Mapa, Astrolábio e Maçaneta
Alvo acordou cansado. Preguiçoso, pôs-se a continuar com os olhos fechados, em um estado hipnótico entre o sono e o a vontade de não se levantar. O menino teve um sonho que alguém poderia achar engraçado, mas era, para ele, uma brincadeira de extremo mau gosto: sonhara que o chapéu seletor o colocara na Sonserina e que ele descia até o fundo da terra, nas masmorras mais escuras e pavorosas, onde encontrara o salão comunal esverdeado e claustrofóbico, onde se juntava aos seus mais novos amigos Sonserinos. Deixando escapar um bocejo preguiçoso, Alvo virou-se de lado, finalmente permitindo-se abrir aquele par de olhos verdíssimos...
Mas não eram as únicas coisas verdes.
A cortina que cobria a cama era de um verde profundo. Alvo se assustou e sentou-se na cama imediatamente. O tecido do colchão era branco, mas bordado com um enorme ‘s’ prateado. Alvo puxou a cortina com uma pressa feroz e levantou-se. O que encontrou tornou o fato todo ainda mais consumado.
Ao lado de sua cama antiga de quatro colunas de cedro havia um criado mudo também negro lustroso, cujo qual descansava em cima dele uma gravata verde com listras prateadas acimando uma veste negra caprichosamente dobrada de forma que o brasão prateado da serpente ficasse a mostra. Alvo sentou-se na cama, mirando sem ver as tapeçarias que ilustravam as aventuras dos Sonserinos famosos. Ele pensou em deitar novamente e ver se acordava desse novo pesadelo.
Mas antes de ter qualquer tipo de reação, ouviu Dorian bocejar alto ao acordar vindo do outro lado. Na outra cama que tinha a cortina entreaberta, viu Nelson espalhado a babar no travesseiro de plumas.
– Deixa ele dormir. Vai ser engraçado ver ele chegar atrasado no primeiro dia de aula.
Mathew Owen já voltava do banho, ajeitando a gravata verde sob a camisa branca e pondo por cima desta a veste negra com o brasão da Sonserina, o qual ele mirava orgulhoso.
– Dormiu bem, Potter? – perguntou Mathew – eu dormi feito uma pedra... O som do lago batendo nas janelas é bem calmante pra mim...
Alvo apenas concordou. Tinha a garganta seca.
Após alguns minutos o menino terminou de se aprontar. Olhou-se no espelho do banheiro anexo ao quarto dos garotos do primeiro ano e viu que o verde da gravata tinha o mesmo tom do verde de seus olhos.
– Mas isso é bobagem, meu pai é da Grifinória e tem olho verde também. – disse Alvo para si mesmo.
“Mas você é da Sonserina, não negue” o espelho respondeu, com um sorriso maligno, digno das serpentes.
Nesse momento um menino chamado Endy, que tinha um jeito apático saiu de um box, fitando-o.
– Você é doido, é?
Alvo não se demorou para sair, pois temia se perder na saída das masmorras. Seguiu o grupo de alunos da Sonserina de todos os anos que tagarelavam pelos corredores das masmorras, agora iluminado por apenas algumas tochas. Alvo sentia-se um anexo, algo que não pertencia realmente, mas fora posto por algum tipo de engano. Os garotos conversavam no caminho, contando como haviam gostado de ver o fundo do lago, alguns até juraram ver a lula gigante ou um sereiano. Alvo já tinha achado suficiente ver o fantasma choroso da menina para envergonhá-lo à noite. Mas os veteranos dobravam, subiam, direita, esquerda, espera um pouco, direita, esquerda, esquerda e mais um lance de escadas...
Os garotos chegaram ao ar livre. O dia era claro, mas as nuvens cinzas e nebulosas sugeriam que a noite passada fora castigada por um temporal. Eles cruzaram a ponte da noite anterior (vários alunos de gravata azul se juntaram nesse percurso), atravessando o portão do pátio maior externo. Todos eles dobraram à esquerda pelo portão duplo de mogno escavado de detalhes.
No salão principal, Alvo se sentou na mesa dos Sonserinos, procurando, no caminho para ela, não olhar para os lados até que estivesse sentado e protegido da visão dos outros, ou dos cochichos nada educados que chegavam em seus ouvidos inadvertidamente. O café da manhã era farto. Tinha ovos com bacon, sucos de todas as qualidades, as frutas mais diversas e uma torta de caramelo, a qual Alvo comeu inquieto
Mathew conversava animadamente com Patrichio, que parecia idiotamente excitado para as aulas e vivia perguntando quais os horários de hoje. Escórpio chegou logo em seguida, acompanhando um Nelson parecendo deveras chateado.
– Por que vocês não me acordaram?!
Mathew gargalhou. Alvo não conseguiu conter o riso. O cabelo do Nelson não estava espetadinho, mas desarrumado, amassado, nitidamente moldado por um travesseiro de plumas de ganso. Escórpio sentou-se próximo a Isobel, que Alvo acabara de notar a presença. A menina tinha a mesma expressão de sempre: atacar qualquer um que se aproximasse demais. Nelson olhou pelo reflexo da colher e remexeu o cabelo para fazê-los ficarem costumeiramente espetados.
Escórpio nitidamente estava respeitando essa condição de “bicho selvagem” de Isobel, pois ele bebia suco de abóbora quieto enquanto lia um livrinho de bolso intitulado “Pequeno glossário das Ervas mágicas”.
– Ah, é mesmo! – exclamou Patrichio ao notar o livro de Escórpio – teremos herbologia daqui a pouco, não é?
– É, É, Trick, e depois transfiguração e a tarde feitiços, como eu já disse pela centésima vez – bufou uma Juliana já irritada.
Alvo não ouviu quando Juliana soltou os cachorros em Trick. Ele olhava para a mesa próxima, onde os Grifinórios tomavam seu café da manhã. Ele procurou Rosa, Dominique, ou qualquer outro primo, mas não encontrara, apenas Tiago, que fazia mais barulho em seu quarteto inseparável. Alvo procurou virar-se rapidamente quando Tiago quase o vislumbrou fitando-o. Ele não queria falar com Tiago por enquanto. De alguma maneira, sentia-se envergonhado pelo olhar do irmão de ontem à noite.
Neste exato momento o salão inteiro parou para olhar para o teto, pois de suas frestas laterais chegavam uma revoada de asas a bater, espalhando algumas penas sobre a mesa dos garotos. O correio coruja estava chegando, distribuindo muitas coisas que os alunos tinham esquecido em casa, pequenos agrados mandados dos pais, felicitações e até um garoto da lufa-lufa recebeu um berrador. Todos agora sabiam que Kyle River havia esquecido de deixar comida para o cachorro antes de sair.
Nelson recebeu um medidor de precisão para a preparação de poções. “Fantástico! Então era essa a surpresa!”. Já Juliana felicitou-se quando um pesado livro de “Defesa Contra as Artes das Trevas” que chegara por uma coruja deveras cansada. Escórpio recebera alguns docinhos e parabenizações do pai, enquanto Isobel nem coruja recebera. Por outro lado, Deborah mostrava orgulhosamente uma luva de quadribol bordada a prata que recebera da mãe. Alvo também conseguiu localizar o Pepp, a coruja de Tiago, que tinha apenas uma carta para o irmão de Alvo.
Mas o garoto engoliu a seco quando viu Lude, a coruja branquíssima de estimação a se aproximar. Ele esticou a perna para mostrar a carta de Alvo e nem esperou cumprimento algum: foi voando para fora do castelo, provavelmente doido de vontade de dormir no corujal.
Outra coruja também chegou para Alvo. Ele pegou o jornal e pagou alguns nuques na bolsinha amarrada a perna da coruja e ela foi-se também. Os garotos ao seu redor começaram a conversar sobre as correspondências e outras besteiras, mas ele fechou-se em sua redoma. Era uma especialidade de Alvo: ficar invisível.
O menino abriu a carta de Lude primeiro, sentindo-se enjoado. Ele sabia que carta era aquela.
Querido Al,
Como prometemos, estamos escrevendo uma carta para você. Porém, o assunto não é tão agradável. Eu e sua mãe ficamos preocupados quando recebemos a carta do Professor Ravus, informando que você mal pisou em Hogwarts e já recebeu uma detenção. Já estamos acostumados com as cartas dele dizendo sobre as insubordinações do Tiago, mas pensávamos que você, por ser um garoto mais calmo, não nos daria esse tipo de trabalho. Eu e sua mãe conhecemos o filho que temos e sabemos do garoto que esteve envolvido com a sua detenção. Não acreditamos que você seria capaz de jogar alguém no lago de propósito.
Tome cuidado. Não deixe os outros lhe prejudicarem e nem caia em provocações. Lembre-se: não entre em duelos se você não souber como duelar. Nem caia em armadilhas e se afaste dos problemas. Se realmente precisar, peça a ajuda ao Tiago. Ele é o seu irmão mais velho e sempre poderá lhe ajudar.
Lembre-se daquilo que conversamos antes de você entrar no expresso de Hogwarts. Tenho muito orgulho de você ser meu filho, estarei sempre do seu lado. Só não se esqueça de quem você é e de onde veio.
Pai.
PS: Controle um pouco mais o Lude. Não é saudável para uma coruja ficar muito tempo fora, principalmente nesses tempos chuvosos.
PPS: Não ligue para o Profeta diário. Encomende o Pasquim. Ele lhe renderá mais risadas do que dores de cabeça.
Alvo ficou matutando sobre a carta do pai. Bem, Alvo sabia que o tio Rony conhecia a família do Escórpio e agora, ao que parece, seu pai também tinha algum conhecimento sobre os Malfoy. Mas ficou um pouco aliviado em saber que sua mãe não ficara chateada. Pior que uma detenção seria decepcionar Gina. O garoto ficou, porém, duplamente aliviado em saber que não havia nenhuma menção de deserdamento, desgosto ou decepção nas entrelinhas, a não ser o fato do conteúdo da carta não conter um “parabéns” sequer. Talvez fosse esperar demais.
Seu pai citara a conversa na porta da locomotiva. Se ele fosse para a Sonserina, então a casa iria ganhar um grande bruxo. Porém tinha o fato do diretor Severo que Juliana tinha citado a inimizade com Harry. Por que o pai tinha dado o nome de um inimigo ao filho? O homem mais corajoso que eu já conheci. Deveria ele escrever para o pai, perguntando sobre isso? Bem, Alvo pensaria nisso mais tarde. Devia confessar que estava sendo um pouco dramático em pensar que todos o odiariam se ele fosse para outra casa... Se bem que... Logo a Sonserina...
E tinha o fato do Alvo não sentir vontade de falar com ninguém naquela mesa. O menino comia seu Waffle em silêncio, enquanto observava Mathew implicar com Patrichio e Nelson conversar com Juliana sobre ervas medicinais que eles obviamente conheciam. Isobel agora parecia estar conseguindo sustentar conversa com Escórpio. E ela até ria! Alvo, porém, notou logo em seguida que a menina havia discretamente apontado para Alvo, que era o foco da piada. Quando Escórpio percebeu o olhar do rival, lançou essa:
– Não vai querer que ela te carregue de novo até as estufas, vai, Potter?
Alvo pegou o jornal bufando, querendo distrair-se, seguindo o conselho do pai de “não aceitar provocações”, apesar de desobedecer a parte em que ele dizia para não lê-lo. Por que ele diria aquilo? Será que... Não... O garoto abriu o Profeta rapidamente, buscando seu nome em algum canto. Na borda inferior da página havia uma notícia intitulada: “CASO DE JUPEROS SEGUE SEM SOLUÇÃO”. Mas antes do menino começar ler a matéria, quando ouviu um sino a soar distante.
– Onde vai ser Herbologia? – quis saber Patrichio, se levantando para alcançar os demais.
– Nas estufas – disseram Escórpio e Juliana em coro.
– Você não lê o quadro de avisos, hein, Trick? – perguntou Dedâmia.
– Espero que vocês saibam o caminho. Eu não tenho a mínima idéia...
– Claro que não faz... Se soubesse, não seria o Trick – disse um Mathew cínico. Todos riram da cara de Trick. O menino ficou meio amuado a partir daí.
– O monitor vai mostrar, espertão – disse Nelson.
Mas Alvo não podia culpar o menino. Também não tinha lido o quadro de avisos na pressa de ter companhia para encontrar a saída das masmorras. Por isso ele seguiu Lorcan de perto. Ele parecia que sabia para onde estava indo. Junto a Lorcan, uma outra menina do mesmo ano que ele, com as vestes de detalhe azul, também liderou o grupo de alunos da Corvinal. Alvo conseguiu identificar Mallone Hirase se arrastando entre os alunos. Viu também Beatriz Bathory que mandava um menino tagarela calar a boca e andar, por que o ouvido dela não era pinico.
As estufas ficavam na ala leste, fora do castelo. Tiveram que atravessar todo o bloco onde ficava, inferiormente, as masmorras. O local era cheio de corredores com portas que riam, gárgulas que resmungavam e lajotas que afundavam se você pisava nelas sem ter pisado em outra. Quando finalmente conseguiram sair por trás do prédio, seguindo o Monitor. Havia um gramado fofo lá fora, o céu continuava cinza anuviado. Avistaram mais à frente as Estufas. Eram seis casas de vidro, sendo as duas mais afastadas das demais.
– Vocês devem ficar na estufa número 1 – informou Lorcan, parecendo apressado – aquela ali bem da frente, próxima daquele carvalho enorme. Agora eu tenho que ir, estou atrasado para a aula do Ravus e ele vai me matar se eu não chegar cedo...
A sala era repleta de plantas, a maioria imóveis, mas algumas trepadeiras penduradas em um canto da parede de vidro mexiam-se preguiçosamente. Haviam banquinhos para cada aluno, os quais se uniam a duas mesas continuas que tinham abaixo um espaço para terra, bem como no meio um gradil para sustentar vasos, plantas etc. O chão era de madeira, e num canto haviam várias sacas de terra. Em frente a um quadro negro todo arranhado estava o professor, com uma camisa com as mangas dobradas até o antebraço e entreaberta na altura da clavícula, mostrando um colar com um ideograma chinês. A calça jeans do homem e metade da camisa eram cobertas por um avental da cor magenta.
Alvo o conhecia. Neville sempre fora nos eventos. Estiveram juntos no aniversário da Lily, perto do natal, no jogo de quadribol em Washington. Além disso, o filho dele, um garoto magro, de bochechas almofadadas, coradas e um sorriso calmo, Caerulleu Longbotton, sempre estava com Tiago, junto com Fred e Leticia. Só que era uma experiência diferente tê-lo como professor. Diferentetornou-se Desagradável antes que Alvo conseguisse dizer a palavra “vergonhoso”.
Foi muito constrangedor quando, antes da aula começar, Neville chamou Alvo na frente de todos os Sonserinos e Corvinos para dizer que ele era um garoto muito inteligente e que ia se dar bem, com certeza (“com certeza não. Ele quis dizer”). O professor deixou claro que gostava muito do pai dele e mostrou um galeão, contando a história de quando ele era jovem e participou de um grupo rebelde chamado “A armada de Dumbledore”, onde eles aprendiam a se defender dos comensais, pois uma professora nojenta não queria ensiná-los na época, por não acreditarem que Você-sabe-quem tinha voltado ao poder.
Escórpio bateu palminhas irônicas para Alvo, dizendo “Potter, celebridade da Sonserina!”. O garoto ficou ainda mais vermelho quando o professor Longbotton perdeu um pouco a voz quando citou o fato dele ser da Sonserina, disfarçando ao dizer que lá haviam bruxos ótimo, porém sem conseguir dar um único exemplo. Neville depois disso percebeu que havia irritado um grande número de alunos e resolvera começar logo a aula introdutória.
Eles estudaram o que era Herbologia, alguns antecedentes históricos, bruxos famosos como Morgana la fay, e Vivien, a dama do lago, Verano... Explicou um pouco sobre magia natural e magibotância simplificada, além das propriedades da terra, do clima, do período do dia e influencias astronômicas sob o plantio. A aula teórica sobre Herbalismo foi interessantíssima para Alvo, mas muitos Sonserinos não abriram a expressão desde quando o professor tinha cometido a gafe de insultar tão descaradamente os Sonserinos.
Ainda tinha o fato de Neville ser o diretor da Grifinória. Alvo pode ouvir Mathew criticar o jeito brincalhão demais, Juliana dissera que ele não tinha explicado direito sobre “Esses encantamentos geomágicos” para prepara um solo de boas condições de plantio de ervas e fungos mágicos. Mas ela ficou visivelmente desconcertada quando o professor pediu para os alunos pegassem suas luvas de couro de dragão, colocassem seus aventais e tirassem areia das sacas, pondo no vaso. Quando todos estavam com seus respectivos vasos em sua frente, o professor Longbotton falou um encantamento. Era algo como “Nai domhainis adh Nai... Nai domhainis adh Nai...”, servia para enfeitiçar o solo que amanhã eles iriam começar a plantar.
– Isso é Gaélico! É algum feitiço Celta? – perguntou uma menina da Corvinal, bonita e de jeito meigo, a qual Alvo reconheceu da cerimônia de seleção, mas não lembrava o nome.
– Sim, senhorita...?
– Noite, Marcela Noite – apresentou-se. O professor sorriu-lhe, simpático.
– É um feitiço Celta sim, senhorita Noite. Alguém sabe a relação dos celtas com a magia verde? – perguntou o professor animadamente para a turma.
Alvo não sabia. Nelson levantou a mão.
– Eles entendiam de ervas medicinais?
– Hmmm, é. Mas não era exatamente isso que eu queria ouvir... Sim, senhor...?
– Escórpio Malfoy. Por causa druidas – murmurou.
– Isso mesmo – Neville não conseguiu disfarçar um certo choque quando percebeu o menino, mas logo continuou a falar - D-Dez pontos, então, para a Sonserina! (Alvo ouviu Nelson murmurar “Droga, era isso que eu ia dizer”). Os druidas eram bruxos que tinham um profundo conhecimento de magia natural, o qual, como eu citei anteriormente, está relacionada com o despertar da Máthair, a mãe de todos...
Depois disso, os alunos começaram a tentar enfeitiçar o solo. Na verdade era bem chato, pois tinham que ficar colocando a areia e cantando a música, várias e várias vezes, sem errar. E não poderiam saber se tinha dado certo, só amanhã. Se tivessem feito certo, a planta ia crescer bem. Se não... Além disso, o garoto se sentia solitário. Não tinha com quem falar, não sentia vontade de falar com ninguém também. Isobel estava longe... Mas ela com certeza não iria falar com ele. E Escórpio nem era uma opção.
Além disso, Escópio tinha terminado antes que todos. Ele passou próximo de Alvo, dizendo para o menino:
– Você está com a pronúncia errada e esse floreio parece mais alguém espantando mosquitos com uma espátula... Nessa terra nem mato vai nascer, Potter. Vai ficar mais vazia do que essa sua cabeça burra.
E foi apresentar uma anotação para o professor Longbotton, retirando-se com Isobel logo em seguida.
Alvo repetira o feitiço mais algumas vezes, nervoso, tentando não errar, tentando compensar sua completa ignorância durante a aula. Ele não seria aquele que teria que repetir os feitiços amanhã. Não ia decepcionar Neville. Escórpio estava errado. A campa já havia batido, Alvo continuava tentando. O professor Longbotton já havia dispensado os alunos e retirava algumas sementes de um saco cheio. Nelson foi falar com ele, perguntando coisas sobre os druidas.
Alvo viu Mallone a cochilar com a cara em cima do vaso. Quando ele o acordou, o menino limpou a bochecha e cuspiu um pouco de terra.
– Brigado... O que vai ser agora?
– A gente é de casa diferente. Pra mim é transfiguração...
– Pra Corvinal também. Transfiguração com o Ravus – informou Nelson – só não sei onde é a sala... E a monitora já levou os outros alunos.
Alvo lembrou-se que já tinha estado na sala de Ravus, aquela com várias gaiolas de pássaros... Bem, talvez ele conseguisse achar de novo.
– Eu sei mais ou menos onde é... – disse Alvo.
– Sério? Fantástico! Vamos rápido que faltam cinco minutos e eu ouvi falar que esse Ravus é bem rígido.
“E como é” Alvo pensou.
Mallone, Nelson e Alvo correram pelo gramado até a entrada do castelo. Mallone (para a surpresa dos garotos) sabia exatamente como voltar para o bloco do salão principal. Eles atravessaram a ponte novamente e chegaram ao portão de mogno e encontraram a torre das escadas. Alvo parou antes de subir o primeiro lance, olhando para cima.
– Não lembro se era no primeiro ou no segundo andar...
– Ai meu deus, Potter, a gente vai chegar atrasado. Faltam dois minutos!
Alvo viu um garoto mais velho da Grifinória passando por eles.
– Licença, onde fica o pátio de transfiguração?
– E eu tenho cara de mapa, Sonserino? – e foi-se embora.
Alvo ficou parado ali, perplexo.
– E depois os Sonserinos que são os malvadões... – comentou Nelson, aborrecido.
– Vamos tentar a sorte... Vamos procurar no primeiro andar, se não estiver é no segundo... – disse Mallone.
Era fácil dizer. O primeiro andar poderia ter quilômetros de corredores e dezenas de portas. As escadas estavam praticamente vazias, pois os alunos já estavam na sala no momento. Não tinham como pedir ajuda. Faltava um minuto...
– Vamos no primeiro andar. Quando eu estiver lá, eu me lembro.
Todos concordaram. Eles subiram os lances de escadas, tendo ainda que ouvir um quadro de um nobre bruxo intrometido dizer da parede: “Vocês não deveriam estar em aula, mocinhos?”. Sem contar na escada do terceiro lance que resolveu encaixar na direção oposta de que estavam indo, fazendo eles darem uma volta pela parede até alcançar a entrada do primeiro andar. Eles atravessaram o primeiro corredor.
Alvo suspirou aliviado quando reconheceu o corredor que Ravus o havia liderado ontem à noite. Ele correu disparado, dobrando a esquerda, encontrando a segunda porta de mogno. E lá estava o pátio de transfiguração.
Os garotos saíram da passarela coberta e cruzaram o jardim a céu aberto do pátio, alcançando o outro lado da passarela. Lá estava a porta da torre onde ficava a sala de Ravus.
Ofegantes, os garotos abriram a porta.
– ... Entre “transmutação” e transfiguração é básica... – dizia Ravus. A sala redonda, cheia de gaiolas de pássaros penduradas no teto, estava cheia de alunos, que se viraram para ver para onde Ravus estava olhando de cima da cadeira alta. Ele olhou profundamente para os garotos. E disse:
– Quem chega atrasado não assiste a minha aula.
Alvo ficou pálido.
– Mas Professor Aleph...! – Nelson começou desesperado – Mas nós..!
– Vice-diretor Ravus. Desta vez vocês entrarão. O primeiro dia sempre temos alunos atrasados. Só é uma pena vocês terem perdido minha pequena atração...
Os alunos riram.
– Senhor Hirase, sente-se ao lado do senhor Archimenes. Você pode mostrar as suas anotações para ele, Walfran?
O menino de cabelo castanho longo e liso que estava sentado em um canto, com mais dois alunos assentiu.
– Os dois podem sentar junto a senhorita Waldorf e o senhor Malfoy. O senhor Malfoy também se importaria de mostrar suas anotações para o seu colega, o senhor Potter?
Ravus fitou profundamente Escórpio e o menino sustentou o olhar de Ravus.
– Posso sim, senhor Vice-diretor.
Alvo foi sentar-se ao lado de Escórpio. Nelson ficou no canto e Isobel do outro.
– Pode tirar o cavalinho da chuva – disse Escórpio ao pé do ouvido de Alvo - No meu caderno você não toca – e voltou a riscar a sua folha já totalmente cheia de anotações.
Alvo daria tudo pra estar no lugar de Mallone, que já dormia em sua cadeira ao lado de um Walfran indignadíssimo.
– Do que ele tava falando quando disse ‘pequena atração?’ – perguntou Nelson baixinho para Escórpio.
– Ele é um animago – disse Escórpio sem parar de anotar.
– Sério? – Nelson pareceu impressionado – No que ele se transforma?
– Urso pardo.
– Uaaau. Droga, eu queria ter visto.
“Shhhhh” fez Marcela, que estava na mesa ao lado.
– ... E, portanto, a transfiguração é uma arte que possui níveis de complexidades. Já citei as exceções da lei de Gamp sobre a transfiguração, doravante citarei mais alguns limites da transfiguração. O primeiro limite é o peso. Na transfiguração, não se pode transfigurar um objeto em outro com uma superioridade ou inferioridade de dez quilos. Além disso, é impossível conjurar ou invocar objetos os quais estiverem em uma distância superior a um quilômetro...
Alvo sentiu que deveria copiar tudo aquilo. Pegou o caderno na mochila e sua pena e começou a arranhar furiosamente o pergaminho. O vice-diretor Ravus parecia saber muito, era alguém extremamente inteligente. Ravus ia fazendo pontuais anotações no quadro e Alvo ia tentando acompanhar, sem, entretanto, muito sucesso. O menino era deveras lento na escrita. Mas quando Ravus moveu a mão para escrever “Transilusão”, Alvo viu brilhar em seu dedo algo que ele não tinha reparado antes. Ravus tinha um anel em forma de serpente. Ele era dourado, poderia ser de ouro, no mínimo folheado. E o anel tinha pedras vermelhas no lugar dos olhos da cobra. Eram provavelmente Rubis. Alvo ficou se perguntando quanto um professor de Hogwarts recebe de salário, pois aquilo deveria ser no mínimo uma fortuna.
Será que Ravus era realmente o ladrão? Será que a capa de pele de urso, o barrete, as roupas nobres, tudo era sustentado pelos roubos? Será que ele havia participado do roubo, pegado a fênix e o Nefilante, além do artefato do Ministério na primeira vez? Ele e Thatcher, o Elfo doméstico do antiquário, conversaram sobre retirar dali algo muito provavelmente ilícito, guardar com os duendes, longe da vista do Ministério...
Nelson cutucou Alvo. O garoto disse:
– Ei, acorda... A gente vai praticar transfiguração em um palito de dente agora.
Minha nossa! Alvo tinha perdido o início da aula e patetado na outra metade! Iria passar vergonha na frente de todo mundo. Sentiu-se imediatamente culpado. Precisava de ajuda, não ia conseguir só. Onde estava Rosa nesses momentos? Com os Grifinórios, é claro... E ela nunca ia ajudar um Sonserino a treinar a transfiguração...
Quando todos receberam seus palitos, Ravus disse:
– Lembrem-se: Stecchinade ago. Mentalizem bem o objeto. O floreio é como eu disse. Quem conseguir primeiro: dez pontos para a sua casa.
Os alunos começaram a repetir as palavras mágicas, agitando as varinhas para o palitinho. Alvo nem sabia como mover a varinha e já havia esquecido como se pronunciar. Tentou observar como Nelson fazia, mas como o menino não estava tendo sucesso, pensou que era melhor pegar outro modelo...
– Consegui.
– Deixe-me ver? – Ravus aproximou-se da carteira de Escórpio e mirou a agulha que estava, apesar disso, muito grossa, porém, indubitavelmente metálica – Certo, certo. Dez pontos para a Sonserina. Os demais... – Ravus fitou principalmente Alvo, que tinha o palito insensível a sua varinha, com nenhum rastro metálico sequer – devem me entregar na próxima aula dez centímetros de pergaminho explicando o método, com ênfase na pronúncia, floreio e mentalização. É só isso. Estão dispensados.
Escórpio Malfoy sorriu-se levemente e pegou as coisas, dando uma ombrada em Alvo quando passou, novamente parando para dizer:
– A gente vê que ser famoso não faz bom bruxo. Todo mundo puxa seu saco agora, Potter, mas quando perceberem que você não passa de excremento de asno, vão notar que a Sonserina não é lugar pra você...
Isobel fitou Alvo por um segundo, com aquela cara desconfiada de sempre e foi-se sem dizer nada. Nelson olhou para o palitinho de Alvo e riu baixinho enquanto se retirava.
Alvo olhou para a mesa. O palito de Isobel estava bem prateado, mas ainda era um palito. O de Nelson tinha as pontas mais finas e brilhando um retinir metálico. O de Escórpio era uma obra de arte. Mallone ainda dormia em sua carteira mais à frente. Walfran tinha o abandonado bufando de raiva.
Ravus mantinha-se sentado na cadeira alta, lendo alguma coisa no jornal. Alvo estava só. Ficou ali, se sentindo um medíocre, um idiota, que não sabia fazer nada, um bruxo zero-à-esquerda... E mais só do que nunca. Ser o número um em Hogwarts, ele disse que ia ser o melhor... Que sonho mais imbecil. Escórpio tinha o humilhado, o rebaixado de uma maneira tão vil que sentia algo doendo muito dentro de si. Alvo era um fraco e covarde... Ele guardou suas anotações vagas e incompletas e foi triste se dirigindo a saída.
Mas alguém abriu a porta de supetão, entrando na sala dizendo:
– Fauntleroy Gorgento está morto e Thatcher desapareceu! Eu sabia que não podíamos confiar naquele Elfo!
Quando o albino Professor Vogelweide notou que Alvo estava ali na sala ainda, ele fez uma expressão de choque amalgamado a ódio. Alvo olhou para Ravus, que parecia estar estarrecido, e para Vogelweide, que tinha a mandíbula trincada. O garoto preparou-se para gaguejar algum perdão, alguma desculpa...
– Fora, Fora, FORA! – gritou Vogelweide.
O menino saiu da sala disparado, sem nem olhar para trás. Ele sentou-se em um banquinho do pátio de transfiguração que estava lotado de alunos aproveitando o intervalo. Mas agora Alvo não queria aproveitar nada, só queria entender uma coisa:
Por que e como Thatcher assassinaria o seu próprio senhor?
Muitas possibilidades, muitos suspeitos, porém apenas aquele que Alvo tinha certeza da inocência, justamente esse era o que estava sendo perseguido pela matilha de Luduans. Ele e Harry foram acusados pelos bichos Luduans, mas nenhum deles sequer tinha a possibilidade de ter roubado algo. Isso era estranho. Com absoluta certeza era algum tipo de armadilha.
O mago branco de fato queria atingir o pai através de Alvo. Era bem compreensível, pois o garoto era um dos filhos do chefe dos aurores. Talvez o ladrão estivesse querendo despistar todos de suas verdadeiras ações, fazendo com que Harry e Alvo fossem vistos como suspeitos. Mas como ele estava conseguindo fazer isso? E por que os Luduans não faziam nada? Bem, primeiramente ele teria que entender o que de fato eram esses bichos. Tinha que entender também como o mago branco possuía poderes tão extraordinários, sem precisar de varinha.
Ravus, Vogelweide, Thatcher, Integra... Todos estavam relacionados de alguma forma. O garoto pensava, mas não conseguia encontrar nenhum tipo de lógica nisso.
— Talvez se eu tivesse ajuda de Rosa... Mas ela não... Ela não... — pensou um Alvo amargo.
O garoto saiu do pátio de transfiguração, conseguindo encontrar uma lógica entre os corredores do primeiro andar, até achar a porta de mogno que dava para a grande escadaria. Ele iria almoçar e esperar pela próxima aula. Qual? Não fazia a mínima ideia até Juliana responder à Patrichio:
— Feitiços.
— Ah sim... E com qual casa vamos dividir a aula? Corvinal de novo?
— Grifinórios – respondeu um Nelson rancoroso.
O coração de Alvo deu um aperto.
Significa que ele teria de sentar com Rosa. Será que ele podia? Será que era proibido um Sonserino dividir mesa com um Grifinório? Na verdade, não importava. O garoto sentia-se sujo, envergonhado demais para falar com os primos ou qualquer outro parente. Só que Alvo sabia de uma coisa: ele não ia sentar ao lado de Escórpio, se pudesse escolher. Não se ele não quisesse ter o ego rebaixado ao de um asno particularmente lento.
Na verdade, enquanto o garoto comia o rosbife com saladas e grãos diversos, dava algumas espiadas marotas nos Grifinórios. Seu irmão estava contando algo no ouvido de Letty e a menina ria-se mais descontrolada, dando um tapa repreensor quando Fred falou alguma outra piada. Caerulleu treinava um feitiço na saleira, fazendo-a ganhar pernas e sapatear.
Rosa não estava ali. Por sua vez, Dominique conversava com uma menina que ele não conhecia, como que segredando-a algo. A prima notou que Alvo a observava. O garoto virou a cabeça rápido e pôs-se a terminar seu prato o mais rápido possível. Não queria se perder. Iria precisar da ajuda do monitor para encontrar a sala de feitiços...
— Estou cansado de teoria. Eu quero explodir alguma coisa! — exclamou Dorian.
A menina loira que Alvo reconheceu como Tabatha riu-se para o instinto rebelde de Dorian. Ela percebeu que Alvo ouvia a conversa, mas ele novamente desviou o olhar, que foi ao encontro do de Isobel que estava bem à frente dele na mesa.
— Que é?
— Nada...
Alvo já estava começando a se chatear. Como ele poderia ter amigos da Sonserina, se todos pareciam estar esperando só uma chance para dar uma patada nele? TODOS os sonserinos pareciam ser assim. Sempre irônicos, fazendo piadinhas para rebaixá-lo, só por que ele tinha pais famosos. Eles também tinham! A maioria dos garotos dali eram bem—nascidos, sangue puros e bem sucedidos, com sobrenomes de família tão antigo quanto os Black. Como eles conseguiam viver naquela pressão eterna, entre nojentísses, falsos sorrisos e brincadeiras de mau-gosto? Ele já estava a ponto de explodir!
Ele precisava sorrir de leve, assim como nos últimos dias de férias... Lembrou-se da promessa com as primas que deveria aprender um grande número de azarações para acertar os Sonserinos. Mas agora ele era um deles!
Mas ele precisava ter coragem e falar com Rosa. Não ia conseguir pensar só. Sem a ajuda dela não dá! E não tinha ninguém com quem falar. Os Sonserinos provavelmente eram todos aparentados dos professores. Ele sabia que Integra tinha uma relação muito próxima com os dois professores, tanto Kaleb quanto Aleph. Como ele poderia chegar com Nelson ou Juliana, perguntando se a tia deles não estaria seguindo a pista errada e deveria dar uma olhada para os amigos dela, que são mais suspeitos do que qualquer um!
Sem contar que Escórpio estava sempre armado para desmoronar toda a alegria de Alvo. O menino simplesmente não entendia o porquê. Escórpio tinha falado mal dos pais dele na frente de Tiago. Ele mereceu a azaração. E agora ele quer se vingar dele através de Alvo? Não fazia muito sentido! Ele sentia que tinha algo a mais. Não podia ser só isso...
E pensar nessas coisas o levava a um desejo desesperado de ir para o corujal e escrever para o pai. Mas como ele iria lá só, sem se perder e correr o risco de chegar atrasado na aula de Aileen? A mulher era amiga do pai, mas, como tinha dito, não ia passar a mão na cabeça dele. Se ele estava querendo privilégios com Adhara Aileen, deveria pensar em um jeito melhor de se dar bem em feitiços... Só que sem ajuda de Rosa. Ele poderia, por exemplo, treinar até a exaustão e o desmaio.
— Acho que é melhor a gente ir — disse sabiamente Tabatha. Ela e Dorian se levantaram, seguindo Lorcan. Alvo tratou de acompanha-los.
Os garotos seguiram o mesmo caminho para o pátio de transfiguração, acompanhados da monitora da Grifinória, que era a prima Molly. Alvo também percebeu quando a menina quis vir falar com ele, e então se afastou, seguindo Dorian mais de perto. Elliot, o menino gorducho da Grifinória, estava sendo alvo das risadas de Mathew. Isso porque ele ainda mordia um pernil que havia trazido do almoço. Era incrível como podia-se desenhar uma linha entre os Sonserinos e os Grifinórios. Apesar de primeiranistas e terem pouco tempo de convivência, notava-se que ambas as casas já nasceram sem se suportarem.
Ao invés de atravessarem o gramado central, convergiram todos para uma porta no fim do corredor. A porta abria caminho para um novo anexo ao bloco, que continha corredores cheios de estantes contendo pergaminhos, tapetes enormes com ilustrações iluminadas por caldeias de velas em pontos estratégicos da parede. Subiram dois lances de escadas.
Pareciam estar no segundo andar, porém, em outro lado do prédio. Haviam muitas armaduras empeiradas no caminho. Alvo seguia Tabatha e Dorian de perto, que conversavam algo sobre uma passagem secreta que o pai de Dorian conhecia. De repente a menina desacelerou um pouco e manteve—se ao lado de Alvo.
— Você é o Potter, não é?
Alvo a olhou desconfiado e apenas concordou.
— Por que você não fala nada? Sempre te vejo calado.
— Calado ninguém mexe comigo....
A menina quis rir, mas controlou-se.
— Sou Tabatha Ravenborn.
— Alvo...
— Se quiser alguém para conversar eu prometo não...
Splash!
Tabatha estava sorridente, mas no segundo seguinte tinha uma expressão de puro choque. Alvo também estava chocado. Ele tentou tirar o acumulo de gosma que tinha espirrado no rosto. Nada comparado ao banho de muco que a menina tinha levado. O cabelo estava completamente encharcado e a blusa muito suja. A menina estava parada, com os braços elevados e arqueados, com a boca aberta, pingando gosma.
— HUAHUASHUASHUASH!
Uma voz fina e descontrolada gargalhou-se ecoando do fundo de uma armadura com a viseira entre aberta, pingando gosma verde.
— PIRRAÇA! EU NÃO ACREDITO! — gritou Lorcan.
Um homenzinho de olhos escuros e sem esclera, contendo o sorriso mais maligno e travesso que Alvo podia imaginar saiu da armadura, se espremendo como fazem os personagens de desenho animado.
Tabatha correu para as escadarias que davam para o andar de cima. Alvo sentiu-se mal por ela.
— AUHSUHASHUHASHUS, AI MEU DEUS, VOCÊS TINHAM QUE VER A CARA DELA!
O homenzinho flutuava longe do alcance do monitor, rindo descontrolado.
— Pirraça, como tem coragem! Sabe que eu vou falar com o barão sangrento daqui a pouco sobre isso!
— Será que ela foi chorar? — o palhaço fez uma enjoativa voz de bebê. — Será que o namoradinho vai levar um lencinho pra ela?
Alvo não estava mais ali. Seguira o corredor, atrás de Tabatha. A primeira pessoa que tinha tentado ser simpática com ele merecia uma ajuda. Estava correndo, tentando descobrir onde ela estava indo. Nesse momento, bateu de frente com alguém inesperado. Dois livros caíram da mão da prima, que descia de uma escada.
— Rosa?
—Al! Finalmente te encontrei! — a menina disse, pegando os livros.
— Desculpe... Eu... — Alvo notou que Tabatha estava dobrando o corredor, correndo, enquanto alguns alunos riam dela — Eu preciso ir.
— Calma, Al, não precisa fugir!
— Preciso ajudar aquela garota!
— Mas e a aula?
— Eu já volto... — e Alvo correu em direção ao outro corredor.
Rosa suspirou. Guardou os livros na mochila e alcançou o garoto numa corrida.
— Eu vou com você.
— Não precisa... Você vai se atrasar para a aula.
— Faltam ainda cinco minutos. E a gente está perto.
Alvo ficou desarmado e teve que concordar. Ambos foram correndo, seguindo Tabatha.
Aquele corredor estava bem deserto. No fim dele só havia uma porta, a qual, ao lado, tinha uma placa de “Interditado”.
— O que estamos fazendo, exatamente? — quis saber Rosa.
— Ela entrou ali.
— Ela quem? Aquele é o banheiro interditado.
— Vou lá com ela — Alvo sentenciou.
— Mas é o banheiro feminino!
— Não me importo...
— Tá, vou junto.
Os garotos entraram no banheiro.
Era amplo, escuro e sujo. Tinha no centro um círculo de pias brancas e altas, cujas torneiras eram de prata e em forma de cobras.
Ouviram som de água vir de um dos boxes maiores, que podia—se toma banho. Outra vozinha foi ouvida, rindo—se. A menina fantasma de óculos e maria-chiquinhas que Alvo tinha visto veio flutuando até eles.
— Vocês não querem ver isso, coitadinha — a fantasma parecia estar feliz da vida – ela estáhorrível.
Alvo aproximou-se do boxe grande, que chiava uma quedinha de água. O garoto deu três tímidas batidinhas.
— Tabatha?
“Oi” respondeu a voz da garota de dentro do box.
— Você... Quer ajuda?
“Você pode pegar alguma toalha. Tô toda molhada”
Alvo pensou um pouco e lembrou-se de algo.
— Eu sei um jeito de secar.
“Sério?” quis saber uma Tabatha incrédula.
— Vem aqui que eu mostro.
A menina saiu do box. Realmente estava horrível. Toda molhada, com o cabelo arrepiado e grudento. Quando ela viu Rosa, ficou um pouco receosa.
— Calma, ela é minha prima.
Tabatha consentiu, dando uma voltinha e rindo-se de sua situação. A fantasma bateu palminhas irônicas.
— Estou ótima, não estou? – Tabatha entrou na brincadeira.
Rosa sorriu de leve, compreensiva. Alvo pegou a varinha e tentou se lembrar com o máximo de detalhes possível do feitiço que o Vice-Diretor usou nele. Deu uma tossidinha para limpa a garganta, apontou a varinha e exclamou:
— Impervius!
A menina ficou bem mais seca. Os cabelos menos gosmentos.
— Nossa.. Você é bom.
— O.k, Rosie, me ajuda.
Os dois lançaram o feitiço até a menina ficar completamente seca.
— Obrigada. Sério, obrigada mesmo...
Os garotos prepararam-se para ir embora. Mas...
— Ei, garoto! Qual o seu nome? – perguntou a fantasma.
— Alvo... – o garoto olhou para a saída, querendo ir embora. Estavam atrasados.
— Sei... É que você me lembra alguém que eu conheci a muito tempo atrás. Ele visitava meu banheiro, tinha os seus olhos... Verdinhos... Ele era um dos poucos que tinham coragem de vir aqui. Era legal comigo. Por isso que ontem...
— Ah, é... Desculpa por ontem.
A fantasma sorriu.
— Espera, eu sei quem você é! – exclamou Rosa – Meu pai falou de você. É a Murta-que-geme, a fantasma que morreu para o basilisco, há quase setenta anos atrás!
A menina imediatamente ficou emburrada.
— É, EU SEI COMO EU MORRI, SEI QUE ESTOU MORTA, MORTINHA, MOR-TA! NÃO PRECISA FICAR ME LEMBRANDO DISSO, TÁ LEGAL?
E a fantasma berrou, chorando de modo tão escandaloso que Alvo teve que tampar os ouvidos. Ela foi até o box aberto e mergulhou no vaso, dando descarga a si mesmo, o seu choro ecoando pelas encanações...
— Hmmm. Ela é um pouco sensível, não é? — constatou Tabatha.
Os três garotos voltaram para a sala de feitiços. Todos os demais alunos já estavam acomodados. A sala era ampla, com o piso e a parede talhados em madeira. As mesas eram contínuas e algumas estavam em um patamar acima, todas recheadas de livros abertos e cadernos, as quais as penas dos Sonserinos e Grifinórios arranhavam. A prima Dominique sentava-se ao lado do garoto Lionel, que ria—se em uma conversa animada com Reggie. Na frente da lareira, Aileen andava para um lado e para o outro, lendo uma parte do capítulo 1 do livro de feitiços para a primeira série. O cabelo dela era Azul marinho em um rabo de cavalo, os óculos verde-ácido. Usava uma longa capa de couro, como uma que o pai usava quando saía nas missões de auror. Sem falar da bota de couro enorme. Ela parou de ler quando os três entraram.
Música Tema - Adhara Isla Aillen
— Estão um pouco atrasados, não acham, garotos?
Os três consentiram, de cabeça baixa.
— Ok, tudo bem. Hã, vocês não perderam muita coisa. Na verdade eu estava falando a definição introdutória de feitiços. Err — a mulher ponderou — Alvo, você e a senhorita Weasley podem ficar naqueles lugares vasos no canto ali em cima e você é a...? (...Tabatha Ravenborn...). Legal. A senhorita Ravenborn pode ficar perto da senhorita Wis’Hill. Hmm... Tá, tudo beleza... Vamos continuar? Bem, nos feitiços, existem diversos rituais cabalísticos que devem ser feitos corretamente para o efeito acontecer. A palavra mágica é a parte do ritual chamada de “divinação”, pois, há tempos atrás, os bruxos utilizavam....
Pode-se imaginar que Alvo sentou-se imediatamente ao lado de Escórpio, enquanto as garotas, Isobel e Rosa, ficaram nas pontas. Alvo mal respirava de nervosismo. Aquele menino era venenoso e estar centímetros dele já lhe causava uma sensação de ataque iminente muito desagradável. Isso piorava com o silêncio letal do garoto, anotando tudo, aparentemente concentrado, enquanto Isobel, como estivera na maioria do dia, mantinha-se calada, ouvindo as palavras da professora Aileen.
Apesar de jovem e com um jeito meio loucão, Adhara Aileen era muitíssimo inteligente e competente. Suas explicações eram mais vivas e animadas, em comparação com as de Ravus: tecnicnicistas e desprovidas de empatia. Ela sempre buscava perguntar coisas para alguns alunos específicos. Isobel era uma delas. A menina já estava começando a se irritar. Era visível pelo jeito que olhava para ela e para o livro, como que imaginando a cena sonhada dele voando na cara dela. Alvo era sempre citado, vira e mexe ela pedia a opinião do garoto sobre várias questões. Alvo meditava nervosamente tentando encontrar uma resposta, ao lado de um Escórpio que ria—se da incompetência, o que piorava a auto-estima de Alvo.
Após o início teórico, a professora Aileen pareceu decidir que, como ela mesmo disse:
— Deveríamos dar uma movimentada mais nas coisas, o que acham?
Os alunos concordaram entusiasticamente.
— Vou ensinar um feitiço muito básico, porém extremamente útil para as mais diversas situações. É o feitiço de levitação — a mulher apontou sua varinha longa e retorcida para uma gaveta, que abriu-se, fugindo dela diversas plumas de pássaros, que se espalharam pelo ar, até que ela apontou para o ar, exclamando: — Wingardium leviosa!
As várias plumas que antes planavam em uma queda lenta, estacaram no ar, flutuando sob o efeito do feitiço de Aileen. Os alunos deixaram escapar “Óooos” para a demonstração dela. A professora curvou-se em uma reverência para os alunos, sorrindo. Ela agitou ainda a varinha e cada pluma pousou preguiçosamente na frente de cada aluno.
— Legal. Agora vocês vão apontar suas varinhas para a pluma. Gira, balança, e um, dois e três,Wingardium leviosa. Repitam comigo agora, sem usar a varinha, senhor Erickies!
“Wingardium leviosa” os alunos repetiram em coro.
— Isso. O ‘Win’ é curto, o ‘gar’ é mais forte. Digam: Win-GAR-dium. Legal, legal. Agora o ‘o’ do ‘leviosa’ é bem mais longo e pronunciado. Repitam: Levi-ooooo-sa. Ta bom, ótimo, meninos, muito bem mesmo. Agora, quanto ao floreio. Como eu disse, gira e balança. Err... Faz um círculo menor, Al, assim você vai machucar o pescoço do seu amigo...
Escórpio já tinha lançado um carão para o garoto. Alvo fez um movimento de varinha mais amuado.
— Hmm, é, mas dá pra melhorar. Depois de girar, você balança, mas não muito rápido, Mccoy! Se não você pode acabar acertando o olho do Marcus. E a gente quer que plumas voem, não globos oculares, não concordam? Então gira, balança fraquinho... Isso. É. Vamos, tentem vocês sós.
Os garotos começaram a repetir o encantamento. Alvo repetiu diversas vezes, mas estava nervoso demais, tentando provar que conseguia, porém, mostrando—se ainda mais medíocre na frente de Escórpio. A pluma não dava sinais de querer ganhar os ares. Não demorou muito, obviamente, para o loiro conseguir levar a pluma para as alturas da sala.
— Aê — a professora bateu palmas entusiasmadas — É isso aí. Parabéns aos dois. Dez pontos para a Sonserina e para a Grifinória.
Isso por que Rosa também tinha conseguido fazer sua pluma flutuar ao mesmo tempo que Rosa. A menina fitava Escórpio em tom de desafio, ultrapassando a pluma do menino em altura. Escórpio revidou, levando a pluma ainda mais alto... Ambos ficaram se encarando até as duas plumas baterem no teto e eles cancelarem sem querer o feitiço.
— Bem, é isso mesmo que eu queria explicar. Obrigado, garotos. Quando se perde o foco no feitiço, ele é desfeito. Não que eles teriam uma duração eterna, claro que não. Mas perder o foco do feitiço faz com que essa duração seja anormalmente curta e até acabe abruptamente, como foi o caso deles. Com o treino, manter um feitiço ao mesmo tempo que se faz outras coisas — e até outros feitiços — vai ficando mais fácil e natural. Mas só com treino. É preciso meio que dividir sua mente em dois... Bem, isso já é outro papo e eu não vou me aprofundar nisso.
A professora continuou a explicar os efeitos que podem cancelar um feitiço. Ela repreendeu um pouco Lionel, pois o Grifinório estava conversando alto demais. Alvo percebeu que Lionel apontava para ele e falava alguma coisa para Reggie, e ambos riam. Que droga.
— E então, vocês poderiam me dizer por que dar vida a um objeto é considerado uma a área da transfiguração, não de feitiços?
Rosa e Escórpio levantaram a mão ao mesmo tempo. O menino ia começar a falar, mas ela foi mais rápida.
— Transfiguração se caracteriza por “Toda e qualquer magia que mude a essência de um objeto ou ser” enquanto um feitiço nunca muda, apenas acrescenta propriedades ao alvo da mágica.
Ela disse isso e lançou um olhar desafiador para Escórpio. O garoto tinha a mandíbula endurecida, em uma expressão fria que fez Alvo temer mais do que nunca um ataque.
— Minha nossa! Isso mesmo. Espera, sua mãe é a senhorita Granger, não é? — perguntou Aileen. Rosa concordou topetuda – Claro que é. Amo aquela mulher... Você é como ela. Dez pontos para Grifinória, então! Bem, garotos, é isso aí. Um feitiço acrescenta propriedades, mas não muda a essência. E um objeto desanimado, ao ser animado, tem sua essência vital modificada. Mas qual a única propriedade, além da vida, que um feitiço não pode acrescentar a um objeto?
— Todo-e-qualquer-efeito-que-altere-o-tempo.
Malfoy nem pediu para permissão para falar. Rosa tinha a mão levantada, mas com uma expressão zangada.
— Caramba, isso aí! Dez pontos para a Sonserina. Você é uma máquina, menino! Um feitiço que altera o tempo é considerado de um outro ramo da magia, segundo os estudiosos.
Escórpio sorriu—se satisfeito, lançando um olhar altivo por cima de Alvo.
E a aula seguiu—se assim. Sempre que Aileen tinha uma pergunta, Escórpio e Rosa quase gritavam para um responder antes que o outro. Aileen parecia que estava ficando tonta com aquela disputa. A campa do segundo horário tocou, indicando o fim da aula dupla de feitiços.
— Urfa, hein? Olha, eu não costumo pedir dever de casa. Só quero que vocês treinem o feitiço Wingardium leviosa. Nada de centímetros de pergaminho. Na aula que vem, quem conseguir fazer o feitiço além dos senhores Malfoy e Weasley, claro... Vai ganhar uma surpresinha gostosa da Zonko’s. Legal, né? Até mais, garotos!
Ao fim da aula, Alvo estava se sentindo mais humilhado possível. A única coisa que queria fazer era sair dali. Ele levantou-se e deu as costas para a prima. Ela ainda gritou: “Alvo, volta aqui!”, mas ele continuou correndo.
Ele saiu pelo caminho do banheiro, porém seguindo o corredor baixo e abobado até um outro corredor anexo, que tinha o teto também baixo, mas com meia abóboda e com janelas semicirculares apenas em um lado da parede. Descendo uma escada e seguindo reto, viu-se uma sala feita com piso de madeira e teto com hastes e vincos de paus. Nos vincos perdiam-se três sinos, dois de cobres e o central era de ouro, todos ligados a grossas correntes de ferro. E havia um buraco abaixo do sino, o qual seguia um tronco de ferro seguindo até o fundo, que balançava da esquerda à direita, esquerda à direita... Era provavelmente um enorme badalo.
Alvo desceu uma escadinha de madeira e viu-se em uma sala cheia de engrenagens. Mais a frente havia uma meia janela redonda enorme, com um “XII” desenhado, além de ponteiros. Ele estava dentro da face de um Relógio. O menino se aproximou da janela.
Música tema - Tempo chuvoso em Hogwarts
Lá de cima ele via o céu nublado, prometendo uma tempestade. O pátio pavimentado da torre do relógio estava cheio de estudantes, que logo dispersaram-se e entraram nos corredores laterais protegidos por um teto de plantas trepadeiras, o quando as primeiras gotas se tornaram uma chuva forte. Ela molhava os gramados, a água descia pela encosta a qual uma ponte de madeira se estendia. E mais a frente uma cabana rodeada por um jardim de abóboras recebendo a garoa calmante. Alvo já não pensava em nada. Sentou-se ali e ficou observando toda a chuva descarregar-se no solo por horas. Ali ninguém podia jogar na cara dele que era melhor, mais inteligente, que não era uma montanha de estrumes. Só o chuvisco a tamborilar no vidro do relógio, calmo e incessante...
O sino tocou mais de quatro vezes e o garoto só saiu dali quando já estava escuro o bastante. Ele seguiu um aluno da Sonserina qualquer que voltava de uma sala próxima e encontrou o seu salão comunal, indo direto para a cama, sem mais querer falar com ninguém, nem mesmo Nelson, que conversava com Mathew sobre os times de quadribol internacionais, ou sobre a aula de feitiços e a bonita professora Aileen. Alvo apenas observava o bailar lento das algas nas profundezas do lago...
O garoto acordou com uma presença estranha. Uma criatura com a pele branquela, sem pelo e toda engelhada, com aqueles olhos azuis com pupilas verticais a fitar o garoto. Estava sentado no peito de Alvo.
— ARRRRREE!
O susto foi tão tremendo que o garoto saltou da cama, fazendo o gato voar dando um miado de pura irritabilidade ao pousar levemente no chão do quarto. O gato lançou um olhar assassino para Alvo e foi—se balançando o rabo de chicote seco, agora pulando em cima da cama de Nelson.
— Bo-ooh-om... ‘dia, Conde... — Bocejou Nelson. O menino coçou a orelha do gato e ele fechou os olhos, curtindo o carinho. Após isso, Nelson voltou imediatamente a dormir.
Alvo levantou-se logo e se aprontou o mais rápido que pôde. Pegou um pedaço de pergaminho e escreveu uma carta curta. Depois acompanhou Deborah Waldorf, que levantara mais cedo também. Ela tinha uma vassoura na mão e fingia não perceber que Alvo a seguia para não se perder nos túneis das masmorras.
O céu que se refletia no teto do salão principal estava ainda acinzentado, com nuvens de jeito lento e denso, cobrindo um sol pálido e fraco. Havia pouquíssimas pessoas no salão comunal, graças a Deus. O menino fez o desjejum rapidamente e saiu, ganhando o pátio exterior do castelo, onde fazia um frio preguiçoso. Alvo sentou—se em um banquinho e aguardou algum aluno mais velho aparecer. Teve sorte. Lorcan, quer dizer, Lissandro apareceu. Era o monitor da Corvinal, que era idêntico ao irmão, mas tinha na gravata o azul da casa das águias;
— Ei... Licença. Você pode me dizer onde é o corujal?
— Olá Alvo... Se você quer mandar uma carta, por que não espera o correio? Vai chegar daqui a uma hora... Eu também vou mandar uma para a minha mãe Luna. Esqueci meus óculos que veem o invisível...
O menino ficou calado, pensando no que dizer.
— É que eu sei que não vou receber nenhuma carta hoje.
— Ahh. Que pena. Me contaram que você anda bem solitário esses tempos. Todo mundo odeia a Sonserina. O Tiago deve estar bem chocado, não? Eu também fiquei quando o Lorcan caiu naquele lar de cobras nojentas. Tudo bem, não fique triste... – disse o garoto, sorrindo-se – É, acho que posso levar você. Está bem cedo, apesar do frio dessa chuva fazer a gente pegar algum resfriado. Tem uma dezena de gente doente na enfermaria. Mas seria legal. Ao menos eu posso melhorar meu trabalho de Defesa Contra as Artes das Trevas. Bem, de qualquer jeito... Já sei. A gente pegar um atalho pra ficar menos molhados.
Os garotos subiram a grande escadaria. Lissandro as vezes subia mais rápido. Parecia ter decorado quando a escada ia se mover. Pelo quarto andar, entraram em um átrio circular, com uma estátua de um frei, abraçado por duas escadas em semi-circulo que dava acesso a um corredor abaixo. Este corredor tinha muitas tapeçarias e estátuas de anões. O próximo corredor tinha janelas laterais baixas, informando que estavam em uma passarela entre-prédios. O terceiro andar dava acesso a um outro corredor que tinha no fim uma série de engrenagens. Alvo já estivera ali no dia anterior.
Na outra ponta do corredor estava uma sala a qual Lissandro apontou ser a Ala Hospitalar. Mas eles desceram mais escadarias até encontrarem um amplo salão onde um badalo enorme balançava. Saindo de lá encontraram o pátio da torre que era ao ar livre. Chuviscava fraco. Eles seguiram por um corredor protegido da chuva até conseguirem acesso à uma ponte de madeira bastante longa. Encontraram do outro lado os campos de Hogwarts. Imediatamente no fim da ponte havia uma espécie de pátio de grama rustico definido por sete colunas de pedras, como ruinas de Storhenge, mas em uma versão menor.
Eles seguiram um caminho íngreme, subindo um monte ladeado por pinheiros. Mais na frente havia uma colina alta, e em seu pico uma torre pedia. Uma outra torrinha anexa à torre maior fazia-a alcançar uma altura ainda maior.
— Está vendo aquela torre? É o corujal. Sua coruja deve estar dormindo lá. Não meche com as que estiverem dormindo. Elas bicam pra valer.
— Hã... Lissandro...
— Diga? Já se sente doente?
—Não... é que... você pode me acompanhar na volta? Acho que não vou encontrar o caminho de novo... – explicou o garotinho, envergonhado.
— Certo... – disse um Lissandro compreensivo – vou te esperar aqui. Assim você pode fazer o que tem de fazer lá, sem a minha presença para xeretar.
Alvo subiu uma escadaria de pedras que se alinhava aos acidentes rochosos do monte. Ao olhar para a esquerda, em um ponto, vislumbrou lá no fundo, coberto por névoas, o campo de Quadribol. Era enorme... Continuou galgando os degraus. Finalmente em seu topo, adentrou a torre por uma porta de madeira simples.
O corujal era um antro circular, cuja parede era cheia de centenas de casinhas escuras alojando corujas dorminhocas. Algumas notaram a presença de Alvo e abriram um dos olhos. Outras nem se deram ao trabalho, apesar de piarem em sobreaviso. O garoto procurou uma coruja completamente branca, mas não encontrava em lugar algum. Ele subiu uma escada circular que se ligava à parede da torre, ganhando o segundo andar. Nada de Lude. No topo do corujal, onde havia a porta da torre anexa cuja abertura era gradeada, lá também não se encontrava a coruja de Alvo. Ele não estava em Hogwarts.
Apesar de achar estranho o sumiço de Lude, o garoto resolveu usar uma coruja da escola para enviar sua carta. Antes de colocar o papel no coldre anexo à perninha de uma coruja-da-igreja, o menino releu a carta.
Pai, é o Alvo,
Lude desapareceu, por isso estou mandando essa carta por uma coruja da escola. Se ele estiver por aí, manda ele vir aqui de volta.
As coisas poderiam estar melhores, mas em geral, estou sobrevivendo. Eu queria perguntar uma coisa. Mas antes, o senhor e a mamãe têm que me desculpar por ser da Sonserina. Eu não tive culpa. Tentei ser Grifinório, mas o chapéu se confundiu e me pôs na Sonserina. Me desculpa. Eu juro que vou dar orgulho para vocês, apesar disso.
A pergunta é sobre um homem chamado Severo Snape. Quem é ele? Ele era seu inimigo? Por que colocou meu nome de Severo? Eu preciso saber.
Abraços, estou com saudades.
Alvo.
Estava boa. Ele despachou a coruja para o largo Grimmauld, 12. Foi encontrar se com Lissandro. O garoto estava sentado em uma rocha, cutucando um iguana com um toquinho de pau.
A segunda aula de Herbologia foi mais tranquila. Felizmente, o feitiço de solo que Alvo tinha feito havia funcionado. Eles plantaram algumas sementes de uma planta chamada Seladora. Neville estava bem animado e não notou que o bocejo de Mathew era uma demonstração de seu apreço pela aula.
Se Mathew bocejara na aula de Herbologia, na de História da Magia ele literalmente dormiu a aula inteira. A sala ficava no primeiro andar, atravessando a ponte que comunicava o bloco da grande escadaria daquele que continha no subsolo as masmorras. Ficava no corredor perpendicular à sala de feitiços e era um lugar reto, cheio de cadeiras, as paredes recheadas de mapas e os armários tinham centenas de rolos de pergaminhos mofentos que faziam Alvo querer espirrar mais que tudo nesse mundo. Um globo mundo girava preguiçosamente sobre a mesa do professor, que era a coisa mais deprimente da sala.
O fato mais digno de nota da aula foi o momento que ele apareceu: atravessou a parede da lousa e ficou flutuando na frente da mesa. O Professor Binns havia lecionado uma vida inteira a matéria. Sua didática era tão participativa e excitante que poderia fazer uma tribo de babuínos eufóricos caírem no sono, como que sob efeito de poderosas drogas sedativas. Talvez só não fosse substituído, com perdão do trocadilho, por alguém mais vivo pois muito provavelmente adquirira cargo vitalício ao se tornar um fantasma.
Alvo poderia ter dormido, assim como Mathew e mais uma considerável porcentagem da sala (o fantasma parecia que nem notara: apenas falava interruptivamente uma introdução longa e espalhafatosa sobre os primeiros bruxos, os Magi), porém o garoto manteve-se muito concentrado em ficar longe das primas Rosa e Dominique, as quais, na falta do que fazer, não paravam de querer fazerem-se vistas por Alvo, que fingia do outro lado da sala estar concentrado nas palavras do fantasma, quando na verdade apenas fitava o quadro em um ponto central, tentando com todas as forças não virar o pescoço.
Ao fim da aula as pessoas já estavam dando graças a Deus silenciosos. Elas só verbalizaram um “ATÉ QUE ENFIM” no momento que o mestre atravessou o quadro de volta. Alvo levantou—se rapidamente e correu para fora da aula, ignorando as chamadas das primas.
De tarde o chuvisco fraco havia se tornado uma tempestade pavorosa, com direito à raios e trovões. Os garotos seguiram até o terceiro andar pela grande escadaria, dobrando corredores, atravessando portas, descendo escadas semi-circulares até acharem um corredor largo, cujos quadros eram mais macabros: árvores negras, ghrouls, espirito agourentos e almas penadas. Uma armadura particularmente velha marcava a porta para a sala de Defesa Contra as Artes das Trevas, aula que os Grifinórios pagavam junto com os alunos da Lufa—Lufa.
A sala era bem, bem ampla. Várias janelas altas foram tendo suas cortinas fechadas pelos acenos da varinha do professor Alto, albino e vestido com um sobretudo azul, cujo tecido farfalhava enquanto ele caminhava até a frente de sua mesa de mogno. A luz do sol foi quase extinta da sala. Porém, de repente um único raio luminoso invadiu o ambiente. Um retroprojetor antiguíssimo fora ligado com dois baques da varinha do Professor Kaleb Vogelweide.
Poucos alunos soltaram exclamações assustadas. A primeira imagem projetada foi a de um crânio. Da boca escancarada desse crânio, saía uma serpente que ia se enrolando, enrolando, enrolando...
— Alguém se atreveria a dizer do que se trata esse símbolo? – disse a voz profunda e reta do professor.
Sob o ambiente escuro, Alvo pela primeira vez levantou a mão.
— Eu acho que é... É a Marca negra.
— Precisamente, senhor Potter. Seu pai a conhece muito bem, não? E o senhor poderia nos dizer o que esse símbolo significa?
— É a marca dele – disse um Alvo tímido.
— Incorreto. Não é, era. E não é ele. – Vogelweide sorriu da própria ironia —Alguém conhece o nome?
Ninguém levantou a mão.
— Tom Marvollo Riddle. Mas ele utilizava o seguinte nome-símbolo: Voldemort – Quase o dobro das crianças deixaram escapar sustos incontidos quando ouviram aquele nome. — Sabem me dizer por que Tom Marvollo Riddle gostava de ser chamado de Voldemort, e não Tom?
Novamente silêncio.
— Medo. Há vários Tom’s, mas apenas um Voldemort. Ele fez história com seus feitos até hoje os bruxos temem esse nome-símbolo. Os seus pais fizeram vocês o temerem e respeitarem o nome.Você-sabe-quem. É como muitos se referem a Voldemort.
“Temer é sensato. Um mecanismo de defesa de todo ser-humano. Mas fugir, ignorar e fingir que não existe, isto não é medo, é covardia. Espero que vocês entendam muito bem a diferença. Há muitos anos atrás o Ministério da Magia temeu tanto esse nome que acabou fugindo, ignorando e fingindo que ele não existia. Eles permitiram Voldemort ressurgir.
“Hoje os tempos são diferentes. Voldemort está morto. Temos a paz. Então eu lhes pergunto: para que estudamos Defesa Contra as Artes das Trevas?
“Nós não devemos cometer o mesmo erro dos antepassados. Não devemos fugir, ignorar e fingir que o Mal não existe. Com a morte do bruxo Voldemort, adquirimos a falsa sensação de que tudo está seguro, que o Mal acabou. Mas o mal nunca dorme. Devemos estar sempre preparados. Não podemos fugir, ignorar ou fingir que estamos a salvos. A ignorância nos torna mais vulneráveis. Nunca se esqueçam disso. Durante os seus sete anos de Hogwarts, eu os ensinarei a temer, respeitar e conhecer as Trevas, para aprender a enfrenta-la. E só se enfrenta o escuro...” O professor balançou a varinha e ela brilhou. Em seguida ele disse “Expecto Patronum!”
A luz azulada brilhou mais forte e da ponta da varinha uma coruja composta por pura energia luminosa emanou. Ela saiu voando pela sala até explodir em um globo ofuscante que se expandiu por todo o espaço, dissipando tão rápido quanto surgira.
— Só se pode enfrentar o escuro com Luz.
Os alunos olhavam hipnotizados para Vogelweide. Ele apontou a varinha e uma manivela girou, mostrando uma nova imagem que dizia “Magia negra e o esconjuro”, juntamente com a imagem de um sapo com a boca cheia de alfinetes.
— A mais simples forma de magia baixa é o esconjuro. Ele se relaciona com a associação de uma imagem a um fim específico, como por exemplo o baixo Voodu e os Bruxedos. O esconjuro é erroneamente identificado como sinonímia de Artes das Trevas. Na verdade há uma confusão semântica entre “Trevas” e “Negra”, palavras que carregam significados próprios e muito distintos entre si. Alguém conseguiria me responder qual o povo é matriarca da Magia Negra?
— Egípcios — respondeu Escórpio.
— Certo, Senhor Malfoy. Hã... Potter e Malfoy, os senhores, talvez, estejam esperando pontos por suas respostas corretas. Mas eu acredito que vocês saberiam tudo isso se lessem o primeiro capítulo do Manual de Garilaka. Logo, é uma obrigação vocês saberem, então não vejo por que atribuir pontos às suas respostas. Eu perguntarei algo, esperarei alguém responder. Se ninguém se voluntariar, eu apontarei para um aluno e se este não responder, a casa deste aluno perderá pontos...SILÊNCIO.
Os alunos pararam suas reclamações imediatamente.
— Os bruxos Egípcios da antiguidade consideravam a cor negra como símbolo da fertilidade, pois os solos negros eram mais férteis e os desertos vermelhos validavam a morte. O uso de Esconjurações para a proteção das tumbas dos faraós...
Os alunos findaram por perceber que aquele professor era dez vezes pior que Ravus. Ninguém brincava com Vogelweide. A sala escura e fechada, com um único foco de luz sendo retroprojetor a refletir de leve na pele de porcelana e nos olhos vermelhos de Kaleb fazia-o dez vezes mais assustador. Até o fim da aula, todos os Sonserinos (até Alvo) deram graças a Deus pelo Escórpio ser inteligente. Já os alunos da Lufa-Lufa perderam trinta pontos ao todo.
O professor reabriu as cortinas. As janelas estavam cheias de gotinhas de chuva. Todos os alunos já se retiravam, quando...
— Potter. Venha aqui comigo.
Alvo fechou os olhos, pressentindo uma tragédia. O menino estava já com a mochila nas costas, tão perto da liberdade... Mas teve que ir de encontro com o Professor sentado atrás da mesa de mogno, fitando-o profundamente com aquele olhar vermelho sinistro.
— Sim, professor... — disse um Alvo incapaz de olhar nos olhos do homem. Nesse momento, viu o jornal aberto na página a qual, no canto inferior, tinha a matéria intitulada “DERROTADO PELA DOENÇA, MORRE FAUNTLEROY GORGENTO”.
— Está comigo, Potter? — disse Vogelweide. Ele havia acompanhado o olhar do menino, notando que ele estava vendo o jornal.
— S-Sim, Professor – gaguejou Alvo, numa miserável tentativa de disfarçar, piorando o nervosismo. Vogelweide sorriu.
— Tenho o visto repetidamente em situações que, posso estar enganado, assemelham-se a espionagem... (Alvo engoliu a seco). Ah, Potter... São tempos perigosos, os tempos dos inícios, entende? É nessa época em que os desaparecimentos acontecem. Primeiro Thatcher, depois, quem saberemos? Sugiro tomar mais cuidado. Em Hogwarts não temos Harry Potter para protege-lo sempre...
O garoto teve uma vontade imensa e inexplicável, então cedeu e olhou para aqueles olhos vermelhos, brilhosos e frios, os lábios em linha reta numa expressão igualmente gelada. Alvo balançou a cabeça fazendo que “sim” e retirou-se da sala o mais rápido que pôde. Estava ofegando. Alguma coisa naquele professor o deixava muito nervoso. Ele não era para brincadeira, definitivamente não.
Os dias passavam lentamente. As nuvens foram se tornando cada vez mais cinzentas e densas e já começavam a descarregar pelas manhãs e tardes, mas as verdadeiras tempestades aconteciam a noite. Alvo estava alheio a elas. As noites no salão comunal da Sonserina eram enfeitadas pelo fundo do lago, intacto a toda e qualquer variação temporal do mundo acima.
Com o passar do tempo o garoto se sentia exatamente assim. Ele estava em um mundo à parte dos demais. Rosa e Dominique, bem como Molly e Roxanne foram notando que Alvo não queria conversar com eles e resolveram parar de tentar. Até por que era difícil encontra-lo. Ele tomava o café da manhã mais cedo que todos e ficava no parapeito da passarela, espiando o lago.
Durante as aulas ele ficava muito calado. Tentava fingir não ouvir quando Rosa e Escórpio se digladiavam nas aulas de feitiços. Nos horários de História da Magia ele gostava de pensar no café da manhã de amanhã, se teria bacon ou fariam panqueca de baunilha. Depois das aulas ele gostava de ir até a torre do relógio, o único caminho que o menino havia decorado. Era apassivador observar a chuva sob o vidro do relógio, vendo os alunos passarem pelos corredores cobertos do pátio cheio de estátuas de javalis. Mais à frente do horizonte, a grama dos vales e as árvores iam sendo banhadas pelas águas torrenciais. O garoto se sentia indubitavelmente solitário. Era um preço que tinha de pagar por ser diferente de todos os membros da família e também de todos os outros Sonserinos. Talvez se Alvo fosse simplesmente irônico e cruel como Escórpio, encontrasse um lar entre as cobras... Mas ele era burro. A fama era a única coisa que fazia alguns alunos puxarem papo com ele.
Na primeira sexta pela manhã, novamente foi desperto pelo conde. O gato tinha dado uma arranhada no nariz de Alvo, o menino acordou urrando de dor. Patrichio consolou Alvo, dizendo que da última vez que o gato tinha feito isso, dera graças a deus que tinha os olhos fechados, se não poderia ter tido a órbita arrancada.
Nelson dissera que o gato era incapaz de matar uma mosca, talvez apenas machuca-la ao ponto de impedi-la de voar, mas matar não. Era um doce de gato, dizia o menino enquanto acariciava a pele mole do bicho, deitado na cama com preguiça de levantar para o novo dia... Um novo novo dia...
Depois do café da manhã, Alvo avistou um barquinho a navegar pelo lago. Era Hagrid, jogando comida para a lula gigante... Alvo acabara de se lembrar de que tinha prometido ir sexta à tarde, já que não tinha aula. Mas ele prometera ir com Rosa, além disso, será que Hagrid ia... Será que ele também...
A primeira aula de poções foi nas masmorras. O Lorcan levou eles pelo conhecido caminho até o segundo bloco, descendo as escadarias até encontrar as masmorras, com aquelas paredes rústicas e mal iluminadas. Dessa vez eles tinham a companhia dos Grifinórios. Alvo ouviu Lionel comentar em alto e bom tom:
— Olha que tipo de buraco essas serpentes se enfiam!
Alvo gostaria de mostrar o salão comunal para o babaca, mas manteve-se calado. Apesar de tudo, era de conhecimento geral a luxuosidade do salão comunal da Sonserina.
Porém os garotos seguiram um caminho diferente do salão comunal. Caminharam por um corredor úmido e frio. No caminho, encontraram madame Brendon, a zeladora. A bruxa baixinha, gorda e enrugada ainda usava aqueles óculos escuros e o lenço cinza cobrindo aquele cabelo desgrenhado. Ele impressionou-se de encontrar uma pessoa aparentemente menos simpática que o Professor Vogelweide. O pior era não saber para onde ela estava olhando.
Finalmente chegaram em uma sala larga, com teto baixo, onde se ministrava Poções. Haviam vários armários tomados por vidrarias com os conteúdos mais coloridos e estranhos que se poderia encontrar. Globos oculares, órgãos internos de ratos, dentes e pós de raspados das substâncias mais abomináveis que alguém poderia sonhar. A sala tinha janelas que davam ainda para fora, iluminando vagamente a sala. Ou seja, eles não haviam descido tão profundamente quando o salão comunal. Porém, a única paisagem era o espelho do lago, castigado por um chuvisco revoltoso.
Várias mesas alongadas guardavam quatro lugares cada. Alvo se acomodou juntamente a Dorian, Tabatha e Patrichio. Alvo lutou para não olhar para a mesa de trás, onde Rosa sentava-se com Dominique, Lionel e Reggie. Alvo descansou o caldeirão em cima do forninho portátil e notou que cada espaço da mesa tinha lugares específicos para picar, cortar, pilar, como um laboratório de poções particular.
O professor chegou minutos depois que todos os alunos estavam acomodados.
— Não tenho mais idade para descer até aqui... — resmungava baixinho o velho Slugorn. E então notou a classe — Ora, ora, bom dia!
“Bom dia” a turma respondeu meio desparelhada. O professor sentou-se atrás de sua mesa longa e suspirou algo como “um dia essas escadas me matam...”
O professor Slugorn era assim como o menino imaginara: um velho animado que gostava muito de bajulações, sendo bem direto. No início, ele puxou o saco de Alvo até o menino ficar pimentão. Escórpio não parava de rir. Alvo sabia o porquê disso. Escórpio riu ainda mais quando Slugorn percebeu a tragédia que Alvo era. Não sabia nada de poções e ainda esquentara demais sua poção de curar furúnculos. Pareciam que alguém tinha quebrado dez ovos podres no caldeirão de Alvo. Slugorn quando passou para dar uma olhada afastou a cara imediatamente, dando um sorriso meio amarelo
— Vá tentando, meu rapaz... Seu pai era um péssimo preparador de poções no primeiro ano, mas no sexto ele se tornou um gênio, assim como sua avó. Tenha fé! Está no seu sangue a habilidade, só precisa, hã... — balançou a varinha para dispersar o fedor — um pouco mais de empenho.
Slugorn quase desmaiou de prazer ao ver a poção de Escórpio. Nem Rosa fora tão bem quanto ele. Nelson até fora muito bem. Quando Slugorn descobriu que o pai de Nelson era Drielson Derwent, comentou para toda a sala:
“Ah, grande amigo meu, o seu pai! Os Derwent vêm de uma enorme linhagem de Curandeiros. Dilys Derwent incuslive foi diretora de Hogwarts e do St. Mungus, assim como seu pai é. Soube que ele está fazendo um ótimo trabalho como cabeça do Hospital! E eu lembro de sua mãe, Elisia Derwent... Uma das mais geniais estudiosas de alquimia aplicada à medicina que eu já conheci. Aprendiz do velho Fauntleroy, que esteja em paz, quer dizer, os dois...Er... Sim? Onde eu estava?”
Após o horário duplo de poções, Alvo sentiu-se pior ainda. Rosa disputando com Escórpio, humilhando-o ainda mais... Ele sabia que era burro, não precisava de lembretes.
No fim da aula, o professor Slugorn chamou Alvo e Escórpio em particular. Alvo já sabia do que se tratava.
— Alvo, meu rapaz! Que bom vê-lo aqui. Como está indo? Gostando? Aposto que sim... E o senhor Malfoy, divertindo-se? Bem, tenho um assunto meio desagradável para tratar com vocês. Sou o diretor da Sonserina, portando sou seu responsável. Soube que vocês receberam detenções por causa do incidente no lago. Aleph me informou que já conversou com vocês. Agora já devem ser mais amigos, já que dividem a mesma casa...
— Claro! — sorriu-se Escórpio, apoiando o braço no ombro de Alvo e puxando o garoto para um abraço lateral — Bons amigos!
Alvo quase vomitou para aquela falsidade. Escórpio lhe lançou aquele olhar de víbora antes de desprende-lo do aperto excessivamente forte.
— Excelente! Maravilhoso! Bem... No fim de semana, sábado, pela noite, acredito que estarão livres. Vocês ajudarão ao professor Longbotton a reenvasar algumas plantas no Jardim dele. Então é só isso! Não se esqueçam de pedir um pedacinho de Visgo-do-diabo para Neville. Meu estoque acabou e penso que ele não irá se negar. Até mais, rapazes!
Alvo e Escórpio se entreolharam antes de ir embora. Não sabia no que o menino pensava, mas Alvo só repetia uma coisa na cabeça: “Vou ter que ficar jogando estrume de dragão com o Escórpio do lado. Estou ferrado”.
– ALVO! Dessa vez você não foge.
Quando o menino ia cruzando a porta, alguém puxou seu braço com muita violência.
— Está tudo bem aí? — perguntou o professor que observava tudo de longe, com uma cara preocupada.
— Tudo ótimo – respondeu Rosa, que ainda agarrava o braço do primo. Dominique agora pegou o outro, virando-o para trás, quase que entortando o braço do garoto. Lionel comentou rindo-se “É hoje que o Potter apanha...”. Reggie riu alto. Isobel virou-se para fitar Alvo. Depois foi-se embora, conversando com um Escórpio particularmente animado.
— Tem certeza? — perguntou Slugorn. Estava decididamente assustado.
— Tá O.K... — tranquilizou Alvo.
— Vem com a gente — disse Dominique enquanto puxava o primo. Rosa também não o largara.
Na subida da escada, Alvo se desvencilhou.
— TÁ BOM, TÁ BOM, EU NÃO VOU FUGIR. Pode fazer o favor de me largar?
O menino massageou os pulsos, que estavam com uma marca vermelha do aperto de Rosa. Estalou o outro braço quase torcido.
— Vamos na cabana do tio Rúbeo — disse Rosa, impassível.
— Precisavam me puxar assim?
— Precisava. Você ia fugir e nem ia aparecer lá. Uma falta de consideração.
— Como se o tio quisesse ver a minha cara...
Os garotos atravessaram o castelo até o pátio da torre do relógio. Não estava chovendo, por milagre. Dominique ainda dizia:
— Não sei de onde tirou essa ideia de que ninguém quer te ver... Que babaquice.
Alvo nada respondeu.
— Calma, Domi — disse Rosa — Ele vai falar. O tio Rúbeo disse que quer ter uma conversinha pessoal com o nosso querido primo fujão...
Eles cruzaram a ponte de madeira e chegaram ao círculo de pedras, no caminho para o corujal. Mas ao invés de subirem morro acima, desceram por um vale ladeado por pinheiros até avistarem de longe uma plantação de abóboras, com um espantalho coberto de corvos. Lá estava uma cabana bem acabada.
Dominique bateu algumas vezes.
A porta se abriu e aquele homem realmente enorme, de cabelos desgrenhados e grisalhos, com quase apenas os olhos negros de besouro, disse:
— Então aí está, hem? Vamos, entrem.
Hagrid estava sério. Pediu para todos se acomodarem na mesa. A cabana estava cheia de cacarecos como pelos de bichos, chifres, sacas de ração e coisas do tipo. Um cachorro pardo enorme com manchas brancas que mais parecia um lobo, foi cheirar Alvo. Ele o focou com aqueles olhos azuis o menino e depois sentou-se na porteira da casa, como que montando guarda para ele não fugir. Hagrid tirou a chaleira do fogo e deu uma xícara de chá para cada garoto.
— Então. – disse o gigante, com uma cara repreensora — por acaso o senhor tem bosta de dragão no lugar dos miolos, Alvo?
O menino não respondeu nem encarou Hagrid. As primas estavam em silêncio.
— Por que ficou fugindo da gente, Al? — forçou Dominique, que sentara com a cadeira do lado avesso, apoiando os braços no espaldar. Alvo falou alguma coisa bem baixinho.
— Que disse? — perguntou Hagrid.
— Eu não queria que tivessem pena de mim. – repetiu o garoto que estava muito sem graça.
— Pena de você? Ora, Al... Que tolice. Por que teríamos pena de você?
— Eu fui pra Sonserina.
— Idaí? — disse Dominique.
— Eu sei como vocês me olham! — finalmente Alvo se abriu. Parecia que estava querendo dizer isso a séculos e alguém roubou sua voz — Eu sei o que todo mundo pensa! Coitadinho, é da Sonserina... Eu sei que sou a piada da vez!
— Ai que imbecil... — disse Dominique.
— É, eu sei que ainda por cima sou burro... — emburrou-se Alvo.
— Para de se fazer de vítima, ô demência! — explodiu Dominique — Aqui ninguém se importa se você é da Sonserina ou sei lá o que!
— Mas nas férias vocês disseram que iam azarar os Sonserinos!
— Você é nosso primo! — disse Rosa — tio Rúbeo, diz pra ele!
— Ah, meu deus Alvo... Não acredito que você pensou que suas primas iriam te odiar só por que você entrou para a Sonserina.
— Sei que vão! — Alvo estava a ponto de chorar mas segurou as pontas tão bem que parecia estar mais raivoso que nunca.
— Ora, quanta bobagem. Elas são sua família! Família nunca abandona a gente! Nunca, Al!
— Diz isso pro Tiago... — resmungou o menino.
— Ora, mas foi ele mesmo que mandou elas falarem comigo! Tiago sabe que você não ia querer falar com ele. Está se sentindo muito mal por ter mexido com você nas férias. Está indo muito mal nos treinos por que acha que magoou o irmão e não sabe como pedir desculpas!
Alvo se calou.
— Não importa se você ficou na Sonserina. Você ainda é o Al. É um Potter. É família. Você não pode ficar se excluindo assim.
— Eu tenho muita vergonha! — disse um Alvo triste — Eu sou o único que foi pra Sonserina de toda a família! Acha que eu me sinto legal com isso?
— Por isso mesmo que deveria ter falado com suas primas. Elas gostam de você, querem o seu bem. Ficar sozinho e fazer drama não ajuda em nada...
— Eu sei que ninguém gosta da Sonserina... – disse Alvo cabisbaixo.
— É verdade que alguns sonserinos são moleques muito difíceis de lidar, mas tem muitas exceções. Lorcan é um garoto muito divertido que sempre me ajuda nas minhas aulas! Tem muito talento com Criaturas mágicas, assim como o pai. Royster, Amanda, Pietro... Tenho tantos bons alunos Sonserinos... A casa leva uma fama muito injusta as vezes. Veja só o Snape...
Alvo imediatamente levantou a cabeça para fitar Hagrid.
— Snape? Você diz o Severo Snape, do meu nome?
— Sim... O Snape foi um grande homem. Incompreendido, desacreditado... Sacrificou-se por todos nós, foi odiado até o fim da vida, para salvar o seu pai. Um verdadeiro herói. E era diretor da Sonserina.
— O que o papai achava do Snape?
— Acho melhor que você pergunte isso para ele, hem? É uma longa história.
Alvo concordou. Estava esperando a volta da carta do pai faz muitos dias e nada. E então... Será que ele...
— Rúbeo? — começou Alvo — qual é o máximo de tempo que demora o correio coruja?
— Hmm — pensou o velho grandalhão, tomando um gole de chá — dependendo da distância e do lugar. Para Londres, no máximo uns cinco dias. Mas nesses tempos chuvosos, talvez até mais... Por que, Al? Algum problema com o Lude?
— Faz dois dias que eu não vejo ele. E não enviei carta alguma. Pensei que talvez o papai...
— O lude está sumido? — perguntou o velho, com um tom preocupado — Err.. Não, deve estar tudo bem como ele, quer dizer, não...
— Por que não estaria? — perguntou Rosa, parecendo intrigada.
— Nada — Hagrid forçou um sorriso — vou dar uma olhada para você. Trate agora de tomar jeito e parar de pensar em disparates como “meus primos me odeiam” ... Que baboseira...
— Está vendo, Al? Foi tudo besteira sua — disse Dominique, dando um tapa na cabeça do primo.
— Me desculpem...
Hagrid levantou-se e abraçou Alvo.
— Nunca mais faça essas coisas.
O menino sentou-se de volta, massageando as costelas que tinham sido praticamente esmagadas pelo abraço poderoso do tio.
— Estou feliz que vocês tenham vindo me visitar. Tiago não está podendo vir utlimamente. Muito treino. Quer substituir o Ted como apanhador da Grifinória. Veja bem, Ted Tonks era um gênio. O time realmente vai sentir falta dele.
— Tiago também é muito bom — disse Alvo — Aliás, ele é bom praticamente em tudo.
— Ah, vamos, Al, você deve ser bom em alguma coisa. Não sente facilidade em nenhuma matéria?
— Assim que eu perceber eu aviso... — Alvo riu da própria tragédia.
— Ontem à tarde você respondeu uma pergunta do Professor Vogelweide — Observou Rosa.
— Ele perguntou qual o segundo maior cargo do Ministério da Magia. Se eu não soubesse que era o do meu pai, tava na hora de me matar...
— Vogelweide sorriu para você — disse uma Dominique animada, que acariciava os pelos do cachorrão — Qual o nome dele?
— É Uivo — respondeu Hagrid — ele é bem quieto. Quer dizer que você está se dando bem com o Kaleb, hem?
— Ele me odeia — Esclareceu Alvo.
— Quanta bobagem... Por que odiaria? — Mas Alvo notou que Hagrid desviou o olhar.
— Sei que odeia. Se alguém não responder, a pergunta sempre vem pra mim! Já perdi quarenta pontos para a Sonserina. Ele está conseguindo fazer os Sonserinos me odiarem. Ele e Escórpio.
— Escórpio é um idiota. — disse uma Rosa irada.
— Tio Rúbeo, o senhor conhece o Professor Vogelweide? Fala mais dele... — disse Alvo, partindo para o plano de acumular o máximo de conhecimento sobre os suspeitos do roubo.
—Hem? Por que querem saber dele? Estou sentindo cheiro de intrometidinhos — Hagrid semicerrou os olhos para Alvo, Rosa e Dominique.
— Por favor, Rúbeo. É pecado querer saber um pouco sobre os nossos professores?
— O professor Vogelweide ministra Defesa contra as Artes das Trevas faz uns quatro anos — começou o velho tio, desconfiado — sempre foi muito bem conceituado. Rígido, é verdade, mas ninguém pode dizer que saiu daqui sem aprender a se defender. Foi auror, sabe? Ele tem experiência.
— Pera, ele foi auror e deixou o cargo para ensinar em Hogwarts? — perguntou Dominique incrédula.
— Hmm, foi uma longa história.
— Conta Rúbeo. Temos a tarde inteirinha — disse Rosa, já preparada para ouvir.
— Não é coisa para crianças!
Dominique fez uma cara emburrada, mas Hagrid não cedeu. Nem quando Alvo fez a carinha de filhote de cachorro abandonado que tanto dava certo com seu pai quando queria culpar o Tiago de alguma coisa que ele fez.
— Tudo bem — deu-se por vencida Rosa — Que tal a Integra? Integra Waldorf não é professora da gente!
— Essa sim é uma mulher horrorosa! É cruel e antipática, é o que é!
— Soube que ela anda perseguindo os aurores mais do que nunca — Rosa informou com um jeito sombrio.
— Como você sabe? — perguntou Alvo.
— Saiu uma matéria anteontem no Profeta.
— Droga, esqueci de ler!
— Sim. Ela não mede esforços, quando quer interferir nos aurores, a Waldorf — explicou Hagrid — Uma mulher terrível que vive espalhando as amarguras do passado. Harry tem um calo com a Waldorf desde... Bem, ela não o deixa em paz.
— Por que? — quis saber Alvo — Por que ela quer tanto fazer mal ao meu pai?
— É uma história longa e complicada — esquivou-se o velho.
— Sei... — Rosa o fitou. Hagrid moveu-se, incômodo.
— O jornal também falou da morte de um tal Flaunteroy Gorgento... — acrescentou Dominique.
Alvo mordeu os lábios. Será que ele podia contar na frente de todos o que tinha ouvido o professor Vogelweide falar para o Ravus? Sobre sua suspeita em cima de ambos, sem falar na acusação sobre o Elfo Thatcher? Alvo preferiu esperar e ter Rosa a sós. Pelo visto, Hagrid era surdo a qualquer acusação em cima de Vogelweide, que dirá sobre Ravus. O garoto preferiu apenas perguntar:
— Ele não era o dono do Antiquário que fica perto de casa?
— Sim, sim. O Senhor Gorgento tinha aquela loja por anos a fim — disse Hagrid — Mas era também um dos mais antigos figurões do Departamento de Mistérios. Começou a ficar adoentado a uns quatro anos... Doença mágica, sabe? Acho que teve algo a ver com as pesquisas que ele andava fazendo. Não se deve mexer muito com o Tempo, preste atenção no que digo, garotos! Tinha mais de cem anos, só que era muito vigoroso. E depois, de repente, começou a envelhecer muito rápido. Em meio ano já precisava de muletas, com um já não saia de casa. Dois anos ele libertou o Elfo e ficou sozinho, recebendo atendimentos médicos particulares de ninguém menos que Drielson Derwent. Fauntleroy era muito rico, mas a doença era incurável. Não é nenhuma surpresa ele morrer. Uma pena, era um homem muito inteligente. Contribuiu muito para a ciência da bruxindade. Não me pergunte com o que, não conheço quase nada dessas coisas que esses sabichões pesquisam...
— Ah, sim! — exclamou Rosa — isso me lembra as exceções às Leis de Gamp!
— Leis de o que? — perguntou Dominique.
— No trem eu disse que ia pesquisar sobre aquele papo de bruxos voarem. É simplesmente impossível. Fere um dos princípios das Leis de Gamp para transfiguração. Nenhum bruxo pode transfigurar ou enfeitiçar a si mesmo para ganhar a capacidade de voar.
— Não, não, não, acho que está enganada, Rosa — disse Hagrid — Há muito tempo, eu e Harry enfrentamos você-sabem-quem em uma batalha aérea...
— A batalha dos sete Potters, eu sei — completou Rosa — li em um livro que fala da segunda guerra bruxa da Inglaterra.
— Mas os livros não contam o que eu e Harry vimos ao vivo! Você-sabe-quem voava em forma de fumaça negra para matar o seu pai! Sobrevivemos por um milagre...
— Deve haver algum engano – insistiu Rosa — Nem o Lorde das Trevas conseguiria fazer isso. Talvez ele tivesse usado algum tipo de feitiço em seus trajes, não sei...
— Hem? Só estou dizendo o que eu vi — pontou o velho.
— Bem, então o Mago Branco também deve conhecer esse tipo de feitiço — arriscou Rosa.
— Ele disse que não costumava usar artes das trevas — lembrou-se Alvo.
— Mas deve ter usado daquela vez...
— Não estou entendendo nada... Mago branco? — perguntou um Hagrid intrigado.
— É uma história longa e complicada — Alvo riu-se irônico.
— Ah, é assim, é?
— Talvez não seja, se nos responder uma curiosidade — barganhou Rosa — O que são Luduans e Nefilantes?
Hagrid cuspiu o chá e engasgou-se. Ninguém tentou bater em suas costas para ajudá-lo. Estava claro que ninguém às alcançaria. Contudo, os três primos perguntaram se estava tudo bem.
— Sim, só me engasguei sem querer. Por que querem saber deles?
— Vi no Juperos — esclareceu Alvo — e queria saber o que são.
— E ninguém melhor do que o professor de Trato de Criaturas mágicas para responder. Não acha, Domi?
A prima concordou.
— Vejam bem... Não são europeus. Chineses. Os dois bichos são criaturas mágicas da China. Não tenho tantas informações sobre eles...
— Vamos Rúbeo... Só diga o que você sabe! Por favor — Alvo usou aquela carinha de gato pidão novamente. Dessa vez deu certo.
— Tudo bem... Os luduans foram importados do Ministério chinês há muito tempo atrás. São substituintes para os dementadores, mas não que sejam eles que protegem Azkaban agora. É uma ordem de Aurores que faz isso. Joxer Paracampus, um amigo do seu pai, é que comanda a regência da defesa da prisão. Não, os luduans são da jurisdição dos Inomináveis, controlados pela Integra. Digamos que fazem parte do esquadrão de inteligência do Ministério. Eles literalmente caçam os criminosos. São como detetives profissionais.
— E como eles fazem isso? — quis saber uma Dominique curiosíssima.
Hagrid engoliu a seco.
— São criaturas muito, er... Eu poderia dizer obstinadas. Eles têm seus métodos de saber das coisas, podem ter certeza disso. Mas as vezes, podem estar enganados, não sei, er... Bem, fiquem sabendo que são criaturas bem terríveis quando querem ser. Os Nefilantes são bichos grandes, um tanto incompreendidos. Mas não fazem mal a ninguém. Quer dizer, claro que eles sabem se defender...
Os primos curvaram as sobrancelhas para aquela explicação tão rasa. Mas resolveram deixar para lá.
Os garotos passaram muito mais tempo conversando uma centena de coisas. Foi só quando o uivar latiu para uma coruja que havia pousado a janela da cabana que Hagrid notou que havia passado tempo demais.
— Está tarde! — exclamou — já passou da hora! vocês não deveriam estar fora do castelo, depois que escurecer! Madame Brandon vai suspender os três! Irão perder pontos, e só deus sabe o quanto eu quero que a Grifinória ganhe esse ano. Slugorn está se torando prepotente e a Sonse... — então Hagrid olhou para Alvo e deu um sorriso meio sem graça — Bem, quer dizer, todos têm chances de ganhar... Vão logo!
Os garotos subiram a colina e alcançaram a ponte. O céu já estava começando a escurecer. As corujas voavam e Alvo podia jurar que viu no fundo do horizonte um raio cair, apesar dele estar mais limpo do que nos últimos dias.
— Bem, vocês podem me amarrar na ponte e avisar à zeladora. Eu perderia ainda mais pontos e a Grifinória ia ganhar vantagem na taça das casas... — disse Alvo.
— Para de ser imbecil, Al. Nós nuca faríamos isso com você. Ferrar com nosso primo só pra ganhar vantagem pra Grifinória? Pif, você acha que nós somos o que?
— Foi só uma brincadeira! — disse Alvo. Então os três primos finalmente conseguiram atravessar o pátio pavimentado e entrar no prédio da Torre do Relógio. Alvo estava um pouco cabisbaixo, no entanto.
— Uuurfa... Sem detenções — disse Domi, pulando.
— Para mim, seria outra detenção... — o garoto contou para as primas sobre a sua detenção de sábado.
— Nem foi tão ruim assim, cara — disse Dominique.
— Você não tá entendendo Domi. A detenção não é ruim, mas o Malfoy lá vai transformar tudo num pesadelo...
— Ele não se atreveria — ponderou Rosa — não na frente do tio Neville. O Malfoy sabe que o professor e seu pai são amigos. Não é burro de fazer alguma coisa na frente dele e ganhar uma detenção extra. Ou pior: perder todos os pontos que ele conseguiu esses dias — essa última frase foi dita com muito rancor.
Alvo não estava tão convencido disso, mas concordou. Não podia negar que isso o tranquilizava um pouco.
O castelo ainda estava cheio de alunos quando a noite já havia caído por completo. Os três agora atravessavam os corredores de teto baixo e abobado até chegarem no antro circular onde tinha a estátua de um frade em cima de uma meia lua de escadas.
— Estou cansada. Acho que já vou para o salão comunal — disse Dominique.
— Eu já terminei. Acho que eu vou dar uma passada na biblioteca. Alvo, você não disse que queria dar uma olhada lá comigo?
Alvo não lembrava de ter dito isso, mas assentiu.
Os dois garotos seguiram pelo mesmo caminho que faziam para a sala de Feitiços, porém subiram os lances de escadas que ficavam no corredor, antes do banheiro da Murta.
A biblioteca era um lugar amplo que beirava o último corredor entapetado do Quarto andar. Estava bastante silenciosa: pontuais alunos encontravam-se sentados nas mesas anexas às dezenas de estantes altas de mogno. Totalmente tomadas de livros das mais variadas qualidades, seguiam em uma organização a criar quase que paredões na sala.
Lá no fundo, via-se que a Biblioteca seguia em um outro compartimento também amplo, mas era separado do primeiro por cordas, além do que não havia muita iluminação no local. Na metade do caminho, havia uma mesa longa. Sentado nela, um velho de barba branca que fazia uma ponta trançada no queixo, vestindo um colete amarelo sobre o qual pendia uma gola em babado, segurava seu óculos Lornhons a ler um livro largo e grosso com aparência de Atlas.
— Boa noite, senhor Hibram — cumprimentou Rosa. O velho apenas assentiu sorrindo, depois voltou à sua leitura. Os primos foram para o mais fundo possível da Biblioteca e sentaram-se em uma mesa ligada a uma estante.
— Ele é mudo. Mas é muito legal. Sempre sorri para mim...
— Por que não vamos para aquele lado? Está mais silencioso — perguntou Alvo, ao observar que Mallone Hirase dormia numa das mesas mais a frente.
— É a sessão reservada. Os livros de lá são mais barra pesada. Só pedindo permissão para um professor que você pode ler qualquer livro de lá. Só pode entrar ali com autorização. Além disso, o Hirase sempre dorme ali e não mexe com ninguém. Aliás, ele é o primeiro a entrar na biblioteca e o último a sair. Nunca pego ele acordado, então... Tranquilo. Vou pegar uns livros que eu queria te mostrar — e a menina desapareceu pelas estantes.
Alvo achava Mallone um garoto estranho. Parece que ele só vivia para dormir! Nunca estava animado, parecia sempre cansado. Será que ele tinha alguma doença ou coisa assim. O garoto era da Corvinal e, segundo Rosa, vivia na biblioteca. Mas só dormindo! Como ele pretendia aprender assim? Achava que bastava assentar a cabeça no livro que as informações iam passando por osmose?
Se bem que Alvo não podia falar nada. Tinha feito as lições na pressa, sempre levando notas baixas na correção. Parecia que nada daquilo estava realmente entrando na cabeça dele. E estar na biblioteca com Rosa o fazia se sentir ainda mais culpado.
Rosa chegou equilibrando uma pilha pesada de livros. Respirou fundo, jogou os livros na mesa com um baque estrondoso e sentou-se exausta. Disse, ainda ofegante:
— Antes da gente começar a procurar, eu quero te falar uma coisa que não pude falar desde o trem. Se lembra da minha visão sobre o seu pai no meio do fogo? Você se lembra do feitiço que seu pai usou para apagar o bicho de fogo?
Alvo buscou na memória e...
— Sim. Foi um tal de Abaffiato maxima...
— Eu sabia! — exclamou a menina — foi o que eu vi na minha visão. A gente pensou que a visão tinha se realizado quando a menina Waldorf queimou o Olivaras. Mas não. Aquela visão falava de quando seu pai enfrentou o bicho de fogo. Ele usava Abaffiato máxima, não Ignis exumai, como a gente pensou.
Alvo concordou. Realmente, era verdade.
— Além disso — continuou a prima — eu tive outra visão. — ela olhou para o primo com uma cara meio amarelada. Alvo preocupou-se.
— E como foi? Com quem era?
— Seu irmão. O Tiago.
— E o que acontecia com ele?
— Bem... Uma luz muito forte aparecia e depois lá estava ele caindo da vassoura...
— Minha nossa, Rosa! Tem certeza disso? E o que acontecia? Ele se machucava, ele se machucava muito?
— Não sei... A visão acabava antes assim que ele começava a despencar. Ele estava em um jogo de quadribol, isso eu tenho certeza. Tinha outras pessoas voando perto dele, com as vestes verdes. Acho que era Grifinória contra Sonserina.
— Rosa, a gente tem que falar com ele, impedir que ele jogue, sei lá!
— Tá louco? Tiago nunca iria acreditar! E mesmo assim, ele nunca deixaria de jogar. Não, a gente tem que dar um outro jeito de manter ele seguro durante esse jogo.
— Vou falar com o tio Neville. Dizer que, não sei, pra ele ver o jogo e ficar prestando atenção no Tiago...
— Mas calma, Al. Ainda falta muito para a temporada começar. Ainda nem selecionaram o novo apanhador para substituir o Ted... Tá, foco. Aqui tem uns livros sobre criaturas mágicas. Vamos ver se a gente acha sobre os Luduans ou Nefilantes.
— Mas o Rúbeo...
— O Rúbeo sabia muito mais e não quis falar pra gente. Vamo encontrar por nós mesmos. Você não quer ajudar o seu pai a descobrir quem é o ladrão?
— Falando em ladrão... — Alvo contou para Rosa sobre a revelação de Vogelweide para Ravus e sobre a ameaça indireta para Alvo que o albino tinha feito.
— Ele sabe que você andou espionando esse tempo todo. Cuidado, Al. Esse cara me soa perigoso. Depois da última aula dele, sei que não é alguém que brinca em serviço. Você tem que dar um tempo na onda de detetive, por que se ele te pegar de novo. Mas tudo bem. Você começa a procurar nesses cinco aqui e eu me encarrego dos seis que sobraram.
Os dois procuraram por muito tempo até acharem alguma coisa. E foi Alvo que achou.
— AQUI! — gritou o menino. Mallone nem se mexeu, mas alguns alunos espicharam a cabeça pelo corredor para ver quem havia gritado. — ops, desculpe. Aqui, ó... Luduans.
— Me dá aqui. Vamos ver... Página 382 — e a menina começou a ler:
“O Luduan, é uma criatura mágica Chinesa que é capaz de detectar e seguir rastros, não importa a distância que o rastreado esteja. Na dinastia de Quing, o imperador Chinês Qianlong utilizava esses seres para melhor governar seus súditos. Um Luduan, acima de tudo odeia a mentira e é capaz de sentir quando alguém está escondendo algo. Portadores de um senso de justiça incomparável, os Luduans apenas falam a verdade, mesmo que seus mestres ordenem o contrário. Essas criaturas são conhecidas por serem incorruptíveis e nunca falharem. Possuem duas formas, uma humanoide, a qual eles assemelham-se a fadas do tempo (ver página 431), diferindo dessas por não possuírem olhos e serem bem maiores. A segunda forma é a de besta, sendo comparável a um Tigre, porém sendo azul e muito maior e feroz, usando esta transformação para caçar seus alvos. Os Luduans são considerados a reencarnação da verdade e aparecem nos lugares onde seus serviços são requisitados: desvendando mistérios, revelando segredos e trabalhando para desmascarar os impostores.”
— Se eles são assim, tão perfeitos, como podem estar acusando a mim e ao meu pai? — disse Alvo.
— Acho que alguém encontrou alguma brecha nas habilidades dele e está usando ela para se safar da acusação e de quebra fazer todo mundo seguir pistas erradas. Mas como? Essa explicação tá bem ralinha, nem fala a maneira que eles rastreiam nem nada.
— O.K. Vamos continuar a procurar. Ainda falta achar os Nefilantes.
— Não, Al.
— Por que?
— São quase oito horas. A biblioteca vai fechar daqui a pouco. É melhor a gente ir para os nossos salões comunais. Hoje é sexta, sabe... O toque de recolher bate um pouco mais cedo.
O garoto concordou. Ambos seguiram seus caminhos. Despediram-se ao pé da grande escadaria, onde Rosa fez o garoto prometer que se encontrariam amanhã, às nove horas, na biblioteca para acharem mais coisas sobre os Luduans e o Nefilante.
Assim que a prima subiu as grandes escadarias Alvo percebeu uma coisa: Estava ferrado!
A única maneira de ir para o salão comunal da Sonserina que o menino sabia era saindo do castelo e pegando a passarela até o outro prédio. Como ele iria para lá, se era proibido sair da escola depois de escurecer? E não tinha uma viva alma para lhe ajudar, já que estava já tarde e todos deviam estar em seus respectivos salões comunais.
Alvo ganhou a entrada do primeiro andar, seguindo por corredores e corredores... Olhava pelas janelas longas para ver se tinha conseguido ganhar passagem para o outro bloco, mas nada. Quando pensou em ir para a sala do vice-diretor Ravus e pedir ajuda, era tarde demais, estava perdido. Na verdade nem estava no primeiro andar mais. Nem sabia qual andar estava. Não havia janelas, só, anexos à parede, tapetes com desenhos e vasos com pós estranhos.
Não sabia que horas eram, mas podia jurar que já tinham se passado no mínimo duas. O garoto já havia cansado de andar e encontrava-se sentado ao lado de um quadro de uma bruxa de um olho só. Quando ouviu passos, correu para a sala mais próxima e lá se fechou.
A sala estava precariamente iluminada. Tinha várias estantes, com muitas estátuas, armaduras, escudos, troféus e medalhas, reluzindo à luz das velas. O garoto pôs-se a ler ali para ver se passava o tempo. Seu coração deu um saltinho quando, em um dos troféus, encontrou a seguinte descrição:
“Harry Potter e Rony Weasley, 1994. Serviços prestados à escola.”
Além disso, havia distintivos com os nomes “Hermione Granger” e “Rony Weasley”, monitores da Grifinória, em 1995.
Alvo sorriu, como que sentindo algumas memórias de seu pai e os tios, como que feliz por estar ali, ao mesmo tempo que desesperado para encontrar uma saída.
Mas o desespero sobrepôs-se a tudo quando o sino bateu exatas doze vezes. Era meia-noite! Se Madame Brendon o pegasse ali. Detenção na certa!
O menino tomou coragem e saiu da sala de troféus, ganhando o corredor novamente. Estava tudo muito escuro. Talvez se eu achasse a sala do vice-diretor Ravus, eu explicaria e ele iria entender, por favor, ele tem que entender... Alvo já está prestes a chorar quando ouviu um ruído vindo exatamente a sua frente. O menino puxou a varinha no exato segundo e exclamou silenciosamente, balançando-a:
— Lumos!
Um par de olhos cintilaram à luz da varinha. Era o gato da Isobel!
O gato deu as costas para Alvo e saiu correndo. Alvo desembestou a segui-lo. Aquele gato sabia o caminho para o salão comunal e provavelmente estava voltando para lá. O gato correu, subiu algumas escadas, atravessou um corredor de teto abobadado com janelinhas baixas ao lado, depois dobrou, ganhando o andar da torre do relógio. Depois ele desceu as escadas de madeira, saindo por outro corredor e descendo por uma escadaria de mármore. Alvo o seguia desesperadamente.
Agora o gato encontrou uma sala com escadas semi-circulares e galgou por uma delas, empurrando uma porta e ganhando um novo corredor, este tinha muitas janelas altas. O gato desceu ainda mais, passando por uma porta grande e encontrando um antro largo, onde desceu uma escadaria de mármore e dobrou para uma porta do lado direito.
Alvo tinha a vaga noção de onde estava. Seguiu o gato por uma escada de caracol e suspirou aliviado quando percebeu que estava num lugar onde as paredes eram de pedra rústica e poucos archotes às iluminavam. Estava nas masmorras! Mas o gato não parava, apesar do garoto já estar suando e começar a sentir uma dor pontuda no flanco esquerdo.
Mas Alvo não parou de persegui-lo. Desceu mais escadas, dobrou corredores, desceu ainda mais até que... Lá estava o desenho em alto relevo de serpente. A entrada do salão comunal da Sonserina!
Mas ele não estava só. Uma menina com cabelo negro curto e com partilha estava sentada, com a mão apoiada na cara, com uma expressão de inegável tédio.
— Capiroto, seu gato desgraçado! — Isobel pulou em cima do bicho, tentando esganá-lo. Alvo pegou a menina pelo braço, impedindo que ela desse um chutaço no gato. Mas isso não impediu que ela continuasse tentando.
— Me larga que eu vou dar na cara desse gato! ME LARGAAAAAAAAAAAAAAA! — Isobel gritava.
Alvo cobriu a boa da menina com a mão.
— Shhhh! A gente vai ser pego!
Isobel deu uma dentada poderosa na mão de Alvo, fazendo-o larga-la com um uivo de dor. O gato deu uma última rosnada para Isobel e correu, desaparecendo nos corredores.
— SEU GATO DESGRAÇADOOOOO! — Isobel xingou para os ares, sua voz ecoando pelas masmorras.
— Mas o que foi que ele te fez? — quis saber Alvo, massageando a mão mordida. Tinha até a marca dos dentes.
— Esse demoninho fez eu me perder DE PROPÓSITO! Ele sabe que eu só encontro as masmorras quando sigo ele, mas dessa vez ele me fez eu pegar o caminho errado de propósito. Estou com tanta raiva! Da próxima vez que eu encontrar ele... — e Isobel fez um gesto de quem esgana com vontade e prazer.
— E por que você não entra no salão, então?
— Eles trocam a senha toda sexta, seu moleque burro. Esqueceu disso, DEMÊNCIA?
— Quem esqueceu a senha foi você, não é ver-
Mas Alvo calou-se ao ver a expressão assassina de Isobel.
— E agora, como eu faço para pegar meu livro? Ai que ódio daquele gato!
— Livro, pra que livro?
— Ai, mas você é um IMBECIL mesmo, não é, Potter? Esqueceu que temos aula de Astrologia hoje, à meia noite até? E já se passaram dez minutos que a aula já começou! E se eu faltar, Escórpio vai ficar P* da vida por que vou perder os pontos que ele conseguiu para a Sonserina! E já que somos dois, vamos perder o dobro!
— Dane-se o Escórpio, eu não quero é perder aula! — resmungou Alvo.
— Então, faz o seguinte: só me segue e fica calado!
— Você sabe onde fica a sala de aula de Astrologia?
— Tenho uma ideia pra que lado fica. Sei que está mais pra esquerda da Torre do relógio. Vem, demência. Vamos achar essa sala de aula.
Os garotos saíram das masmorras às pressas. Subiram as escadas de mármores e ganharam os mesmos corredores que Alvo tinha acabado de passar.
— É uma sorte a gente ainda não ter sido pego pela Madame Brendon...
— Você pode calar a boca, assim ela não ouve você, que tal?
Alvo seguiu Isobel calado, procurando entender para onde ela estava indo. Já haviam subido várias escadas, passado por vários corredores, mas nada. No fim, quando se depararam em um antro circular, muito parecido com o lugar onde tinha a estátua do frade, mas sem ela, Isobel sentou na escada semilunar e disse:
— Eu me rendo. Estamos definitivamente perdidos — disse a menina, ainda sustentando tristemente o feitiço de iluminar na varinha.
— Você poderia ter dito isso antes de ficar subindo sem saber para onde ia!
— Se o lugar se chama “Torre de Astrologia”, claro que eu tenho que subir, sua anta! E se tá achando ruim, faz melhor!
Música tema - Perseguição dos Morcegos
De repente eles ouviram um barulho peculiar. Era como uma revoada de pássaros. A porta do antro se abriu com um baque forte e dezenas de morcegos passaram voando. Isobel soltou um grito de susto ensurdecedor. Depois que a nuvem de morcegos passou, para os corredores superiores, fez-se um silêncio temeroso... E então:
— Alunos fora da cama! Eu vou pegar vocês, seus nojentinhos... — uma voz asmática de uma velha ecoou dos corredores superiores onde os morcegos haviam seguido.
— É a madame Brendon! — exclamou silenciosamente Alvo.
— Ferrou! Vamo dar no pé!
Os garotos abriram a porta que os morcegos tinham passado e correram sem olhar para trás, por que se olharem, iam se desesperar: a nuvem de morcegos vinha no encalço deles, como que em um ente único. E um pouco atrás deles, a velha de óculos escuros e roupas cinzentas vinha em uma corridinha surpreendentemente rápido, batendo sua bengala no chão, em um tec-tec que os garotos não podiam deixar de ouvir desesperados.
— Como ela pode andar tão rápido? É velha e ainda por cima cega! — disse Isobel enquanto corria para um labirinto de corredores com as paredes talhadas em desenhos de alto relevo. Eles subiram uma escada a mais, correndo como se não houvesse amanhã. Mas a nuvem de morcegos já havia os alcançado, num qui-qui-qui ensurdecedor, rodeando as cabeças dos garotos. Isobel soltou mais um grito:
— Tira essas coisas de cima de mim!
— Espera, hmm... NEBULA EVANESCO! — Alvo lançou o feitiço que tinha visto tia Hermione usar no corredor escuro de Juperos. Uma poderosa onda atingiu os morcegos, fazendo eles se dispersarem um pouco. Os garotos conseguiram fugir deles, mas no fundo do corredor, a velha Brendon gritou:
— Aí estão vocês, pirralhinhos fujões!
Alvo e Isobel correram mais ainda. Só que já estavam sendo alcançados novamente pela nuvem de morcegos, os garotos dispararam para um corredor fracamente iluminado pelo feitiço de Isobel e sem portas. Mas, de repente...
— Al, vem cá!
Era uma voz conhecida. De repente eles viram uma porta onde não havia uma antes. Os meninos foram puxados e passaram por ela. Tudo estava escuro.
Ouviram do outro lado da parede a velha a tatear com a bengala, enquanto os morcegos chilreavam nos qui-qui-quis amedrontadores. Mas eles estavam a salvo.
— Lumus máxima — exclamou uma outra voz conhecida.
Estavam em uma sala cheia de coisas velhas e mofadas. Fred sentado num baú de cedro enorme, segurando um pergaminho velho e com marcas de dobras. Leticia em um trono deveras adornado balançando a varinha, fazendo uma luzinha rosa sair dela. Caerulleu estava nos fundos da sala com a varinha emitindo uma luz bem forte, enquanto Tiago aproximou-se de Alvo e Isobel. Uma mão tinha a varinha emitindo luz, a outra, uma maçaneta velha de prata oxidada, com a forma de uma serpente.
— O que vocês estão fazendo aqui? — quis saber Tiago, rindo-se da situação.
— Nos perdemos! — explicou Alvo — Estávamos indo para a aula de Astrologia, mas não conseguimos achar a torre.
— Estão meia hora atrasados, mas não se preocupem — disse Leticia — Vão perder só a teoria: é um saco. Depois vai ser prática, que é muito mais legal.
— Perdido com a namoradinha nas noites de Hogwarts, hein, maninho?
— Não é minha namorada — apressou-se Alvo a dizer.
— Mas nem morta! — disse Isobel, dando um carão para Tiago.
— Calminha, pombinhos. Só brincadeira...
Caerulleu aproximou-se deles.
— A primeira semana de Hogwarts é horrível, eu sei. A gente se perde a beça. Eu mesmo dormi uma noite fora, na frente do quadro da mulher gorda, por que eu tinha esquecido a senha... — lembrou-se Caerulleu, rindo de si mesmo.
— Por que vocês não matam a aula de hoje? — sugeriu Leticia — Eu descolo um nugá sangra nariz do kit do pai do Fred para vocês escaparem do Ravus
— Nem pensar! — disse Alvo.
— Ai, esses primeiranistas... — riu-se Fred — lembram-se quando tínhamos a idade deles? Éramos tão bobinhos...
— Não exagera, Fred — riu-se Tiago — foi no primeiro que a gente se conheceu e dias depois estávamos explodindo o banheiro do quarto andar.
— Caaaara... esse dia foi épico... — disse uma Letícia saudosa.
— Como vocês conseguiram fazer essa porta? — perguntou uma Isobel desconfiada.
Os quatro se calaram e a observaram.
— Então você notou — riu-se Tiago, mostrando a maçaneta — Não te conheço, pirralha, mas se contar sobre isso pra alguém, pode ter certeza que você está muito ferrada mesmo.
— Contar o que? — quis saber Alvo.
— O túnel da cobra — disse Tiago mostrando a maçaneta de prata — uma das melhores coisas que encontrei na nossa casa, maninho.
— E o que isso faz?
— É bem simples, mas muito útil — disse Fred — A gente encaixa essa maçaneta em qualquer parede e nela nasce uma porta.
— Claro que a parede tem que ter alguma saída — explicou Caerulleu. — Se você encaixar a maçaneta em uma parede sólida ou no chão, nada acontece. O mesmo funciona com lugares protegidos com magias muito poderosas. Mas, na maioria dos casos, serve.
— Ela nos salvou em diversas situações — disse Tiago.
— Hoje estamos salvando vocês — acrescentou Leticia, levantando do trono — Não precisa agradecer. É sempre um prazer frustrar a Morcega velha, a Zeladora Juvia Brendon.
— E como vocês nos encontraram — perguntou uma Isobel perspicaz.
— Ah, graças a essa belezinha aqui — disse Fred, batendo no pergaminho.
— Esse pergaminho velho? — desdenhou Isobel.
Letícia gargalhou.
— Você ouviu do que ele chamou, Ti?
— Ouvi sim, Letty — riu-se Tiago — Essa menina não sabe de nada.
Fred se aproximou e mostrou o mapa. Estava limpo e vazio. Então o garoto limpou a garganta com uma tocidinha fugaz e disse:
— Eu juro solenemente não fazer nada de bom.
— Nem precisa jurar — desdenhou Caerulleu.
De repente começaram a surgir palavras no mapa. Elas diziam:
“Os Srs. Aluado, Rabicho, Almofadinha e Pontas,
fornecedores de recursos para feiticeiros malfeitores,
têm a honra de apresentar
O MAPA DO MAROTO”
Fred abriu o mapa e a mandíbula de Alvo se desprendeu levemente do maxilar. Estava boquiaberto com aquilo.
Era um mapa de Hogwarts, um mapa completo, com todos os andares. E não era só isso.
— Está vendo esses aqui? — disse Tiago apontando para umas manchas de pegadas no mapa que tinham os nomes de Alvo, Fred, Tiago, Isobel... Todos eles — isso mesmo, somos nós. O mapa mostra todos da escola, não importa onde estejam. Um tesouro não é? Foi o Tiago que conseguiu.
— Era do papai — disse Tiago — Acho que ele não vai sentir falta. E se você falar pra ele, eu nego e você é quem se ferra, então... É isso!
Alvo estava maravilhado com as ferramentas que o quarteto tinha.
— Com essas coisas, vocês são... Praticamente reis de Hogwarts!
— É, eu não seria uma má rainha... — Leticia sentou-se novamente no trono, experimentando a sensação de governar — Ia chamar a banda “A papisa” para tocar na festa de fim de ano. Ia ser DE-MAIS.
— A gente se intitula “Os Novos Marotos”, em homenagem aos antigos donos do mapa, que eram também quatro — explicou Tiago — Temos os nossos próprios apelidos, mas saber tudo aí já seria demais.
— Tiago, vamos levar eles logo, já está quase acabando a aula teórica — disse Caerulleu. Os quatro concordaram. Consultaram o mapa e constataram que estava seguro. Madame Brendon estava no outro bloco, seguindo os rastros errados.
Eles seguiram por um corredor arqueado, cheio de armaduras velhas e molduras de quadros rasgados. Seguiram por lá até descerem por uma escadaria e encontrarem outro corredor com quadros e um tapete vermelho no chão. Conseguiram acesso a um antro que possivelmente era uma torre. No chão da escada em caracol que se ligava a parede cilíndrica, havia uma estátua em cima de um desenho da rosa dos ventos do chão. A estátua era de um bruxo careca e corcunda que tinha um cajado todo dobrado, lembrando um raio.
Os garotos subiram na escada circular de mármore e passaram por uma porta a lateral à parede. Ao lado da parede havia uma outra escada ladeada por pontuais janelas de vitrais que continham desenhos de astros e estrelas que brilhavam magicamente mesmo estando à noite.
Desta vez eles a desceram, acompanhando o quarteto dos Marotos até ganharem acesso a um corredor. No fim dele, uma sala aberta.
— Bem, cuidem-se — desejou o Tiago.
O garoto já estava indo em bora, então Alvo disse:
— Tiago!
Ele se virou intrigado.
— Muito obrigado...
Tiago sorriu e disse:
— Nah... Para que servem os irmãos mais velhos?
Nesse momento um grande peso que estava há cinco dias no coração de Alvo se aliviou.
— Até que enfim.... — exclamou Isobel.
Ele e Isobel chegaram na sala. Era bem alta e ampla. O teto tinha um desenho do céu, com várias constelações e um sol com uma cara enorme e sorridente, além da lua, com uma cara tristonha. Nesse teto, planetas, estrelas com dezenas de pontas, miniaturas de sistemas solares pendiam em um flutuar mágico. A sala tinha muitas estantes com livros, astrolábios, planetários complexos, relógios solares, Esferas armilares, globários e muitos outros instrumentos astrológicos. Isso sem falar das dezenas de livros e pergaminhos. As mesas para os alunos eram redondas e estavam cheias de materiais escolares. Os alunos ainda estavam ali em algum lugar.
Mas a primeira coisa que realmente notaram ao chegar na sala foi um cheio estranho. Era meio ácido, ao mesmo tempo adocicado. Oriundo de uma fumaça que saía de vários incensos em cima do armário, onde uma erva vermelha queimava.
Alvo e Isobel identificaram uma saída lateral na sala, onde uma escada de ferro serpenteava até as alturas. Os garotos galgaram por ela.
Era realmente muito alto. Quando os garotos finalmente chegaram no topo, encontraram uma sala circular que era aberta para o céu noturno. Subiram mais um lance para alcançar o segundo andar, onde os alunos estavam.
— E se vocês olharem mais para a direita... Verão as três estrelas... Do Cinturão de Órion — dizia a professora que tinha uma voz meio embargada e lenta, como de quem começou a beber mas parou a tempo. Ela usava aquele grande vestido azul cintilante com desenhos de dragões dourados, com o colo mostrando a pele pálida e apenas as mãos saindo da gola fofa do vestido. Os cabelos de dreads com presilhas de estrelas. Sentada em um banquinho, alinhava o enorme telescópio aos olhos.
Havia mais uns 5 telescópios posicionados nas aberturas da Torre de Astronomia. Os alunos estavam concentrados tentando ver algo no céu, mas os que estavam esperando a sua vez notaram que Alvo e Isobel acabaram de chegar. Mallone tinha a maior cara de sono do mundo e Beatriz Bathory olhava entusiasmadíssima no Telescópio. Escórpio lançou um olhar de repreensão silenciosa para Alvo e Isobel. A professora também logo reparou que eles haviam acabado de chegar.
— E aí, minha gente.... Temos atrasados — riu-se Talyshen com a voz lenta de bêbada — Mas não tem problema.... Vocês são...?
— Alvo Potter...
— Isobel Waldorf.
— Não precisam me chamar de professora Fang, não... É Talyshen. Olha... Vocês perderam a parte teórica... Mas já basta ler o primeiro capítulo do Astronomicon que fica tudo numa nice. Acabou de começar a prática e eu estou ensinando a pirralhada a mexer no Telescórpio. Escolham um e esperem a vez.... Aliás, TODO MUNDO LARGA OS TELESCÓPIOS AGORA!
Ela realmente gritou. A voz ecoou pela noite estrelada lá fora. Os garotos saíram de perto do telescópio assustadíssimos.
— Vou começar a falar de cada parte do telescópio. Bem... Vocês podem ver que ele é tipo um cilindro enorme com lentes e tal... Mas não é só isso, não. Tem bem mais coisas, vocês vão esquecer de tudo isso... Mas mesmo assim eu vou falar. Essa parte aqui da frente que tem essa lente maior... Nós, Astrólogos, chamamos de abertura. É a parte que mais levamos em consideração para dizer se o Telescópio vale a pena... Ou se é só um monte de lixo. Esses daqui de Hogwarts são realmente bons... E as objetivas estão, pelo que eu estou vendo, encantadas com feitiço de Homunculous... Pra identificar mais facilmente o mapa estelar... Quando eu aprendi, a gente tinha que achar as estrelas na raça, então... Assim que vai ser.
A mulher deu duas batidas com a varinha vermelha e longa no corpo do telescópio. Um brilho roxo saiu como fumaça. Ela fez isso com todos.
— Pronto.... Agora sim vai ser difícil. Continuando, essa outra parte chamamos de cálice do telescópio... Dentro daqui que ficam todas as outras estruturas ópticas para fazer o aumento. Já aqui...
Apesar de totalmente retardada, Talyshen era uma ótima professora. Engraçada, mesmo sem pretender ser, didática, mas muito rígida. Cobrava dos alunos e as vezes até gritava com eles, assustando as corujas que inadvertidamente pousavam no telhado da torre.
Quando chegou a vez de Alvo ele pegou o Telescópio e apontou ele para o quadrante que Talyshen havia se referido. Ele viu, próximo a constelação de aquário, Netuno, que brilhava forte. Era lindo. A professora que andava pelos alunos, auxiliando como podia, de repente começou a falar.
— Netuno está com um brilho forte esses tempos... Há quem diga que isso significa que segredos estão sendo escondidos de você... Pra mim isso é bobagem... Prestem atenção.
“Os Astros e os céus não vão se importar se o seu amiguinho escondeu o seu pirulito... Por favor, acordem. Parem de se achar... Vocês são poeiras... um grão de areia... vocês não são nada para os Astros. Eles são evoluídos... Dotados de uma magia enorme e poderosa que a maioria de nós não compreende... Os Astros e corpos celestes brilham para si mesmos. Para planetas, para as coisas grandes... Entendem o que eu quero dizer? No mês passado passou um cometa bem próximo da terra. Ele só volta por aqui depois de centenas de anos... Ao mesmo tempo que Netuno brilha forte... Isso tem que significar alguma coisa, sabem, pirralhos? Mas em grande escala... Netuno é o astro dos segredos profundos e dos mistérios mais intrigantes. E o cometa passando junto, cortando o céu... Sinto que alguma coisa grande vai ser revelada... Alguma coisa muito grande vai sair dos véus e ficar a mostra pra todo mundo ver... O que? Tenho com cara de vidente? Perguntem para o Firenze ou para Sibila... Aquela velha louca está doidinha para prever uma tragédia...”
De repente Alvo largou o Telescópio e olhou para Isobel. A menina fitava o céu hipnotizada. Tinha a cara assustada. Alvo não sabia por que, mas assustou-se também. É como se estivesse sentindo algum tipo de medo crescer dentro de si. Será mesmo que os Astros não ligavam para seres-humanos?
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