que ainda tinha para viver. E talvez no pós-morte, se ele existisse.
A dor havia cessado, pelo menos fisicamente, e Voldemort se aproximava dela, falando coisas que ela era incapaz de compreender. De certa forma, seu cérebro havia se desligado em meio à dor, sem perceber que ela estava caída novamente no chão, de joelhos e aos prantos, soluçando com a voz que finalmente retornara.
— Você devia se sentir agradecida. — ele cuspiu, com desgosto. — Eu escolho te poupar da morte horrenda que Bella teria preparado para você, te dou o benefício de uma morte dolorosa porém rápida, depois de tudo o que fez...E como reage? Com presunção e tentando-me a levá-la pessoalmente a Bordeaux e deixar Bellatrix te matar centímetro por centímetro pelo curso de dois ou três anos…? É isso o que quer? Porque já não sinto que mereça a consideração, mesmo tendo feito-me o favor de evitar que eu cometesse o maior erro… — ele parou para respirar. — Responda a pergunta, Parkinson.
— Não… — foi tudo o que ela conseguiu sussurrar. — Eu, eu estou… Estou agradecida. Não quero ir pra Bordeaux…
— E acha que merece essa consideração? Me dê um motivo para não chamar os guardas. — parado na frente dela, Voldemort a observou de cima, encolhida, finalmente submissa, quebrada, seus esforços e tudo o que Melinda implantara em sua mente haviam por fim quebrado o orgulho e as forças da mulher.
— Não… Eu não mereço. — ela negou com a cabeça. — Mas… sei que é misericordioso e eu não quero…
— Pouco me importa o que você quer.
— Eu mereço não morrer nas mãos dela. — ela finalmente falou. — Eu lhe imploro, milorde, sei que é justo, e acabou de dizer que era meu prêmio por ter falhado o suficiente para evitar que… que ela morresse. Ela está viva, por minha causa, e… e ela acabaria comigo do pior jeito porque ela não entende isso, mas eu… — ela já soava na beira da loucura. — Eu entendi, assim como vossa majestade. Por favor…
— Como disse? — ele sentou novamente no trono, e ela mal sabia quando ele havia se afastado.
— Por favor, milorde… Eu lhe peço, eu… — ela engoliu seco. — Lhe imploro.
Katherine então percebeu que ele a fizera implorar apenas por diversão e que, talvez, ele não tivesse nunca deixado o trono? Porque tudo o que estava acontecendo só podia estar acontecendo dentro da mente dela, numa realidade suspensa em que ela fosse capaz de falar. Porque, olhando para baixo e vendo seu vestido coberto de sangue, entendendo que o líquido rubro que a manchava vinha de um fundo corte em seu pescoço, ela entendera que jamais seria capaz de formular palavras que não soassem como se ela estivesse se afogando.
Levando ambas as mãos ao corte, numa inútil tentativa de estancar o sangue que corria livremente e manchava suas roupas tanto quanto o chão, ela tentou chorar, tentou gritar e se mover, mas não foi capaz de fazer nenhum deles. Como ela não percebera o exato momento em que ele abrira seu pescoço? Ou como o fizera? Magia? Uma faca? Uma mórbida necessidade de entender a própria morte a dominou, e Voldemort apenas cruzou os braços para assistir os últimos minutos de uma longa e irritante história.
A julgar pelas falsas imagens em sua mente, ele devia tê-la matado quando se aproximou? Quando a fez implorar? Algo assim. O sangue continuava a escorrer, e seus pulmões e seu corpo imploravam por ar.
— Você se surpreenderia com o que sou capaz de fazer dessa distância, Katherine, e sem mover um dedo. E com como a mente é tão poderosa e tão fraca ao mesmo tempo.
Voldemort olhou para um lugar no chão, próximo aos joelhos dela, onde uma faca pequena coberta de sangue repousava. E então as imagens perdidas vieram, cenas claramente do ponto de vista dele, que sentado no trono observou como uma Katherine quase em transe, acreditando que a dor cessara, soluçava baixo enquanto cortava o próprio pescoço e acreditava em sua mente que implorava por sua vida.
Com horror, ela percebera que o sangue parecia estar correndo mais devagar. Apesar de seus desejos de ter estancado o ferimento, a falta de força em seu corpo lhe contava uma diferente história, ou o fim de uma antiga. Por meses, ela imaginária como a morte seria, mas em nenhuma versão ela era tão confusa.
Antes de fechar os olhos, e perder a consciência pela última vez, ela viu Voldemort fazer um rápido movimento com a varinha, que ela não viveu o suficiente para compreender que se tratava do feitiço que a decapitaria, preparando o macabro presente e provocação que ela se tornaria.
— E o que diabos você estava fazendo, enquanto ele a matava? — Bellatrix questionou, irritada.
— Comemorando. — Rabastan deu de ombros. — Como ele me mandou fazer. Eu só soube o quão ferrado estava ontem de manhã quando ele me deu a caixa e me mandou me livrar do resto do corpo. — Narcissa virou a garrafa de vinho em desespero, tentando ignorar o que ouvia. Aquelas férias seriam longas demais. — Nem todos nós somos obcecados…
— E qual era o nome de sua comemoração? — Rodolphus provocou, e pela primeira vez em muito tempo viu o irmão corar. Ah, aquilo seria incrível. — Oh, o que é isso que estou presenciando? Rabastan? Quem era…?
— Ninguém que te interesse, Rodolphus. — ele o cortou, seco, e fitou os próprios pés. — O que importa é que ele estava completamente sozinho, e nunca vamos saber. Agora, se me dão licença. — ele foi na direção da porta, na intenção de deixar os outros três para trás.
Sua mente, por sua vez, deixou-se viajar uma última vez aos momentos que ele e Nicky passaram na noite em questão, mal conseguindo chegar ao corredor antes de se jogarem contra a parede mais próxima, tão ávidos em iniciar sua comemoração que não conseguiam se importar se alguém os visse. Aquele misto de comemoração e despedida fora, para dizer o mínimo, memorável. E ele sabia que no meio daquela caça havia conseguido uma amiga, talvez com alguns benefícios, para o resto da vida.
— Oh, se você está fazendo esse segredo todo e tentando fugir, é porque foi grave. — a voz de Rodolphus não mais tinha o tom de provocação, claramente substituído por uma enorme preocupação. — Rabastan, por Merlin, me diga que você não…
— Eu não o quê, Rodolphus? — o irmão mais novo girou nos calcanhares, levemente irritado por ter sido puxado à força de suas lembranças. A expressão de profundo horror no rosto do irmão e da nova cunhada lhe diziam tudo o que ele precisava saber sobre o que eles pensavam.
— Rab, eu sei que você... - Rodolphus engoliu seco, e olhou boquiaberto na direção de Narcissa. — Existem limites.
— Roldie querido, — Rabastan recostou-se à porta, soando cansado. — por mais que todos nós saibamos que eu adoraria ser a pessoa que está consolando Melinda neste momento tão difícil... E, preciso adicionar, que caso ela me quisesse neste papel, eu seria incrível e ela jamais se arrependeria... Não, Melinda Callidora não foi minha companheira de comemoração. Até porque, se tivesse sido, eu teria todo o orgulho de dividir com vocês.
— Que nojo. — Narcissa comentou, bebendo mais vinho e negando com a cabeça. — Ela é uma criança, Rabastan!
— A Princesa das Trevas é tudo menos uma criança. Ela é uma mulher, e uma lindíssima.
— Ela é quase sua sobrinha!
— Você não via problema dela ser prima do seu filho. — ele retrucou, ainda que soubesse que no começo ela tinha problemas com isso sim. — Oh, mas é exatamente esse o problema, não é? Você está morrendo de medo que ele perca o lugar no coração dela enquanto se diverte em terras americanas. Não se preocupe, Narcissa, eu não tenho intenção alguma em ser príncipe consorte, o lugar de Draco está garantido… Se ela ainda o quiser, quando ele voltar. — ele deu de ombros. — Porque eu posso não estar consolando a princesa, mas isso não impede outros…
— O que você está insinuando? — ela andou rapidamente na direção dele.
— O que ele está insinuando ou não não importa, Narcissa. — Bellatrix interrompeu, ainda encarando a cabeça decepada do outro lado da sala. — O fato é que a minha filha não vai chorar pelo seu filho pra sempre. E eu não esperaria menos dela. — movendo-se silenciosamente, ela se reaproximou deles, deixando seus olhos quebrarem o contato com o que sobrava de Katherine.
— Exatamente. — Rabastan concordou, abrindo a porta a seu lado. — E eu deixaria de advogar pela causa do seu filho, Cissy querida, porque foi ele quem foi embora. Por escolha própria. E se quer minha opinião, Melinda tem mais que se divertir o quanto ela quiser por aí, porque ela merece.
— Rab--
— E saiba que se ela me colocar na lista de distrações, vou aceitar com todo o prazer, agora tchau. — Rabastan abriu a porta e passou por ela, sem deixá-la responder.
— Errado ele não está. — Bellatrix jogou-se no sofá. — Draco tem que lidar com as consequências das próprias escolhas. — “assim como eu lido com as minhas”, ela não precisou dizer, mas a maneira que olhou na direção de Katherine novamente disse tudo. — Por mais que eu entenda os motivos dele, ele sabia desde sempre que não ser perdoado por Melinda era uma opção.
A maneira como Rodolphus a olhou também lhe deu a certeza de que a decisão de seu filho não o tornara nem um pouco mais popular na Corte. Ela não podia culpar a ninguém, afinal de contas, ela também não lidara exatamente bem com a notícia e não conseguia dizer que eles todos estavam errados em pensar que, talvez, Draco estivesse se tornando uma profecia auto realizada: perdendo Melinda devido a decisões tomadas por medo de perdê-la.
Mansão Malfoy - Véspera de Natal de 1998
As palavras enigmáticas de Voldemort ao deixar a Mansão, quase uma hora antes, haviam deixado Narcissa ansiosa, e a reação de Melinda havia acordado medos antigos e criado novos em uma mãe que havia se apoiado no amor pelo filho para sobreviver aos piores momentos de sua vida. É necessário, Voldemort havia alertado, mas sem completar: deixá-los ir.
— Quanto tempo? — ela perguntou, após um longo silêncio que utilizara para digerir as palavras do filho. Diplomacia, MACUSA, Estados Unidos, mudança, distância, e dezenas de outras palavras se misturavam na cabeça de Narcissa, que apertava a mão de Rodolphus mais do que devia.
Draco franziu o cenho confuso por um segundo, como se esperasse outro tipo de reação. A resposta dele, no entanto, era pior do que ela esperaria. “Eu não sei”, ela quase não registrou as palavras, mas ouviu Rodolphus suspirar e colocar a outra mão sobre as deles entrelaçadas.
— Indeterminado, por enquanto, vai depender de como as relações vão se desenvolver. Do meu trabalho. — Draco respondeu, cuidadosamente.
— E sua família?
— Mãe, eu não posso viver a minha vida andando dois passos atrás da Sua Alteza Real, como um bom consorte decorativo de uma bruxa brilhante. Eu não mereço isso, ela não merece isso, e a Pandora menos ainda. — ele lambeu os lábios, buscando as palavras. — Você e minha filha, vou sempre visitar, mandar correspondência, presentes. Já a Mel, bem…. veremos como ficamos, no futuro. Ela não reagiu nada bem.
— Evidentemente. — Narcissa foi incapaz de controlar o próprio desgosto. — Quando você vai?
Draco ficou em silêncio pelo que pareceu uma eternidade, apesar de se tratarem de apenas alguns segundos, olhando do próprio colo para a mãe e de volta diversas vezes, antes de finalmente responder. Narcissa deixou o queixo cair e engasgou um protesto, muito similar ao som que Rodolphus não pode deixar de fazer. Lambendo os lábios e respirando fundo, a loira se levantou e andou alguns passos na direção do filho.
— Como assim ‘logo após o ano novo’? Draco, filho, isso é daqui a uma semana. — ela disse, ainda incrédula, ainda que impossivelmente calma.
— Eu sei, mãe, mas a posição já tinha ficado muito tempo aberta e—
— E você precisava fugir da sombra da sua namorada o mais rápido possível. — completou Narcissa, arrancando uma expressão de choque do filho, que nunca a ouvira dizer algo assim.
— Você decide se envolver com o ex-marido da tia Bella e agora deu pra falar como ela também?
— É sério isso, Draco? — Rodolphus se levantou e se colocou atrás de Narcissa, negando com a cabeça. — Você vai mesmo tentar virar a mesa da responsabilidade aqui, e atacar sua mãe no processo?
— Rodolphus… — Narcissa chamou, delicadamente, e negou com a cabeça. — Eu vou ficar bem, não se preocupe.
— Isso não te diz respeito de qualquer forma, Rodolphus. — Draco completou, amargo.
— Muito pelo contrário, porque sou eu que estarei aqui para consolar a sua mãe, enquanto você se encontra. Desculpe se todos nós esperávamos que você faria isso direito. — Rodolphus colocou a mão no ombro de Narcissa, que sorriu triste em retorno. — Vou deixar vocês a sós.
Rodolphus beijou a bochecha de Narcissa carinhosamente, e se dirigiu à porta sem maiores interações com Draco, que se limitava a fitar o chão.
— Achei que já havíamos ultrapassado o período dos ataques e comentários desnecessários sobre o passado de Rodolphus com sua tia. — Narcissa disse, assim que estavam sozinhos, desapontada.
— Você me atacou primeiro, mãe.
— Eu te repreendi, Draco, utilizando uma enorme verdade. — ela rebateu. — Você queria fugir de como a influência e o poder da Melinda te faziam se sentir, e tem esse direito. Querer crescer, se sentir o suficiente… Ainda que já seja. Eu só esperava que tivesse tido mais consideração com quem te ama, nos desse tempo de nos despedimos propriamente. — Draco fitou o chão, envergonhado. — Quem se parece com sua tia, agora?
Draco balbuciou algo incerto e e negou com a cabeça, mordendo o lábio inferior. — Eu sei que não foi ideal, — ele limpou a garganta. — e peço desculpas, mas pela forma e não pelo ato. Não me arrependo da decisão que tomei.
— Até porque é tarde demais. — Narcissa massageou as têmporas, e suspirou derrotada. — Não é como se o Lorde das Trevas fosse permitir que você voltasse atrás, e Melinda…
— Lidarei com Melinda num momento oportuno, mãe… Ela é teimosa, mas razoável. — Narcissa respondeu com uma negação de cabeça e um sorriso que beirava a pena.
— Não seja tão ingênuo, meu filho. — Narcissa lambeu os lábios, procurando a maneira mais delicada de trazer Draco à realidade. — Melinda não é simplesmente uma adolescente teimosa, e o que você está fazendo… Isso tudo não é um desentendimento juvenil. — Draco travou o maxilar, algumas rugas de preocupação querendo se formar mesmo na pele jovem. — Ela é uma figura pública, e uma extremamente orgulhosa. Intencionalmente ou não, sua decisão a expõe, e não somente como pessoa…
— Expõe a Princesa das Trevas. — Draco completou. — Devo me sentir feliz que o alter ego dela gosta de fingir ser cheia de ternura e compreensão?
— Melinda nunca fingiu isso. — Narcissa o corrigiu, ignorando a carga de sarcasmo na voz do loiro. — Uma imagem angelical foi criada pra ela, para vender a ideia de que eles estão tentando criar um mundo de paz, Draco, mas no fundo…. O mundo inteiro sabe quem ela pode vir a ser em tempos não tão delicados, sabe quem são os pais dela, ouviu os rumores do que ela fez na guerra. E você… é o consorte que a largou para ser postado do outro lado do mundo. Os novos fãs dela talvez achem lindo a maneira positiva como ela vai sorrir para as câmeras, mas Rita Skeeters da vida? Vão alimentar a chama que já está se criando dentro dela, a mágoa e o ressentimento. E eu realmente não acho que Melinda seja forte o suficiente para resistir a seus instintos mais egoístas, meu filho. O perdão dela será algo difícil, ou até impossível. — algo na voz de Narcissa mudou, mas Draco não conseguiu discernir se era medo ou pena que ele ouvia. — Bom, pelo menos nisso o Lorde das Trevas está do seu lado, e ela o ouve.
— Ele já viu essa história antes… — Draco deu de ombros. — Deve temer que meus ressentimentos em relação a coisas que a Melinda não consegue controlar tornem nossa convivência insuportável, mas eu não diria que ele está do meu lado, mãe. Ela é filha dele, ele até pode entender, mas pedir seu apoio seria demais até para ele.
— E você? Pode entender? — Draco perguntou, fitando o chão.
— Draco… — Narcissa suspirou. — Não apoiar não significa que eu não entenda e deseje de todo o coração que você tenha todo o sucesso do mundo no caminho que escolheu. — Narcissa tocou o rosto do filho e pressionou um beijo em sua testa. — Você é meu filho, eu sempre vou estar do seu lado. Como serão as coisas agora? Você vai voltar pra casa pros dias que faltam até sua viagem…?
— Infelizmente, não. — Ele respondeu, triste. — Aparências, é claro. Melinda ainda precisa parecer estar lidando bem com a coisa toda. — Narcissa assentiu. — E tem a Pandora, mas eu pretendo passar o maior tempo possível por aqui, me despedir propriamente. — a loira sorriu abertamente, mas já sofrendo antecipadamente por tudo o que estava por vir. Ela não somente perderia seu filho, mas também havia uma possibilidade de que ele perdesse a própria filha no fogo cruzado com pessoas infinitamente mais poderosas do que ele. No fundo de seu coração, Narcissa só desejava que os planos do jovem se concretizassem como ele queria, ainda que duvidasse disso.
Naquela época, e nos dias subsequentes à partida do filho, Narcissa se convencera de que o tempo apaziguaria o receio e a preocupação que ela sentia. De um ponto de vista maternal, ela sabia que jamais deixaria de se preocupar com ele, ainda mais tão longe e enfiado em um ninho de víboras, mas ela esperara que, ao menos numa esfera política, ela conseguisse se sentir mais tranquila quanto às escolhas do filho. Não era a realidade, ainda, mas ela ainda se permitia ter esperanças, porque o conhecia e uma parte de si esperava que ele ficasse bem, enquanto a outra sabia que, depois de tudo o que havia passado, ele ia encontrar um jeito de ficar.
Cidade de Nova York - Naquele mesmo dia.
Mesmo após cinco meses de trabalho, Draco ainda se impressionava com a imponência da sede da MACUSA. Isso vindo de um homem que vivera em um solar por toda a infância, depois em um castelo medieval e, por fim, na literal sede da Família Real. O problema era que a imponência americana era muito diferente da britânica. No Reino Unido, a clássica elegância arquitetônica, coberta de metais preciosos e jóias, era apreciada. Nos EUA, a modernidade. Por mais contraditório que pudesse parecer, já que o Ministério da Magia britânico era muito menos conservador em diversas questões.
Havia quem pensasse, quando ele havia chegado, que o emissário do Lorde das Trevas e o Presidente do Congresso Mágico dos EUA se dariam bem imediatamente, precisamente pelo inerente conservadorismo dos bruxos americanos em relação aos trouxas ou, como eles preferiam chamar, “não-majs”. Draco levou apenas duas horas para perceber que aquele não seria o caso e entender porque Voldemort via tanta importância naquela missão.
A recepção que Draco recebera tivera a pompa e circunstância pela qual os americanos eram famosos. Sem títulos ou tradição, eles exerciam seu poder no mundo mágico e trouxa através do dinheiro: esbanjando até os limites da imaginação. Uma pessoa de dinheiro antigo como Draco, é claro, não se deixava fascinar por aquela clara tentativa de encantamento, mas a festa lhe dizia várias coisas.
— É um prazer, Vossa…? — o presidente do Congresso Mágico, John Parker, lhe estendeu a mão, com um sorriso que Draco reconheceria à milhas como falso.
— Vossa Excelência, Sr. Presidente. — Draco esclareceu, apertando-lhe a mão.
— Oh, é mesmo? Imaginei que seria Alteza Real. — ele provocou, fingindo uma inocência que jamais existiria no presidente de um país. — Ouvi que era…
— Consorte da Princesa Melinda, sim. — Draco assentiu, escondendo o desgosto pela provocação. — Mas era apenas uma figura de linguagem, Sr. Presidente, eu e Sua Alteza Real não éramos casados ainda. Se nós formos nos ater a meu título pessoal, usamos Vossa Graça. — Draco lambeu os lábios, lembrando-se do condado que ganhara antes de deixar o país, para justificar um posto tão alto. — Mas imagino que prefira se ater a meu título como embaixador, já que é por isso que estou aqui.
— É claro, excelência. — Parker concordou, andando com ele com a desculpa de o apresentar a diversas outras autoridades. — É apenas estranho para nós, deste lado do mundo, um embaixador tão jovem. Quantos anos tem mesmo, rapaz?
— O suficiente para ter lutado em uma guerra, Sr. Presidente. — Draco o cortou, omitindo a parte em que dizia “o que é mais do que qualquer um de vocês”. — E eu não sei como funciona aqui, mas do nosso lado do mundo, quando um jovem de dezoito anos diz que lutou em uma guerra, ele lutou no front.
— Sim, eu estou consciente disso. — Parker lambeu os lábios e passou a mão pelos cabelos, acenando para alguém que passou. — E de suas medalhas de guerra, rapaz, não que eu as aprove. — ele suspirou, e negou com a cabeça. — Albus Dumbledore era um lunático que ameaçava revelar a todos nós com suas sandices…
— Nisso podemos concordar, Sr. Presidente.
— Eu não terminei. — Parker nem mesmo mudou de expressão. Para todos que os olhavam, a conversa parecia perfeitamente civilizada. — Mesmo assim, ele não merecia ter sido assassinado por um moleque de dezesseis anos controlado por um outro lunático e sua filha. O seu rei pode ter todos os problemas que quiser com os não-majs e eu não me importo, francamente, mas nada lhe dá o direito de atacar outros bruxos como um terrorista qualquer, e menos ainda atacar o mundo não mágico e constantemente ameaçar nos expor. Nosso relógio? Durante sua “guerra”? — ele fez aspas com as mãos. — Enlouquecido. Ataques em ruas trouxas? Ele está louco se pensa que os EUA vão permitir que ele exponha a todos nós.
— Imaginei que o relógio de vocês só cobria território americano. — Draco respondeu, simplesmente. — Como devia.
— Deixe-me esclarecer algo, excelência, eu não sei como as coisas funcionam na Inglaterra, mas-
— Não, Sr. Presidente, deixe que eu esclareça algo. — Draco parou na frente de Parker, que era alguns centímetros menor do que ele. — Eu não estou aqui para ser seu saco de pancadas. Existe uma razão pela qual o Lorde das Trevas enviou alguém com “medalhas de guerra”, como o senhor tão eloquentemente colocou, para ser seu embaixador. Meu rei não quer uma guerra, mas também não a teme. — Draco se aproximou com um sorriso. — Eu estou aqui porque seu time de diplomatas sabe tão bem quanto eu que uma guerra seria uma perda de tempo e de vidas, e que nossos dois países têm muito mais a se beneficiar ficando cada um de seu lado do oceano. Todos nós sabemos que vocês têm espiões em nossas terras, — Parker nem piscou. — e sabemos os nomes de vários deles. Digamos, Sr. Presidente, que caso nossas conversas desse lado do Oceano não funcionem, o Reino Unido não terá escolha a não se executá-los por traição. Inclusive, estivemos pesquisando o método americano de execução e o achamos bastante interessante... — Draco parou e sorriu. — Mas somos tradicionalistas com algumas coisas, — ele arqueou a sobrancelha. — e Sua Majestade é bastante particular sobre como executar traidores.
— Ameaças no primeiro dia, excelência?
— Oh, não. Jamais. Estamos apenas fazendo o nosso primeiro combinado. — Draco deu de ombros, e Parker deixou-se rir.
— É claro, mas um combinado tem dois lados.
— Perfeitamente, porque nós também temos espiões em território americano. — Draco sussurrou. — Alguns dentro desta sala, mas sei que você já sabe disso. — com um sorriso, ele deixou os olhos percorrerem pela sala, e Parker o observou curioso. — Cabe a você descobrir seus nomes, e teremos nosso primeiro acordo bilateral: conversamos civilizadamente e vidas americanas não são desperdiçadas em solo britânico…
— Nem vidas britânicas em solo americano. — Parker assentiu. — Você tem colhões, garoto. — ele admitiu, pegando duas taças de champagne e entregando uma a Draco. — Mais do que eu imaginei, não que isso me deixe feliz.
— Não estaria aqui se não os tivesse. — Draco levantou a taça, e riu-se por um momento. — Digamos, Sr. Presidente, que tive que enfrentar bruxos muito mais poderosos e assustadores do que o Sr. para estar em sua frente nesse momento. Sem ofensa.
— Não ofendeu. — Parker deu de ombros. — Vocês são todos loucos naquele país. Sem ofensa. — Draco riu e assentiu. — Uma coisa… como você pode ter certeza que eu já não sei os nomes dos espiões?
— Eu não tinha. — Draco deu de ombros e bebeu da champagne. — Mas sua pergunta acabou de me confirmar. Caso contrário, não sentiria a necessidade de afirmar para mim que sabe, e usaria a ideia de que eu penso que não sabe como vantagem. Contar-me seria burrice, o que só pode significar que está tentando me provocar ou ganhar tempo. — pela primeira vez, ele viu a expressão de Parker quebrar. — Mas não se preocupe, Sr. Presidente, seu segredo está a salvo comigo. Agora se me dá licença, tenho muitos colegas para conhecer.
Quase seis meses depois, Draco sabia que Parker não tinha os nomes dos espiões. Isso porque americanos constantemente caíam em suas próprias armadilhas. A lógica de Parker era que: dificilmente os espiões seriam britânicos, por chamar muita atenção, então focava toda a sua energia em procurar traidores nos altos escalões da MACUSA. A ideia fazia Draco rir, ao lembrar-se do plano original de Voldemort.
Desde que começara a trabalhar para o Lorde das Trevas, soubera que o homem era um gênio, mas ele ainda era capaz de impressioná-lo: todos os espiões eram britânicos, e nenhum deles em cargos altos. Camareiras, secretárias, assistentes, cozinheiros, pessoas completamente invisíveis, cujos nomes Parker nem sabia em toda a sua prepotência.
Enquanto ele desmontava todo o poder da MACUSA, sentindo-se incapaz de confiar em ninguém, e obcecado em descobrir traidores em pessoas inocentes, Draco se empenhava em fazer os acordos que fora enviado ali para fazer: oficiais e não-oficiais. Com a obsessão americana em manter-se escondida dos trouxas, o discurso de Voldemort de que os bruxos mereciam um mundo em que não fossem subjugados pelos fracos trouxas já não soava tão chocante quanto para alguns outros países. Eles temiam os trouxas, mas transformar esse medo em revolta não era assim tão difícil: bruxos são poderosos, abençoados por sua natureza mágica e não devem dobrar o joelho para seres inferiores. Ele sabia que era uma questão de tempo até a guerra ideológica e possivelmente aberta que Parker pensava em fazer contra Voldemort se tornasse mais e mais impopular. Em suas mãos, uma carta fechada com a marca negra o aguardava. Um pequeno corte foi tudo o que levou para abrí-la.
Draco,
Primeiramente, gostaria de parabenizá-lo por seus primeiros meses de trabalho. Tudo está ocorrendo ainda mais rápido do que o esperado, e recompensas imensas o esperam.
Parker é um tolo com ilusões próprias de seu cargo, mas um bruxo fraco e sem punho, que se tornou incapaz de funcionar sem confiar em sua equipe. Tenho você a agradecer por isso. O problema é: Parker não durará para sempre.
É uma questão de tempo até que ele caia com toda a insatisfação que recai sobre ele. E isso não nos beneficia, pois o vice dele é um homem de muito mais fibra e menos necessidade de aceitação - não creio que precise dizer porque isso é prejudicial a nós.
Precisamos que Parker se mantenha até o final de seu mandato, e que continue com sua insanidade e mania de perseguição. E esta é sua missão, meu caro Draco, a mais difícil até agora: mantenha Parker no poder.
Sei que é capaz.
L.V.”
A carta mal havia se auto destruído e Draco já sabia exatamente o que fazer, mas também sabia que isso significava que ele não voltaria para casa por pelo menos mais um ano e meio. Respirando fundo, ele pegou uma pena e um pergaminho para escrever. Não uma resposta, pois as ordens de Voldemort eram de via única, mas para a filha - ainda que seu coração lhe dissesse que suas palavras deviam se dirigir a alguém um pouco mais velha. Respirando fundo e afastando seus pensamentos, ele lembrou-se de que a jovem mulher que assombrava seus pensamentos era o motivo dele estar ali, e ele precisava prosseguir. Pelo tempo que fosse.
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