No expresso de Hogwarts



– Ai... Ai!


– Calma, Al, eu só toquei no seu tornozelo.


– Mas tá doendo.


– Eu vou pegar um pouco de gel de tentáculos de Murtisco. Vai aliviar da dor.


Gina Potter atravessou a porta do quarto de Alvo, o local estava fracamente iluminado pela luz da manhã. O garoto estava a sós, deitado em sua cama, com um cobertor amarelo, deixando à mostra o pé direito machucado. Tinha alguns arranhões leves e umas queimaduras inocentes, que nem sabia como tinha conseguido. O menino tentava se lembrar de tudo o que acontecera na noite passada, mas tudo foi tão intenso, rápido e surreal... De forma a tudo embaralhar-se em uma tempestade de fogo, gritaria e desespero.


O garoto pensava na acusação dos Luduans. Era surreal. Como ele podia ter sido responsável por alguma coisa? Isso deveria ser alguma armação, algum engano. Só podia ser... Mas, a conversa com Harry na noite anterior o deixara mais calmo. Dentre as centenas de coisas que Harry disse para Alvo, uma delas foi:
"Alvo, mantenha-se forte diante das mentiras. A verdade sempre vem a tona no final. Você é o meu filho. Tenho orgulho de você".


Alvo pegou o livro que estava lendo na madrugada anterior, a fim de distrair-se quando acordara por volta das quatro, assustado, pensando ainda estar no meio do incêndio trágico de Juperos. O garoto lia “Quadribol através dos séculos”. Mas esta manhã, o garoto sentia-se um tanto rabugento. Por isso que, após ler umas três páginas, jogou o livro para o lado da cama.


– Provavelmente eu vou cair da vassoura na primeira aula...


– Se cair, você põe a culpa na Cleansweep 11 que a escola disponibiliza para os alunos aprenderem – Tiago disse, entrando no quarto e sentando ao lado do irmão – quando você chega nas nuvens, elas começam a tremer... Sério.


Os garotos ficaram em silêncio. Alvo sorriu de leve com a piada do irmão. Tiago de repente ficou muito sério.


– Desculpa.


– Ãhm? Pelo que?


– Eu devia estar te protegendo. Papai me pediu pra não deixar você fora de vista. E eu deixei você se perder. Me desculpa, mano.


O garotinho foi pego de surpresa. Ficou olhando estupefato para o irmão. Quando recuperou-se, Alvo disse.


– Não Tiago, não precisa pedir desculpa. Papai sabe que não foi sua culpa. Eu contei pra ele ontem tudo o que aconteceu. Não foi culpa sua.


Tiago levantou-se, pegou o livro de quadribol, deu uma folheada, mas não se conteve.


– O que eu não entendo é como você não encontrou a gente. Todo mundo ficou te procurando o tempo todo.


Alvo contou para o irmão sobre a explosão inadvertida que rasgou a lona e o fato da multidão ter arrastado o garoto na pressa de sair da tenda em chamas.


– Quando a explosão aconteceu, a gente se separou. Papai mandou eu te trazer, enquanto ele parava as pessoas que estavam pisoteando os feridos no chão. Você não faz ideia quanto sangue tinha lá. Provavelmente você ia desmaiar.


“Eu procurei você iluminando os arredores, mas não te encontrei. Gritei muito, mas tinha mais gente gritando também. A gente até voltou pra dentro da tenda do circo, pra ver se você estava lá, mas nada. Aí a gente saiu pelos carrinhos, talvez você estivesse escondido em algum deles, foi aí que a tenda explodiu e aquele bichão de fogo apareceu. O papai entrou em desespero. Pensamos que talvez você pudesse estar nos escombros. Sério, eu nunca vi o papai daquele jeito antes. Ele moveu pilhas enormes de pau e pano, procurando por você. A gente falou que você não ficaria dentro da tenda, que sairia de lá, ia procurar ajuda. Então o papai acionou o esquadrão de aurores para fazer a busca. Ele pediu pra tia Fleur e a mamãe tirar a gente da linha de fogo, por que o bicho queria acertar as pessoas com bolas de fogo. Mamãe queria ajudar o papai, mas, o Tio Rony e o tio Gui prometeram não parar até te encontrar. Ela levou a gente pela floresta enquanto o bichão estava destruindo o circo. Entramos na lareira da caverna quando ouvimos um estrondo enorme”


Alvo pensou um pouco.


– Essa hora ele tinha destruído a entrada do circo. Eu e a Isobel tínhamos acabado de entrar na floresta...


– Pera, quem é Isobel? – quis saber Tiago. Mas antes de Alvo responder, ele continuou, risonho: - Ah, ah, já sei. A sua namoradinha...


– Ela não é minha namorada – Alvo disse sério.


– Uhuhu... Tá, então o que a sua ‘não-namorada’ estava fazendo lá com você?


– Ela... – o garoto fitou o chão por um segundo, fugou um pouco com o nariz cheio de corisa por alergia à fuligem do incêndio e disse: - ela me ajudou a sair de lá a salvo. Eu tinha torcido o tornozelo. Não sei porque, mas ela...


Tiago comprimiu os lábios para um riso não escapar. Alvo fitava o vazio em silêncio...


Mas os pensamentos do garoto foram interrompidos pelo farfalhar das asas de uma coruja branca por completa que acabara de invadir o quarto do garoto.


– Lude!


A coruja de Alvo havia voltado à noite. Alvo dera uma missão para ela. E lá estava o Lude...


Ele pousou na cama, ao lado de Alvo, fitando-o com aqueles olhos avermelhados, profundos e focados. O garoto acariciou os peninhas da cabeça, mas Lude nem se moveu. Apenas esticou a perninha, mostrando o que segurava: um jornal.


– Você pediu “O Profeta” dessa manhã? Por quê? – Tiago puxou o jornal da mão de Alvo (“Ei, me devolve isso!”).


O irmão começou a folhear risonho, depois, com o passar da leitura, ia ficando mais sério, depois abismado e por fim transtornado. Ele jogou o jornal para Alvo.


– Lê essa porcaria aí.


Acima do título, via-se uma foto movimentada do fogo na tenda do circo que explodia em mil pedacinhos.


PÂNICO E CAOS NO CIRCO BRUXO


O que parecia ser uma linda tarde crepuscular, seguida pelo esplendoroso espetáculo do Juperos (o famoso circo) se tornou uma noite de pesadelo para todos as famílias bruxas que presenciaram o trágico e misterioso incêndio que deixou 17 feridos e 13 vítimas fatais, escreve Rita Skeeter, a correspondente especial de O Profeta Diário.


O circo Marvelous Yuperus fez ontem o seu primeiro show para a bruxindade da Grã-Bretanha. Liderado pelo ilusionista chinês Yu Jun (muito conhecido por ser alvo de retaliação por Mazoologistas como Rolf Scamander), o festival prometia ser o evento perfeito para os pais levarem seus filhos nos últimos dias de férias antes do começo do ano letivo em Hogwarts. Tudo parecia correr bem, até que – no auge da apresentação – a tragédia tomou conta do picadeiro.


“A fênix começou a bater asas e tudo ao redor começou a pegar fogo. De início pensávamos que fazia parte do espetáculo” declarou Ravena Throuberguntz, uma obliviadora do ministério que levara seu filho Lionel para o show “Mas depois que percebemos que se tratava de um incêndio de verdade”. A Senhorita Throuberguntz...


– Não, Al – disse Tiago, quando percebeu que o irmão lia a notícia errada – Na página 3. Essa aí em cima.


Alvo virou a página. Encontrou. A foto era bem maior. Mostrava o seu pai do lado direito de frente a mulher a qual chamaram de Madame Waldorf. Atrás de Harry, os aurores apontavam as varinhas para o grupo vestidos de azul (que deveriam ser os Inomináveis, segundo o título mais a frente), que retribuíam com o levantar de varinhas diretamente apontadas para os subordinados do pai de Alvo.


AURORES E INOMINÁVEIS SE ESTRANHAM APÓS O INCIDENTE EM JUPEROS


Escrito pela correspondente de fofocas de O Profeta Diário, Adelaide Junarwink


Para os leitores de O Profeta Diário, não é nenhuma novidade a relação "pouco amigável" entre Harry Potter (o atual Chefe dos aurores e conhecido “Herói da bruxindade”) e Integra Waldorf (a reservada Chefa do Departamento de Mistérios e Magicientista do Hospital Sta. Mungus). Mas após capturarmos a foto anexa à notícia, tirada após o controle do caótico e suspeito incêndio no circo Juperos, percebemos que estamos prestes a presenciar uma verdadeira guerra intra-ministerial, protagonizada pelos Aurores e os Inomináveis.


O clima pesado entre Integra e Harry vem se arrastando desde semanas antes, quando a Magicientista instaurou um inquérito contra “O Eleito”. Não temos informações sobre a natureza deste, tampouco. Ao fazermos perguntas ao auror Garyl Osgood conhecido amigo de Harry Potter, apenas obtivemos uma resposta seca e dura: “Vão cuidar de suas vidas” (Veja mais sobre o Auror na página 12: Osgood e o mercado de ervas oníricas: estaria o auror envolvido com o comércio de fumos proibidos?).


Entrementes, sabemos que Quin Sharklebolt (Ministro da Magia) e Harry têm uma forte relação de amizade desde a antiga Armada (Saiba de todos os detalhes lendo a Biografia "Armada de Dumbledore: O Lado Negro dos Soldados Dispensados", escrita pela nossa genial editora sênior de O Profeta Diário, Rita Skeeter). Talvez seja essa a razão de estarmos encontrando tantas barreiras para chegar a fundo do misterioso inquérito. Madame Waldorf não foi encontrada para esclarecer a situação, tampouco (quando a viúva de Seth Waldorf resolver dar atenção à Imprensa, poderemos confirmar chuva de granizo no deserto do Saara).


Ademais todas as desinformações, no fim da noite de ontem, pós solução do trágico incêndio, encontramos Harry Potter (acompanhado pelo seu filho Alvo, 11 anos) com seus subordinados, discutindo calorosamente com Integra Waldorf e sua assessoria fiel de Inomináveis. Tudo indica que o motivo da discussão é o filho de Harry Potter. Pudemos ouvir com exclusividade a Inominável Chefa pedir o garoto para uma sessão de interrogatórios com os Luduans. A recusa do Pai tornou tenso o que já tinha tudo para desandar.


Tanto os subordinados de Integra e de Harry se recusam a falar sobre o ocorrido. No entanto, o verdadeiro responsável pelo incêndio criminoso ainda não foi encontrado. É muito provável que o Ministro continue a tentar proteger o herói Potter de toda e qualquer forma de exposição midiática, no entanto, não resta dúvida de que há algo grande acontecendo a envolver as duas organizações mais poderosas do Ministério da Magia: Aurores e Inomináveis. Diante de uma tragédia terrível, com tantos mortos e feridos, é certo o Ministério continuar a esconder tantas informações da comunidade bruxa? O que será mais importante: proteger os caprichos paternos de Harry Potter ou dar uma chance de justiça às famílias que perderam pais e filhos em um incidente deveras misterioso?


Alvo baixou o jornal lentamente. É verdade. Em segredo, o garoto sempre quis sair nos jornais.Mas não assim. A mulher estava pintando o garoto quase como culpado da impunidade do ladrão. A louca não sabia os perigos que ele tinha passado para sobreviver. Não tinha conhecimento do heroísmo do seu pai... Era uma burra. Uma retardada, uma idiota...


Alvo não podia negar, no entanto, que tremeu na base a saber que toda a bruxindade estava lendo aquilo sobre ele. Lendo que o garoto fora chamado à interrogatório e negou-se. Deveria estar sendo visto como um covarde. Tentou respirar fundo e manter-se calmo diante às difamações. É como o pai dizia. Manter-se forte diante às mentiras.


– Esses imbecis não deixam o papai em paz! Um bando de corvos que não têm mais o que fazer... - exclamou Tiago irritadiço - Mas Al... O que essa mulher quis dizer com “pedir o garoto para uma sessão de interrogatórios?” – quis saber, pegando o jornal de Alvo novamente.


Nessa hora a mãe dos garotos entrou, trazendo um pote com um conteúdo gosmento-arroxeado. Quando a mãe abriu o pote e o cheiro de bolor azedo invadiu todos os cantos, Tiago deixou o quarto tampando o nariz.
Gina passou o gel estranho nas feridas do menino. O estranho é que, apesar de fedorento, trazia uma sensação de formigamento gostosa. Aliviava mesmo.


– Você não sabe como ficamos preocupados... Por um momento eu e seu pai pensamos...


A mulher calou-se, tocou no rosto intrigado do garotinho, depois virou o rosto, passando as mãos nos olhos. Alvo ficou calado.


– Prometa tomar cuidado amanhã. Não se meta em situações perigosas, não saia da Escola, ouça sempre o seu monitor, o diretor de sua casa e a Professora Mcgonagall. Você promete Alvo?


O garotinho pensou num segundo no plano de seguir os professores suspeitos, Aleph e Vogelweide... Sentiu-se muito culpado quando fez que "sim" com a cabeça e depois a mãe o abraçou, sorrindo.


Na manhã seguinte, Alvo levantou-se da cama com um salto. Parecia que não tinha dormido um segundo, pois demorara a cair no sono com as preocupações de sua sublime aparição no Profeta Diário e também com outras novas, o que provavelmente causou o pesadelo de hoje.


Alvo lembrava do sonho em partes. Tinha uma serpente enorme, toda malhada. Ela conversava com Alvo. Perguntava se o garoto não queria ir para a Sonserina. Mas Alvo dizia que não, que era óbvio que ele queria ir para a Grifinória. No entanto isso irritara a cobra. Ela de repente se tornou um enorme tigre azulado, com aqueles chifres... Os olhos puxados, amarelos e ferozes. O Bicho rosnava para Alvo, dizendo.


“Nos devolva”


Sentado na cama, totalmente acordado. Ficou parado um tempinho, meditando sobre o sonho e então respirou fundo. Abriu a cortina, deixando escapar pela janela um sol morno e fraco e dourado, que logo invadiu todo o quarto. O garoto foi para o calendário e puxou uma página, revelando os dizeres “1º SETEMBRO”.


Sentia-se atordoado. Sentou-se novamente na cama e ficou fitando o calendário. Seu estômago moveu-se incomodo e o coração deu um saltinho desobediente. Ele olhou para um malão totalmente pronto, em cima dele uma gaiola a qual Lude a pouco dormia, agora reclamava com os olhos semicerrados à luz inconveniente.


– É hoje.


A porta se escancarou e Tiago entrou de supetão.


– Bom dia, bebezão!


– Ah, não Tiago... Não tem outra pessoa para perturbar? Vai mexer no piano da Lily, acordar o papai... – E Alvo pegou o corbertor e cobriu-se novamente. Tiago puxou, revelando a cara do irmão.


– Ah, mas só você é o meu bebezão, o meu irmão...


– ... Não sou bebê... – Alvo puxou o cobertor, cobrindo novamente a cara.


– ...é Sonserino de corpo e alma!


Alvo descobriu o cobertor, revelando uma cara irritada.


– Eu não quero... Eu não vou pra Sonserina!


Tiago, desde ontem à noite, voltara a chateação de sempre: insinuar (quer dizer, afirmar) que Alvo iria ser selecionado para a Sonserina. Alvo pensou que ele iria se esquecer com o passar do mês, mas a gozação voltou com toda a força ontem quando Tiago veio a cama de Alvo quando o garoto cometeu o desengano de acreditar que o irmão estaria bondoso, empático com o trauma recente do irmão. Talvez pudesse dar algumas dicas sobre como se dar bem na escola... Como se enganara.


Tiago, bufão irremediável, passou o início da noite falando sobre monstros de Hogwarts, sobre as aulas dificílimas e sobre a casa que Alvo iria: Sonserina, o lugar onde mais se concentravam bruxos das trevas por metro quadrado. Parecia muito engraçado para Tiago imaginar o filho do chefe dos aurores indo para a casa dos vilões.


Mas Alvo não achava nenhum pouco engraçado. Se entrasse nessa Casa, somado com as suspeitas do Profeta Diário, provavelmente ele ia ser confirmado como o próximo Lorde das Trevas. Seria pedir muito só entrar em Hogwarts, assim, com o pé direito?


– Presta atenção, Severo...


– Não me chama disso – começou o garoto, bufando, ao tirar todo o cobertor e sair da cama para sentar-se na escrivaninha.


– Tá, tá... Olha, Alvinho. Entrar na Sonserina não significa ser um bruxo das trevas. Só acho que, sei lá, algo me diz que combina com você, maninho. Você não é um Grifinório... Só pode ser Sonserino. Cheio das chatices, cheio de nhênhênhêns...


– Quer dar o fora do meu quarto?


– Uhuhu... Calminha aí, amigão. Só quero que você não esqueça – o garoto pegou a esfera do chão – de levar o seu lembrol – Tiago jogou a bola para o irmão, que a aparou. Ela se tornou vermelha, indicando que Alvo tinha esquecido algo – Melhor se lembrar logo. A gente tem que sair daqui muito antes das onze.


Tiago saiu do quarto, fechando a porta com um baque seco.


Alvo pegou o lembrol, agitou um pouco. Forçou a cabeça, tentando lembrar do que tinha se esquecido... Então lembrou-se. Pegou a varinha de baixo do travesseiro, poliu-a mais uma vez com um tecido liso e separou-a para a viagem. Sentou-se novamente na cama e fitou a coruja.


– Lude, você acha que eu vou para a sonserina?


A coruja branca meramente piscou para o garoto. Depois olhou para janela, demonstrando claramente o desejo de ver o fim daquele feixe de luz que lhe caía bem no olho esquerdo. Alvo suspirou, sentindo saudade da prima Rosa e fechou a cortina do quarto. Já eram quase dez horas... Deveria se arrumar para o Expresso. Escolheu sua camisa azul-quadriculada favorita, aprontou-se com cuidado. Deu uma última olhada no jornal amassado, com a foto do pai com os aurores e Integra com os inomináveis... Engoliu a seco. O garoto pegou a gaiola numa mão começou a puxar o malão de rodinhas.


Harry viu o filho descendo as escadas e sorriu para o garoto. Alvo pensou em contar para o pai que vira a reportagem, mas, o que faria? Pensou melhor e resolveu não contar nada. Não ia fazer que a notícia ganhasse asas. Afinal, Alvo não tinha roubado nada. Isso não fazia sentido. Como ele poderia ter pego alguma coisa, ter sido culpado de algum incêndio? Ele não tinha culpa de nada. A reportagem era só uma confabulação retardada daquela repórter ridícula...


O sol do outono já estava mais forte e nítido, escapando pelas nuvens fofas e pintadas de dourado. Era um primeiro de setembro realmente revigorante. Harry tinha pegado um carro especial com os Aurores para levar os filhos para a estação. Eles colocaram tudo no malão e partiram. Lily olhava tudo passar com a cara pregada na janela direita do banco de trás. Parecia fascinada com a cidade trouxa e o trânsito caótico. Alvo estava sentado no meio, tentava olhar pra fora também, mas Tiago empatava o lado esquerda, onde os arranha-céus impressionantes iam passando.


– Sinceramente, Al, quando você entrar para a Sonserina, tem que me passar o nome de cada babaca, pra eu saber aqueles que eu vou azarar de ante mão. Sério, isso vai poupar muita pesquisa, busca, tempo...


Alvo revirou os olhos. Respirou fundo e disse, no tom mais calmo que pôde.


– Pede pra outra pessoa. Eu vou ser da Grifinória.


Tiago riu-se e depois tossiu algo que parecia soar como “Até parece”.


– Sim, eu posso ser da Grifinória. O papai foi, a mamãe foi, você foi. Por que eu não seria?


– Me conta de novo como uma menininha te carregou por todo incêndio?


– O meu tornozelo estava machucado! – gritou Alvo.


– Êpa, êpa, para de gritar, Alvo – disse Harry do volante – Não quero briga. Já basta a noite passada... Já gritou demais.


Os garotos se calaram um pouco. Alvo estava visivelmente contrariado por Tiago ter saído como vítima. Queria falar, explicar, mas não valia a pena. Quando Alvo chegasse em Hogwarts e entrasse para a Grifinória, Tiago ia ver só... Mas... Será... E se...?


Após um tempinho de viagem, os Potter saíram do carro. Os pais de Alvo empurravam os carrinhos, atravessando a rua em direção a um grande prédio alaranjado um tanto encardido, coberto por janelinhas. As torrinhas pontudas intervalavam-se com a marquise do prédio. A torre maior tinha um relógio. Eram dez e meia, Alvo reparou.


Ao sacolejar dos carrinhos cheios, as corujas Pepp e Lude piaram indignadas com a falta de cuidado, quando as gaiolas ameaçaram despencar horizontalizadas na subida um tanto íngreme até a entrada da Estação King’s Cross.


Lily, desde quando saíra de casa, mostrara-se notavelmente emburrada. Mas só quando realmente entraram no interior da Estação apinhada de trouxas que a garotinha revelou em alto e bom tom o motivo do seu descontentamento.


– Eu queria muito ir pra Hogwarts, que nem o Al e o Ti – disse chorosa.


– Não vai demorar muito – tentou apassivar a menininha – e você também irá.


– Dois anos! – reclamou Lily – Quero ir agora!


– Calma, maninha – disse Tiago. Os pais passavam pela plataforma três e agora pela quatro... – Você, o Louizinho e o Huguinho vão juntos. Não tem pra que apressar as coisas. Se lembra do nosso trato? – Tiago piscou. A garotinha, apesar de um tanto amuada, sorriu-lhe de volta e sentou em cima do carrinho que a mãe empurrava, aproveitando a carona, com um olhar aventureiro.


Os trouxas desciam de seus trens, carregando suas malas de rodinhas, de mão... Mulheres com a aparência excepcionalmente normal e homens apressados sair dali o quanto antes. O guarda dava informações para uma velha senhora, quando Tiago recomeçou.


– E aí, Al – disse risonho, acompanhando o irmão lado a lado – Quando você entrar na Sonserina, tem que prometer que vai me dizer como é o salão comunal... Eu sempre quis saber se tem cabeças de Elfos domésticos, igual tinha lá em casa...


Alvo olhou emburrado para o irmão.


– Eu não vou ser Sonserino!


– Você não tem como saber, maninho, até na hora da verdade. Fala aí, eu sei que você quer ir pra Sonserina. Enjoadinho como é, só pode querer ser de lá. Não fica com vergonha não – Tiago deu dois tapinhas no ombro de Alvo – fala pra mim. Quer ir pra Sonserina, que eu sei...


– Não quero ir! – Alvo perdeu as estribeiras – Não quero ir para Sonserina!


Gina, que já estava começando a perder a paciência, pediu para o filho mais velho:


– Tiago, dá um tempo!


– Eu só disse que ele talvez fosse. Não vejo problema nisso – Tiago sorriu zombeteiro para a cara emburrada do irmão – Ele talvez vá para Sonse...


Contudo, o mais velho não completou a frase. O olhar de sua mãe fora o suficiente para calá-lo.


Os cinco Potter se aproximaram da barreira. Lily saltou da carona do carrinho e esperou, ansiosa. Tiago apanhou o carrinho que Gina carregava e, não antes de lançar um olhar de arrogância enviesada, saiu correndo em direção da barreira entre as plataformas nove e dez. Um momento Tiago estava e no outro não estava. Os trouxas pareciam nem ter prestado atenção. A mulher mais à frente continuava a falar no telefone: “Eu disse para ele trazer o remédio, mas ele é teimoso, nunca me escuta...”.


Alvo olhou para a barreira onde Tiago havia desaparecido e fitou o chão por um instante.


Ele teria que enfrentar Hogwarts sozinho. Tiago não ia facilitar. Ele sempre estava tentando fazer Alvo ser mais forte, então era certeza que não ia ter um apoio efetivo do irmão. Ele tinha tanta coisa na cabeça, tantos medos, tantas ansiedades. E se ele não aprendesse direito? E se ele fosse realmente um burro? E se ele fosse para a Sonserina, de fato? Tentou afastar esse pensamento da cabeça, mas outro veio à tona.


Ele não tinha falado nada ao pai sobre os futuros professores, Ravus e Vogelweide. Alvo tinha dito para si mesmo que iria investigar sobre o possível envolvimento deles com o primeiro roubo. Agora, com um segundo roubo e ele mesmo sendo acusado por aqueles bichos que chamavam de Luduan... Era essencial descobrir. Era uma tarefa complicada, que envolvia a coragem e a inteligência que o garoto não tinha... Isso somado a notícia que saíra no Jornal de maior circulação dos bruxos. Será que ele sobreviveria à Hogwarts?


Então lembrou-se do que o pai tinha dito no dia que iam fazer as compras no beco:


“Então, Al, não se preocupe... Pode contar comigo para desabafar, por que hoje eu vou garantir que você seja muito feliz.”


– Vocês... Vão escrever para mim, não vão?


Gina sorriu-lhe, acariciando o rosto pálido de Alvo, olhando-o no fundo dos olhos verdes do garotinho:


– Todo dia, se você quiser.


– Todo dia não – replicou Alvo. Ele não queria parecer tão desesperado por atenção, tão fraco. Não era assim, que queria parecer ao pai até por que... – O Tiago diz que a maioria dos alunos recebe carta de casa mais ou menos uma vez por mês – disse, por fim.


Gina olhou para a barreira onde Tiago tinha desaparecido, parecendo indignada.


– Escrevemos para Tiago três vezes por semana no ano passado!


– E você não acredite em tudo que ele lhe disse sobre Hogwarts – acrescentou o pai de Alvo, rindo-se para sua esposa – Ele gosta de brincar, o seu irmão.


– Agora, vamos? – perguntou Harry, colocando as mãos frias do garoto na comanda do carrinho. Talvez Harry tenha percebido a hesitação do filho, pois apertou nos ombros do garoto, e segurando-os firmemente acrescentou: – Juntos.


Alvo concordou e empurrou o carrinho, ganhando velocidade. Ele e o pai estavam muito próximos da barreira, iam colidir... Alvo fechou os olhos, fez uma careta, sentiu um frio na barriga, preparou-se para espatifar-se... Mas aquela colisão nunca aconteceu.


Alvo e Harry saíram pela plataforma nove e três quartos. Logo atrás, a mãe e a irmã mais nova.


Havia uma fumaça de vapor densa e clara fugindo do cano metálico de escapamento da Locomotiva vermelha. O Letreiro de cima informava: Expresso de Hogwarts, 11 horas. Alvo sorriu e falou baixinho.


– Finalmente...


A névoa formada pelo vapor ocultava parcialmente as pessoas que ocupavam a plataforma nove e três quartos. Alvo caminhou um pouco mais, tentou abanar para dissipar a brancura na sua cara, que incomodava um pouco seu nariz. Eles ainda não tinham chegado. O garoto não tivera chance de falar com a prima, desde o incidente em Juperos. Naquela noite, depois da discussão com a tal Waldorf, o pai o levara direto para casa. Lá, eles conversaram longamente sobre tudo o que tinha acontecido. Harry tinha extraído todos os detalhes do encapuzado que Alvo sabia. Depois, o pai saíra de casa, provavelmente para resolver os assuntos de auror.


O garoto sentia que, conversando com Rosa sobre o acontecido, ia se sentir mais leve, menos pressionado pelo fato de, um dia antes de ir pra Hogwarts, o garoto saíra no jornal como ‘pista’ para o culpado da tragédia em Juperos. Treze pessoas mortas, dezessete feridos... Isso somado ao nervosismo do primeiro dia de aula, e à pressão de ser escolhido para uma casa... Da mala sem alça que era o irmão, enchendo o saco com essa história ridícula de Alvo ter a grande chance de ser escolhido para a Sonserina...


Mas eles ainda não tinham chegado...


– Onde eles estão? – perguntou Alvo, não conseguindo se conter de ansiedade. Os vultos que vinham chegando; crianças e pais, indistintos, iam se avolumando à fumaça.


– Nós os acharemos – sua mãe disse, olhando ao redor também.


A primeira pessoa familiar que viu foi o tio Percy. Ele falava com o maquinista sobre a proibição dos alunos do primeiro ano de levarem vassouras. O homem parecia agoniado de tédio. Mais a frente...


– Acho que são eles, Al – apontou Gina para um grupo distinto.


Tio Rony abraçava um Huguinho choroso, enquanto Tia Hermione conversava com Rosa, já totalmente vestida com os trajes de Hogwarts. Os Potter se aproximaram dos Weasley. Enquanto os adultos conversavam algo relacionado com exame de motorista dos trouxas.


– Oi – Alvo disse, suspirando de alívio. Rosa abriu-lhe um grande sorriso.


– E então... Você tá bem, primo? Não tive tempo de falar com você depois...


– Ãhn, sim, tudo bem – o garoto fungou à fumaça.


– Alguma novidade? – quis saber uma Rosa astuta.


Alvo olhou para a mãe e o pai que conversava sorridente com os pais de Rosa.


– Muitas. Mas a gente conversa lá dentro – e Alvo apontou para o trem. Sua mão tremeu de leve ao fazer isso.


– Tudo bem.


O pai de Alvo e o tio Rony levaram as malas e as corujas dos garotos para dentro do trem.


Lily e Hugo começaram a conversar sobre suas entradas daqui a dois anos.


– ... Que tal a Yufa-Yufa? – perguntou animadamente Huguinho.


– Lufa-Lufa... – Corrigiu a irmã do menino.


– Me disseram que não é lá essas coisas – disse Lilian, displicente.


– E tem uma... Corvonal – meditou o menininho ruivo, coçando o queixo.


– Corvinal – disse Rosa, rindo-se. Alvo sorriu simpático. Mas não podia falar nada. Sabia tanto das casas quanto Huguinho.


– Isso. E a Corvinal, Lily? – o garotinho continuou.


– Dizem que só gente inteligente entra – resumiu a irmã de Al.


– Acho que você vai ficar nessa. Você toca piano, flauta, sabe dançar, conhece um monte de coisa... – concluiu Hugo – Acho que a Rosa também pode ficar lá, não é Rosa?


– É, pode ser. Mas eu prefiro a Grifinória. Mas não depende muito da gente, sabe? É uma seleção.


– Eu, que não sou inteligente nem nada, acho que vou terminar na Lufa-lufa – disse Huguinho, suspirando.


– Se você não for para a Grifinória, nós o deserdaremos – disse o tio Rony, parecendo muito rígido. Mas depois sorriu, brincalhão, acrescentando -, mas não estou pressionando ninguém.


– Rony! – ralhou a tia Hermione. Lily e Hugo riram. No entanto, Rosa e Alvo se entreolharam. Daqui a algumas horas estariam em Hogwarts e seriam submetidos a uma seleção. Soava como algo preocupante. Demais para ser motivo de risadas apaziguadoras. Gina e tia Hermione pareciam ter notado a expressão esbranquiçada dos filhos, porque ambas disseram:


– Ele não está falando sério.


Mas o tio Rony olhava para outra direção. Ele chamou Harry e apontou com um movimento de cabeça discreto para um canto mais à frente do trem.


– Vejam só quem está ali – tio Rony teve que dizer.


Um homem loiro-platinado de queixo fino, vestido com um sobretudo negro ajoelhava-se para falar algo para o garoto da idade de Alvo. Via-se apenas as costas do menino, tão loiro quanto o pai. O menino abraçou a mulher bonita de cabelo negro com um vestido vermelho vivo e um chapéu fedora estiloso. Ela beijou o rosto do garotinho loiro, depois o deixou entrar no trem.


E então Alvo assustou-se. O homem loiro olhava para ele, fitava-o longamente. E o mais estranho, sorria de leve. Quando ele notou que o garoto também retribuía o olhar, ele o desviou para Harry, que acenou gentilmente. O homem também balançou a cabeça levemente e se afastou.


Alvo ficou se perguntando quem eram aquelas pessoas e por que aquele cara sustentou o olhar com ele por tanto tempo... Até que tio Rony subitamente disse:


– Então aquele é o pequeno Escórpio – o tom era de quem fala de alguém muito intrigante – Não deixe de superá-lo em todos os exames, Rosinha. Graças a Deus você herdou a inteligência da sua mãe...


– Rony, pelo amor de Deus. - Tia Hermione não sabia se ria ou fazia cara de retaliação – Não tente indispor os dois antes mesmo de entrarem para a escola!


– Você tem razão, desculpe – suspirou o tio. Mas, incapaz de ficar calado, soltou: -, mas não fique muito amiga dele, Rosinha. Vovô Weasley nunca perdoaria se você casasse com um sangue puro...


Rosa olhou para Alvo, sem entender toda aquela conversa. Alvo também não sabia o que dizer. Ele deu uma última olhada nos pais do tal “Escórpio”.


O loiro apertava a mão de outro homem. Este era muitíssimo branquelo, com os cabelos lisos e caprichosamente penteados para trás. Vestia um blazer verde-musgo que lhe caía muito bem. Ele conversava com o loiro como velhos amigos. Depois, foi falar com a esposa deste, sorrindo e tagarelando muito simpaticamente. Ao lado do homem de cabelo negro, via-se um menino que deveria ser seu filho. Era a cópia do pai, tirando o fato do mesmo cabelo preto ter um penteado diferente: todo pontudinho. O garoto cumprimentou um por um do grupo e sorriu-lhes, espelhando a boa educação do pai.


Em seguida, uma outra mulher juntou-se ao grupo. Ela tinha os cabelos densos brancos de neve, mas era bem jovem. Trazia uma bolsa de couro enorme e vestia-se de roxo. Tirou os escuros óculos redondos e cumprimentou os adultos. Junto a mulher, estava uma menina de cabelos densos e encaracolados. Ela juntou-se ao menino branquelo, ambos conversando animadamente.


Foi então que o coração de Alvo deu um salto. A subordinada da Waldorf, Milhomina Geyer, aproximou-se, cumprimentando a todos (mais enfaticamente o homem branquelo) e entregou, aos cuidados deste, duas garotas: uma mais velha bem magrela, com aquele cabelo preto, longo de partinha cortada à régua. Pela cara, parecia estar enjoada com alguma coisa. E, ao lado dela, parecendo mais deslocada que um cego numa sessão de fotos... Isobel Waldorf.


Ei! – uma voz próxima o assustou. Era Tiago, retornando sabe lá deus de onde. Ele parecia excitadíssimo.


– Teddy está lá atrás – disse, respirando rápido, apontando para trás da locomotiva – Acabei de ver! E adivinhe o que ele está fazendo? Se agarrando com a Victoire!


Tiago olhou para os adultos, esperando “Ós” e “Uaus”. Quem sabe até “Minha nossa!”. Mas ficou desapontado com a falta de reação deles. Rosa, Lily e Huguinho também pareceram mais interessados. Alvo, no entanto, ainda pensava na menina Isobel, em companhia da subordinada de Integra... Tiago voltou-se aos adultos novamente.


– O nosso Teddy! Teddy Lupin! Agarrando a nossa Victoire! Nossa prima! E perguntei a Teddy o que é que ele estava fazendo...


Gina pareceu abismada.


– Você interrompeu os dois? – repreendeu – Você é igualzinho ao Rony...


–... e ele disse que tinha vindo se despedir dela! – continuou Tiago, sem prestar atenção na mãe – E depois me disse para dar o fora. Ele está agarrando ela! – o garoto enfatizou o “agarrando”. Parecia que não estava sendo suficientemente claro.


Alvo nunca pensara que Teddy e Victoire poderiam estar juntos. Mas, pensando bem, começava a lembrar de algumas coisas, de algumas palavras, de alguns momentos. Inclusive no Aniversário de casamento, quando Vick e Teddy foram conversar a sós no coreto... Ou quando resolveram andar juntos pelo festival do Juperos... É, fazia sentido. Mas o “quase primo” não iria estudar mais em Hogwarts. Só poderia perguntar detalhes no Natal.


– Ah, seria ótimo se os dois se casassem! – disse a irmãzinha de Alvo, suspirosa – Então o Teddy ia realmente fazer parte da nossa família!


Harry acariciou a cabeça da menininha.


– Ele já aparece para jantar quatro vezes por semana. Por que não o convidamos para morar de uma vez conosco?


– É – disse Tiago, concordando imediatamente com a ideia – Eu não me importo de dividir o quarto com o Alvo... Teddy poderia ficar com o meu!


Harry riu-se, mas disse com firmeza:


– Não. Você e Al só dividirão um quarto quando eu quiser ter a casa demolida.


Alvo teve que concordar silenciosamente. Tremeu só com a possibilidade de acordar com a encheção de saco de Tiago e ter que dormir com ela. Ainda lembrava de uma noite que Tiago teve que ficar lá por um tempo até conseguirem expulsar o Ghoul do teto dele. Tiago tinha contado uma horripilante história sobre os horripilantes Testrálios. Ele ficou dois dias sem dormir direito. Mas gostaria de ter Teddy como morador do Largo Grimmauld 12. O garoto provavelmente não se recusaria em dar dicas sobre Hogwarts e o ajudaria nos deveres de casa, coisa que Tiago não fazia, muitas das vezes por estar ocupado demais com os seus.


– São quase onze horas – disse Harry de repente, consultando o relógio que Alvo e Tiago tinham buscado no Antiquário do velho elfo Thatcher – É melhor embarcar.


O estômago de Alvo moveu-se incomodamente.


– Não se esqueça de transmitir Neville o nosso carinho! – recomendou a mãe ao irmão, quando o abraçou fortemente.


– Mamãe! – resmungou o garoto – não posso transmitir carinho a um professor!


Gina riu-se para o filho.


– Mas você conhece Neville...


Tiago parecia que não estava se fazendo entender. Revirou os olhos e disse:


– Aqui fora, sim, mas na escola, ele é o professor Longbottom, não é? - explicou – não posso entrar na aula de Herbologia falando em carinho...


Tiago balançou a cabeça, imaginando essa situação e depois deu um chute no traseiro de um Alvo distraído, olhando para o trem.


– A gente se vê, Al – e balançou o cabelo cuinha do irmão - Cuidado com os Testrálios – acrescentou com uma piscadela.


– Pensei que eles fossem invisíveis – disse Alvo, imediatamente – Você disse que eram invisíveis!


Tiago riu-se, bufão. A mãe beijou o rosto dele e o pai deu-lhe um abraço terno. O irmão desapareceu junto a uma multidão que entrava no trem, provavelmente procurando Fred, Leticia e Caerulleu.


Alvo ficou olhando, cada vez mais nervoso. Assustou-se quando o pai veio falar com ele.


– Não precisa se preocupar com os testrálios. São criaturas meigas, não tem nada de apavorante. E, de qualquer modo, você não irá para a escola de carruagem, irá de barco.


Alvo sorriu de leve para o pai. A mãe deu um beijo de despedida no garoto. Alvo a abraçou de volta. Ia sentir falta, admitiu para si mesmo. Fugou novamente à fumaça irritativa, olhou para baixo e disse:


– Vejo vocês no Natal.


– Tchau, Al – o pai disse. Alvo também percebeu o quanto ia sentir falta do seu pai ao longo daquele ano. Os olhos arderam um pouquinho. Harry continuou, também coçando os olhos: - Não esqueça que Hagrid o convidou para tomar chá na próxima sexta. Não se meta com o Pirraça. Não duele com ninguém até aprender como se faz. E não deixe Tiago enrolar você.


Diante de todos aqueles conselhos, Alvo viu uma necessidade subir-lhe a cabeça, incontrolavelmente. Aquele era o momento em que o garoto poderia perguntar algo que lhe incomodava desde muito tempo. Só agora tinha coragem de dizer, pois, de outro modo, não teria outra chance. Disse isso sem fitar o pai, num sussurro quase inaudível:


– E se eu for para a sonserina?


Seu pai se abaixou, alinhando o rosto de Alvo com o dele, assim como tinha feito na noite do aniversário de casamento, no Coreto. Os olhos igualmente verdes se fitavam.


– Alvo Severo Potter – o pai disse-lhe com a voz baixa, como que segredando. Estavam quase a sós, a não ser pela mãe, que acenava agora para Rosa, que olhava pela janela do trem, esperando pelo primo – Nós lhe demos o nome de dois diretores de Hogwarts. Um deles era da Sonserina, e provavelmente foi o homem mais corajoso que já conheci em toda a minha vida.


O garoto sentiu-se imediatamente pesado. Seu nome foi inspirado em Diretores de Hogwarts?


– Mas me diga... E se...


– ... Então, a Sonserina terá ganhado um excelente jovem bruxo. Não faz diferença para nós, Al – o menino suspirou. Porém, Harry continuou, falando ainda mais baixo: - Mas, se fizer diferença para você, poderá escolher a Grifinória em vez da Sonserina. O chapéu Seletor leva em consideração a sua escolha.


– Sério?


– Levou comigo.


Alvo surpreendeu-se com a revelação do pai. Tiago nunca tinha lhe dito isso. Sentiu como se tivesse acabado de ouvir um segredo muito especial, de pai e filho. Tiago nunca poderia tirar isso dele. O garoto sorriu para o pai, feliz. Se sentia o máximo...


O pai olhou para o trem e Alvo, ao acompanhar o olhar, notou que as portas começavam a se fechar. Alvo pulou para o vagão onde os primos estavam e sua mãe fechou a porta para ele.


O corredor estava muito lotado. Como o trem ainda não tinha partido, muitos estudantes perambulavam, procurando seus amigos, ou ainda espaços vagos. Outros apenas visitavam as cabines uns dos outros. Um rato branco passou correndo de um canto, perseguido pelo seu dono, um menino baixinho de pele morena:


– Volta aqui, Desbotado!


Quando ele passou, deu um empurrão em um garoto gordo, que se espatifou no chão. Alvo ofereceu sua mão para ajudar a levantá-lo (quer dizer, desatolá-lo). Foi um pouco difícil, pois Alvo era magro e não tinha como ser um contrapeso ideal, mas conseguiu ergue-lo, desafogando o trânsito do corredor, que já tinha formado um pequeno turbilhamento de garotos reclamando da orca encalhada no caminho. “Obrigado” disse o gorducho, olhando tristemente para os o saco de salgadinhos, com metade do conteúdo caído no chão.


De repente, Alvo foi puxado por alguém para dentro da cabine. Era sua prima Rosa. Além dela, Dominique estava lá, com a sua travessa vermelha contrastando com os cabelos loiros claros e sedosos. Alvo pôs a cabeça para fora da Janela para ver seus pais. Notou que muitos os estudantes estavam pendurados na janela. E para o desespero de Alvo, pareciam estar se esticando para olhar para eles. Será que todos eles tinham lido a notícia do jornal e cochichavam sobre o garoto?


– Por que eles estão todos nos encarando? – perguntou o garoto, um tanto preocupado.


– Não se preocupe – disse o tio Rony – É comigo. Sou excepcionalmente famoso.


Rosa, Hugo e Lily riram. Alvo também. Precisava parar de ficar paranoico. Como tinha dito, não ia dar asas à notícia.


De repente ouviu-se um apito muito forte. Guardas vestidos de vermelho começaram a fechar as portas que remanesciam abertas. O trem começou a tremer e então finalmente moveu-se. Alvo sentiu uma excitação crescente, uma ansiedade invadindo-o da cabeça aos pés. Cada vez mais distante, seu pai sorria e acenava, abraçando a mãe.


Ele tinha uma nostalgia no olhar, um sorriso um tanto melancólico. Alvo sorriu de volta e deu tchau ao pai e à mãe. Rosa também acenava para a mãe. Então eles foram se afastando cada vez mais, até se tornarem pontos minúsculos no fundo da estação, quando o trem ganhou velocidade em direção à Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.


Dominique abriu a porta de vidro da cabine e deu uma espiada no corredor.


– Onde está a Vick?


– Provavelmente com a Lúcia e a Roxanne... – disse Rosa, olhando pela janela um campo verdejante passar. Já faziam alguns minutos de viagem. Alvo também observava a paisagem, de frente para a prima. Antes de Dominique fechar a porta da cabine, o trem sacolejou em protesto a uma dobrada íngreme, ao mesmo tempo que Alvo sentiu algo passar entre suas pernas. O garoto ia olhar o que era, mas Rosa o interrompeu.


– Al, você disse que tinha um monte de coisa pra contar.


O garoto olhou para Dominique, que lia distraidamente uma revista intitulada “Somebody mix my Potion”. Ela não era muito próxima de Al, não como Rosa. Mas era sua prima e era confiável. Então o garoto contou tudo o que tinha passado. Sobre Isobel, sobre o encapuzado no incêndio, sobre a discussão de seu pai com a tal Waldorf e o encontro com os desagradáveis luduans. Rosa ouvia tudo atentamente e Dominique acabou também largando a revista e participando da conversa.


– Nossa Alvo, isso é... Surreal. Você e a tal Isobel, no meio de uma luta entre bruxos adultos... – disse Rosa, muito impressionada.


– A única coisa que consegui fazer foi apagar um foguinho com o feitiço que o papai usou na loja de varinhas, o Ignis exumai.


– O que já é muita coisa! Usar feitiço sem nunca ter treinado! – exclamou Dominique, com uma expressão de estupefação estampada na cara – Olha, Al... Eu não dava nada pra você, mas agora...


– Espera, qual foi o nome do feitiço que você disse que o seu pai usou para destruir o Heliopata?


Alvo buscou na memória a informação e então lembrou-se.


– Abaffiato máxima... É foi esse. Por que?


Rosa olhou para Dominique, que fitava o primo mascando um chiclete, ansiosa. Pela expressão da prima Rosa, ela não iria explicar na frente de Dominique. Alvo percebendo isso, disse sem jeito:


– Ah, sim, érr...


– Outra coisa – Rosa continuou, disfarçando também – você disse que o feiticeiro voou?


– Sim. Depois que o Heliopata apagou, ele fugiu voando.


– Espera, você viu isso ou papai contou para você?


– Eu vi – reafirmou Alvo – Ele desapareceu nas nuvens.


– Sem vassoura nem nada? – forçou Rosa.


– Não estava montado em nada. Só voou.


Rosa calou-se. Dominique mastigava o chiclete com mais vontade, fitando Alvo.


– Impossível, Al. Afronta uma das Leis Naturais da Magia.


– Hmmm – o garoto meditou um pouco – É, alguém parece ter dito isso enquanto brigavam. Mas não sei do que se trata


– Uma vez eu estava lendo um livro da mamãe “A magia e suas Leis”, só pra me distrair um pouco – informou displicentemente Rosa – aí achei uma coisa falando sobre isso. Uma das exceções das Leis de Gamp fala que um bruxo não pode se auto enfeitiçar para ter a capacidade de voar. É uma lei elemental. Não lembro de todos os detalhes, mas quando a gente chegar em Hogwarts eu posso perguntar ao nosso professor de Transfiguração.


– Se refere ao Aleph Ravus? – disse Alvo, com um ligeiro tom preocupação na voz. Lembrava-se que Tiago tinha dito no antiquário que Ravus ministrava transfiguração – É, pode ser. Vai que ele comete algum deslize...


– Do que vocês estão falando? – quis saber Dominique.


– É uma longa história, Domi... – disse Rosa.


– Tá legal – a menina pegou a revista de volta e afundou-se na leitura. Alvo perguntou outra coisa que o intrigava. Talvez Rosa soubesse de algum detalhe.


– Você sabe o que são esses Luduans?


Rosa coçou o queixo, buscando na memória.


– São criaturas mágicas, se eu não me engano são chinesas. Trabalham para o ministério agora. Substituíram os Dementadores.


– Ah, esses eu conheço. Deram um trabalhão na última guerra bruxa – disse um Alvo feliz por lembrar-se de alguma coisa do livro “Ascenção, Queda, Nova ascensão e Nova queda da Magia Negra”.


– Como são criaturas orientais, não estão em muitos livros por aqui. Mas posso procurar na Biblioteca de Hogwarts. Mamãe diz que lá tem de tudo.


– Ou a gente pode perguntar ao Rúbeo na sexta, quando a gente for tomar chá com ele. Você vai, Domi? – acrescentou Alvo, tentando reatar a amizade da prima.


– Agora vocês querem que eu ouça ou continuo fingindo que sou surda?


Mas antes de Rosa responder, uma menina bateu no vidro da cabine. Era Isobel Waldorf, acompanhada pela menina de cabelos encaracolados e cheios que Alvo tinha visto mais cedo. Dominique abriu a porta.


– Pois não?


– Perdi o meu gato.


– E...? – forçou a prima.


– “E” eu estou querendo saber se algum de vocês viu ele. Ele não tem pelo e é todo enrugado, parece uma carne moída rosa. E é bem feio – explicou Isobel. A menina de cabelos cheios parece não ter gostado da última frase da outra, pois lançou um olhar repreendedor. Isobel notou que Alvo estava ali e então acrescentou – eu poderia estar me referindo a você, mas o gato tem olho azul, não verde então...


– Não vimos o seu gato. Passar bem – Domi fechou a porta quase no nariz de Isobel – que menina encantadora.


– É a Isobel – explicou Alvo.


– Jura? A menina que te carregou no circo? – quis saber uma Rosa descrente.


– Ela mesmo...


– Dá uma impressão que ela te odeia. – concluiu Dominique.


– Tanto quanto a mãe dela odeia o meu pai.... – E Alvo contou da notícia que saíra no profeta diário.


– Não vou dizer que ninguém leu, por que até eu dei uma olhada – confessou Rosa – Mas não acho que você tenha que se preocupar tanto. Seu pai é famoso, tem gente que gosta dele, tem gente que simplesmente odeia. Muita ingenuidade sua pensar que um dia isso não ia chegar em você.


– Eu sei... – disse o garoto – Mas não faz sentido algum eles me acusarem de roubo. Olha que eu nem sei direito o que foi roubado...


– A fênix – contou a prima – e um Nefilante. Aquele Dragão do espetáculo foi encontrado morto.


– O que é um Nefilante? – perguntou a prima Dominique, baixando a revista.


– Mais uma coisa que eu tenho que pesquisar na Biblioteca – disse Rosa. Mas acrescentou quando olhou para o primo: - ou perguntar para Rúbeo no chá da sexta...


O garoto suspirou. Mal tinham entrado em Hogwarts e já tinham três coisas para estudar...


A luz do sol, antes perpendicular, agora começavam a se inclinar, aumentando sua potência. Alvo absteve-se de participar na partida de snaps explosivos, pois não era a habilidade em si do jogador que estava decidindo bem o vencedor, mas quem tinha o azar de tentar equilibrar a carta explosiva no topo da torre sem contar com uma curva acentuada e imprevista do trem.


O garoto preferia olhar pela janela, sob uma brisa relativamente forte, olhando os longevos e infindáveis campos verdejantes, com pontuais árvores no fundo, passando lentamente, enquanto as mais solitárias da ponta zuniam como um cometa. A relva se tornava um borrão verde-canário à velocidade do trem. E as nuvens fofas sob um céu anil flutuavam preguiçosamente...


– Al – uma voz o interrompeu do seu pré-sono. Era Dominique – A gente ta com fome. Você não quer ir procurar alguma coisa no trem?


– E alguém dá comida aqui? – quis saber o menino, desapoiando-se da janela e fechando-a.


– Acho que vendem – disse Rosa – Papai disse que uma mulher passa levando lanchinhos e doces num carrinho. Me deu dinheiro e disse pra eu gastar no que que quiser. Ela deveria vir mais ou menos meio dia, só que já são duas horas da tarde e nada.


– A gente ta morrendo de fome – suplicou a menininha loira, esfregando a barriga.


– Tudo bem... – suspirou Al, pegando alguns sicles, uns nuques e poucos galeões das primas. Ele não sentia tanta fome, só que mais tarde muito provavelmente ia sentir. Era melhor estar alimentado logo.


O menino saiu da cabine e ganhou o corredor, olhando para os dois lados, tentando presumir para onde estaria a mulher que vende lanchinhos. Como o vagão deles era exatamente o do centro, não tinha muita escolha a não ser ir no primeiro e perguntar ao maquinista.


Alvo seguiu o corredor, abrindo as portas que separavam os vagões e lançando alguns olhares furtivos pelas cabines, só pela curiosidade de saber como eram os outros alunos e o que eles estavam fazendo naquele momento. Alguns já comiam uns doces, outros jogavam xadrez bruxo. Uns liam livros, outros ainda conversavam. Um grupo em especial tinha uma caixa e o garoto que a segurava cutucava alguma coisa que estava dentro dela com a varinha.


Alvo parou de olhar para as cabines, por que poderia encontrar Isobel e ela diria que ele “Estava a perseguindo”. Chegando no vagão do maquinista, encontrou uma porta fechada. Quando o homem vestido de vermelho abriu a porta, outros garotos de diferentes idades se aproximaram também, esperando, logo atrás de Alvo.


– Chegamos só as seis e meia – disse o homem, já virando as costas para fechar a porta.


– Não, espere! Eu quero perguntar outra coisa – disse Alvo. O homem virou-se, com uma expressão de mais puro e destilado tédio – Não vem ninguém vender comida?


Os meninos de trás de Alvo concordaram enfaticamente com ele, também parecendo famintos. O homem olhou para trás e gritou:


– MATILDE. Os pirralhos – e virou as costas, desaparecendo no compartimento. Logo em seguida uma mulher muito velinha, com o sorriso simpático e um avental típico de vovó apareceu.


– Olá – sorriu-se a velhinha – Vieram procurar algumas guloseimas? - os garotos concordaram – Hmmm... Veja bem. Acabaram os doces do carrinho muito mais cedo que eu imaginava. Um garotinho fominha comprou quase tudo. Então tive que voltar para reabastecer, coisa que eu nunca precisei fazer há trinta anos que vendo lanchinhos nesse expresso. Mas eu já repus tudo no carrinho e vou dar uma passada nas cabines. Podem esperar que eu passo, sim?


Alvo concordou. O pequeno grupo de garotos também, virando-se para voltarem às suas respectivas cabines, conversando entre si. Porém, dois deles, um da idade de Alvo e o outro parecendo mais velho, que cochichavam, pararam e viraram-se para ele, empatando o caminho. Os meninos fitavam o garoto com vívido interesse. Alvo já preparava-se para pedir licença quando o menino de cabelos curtos disse:


– Você é um Potter?


Alvo o fitou um tanto desconfiado, mas respondeu:


– Sim...


– Qual seu nome? – perguntou o outro, de cabelos lisos e partidos no meio, com uma pontinha em pé entre eles. Ele já estava totalmente vestido com os trajes de Hogwarts, assim como o de cabelo curto.


– Alvo... Alvo Potter – respondeu, encabulado.


– Nossa, é ele – Disse muito audivelmente o de cabelo partidinho no ouvido do outro.


– Eu não disse que era ele, seu otário? – respondeu o outro dando um tapa na cabeça dele, sem se preocupar se Alvo estava ali na frente, perplexo.


– Podia não ser – retrucou o primeiro, massageando a cabeça.


– Tava óbvio que era. É a cara do Harry Potter – o de cabelo curto respondeu. Depois virou para Alvo, como que parabenizando-o: - você é a cara o seu pai. Parece uma versão miniatura.


Alvo deu o sorriso esquisito de quem não sabe como agir.


– Meu nome é Patrichio Rutherdan – ofereceu a mão o de cabelo partido, sorrindo simpaticamente.


– Mathew Owen – o de cabelo curto apertou a mão de Alvo com força.


– Prazer – Alvo disse, tentando sorrir. O garoto sempre fora uma tragédia para essas iniciações sociais. Mathew olhou para Patríchio, segurando o riso, mas voltou-se para o Potter, com um sorriso sem dentes.


– Ei, o que acha de vir comigo, conhecer uma galera?


– Ãhnn como assim?


– A gente reuniu algumas pessoas do primeiro ano pra fazer amizades, certo... Conhecer gente nova, antes de chegar em Hogwarts. E então... – o menino foi fazendo círculos com o dedo, aproximando-o de Alvo até dar um leve empurrão no peito dele – Eu to chamando você, Potter.


– Ãhnn – Alvo pensou – Não sei, as minhas primas...


– Ei, ei, ei... – Mathew se aproximou de Alvo, segurando no ombro dele – relaxa... No fim da viagem todo mundo se encontra. A galera vai adorar te conhecer, Potter, sério.


– Mas é que elas estavam querendo comer alguma coisa e eu prometi que... – tentou se fazer entender Alvo, mas Mathew o interrompeu novamente.


– Que mané “prometeu” o que... Não ouviu o que a tia dos doces disse? Ela vai passar com um carrinho. Se elas não verem uma mulher gorda daquele jeito... Sinceramente hein...


Alvo se sentiu cercado. Não estava pronto para cair em um grupo de amigos de paraquedas. Ele não era assim. Não era “descolado”. Esse era o papel de Tiago. O garoto olhou para os lados, procurando alguma fuga.


– Não, eu tenho que voltar. Desculpem. Não dá...


Minutos depois, Mathew abria a cabine, anunciando como um apresentador de programa.


– Galera, eu quero que vocês conheçam o meu amigo Alvo Potter.


Alvo colocou a cabeça para dentro, encabulado.


O grupo de crianças jogavam dados ariscos, passando de mão em mão um copo com dados deveras descontrolados. Uma menina de cabelos acajus amarrados em duas marias-chiquinhas ria-se empolgada, ao lado dela o garoto branquelo de cabelo espetadinho e a menina magra com os cabelos densos e encaracolados que Alvo tinha visto mais cedo.


Do outro lado dos assentos, um garoto com os cabelos cinzentos com um topete assanhado puxava papo animadamente com o grupo mais deslocado: o garoto loiro de óculos, que o tio Rony tinha se referido como “pequeno Escórpio” e uma Isobel entediada.


A maioria das crianças deram um “oi” animado, menos, obviamente, Isobel, que não podia estar mais desgostosa com a situação, dizendo baixinho “Eu mereço”. Além disso, Juliana inqueriu Mathew sobre os lanchinhos que ele ia pegar pra galera. Mas ele informou o ocorrido com “a tia do carrinho”.


Alvo também ficou ainda mais desconcertado com a presença da odiável garota que salvara sua vida. Mas não tinha volta. Sentou-se entre Mathew e a menina de cabelos acajus. A cabine era espaçosa, dava espaço para todos se acomodarem muito bem. As crianças começaram a se apresentar.


– Dedâmia Lethveely – a menina das marias-chiquinhas ao lado de Alvo sorriu-se automática, depois entregou o copo com os dados inquietos para Mathew.


– Nelson Derwent – O menino branquelo apertou a mão de Alvo, cerrando os olhos e mostrando os dentes, em um sorriso politicamente agradável. Ao lado dele, a menina de cabelos espessos e encaracoladíssimos disse com um meio sorriso:


– Juliana Licaster – e afundou na poltrona. Alvo já tinha ouvido falar naquele sobrenome em algum lugar... E lembrou-se do que o professor Volgelweide tinha dito na Travessa do Tranco para a Professora Aileen: “Não deveria estar na mansão dos Licaster?”. Ela provavelmente era ser parenta da professora, Aileen, então... Porém, elas não se pareciam, tampouco.


O menino com trejeito brincalhou também apresentou-se: “Jocosus Walker, mas pode me chamar de Joca”. Ele ofereceu a mão para Alvo, mas no último segundo retirou-a, fazendo o garoto apertar o nada. Isso pareceu ser muito engraçado para Jocosus, por que ele ria descontroladamente.


O loirinho que se chamava Escópio Malfoy usava óculos bem delineados, que turvava um pouco os olhos cinzentos dele. O garoto tinha uma expressão icógnita quando fitou Alvo. Ele olhou para Isobel ao seu lado, mas a menina nada disse.


– Vamos lá, Izzie, se apresente pro Alvo! – disse um Nelson amigável.


– Não precisa. Já nos conhecemos – Alvo disse com a voz fraca.


– Sério? – fungou Nelson. Mas aí o menino parecia ter lembrado e deu um tapa na própria testa – Ah, claro que já, que coisa...


– Onde? – quis saber Dedâmia, curiosa.


– Página três do Profeta Diário. Está lá, pra todo mundo ver. Ninguém aqui lê Jornal? – disse Juliana Licaster, dando os ombros. Alvo engoliu a seco. Era tudo o que ele não queria. Uma conversa sobre a reportagem do jornal.


– Eu estava mais preocupado em aproveitar férias do que ficar perdendo tempo com letras – disse Jocosus, brincalhão – Vocês viram a nova linha de vassouras, as Raiden?


– Sim, eu vi, são demais – disse Matheus, assoviando.


– Eu li! Eu li o jornal! – informou orgulhosamente Patrichio para Juliana. A menina revirou os olhos – dizia que...


– Então – Joca interrompeu Patrichio – Você é o filho mais novo do Harry Potter?


Alvo sentiu-se fuzilado por todos os olhos que estavam na cabine. Respondeu timidamente:


– Eu sou o do meio... A mais nova é a Lily.


– Você é muito parecido com ele, muito mesmo – disse Dedâmia, espantada.


– Noooossa – exclamou Patrichio – Deve ser demais ser filho do Chefe do Departamento dos aurores, que chamam de “Herói da Bruxindade”. Você deve saber muito de Defesa contra as Artes das trevas, né?


– Mais ou menos... – mentiu Alvo, coçando o nariz. Na verdade o menino sabia um ou dois feitiços, só que nada de impressionante ou genial. Porém, depois da camada de vergonha, no fundo Alvo estava gostando de ser o centro da conversa.


– Mais ou menos mesmo – comentou Isobel bem audivelmente. Escórpio riu-se disfarçadamente.


– Seu pai é bem famoso, Alvo – concordou Nelson – Talvez ele conheça o meu. Papai é Drielson Derwent, o curandeiro chefe do Hospital Sta. Mungus. A Mãe da Juju é uma cientista do Laboratório do Hospital.


– E a minha tia – continuou Juliana – É a Chefa dos Inomináveis, Integra Waldorf. A mãe da prima Isobel aqui. Conhecem, pessoal, a tia Integra?


Patrichio quase teve um acesso:


– Uaaaaaau, a Madame Waldorf, a Magicientista mais famosa da década? Conhecida por criar a “Teoria da Passagem do Além” e desmistificar a lenda das Relíquias da Morte? Ela está até nos sapos de Chocolate!


– Ela mesmo – disse Juliana, encarando Alvo sem piscar – Minha tia é uma mulher Genial.


– Nossa tia - corrigiu Nelson - Mas sim, Alvo, você já está nomeado como nosso contato para o grupo de estudos. Vai ser o nosso Professor de D.C.A.T


Alvo concordou nervosamente, fazendo uma nota mental de ler tudo o que pudesse do livro da matéria assim que chegasse em Hogwarts.


– Falar de sapos de chocolate me dá fome – disse Dedâmia - Matt, Trick, vocês podem acelerar o negócio lá com a doceira?


– Ela disse que já estava passando... – bocejou Mathew.


E nesse exato segundo, ouviram a voz da velha lá fora dizendo: “Quem quer guloseimas?”


– Então, Alvo – disse Dedâmia, abrindo uma embalagem de sapo de chocolate-, comendo-o sem dar oportunidade do bicho pular – conte mais sobre como é ser o filho do famoso Harry Potter. O que você sabe sobre... – a menina baixou o tom de voz – Você-sabe-quem? – Depois, vendo a figurinha, bufou: - Droga o Zoroastro de novo...


– E eu, que já peguei quatro do Paracelso só agora! – riu-e Joca.


– Pode ficar com isso – disse Isobel, entregando uma figurinha para o menino – peguei o Harry Potter. Fica pra você, pode usar para espantar moscas...


Alvo não escutava. Dava atenção à Dedâmia, conversando sobre o pai. Enquanto isso, Escórpio recitava:


– Diffindo! – o garoto apontou a varinha para um cacho de baratas sabor uva, que cortou-se pela metade. Escórpio olhou ao redor para ver a reação do seu público, porém todos estavam concentrados no depoimento de Alvo, que parecia estar muito mais à vontade agora.


– ... E o escritório do papai é enorme. Fica no fundo do quartel-general dos aurores. Tiago e eu vamos lá as vezes, junto com o Teddy, que quer ser auror. Ele já saiu de Hogwarts, mas era apanhador da Grifinória...


– Nossa, Al, sua família é tão legal – suspirou Dedâmia, decapitando outro sapinho (“Droga, Dumbledore! Tenho uns trinta dele!”).


Alvo continuou falando, alegremente, sobre, ao que parecia ser, sua família pop-star. Os outros garotos também tinham parentes importantes, ele logo descobriu. O pai de Joca era da Suprema Corte dos Bruxos, a mãe de Mathew ia jogar pela Inglaterra ano que vem na copa mundial de Quadribol nos Estados Unidos. Dedâmia era filha do casal de empresários que tinham uma rede de lojas internacional de roupas chamada “Talhe-Justo & Janota”. Patrichio era filho de ninguém menos que a sub-Secretária do Ministro da Magia.


Malfoy não conversava, nem Isobel. Ambos ficavam ali, comendo penas de açúcar ou Gotinhas de unicórnio. Isobel com a cara verde, demonstrando enjoo à conversa em pauta e Escórpio ainda muito ressentido por realizar um feitiço de levitação perfeitamente e ninguém ter dado a mínima, pois estavam ocupados demais ouvindo sobre o Aniversário de Casamento esse ano dos pais de Alvo. Depois a conversa foi para o assunto mais em alta entre os alunos do primeiro ano: a seleção.


– Eu quero ir para a Sonserina – disse Nelson, orgulhoso. Juliana e Mathew concordaram.


– Todo mundo diz que só gente mau-caráter vai pra Sonserina – disse Patrichio, rindo-se amarelado.


– Opinião de babaca – postulou Nelson – É verdade que alguns bruxos realmente maus vieram da Sonserina, como você-sabe-quem. Alvo sabe muito bem disso – acrescentou o menino, apontando para Alvo, que fez que sim – Mas, muitos bruxos bons também vieram de lá. Meu pai foi da sonserina e o trabalho dele é curar as pessoas e aliviar o sofrimento deles, assim como a mãe da Juju, a tia Sayja. E o pai da Juju era da sonserina, e o tio Píramo foi auror.


– É verdade, Nelson – Juliana concordou fervorosamente – E quem leu a biografia que a Rita Skeeter escreveu: “Snape: santo ou canalha?”, sabe muito bem que Harry Potter foi um poço de preconceito contra um dos homens mais corajosos, que foi da Sonserina, o Severo Snape. Inclusive ele foi Diretor de Hogwarts na época da guerra e protegeu os alunos dos maus-tratos dos comensais da morte quando eles tomaram a Escola.


Juliana disse tudo isso olhando para Alvo. Mas a menina não notou que tinha acabado de fazer uma revelação crucial para ele.


– Me desculpe – Alvo se desafundou da poltrona – como você disse que esse diretor se chamava?


– Severo Snape. Antigo professor de poções, morto por você-sabe-quem. Aquele homem sim, foi um herói. Diferente de uns aí, que só tem fama...


Alvo não ligou para a última alfinetada de Juliana. Ficou paralisado de boca aberta. Juliana até perguntou se ele estava bem. Alvo sabia que seu primeiro nome vinha de Alvo Dumbledore, o gênio, bruxo dos bruxos, o lendário diretor de Hogwarts, eterno amigo de seu pai. Mas... Severo Snape, outro diretor? E, segundo Juliana, seu pai foi um poço de preconceito contra ele. Por que Alvo tinha recebido o nome de um inimigo de seu pai? Um homem corajoso, verdadeiro herói? O garoto precisava urgentemente ler essa biografia.


– Vocês podem ficar nessa guerrinha de “bem e mal” de vocês que eu vou pra casa que realmente presta – brincou Joca – Luffa-Luffa é o que há.


Os garotos riram da brincadeira.


– Lá só tem mosca morta e gente mais ou menos – disse Dedâmia, enxugando os olhos das lagrimas que saíram de tanto rir – sinceramente, até engulo ser chamada de pré-bruxa das trevas. Mas Luffa-Luffa? Nem morta.


– De novo essa coisa de bruxo das trevas? Ridículo esse preconceito que vocês têm contra a Sonserina... – Nelson cruzou os braços.


– Posso ser da Grifinória – informou Patrichio, visivelmente alheio ao foco da conversa.


– Trick, você é tudo, menos um Grifinório – riu-se Mathew.


– Além do mais – Nelson continuava a falar irritado, ignorando o tópico de Trick – Se vocês prestarem atenção, os grandes bruxos, quero dizer, os realmente poderosos, tanto pro mal quanto pro bem, vieram da Sonserina. Os Sonserinos são grandiosos. Sinceramente, vai ser uma grande perda se eu não for selecionado para lá...


– Ai, Nelsinho, baixa a bola, querido, que a gente ainda nem chegou e Hogwarts... Você já se acha o Ministro da Magia? Menos, menos...


– Qual o problema de eu querer ser grande? Vocês levam tudo pro lado da maldade, como se ambição fosse um pecado. Não sei vocês, mas eu não quero ser medíocre, eu vou ser um grande bruxo, um bruxo bom. E da Sonserina.


– Apoiado – disse Juliana.


– Pior que ele está certo – concordou Mathew.


– É, até que tá – disse Joca, girando o dado arisco na mão, displicente.


– E você, Al, o que acha? – perguntou Dedâmia. Alvo foi pego de surpresa. Estava perdido nos devaneios sobre Severo Snape – Ei, terra para Alvo Potter...


– Eu... – o garoto pensou sinceramente em falar que nada disso importava, por que o chapéu seletor levava em conta o desejo dos alunos. Mas não contou. Aquilo era um segredo entre Harry e Alvo. De pai e filho. Resolveu mudar de assunto: - Quero mais um sapo de chocolate, quem sabe eu acho o meu pai! – disse apontando para a pilha de docinhos perto de Dedâmia.


Os garotos riram, aplaudindo a fugida de Alvo. Ele riu também, mas pegou a figurinha de Dumbledore, o que o fez ficar mais meditativo. “Nós lhe demos o nome de dois diretores de Hogwarts. Um deles era da Sonserina, e provavelmente foi o homem mais corajoso que já conheci em toda a minha vida.”. Alvo tinha o nome de dois diretores... Um era da Sonserina, o outro ele não sabia. Ficou pensando na afirmação de Nelson sobre “grandiosidade” ... Com aqueles nomes, seria Alvo predestinado a ser alguém grandioso? Sentiu o peso da responsabilidade aumentando seu nervosismo.


– Boa escapada, Al. Você pode fugir, mas não pode se esconder – riu Joca - Daqui a pouco vamos ser selecionados e aí a gente vai saber o que você acha de verdade e na frente de todo mundo.


 


A tarde já estava indo embora. As nuvens já recebiam os primeiros raios avermelhados, perfurando as nuvens um tanto arroxeadas pelo crepúsculo. O cenário lá fora era de muitos montes tapetados por relvas e algumas árvores. Montanhas altas cortavam o céu no fundo. Escórpio parecia ter chegado em seu limite de paciência para ouvir Alvo sendo o centro das atenções, pois subitamente levantou-se, resmungando algo como “zero à esquerda” e “Só por que tem pai famoso”.


Abriu a porta da cabine e saiu. Minutos depois ouviu-se um som de estampido vindo do corredor. Logo em seguida, Tiago bateu na porta de vidro da cabine com uma mão, a varinha na outra. O irmão já estava com parte do uniforme: um colete escuro por baixo de uma capa negra. Os garotos interromperam o jogo do dado arisco (o qual Avo já jogava animadamente) e abriram a porta.


– Aí está você, seu paspalho! O que você está fazendo que ainda não está pronto? – Tiago disse sem olhar para os demais – vai vestir o uniforme de Hogwarts! A gente já tá chegando e a Domi e Rosie estavam te procurando...


Alvo largou os dados imediatamente, que caíram no chão e ficaram pulando loucamente. Ele despediu-se rapidamente dos amigos rapidamente, saindo da cabine e ganhando o corredor, não antes de ver Escórpio passar batendo de propósito em Tiago, correndo em direção a sala do maquinista, cobrindo a boca com as mãos. Ele disse de longe “Vai pagar por isso” e Tiago respondeu.


– Tem gente que curte lábios carnudos, pirralho cabeça de palha! – deu um tchau para Escórpio o irmão. Depois Tiago falou baixinho para Alvo: - Esse moleque daí nunca mais vai abrir a boca para falar mal dos Potter...


Quando Alvo chegou na cabine, Dominique estava só e explodia de perguntas. Alvo disse que explicava depois, pois agora tinha que se vestir antes do trem chegar.


– Mas Rosa foi te procurar!


– Eu encontro com ela na saída! Todo mundo se encontra na saída! – foi o que Alvo disse, saindo da cabine.


Mas antes de fechar a porta, um gato sem pelos saiu de baixo dos bancos e chispou da cabine. Ele foi correndo pelos corredores em uma velocidade incrível. Para o azar de Alvo, Isobel viu isso acontecer do fundo do vagão central. O gato passou por debaixo das pernas dela e fugiu. A menina lançou um olhar mortífero para Alvo e foi atrás do gato.


Alguns minutos depois, o garoto saiu do banheiro do vagão D que ficava nos fundos, já totalmente vestido com as vestes longas e negras de Hogwarts. Quando Alvo atravessava um vagão sem cabines, só com mesas e cadeiras cheias de garotos e garotas conversando, uma voz ecoou pelo trem:


– Dentro de alguns minutos chegaremos em Hogwarts. Por favor, deixem sua bagagem no trem, ela será levada a escola.


Alvo voltou para os corredores, pensando em encontrar com a prima Rosa e Dominique. A perspectiva de chegar em Hogwarts, a tão sonhada Hogwarts, fazia seu estômago retorcer de nervosismo e seu coração bater forte, ao mesmo tempo que o sangue era roubado de sua pele, deixando o garoto frio e pálido. Ele queria chegar em Hogwarts com a segura companhia das primas, precisava encontra-las. Mas não ia ser fácil.


Isso por que, com o anuncio do Maquinista, todos pareciam ter resolvido sair das suas cabines, apinhando os corredores de gente. Era difícil de se mover com tanta gente se empurrando.


A medida que o trem foi diminuindo a velocidade, a ansiedade de Alvo aumentava. Como ele iria encontrar Rosa e Dominique? Teria ele que entrar em Hogwarts sozinho e abandonado? Arrependera-se amargamente de aceitar o convite de Mathew, pois agora nenhum dos seus “novos amigos” estavam ali.


O trem finalmente parou. A garotada se empurrava mais ainda para descer. Alvo conseguiu encontrar a porta, sendo praticamente o último a sair do trem, procurando as primas ainda. Porém, com a locomotiva quase vazia, finalmente desistiu. Foi quando, passando pelas cabines, viu um menino dentro de uma, dormindo tranquilamente. Suspirou: tinha que retornar. Não ia deixar o garoto ali, só.


– Ei – Alvo chamou. Tinha o cabelo muito ruivo e brilhante de liso. Ele balançou o ombro do dorminhoco.


– Me deixa em paz, Wesker... – reclamou o garoto.


– EI! – Alvo gritou. O menino foi acordando lentamente, inçando a cabeça como um guindaste. Alvo reconheceu os olhos azuis puxados. Era o filho do boticário do Beco Diagonal.


– Já chegamos? – perguntou o menino, preguiçosamente


– Já! – exclamou Alvo. Impressionante como o garoto parecia aluado – e vamos sair logo, antes que o trem parta com a gente e tudo!


– Hmmm, obrigado por me acordar... Acho que meus amigos iam me deixar aqui, como algum tipo de piada.


– Iam mesmo – concordou Alvo tristemente.


– Bem, to te devendo uma – e levantou-se, correndo pelo trem de um jeito impressionante, nem parecendo que estava dormindo a um minuto atrás.


Alvo desceu na pequena plataforma escurecida. Fazia um frio nada acolhedor. Os alunos foram se posicionando fora do trem, com a ajuda dos monitores.


Alvo olhou por cima das dezenas de cabeças dos estudantes. Nada das primas. Mas ficou um pouco mais aliviado quando ouviu uma voz muito familiar, dizendo:


– Alunos do primeiro ano! Alunos do primeiro ano, por aqui!


Hagrid trazia uma lâmpada na ponta de um cajado, que iluminava o ambiente. Boa parte das crianças se aproximaram do homem alto e robusto de cabelos grisalhos desgrenhadamente ásperos. Alvo tentou se fazer ver, mas era muito difícil se aproximar com aquele monte de pessoas já seguindo o homenzarrão, quando ele disse:


– Venham comigo! – mas antes de Hagrid começar a caminhar, ele deu uma olhada para as cabeças dos estudantes mínimos perto dele. Parecia também estar procurando Alvo. Não achando, deixou-se seguir pelos estudantes do primeiro ano.


O caminho, apesar de iluminado, era muito escuro. Alvo notou que pareciam estar descendo em caminhada íngreme, quase escorregando um uma pedra úmida, pisando em cascalhos e esbarrando nos colegas. Ele imaginou que, com toda aquela escuridão e o som de folhas secas, deveriam estar ladeados por um paredão de árvores deveras unidas.


No caminho, Alvo sentiu um ombro empurrar-lhe. Olhou ao redor para ver quem era e viu aquele garoto loiro. Ele parecia estar bem agora. Caminhava ao lado de Alvo, sem olhar para ele, com um trejeito sínico. Alvo tomou um susto quando notou que ao lado de Escórpio Malfoy, estava Isobel Waldorf. Não podia ser melhor. Perdera-se das primas e encontrara os seus fãs número um. O garoto já estava temendo por sua segurança, pisando bem seguramente para não rolar barranco adentro em outro empurrão de Escórpio.


– Olhem para a esquerda. Vocês vão ver Hogwarts jajá... – disse animadamente Hagrid.


Alvo sentiu o caminho ficar mais horizontal, até abrir-se em um chão de terra batido com pedrinhas, sem cascalho. Estavam à margem de um lago escuro e plácido. Alvo sentiu uma lufada de vento ainda mais fria e tremeu. Mas quando o garoto olhou para a margem do outro lado, assim como todos os estudantes, deixou escapar um “uau” exclamativo em coro. Alvo sorriu bobamente... Era Hogwarts... Ele estava em Hogwarts!


Mais à frente havia um penhasco, o qual - ao contraste do céu azul-escuro anuviado - sustentava um castelo enorme, cujas dezenas de janelinhas de luz amarelada destacavam sua estrutura escurecida. As torres e torrinhas estendiam a altura do castelo de Hogwarts e o tornava ainda mais imponente. Alvo ouviu Isobel dizer “Minha nossa...”. Era exatamente essa a sensação. A magia nunca foi tão presente quanto naquela visão. Um castelo grandioso sob o céu noctívago sem lua, as nuvens imensas anil-esbranquiçadas, estratificando o azul noturno em camadas nevoadas... Uma paisagem tão linda não poderia existir de verdade. Era uma cena de sonhos. No entanto, Alvo sabia e estava ainda mais feliz por poder afirmar: era real.


– Vamos atravessar o lago de barco – Hagrid apontou para uma flotilha de barcos parados à margem – só quatro alunos em cada!


Alvo começou a ficar verdadeiramente nervoso. Não queria ir só. Ia procurar as primas para ir junto com elas, mas não estavam em lugar nenhum... Elas...


– Ei, Al.


O garoto virou-se. Lá estava sua prima Rosa, saindo do meio do grupo de alunos. Ele suspirou aliviado.


– Rosa! Ainda bem... – disse o garoto, se aproximando – É lindo, não é? O castelo... Cadê a Domi?


– Não sei – respondeu a prima, com um tom um tanto frio – Me perdi dela quando fui procurar você.


Alvo se sentiu imediatamente culpado. Mas não teve muito tempo para dizer nada, por que os estudantes já estavam formando grupos. Os mais da frente conseguiram subir nos barcos da vanguarda, embarcando pela ponte anexa ao lago. Os de trás, como Alvo e Rosa, tiveram que caçar um lugar. Alvo queria encontrar Domi, mas não daria mais tempo. Estava difícil achar um barco com dois lugares para ele e Rosa. No fim, para seu terror, Alvo e Rosa tiveram que dividir o barco com Escórpio e Isobel.


– Não acredito, isso deve ser karma. devo ter gritado “Barrabás” no megafone.. Sei lá – disse Isobel. Alvo não entendeu a piada, nem Rosa, muito menos Escórpio. Este estava calado, mirando o garoto com aqueles olhos cinzas sob reflexo da lâmpada, parecendo um puma pálido pronto para dar o bote.


– Todos seguros, todos bem acomodados? – Alvo ouviu a voz de Hagrid, que estava só em um barco mais à frente – Se é assim... Vamos partir!


Com a ordem de Hagrid, os barcos, como simbiontes, partiram deslizando levemente pelas águas negras do lago, iluminado pelo rastro de luz da lâmpada de Hagrid.


Alvo virou-se, tentando se afastar o máximo possível da banda podre: Isobel-Escórpio. O céu estava bem mais escuro. As nuvens cinzenta-azuladas que povoavam o horizonte começaram a se rarefazer, dando espaço às estrelas salpicando o céu. Via-se as marcas escurecidas das torres e os clarões das janelas. Rosa também olhava hipnotizada para Hogwarts.


– Ansiosos? – perguntou de repente Escórpio


Alvo virou-se e Rosa fitou o garoto.


– Um pouco... – disse Rosa. Ela podia não conhecer o garoto, mas Alvo tinha suas desconfianças. Na cabine, ele pareceu não gostar nenhum pouco do garoto. Aleém disso Tiago parecia ter azarado-o por ele ter falado mal dos Potter. Então, ele não deveria nutrir bons sentimentos por Alvo. Parece que o garoto estava lendo a expressão dele, pois se voltou para o menino, dizendo – E você, Alvo, ansioso?


Alvo apenas balançou a cabeça, na defensiva. Escórpio olhou para o castelo por um tempinho, depois disse subitamente:


– Dizem que nesse lago tem uma lula gigante.


– Legal – disse Alvo, tentando cortar papo. Já estava nervoso, não precisava de mais ninguém tentando amedronta-lo sobre Hogwarts, como seu irmão.


– Mas dizem que também tem sereianos, Grindylows e outros bichos... Não sei se é verdade ou se é só lenda.


– Hm – foi o que Alvo disse.


– Que tal tirar a prova?


Antes de Alvo computar o que Escórpio tinha dito, já viu-se caindo fora do barco.


A água estava muito, muito gelada. Ele debateu-se, tentando nadar, mas era um zero à esquerda em nado também. “Socorro” tentou falar, mas acabou engolindo uma golada de água. Logo em seguida, Alvo ouviu outro impacto. Era Escórpio caindo na água, que agora gritava:


– Sua ruiva IDIOTA!


– Segura aqui, Alvo! – disse Rosa, enfiando a mão na água, à disposição do primo. Alvo debateu-se debilmente, engolindo muito mais água até alcançar a mão da menina e, com o puxão dela, subiu aos escorregões no Barco.


As crianças dos outros barcos soltavam exclamações e riam, apontando, entusiasmadas. Escórpio subiu no barco sozinho, com a cara de ódio para Rosa.


– Por-que cof-cof-vo-cê-cof-fez-isso? – disse Alvo com os dentes batendo de frio.


– Por que eu quis. Não sabe se defender sozinho, Potter, tem que chamar esse verme intrometido? – Malfoy disse irado, olhando para as vestes negras totalmente ensopadas – Olha só o que você fez! - O cabelo loiro do menino que, antes eram bem penteados para trás, agora cobriam um olho numa franja. Os óculos pendendo de um só lado


A menina batia nas costas do primo, enquanto Alvo tossia a água, também todo ensopado. O cabelo acaju escurecido pela água fazia uma cortina na cara de Alvo, e o menino tossia mais, cuspindo água para dentro do barco e tremendo dos pés à cabeça. Malfoy levantou-se do barco, fuzilando Rosa com os olhos, a menina se levantou também, e encarou-o corajosamente. Ela pegou a varinha e apontou para Escórpio.


– Vai ficar quieto ou vai esperar que eu teste todos as azarações que eu li nas férias? – ameaçou a menina. Escórpio recuou. Rosa olhou para Isobel e apontou a varinha também para ela – e você?


– Me tira fora dessa. Já tomei banho antes de vir pra cá, obrigada – foi o que ela respondeu, dando os ombros e voltando a observar Hogwarts se aproximando.


– O que houve aí, que confusão é essa? – perguntou Hagrid do barco à frente. Mas neste momento eles adentraram um túnel (“Abaixem as cabeças!”) na larga abertura da face do penhasco.


Os estudantes continuavam cochichar sobre o acontecido, quando desembarcaram em um cás subterrâneo. Hagrid veio abrindo caminho apressadamente até o foco da fofoca.


– Alvo! O que aconteceu com você, por que está todo molhado? – Hagrid tirou de Alvo a capa negra toda molhada e o enxugou com o casaco fedorento dele.


– Ele o (me) empurrou no lago! – disseram ao mesmo tempo, Rosa, apontando para Escórpio e Escórpio, apontando para Alvo.


– Não acredito nisso! Eu realmente não acredito! Deixe-me adivinhar, seu sobrenome é Malfoy? – perguntou o velho Hagrid, irritadiço.


Escórpio fez que sim, topetudo. Hagrid colocou a mão na cabeça, balançando-a, incrédulo.


– Para trás, bando de fofoqueirinhos! – ralhou Hagrid com os alunos – Sigam-me! E vocês dois, vão ouvir o vice-diretor quando chegarem... Que absurdo, empurrando uns aos outros no lago...


Alvo e Escórpio, separados por um Rosa em alerta e uma Isobel indiferente, seguiram sem as capas negras de Hogwarts, porém ainda muito molhados, cobertos, Alvo pelo casaco e Escórpio por um couro peludo que Hagrid estava usando de cachecol. Eles não se falavam, subindo uma estrada de pedras e seixos. Encontraram uma passagem aberta na rocha do penhasco e finalmente chegaram no gramado fofo, guiados pela lâmpada de Hagrid.


Enquanto subia a escada de pedra, junto aos outros estudantes, Alvo encontrava-se ainda em estado de choque. O garoto tinha empurrado ele no lago! Ele sabia por quê. O Malfoy estava se vingando por Tiago ter o azarado no trem.


Alvo podia escutar as crianças de trás rindo e falando sobre ele, apontando, indiscretamente. Ele iria chegar em Hogwarts, e, na frente de todo mundo, na frente de Tiago, ia participar da seleção das casas, todo molhado. Ridicularizado. Tudo por culpa desse tal Escórpio Malfoy, que Alvo nem conhecia, mas já odiava com todas as forças. Nem Isobel seria capaz de fazer isso. Alvo lembrou-se do Tio Rony dizendo para Rosa “Não ser muito amiga dele”. É, com certeza eles não iam ser amigos, pensou, tremendo de frio.


Hagrid parou na frente do portão de carvalho, atrás dele todos os estudantes aglomerados prenderam a respiração, ansiosos.


– Espero que ninguém tenha ficado para trás – disse Hagrid. Depois deu uma nova olhada em Alvo e Escórpio, ambos com os cabelos escorrendo água, e acrescentou baixinho: - esses dois vão dar mais trabalho que Harry e Draco... – e bateu três vezes na porta do castelo de Hogwarts.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.