Dois
Eu vou falar isso muitas vezes, então quero explicar primeiro. Eu acho que meu pai é culpado de tudo que aconteceu na minha vida. Eu realmente acho isso. Ele não deveria ter me deixado chamar a Mãe de mãe, para começo de conversa. Não deveria ter deixado ela assumir o controle da minha vida toda, muito menos da vida dele. Não deveria ter deixado ela tratar ele como lixo. Não deveria ter deixado ela me tratar como lixo.
Talvez seja injusto eu não culpar minha mãe. Embora acredite que era mais responsabilidade dele do que responsabilidade dela, já que ele ficou com a minha guarda, ainda não é esse o meu argumento. Minha mãe ser mais nova também não é o que eu uso. Meu argumento é simples. Minha mãe aprendeu com seus erros. Minha mãe amadureceu, cresceu, se tornou uma pessoa melhor. Ele não. Ele não aprendeu com nenhum dos seus erros. Ele não amadureceu, não cresceu. Ficou entagnado no tempo, sem mudar, sem melhorar.
Pode parecer exagero, mas não é. Eu tinha quase vinte anos quando saí da casa dos meus avós, após meu pai se mudar para lá depois de mais uma separaçao. Eu saí simplesmente porque não aguentava mais estar sob o mesmo teto que ele. Irresponsável, infantil. Ele quebrou um dedo da minha mão quando tentou me bater. Estávamos discutindo sobre o quanto ele gastava sem poder, inclusive gastava o dinheiro que eu ganhava de pensão dos meus avós maternos e o meu salário, com saídas, com mulheres.
Ele veio me bater, eu segurei as mãos dele. Ele foi apertando, meu dedo quebrou. Usei tala surante cerca de seis meses. Mas não saí de casa. Depois disso, tivemos outras brigas, a mais séria ele veio para cima de mim, me jogou na parede e apertava meu pescoço. Liguei para meu namorado, pedi para me buscar, perguntei se poderia dormir na casa dele – na casa da minha sogra, para ser mais exata. Desci a escada do apartamento com as minhas coisas, procurando por meu pai. Ele veio e trancou a porta, obviamente me impedindo de sair. Pela primeira vez na vida, consegui me manter calma. Disse que chamaria a polícia se não me deixasse sair. Eu trabalhava, tinha meu próprio dinheiro, era maior de idade. Ele respondeu irônicamente que eu deveria chamar a Delegacia do idoso, porque eu estava atrapalhando meus avós a dormirem quando fiz ele me soltar e gritava “Me solte” – talvez eu tenha sido ingênua, mas achava que meu vô poderia me ajudar, hoje agradeço por não ter ido, quem sabe o que meu pai faria com ele? Meu namorado percebeu que demorei muito para descer e me ligou. Expliquei que meu pai estava com a chave e que não me deixava sair. Enquanto isso, ele gritava do meu lado que era para mandar meu namorado embora, que eu deveria deixar ele falar com meu namorado. Quando desliguei – e meu namorado disse que ia subir – ele pegou o telefone de casa e ligou para meu namorado. Disse que era para ele ir embora, que gostava muito dele, que estávamos alterados e que resolveríamos. O problema todo é: ele achou mesmo que meu namorado me deixaria sozinha com o cara que tinha quebrado meu dedo e acabado de tentar me matar? Obviamente que ele não foi embora. Irritado com a resposta do meu namorado, ele simplesmente jogou a chave em cima da mesa e foi para longe de mim. Consegui chegar até o elevador extremamente calma. No momento em que a porta do elevador se fechou, eu desabei. Não me envergonho disso, era um situação super complicada. Eu gritei de nervoso enquanto explicava para meu namorado o que tinha acontecido, durante todo o caminho até a casa dele. Só me acalmei quando cheguei lá, para não alarmar minha sogra. Ela só me perguntou se eu estava bem. Nada mais do que isso. Não deu palpites, não se meteu na história. Só perguntou se eu estava bem.
Demorei muito tempo para conseguir falar sobre isso sem me sentir mal, sem sentir ódio. Conversar calmamente sobre isso. Mas não com ele. Ainda fico nervosa com a possibilidade de ter que falar com ele, de receber uma mensagem, de ter que encontrar ele.
Hoje já tem um ano que não o vejo. Tenho a minha casa, meu namorado virou meu noivo, perdi minha sogra, tenho quatro gatos e mil planos para o futuro. Mandei mensagem para ele quando mudei de casa, no aniversário dele, no dia dos pais, no Ano Novo. Recebi uma única resposta depois do dias dos pais. “Obrigado”.
Se ele precisa de algo – como agora precisou que eu cancelasse a linha do celular que ele usa, mas está no meu nome – ele pede para minha prima falar comigo. Tem um mês que ela me pediu isso, na primeira tentativa, liguei para ele para avisar que ia cancelar, mas dava caixa postal. O sistema da loja estava com problemas, então não consegui. Com a minha agenda confusa, só consegui a segunda tentativa ´há poucos dias. E descobri que tem uma conta em aberto, o que me impede de fazer qualquer coisa com o número.
Aí a coisa piorou... Eu liguei na operadora pra confirmar qual era o valor exato, que era algo perto de 144 reais. Mas me passaram algo acima de mil reais!!! Fiquei confusa e resolvi ir na loja em si. E o valor era esse mesmo. Poucas vezesna minha vida fiquei tão brava quando aquele dia. Liguei para a minha prima-cúmplice e expliqueia situação toda para ela. Fiz questão de falar o valor exato, já que ela sempre defende ele, fala que eu deveria manter contato e tal. Ele poderia escolher a renegociação que combinei com a operadora, ou pagar tudo à vista.
No dia seguinte, perguntei para ela se poderiaperguntar para ele o que iria fazer, se ia renegociar ou pagar tudo. Ela me respondeu dizendo que sim, ele ia renegociar, mas ele pediu para ela para me avisar que não era mais para ela ficar passando recado. Que, se eu quissesse falar com ele, era para pegar o telefone e ligar para ele. Primeiro, quero dizer que troquei de telefone três vezes entre sair de casa e hoje em dia, não fazia a menor ideia de qual número ele usa, já que o único que sei é o que eu estou resolvendo, e ele não estpa usando mais. Segundo, ele que pediu para ela falar comigo para começo de conversa. Terceiro, eu não vou pegar o telefone e ligar para uma pessoa com quem eu simplesmente não quero conversar. Quarto, eu ainda mandao mensagens de aniversário, dia dos pais e ano novo. Inclusive, ele respondeu depois das duas primeiras. Respondeu “Obrigado”, só isso.
Por incrível que pareça, comecei a conversar com a minha prima sobre isso. Estava com tédio e a conversa foi fluindo. Eu ri bastante, confesso. Ela falou cada coisa absurda. A que eu mais gosto, no geral, é quando ela diz quea família toda sente minha falta, se preocupa comigo e pergunta para ela se ela tem notícias minhas. O motivo pelo qual eu sempre gosto dessa é simples. Eu tneho metade da família no Facebook. E a minha vó tem uma agenda ao lado do telefone onde todo mundo escreve seus números de telefone. E o meu número lá está atualizado, até porque eu não mudo o número há anos. Mais interessante, também tem o número do meu noivo, ao lado do meu. Afinal, se acontecesse alguma coisa, eles teriam os dois números.
Acabou que ela arrumou um novo argumento para tentar que convencer a ter contato com a família toda, principalmente meu pai. Que, quando meu noivo resolver me dar um pé a bunda e me deixar “na pista” – palavras dela, não minha – eu não terei ninguém, a não ser meu pai e os pais dele. Ela simplsmente ignorou o fato de que eu tenho minha mãe e os pais dela. Melhor ainda: ele me aguentou em uma época que brigávamos quase todos os dias, porque tinha muita coisa acontecendo na minha vida e meu humor estava constantemente ocilante. Sem falar que ela diz que eu “abandonei” meu pai por um namorado. Ao invés da verdade, que é que o meu namorado simplesmente me deu um abrigo. Se eu não tivesse ido para a casa dele, iria para a casa dos meus avós. Na pior das hipóteses, alugaria um lugar só para mim, afinal, eu estava trabalhando e ganhando bem o suficiente para isso.
Ela ainda diz que eu não dou notícia para a família. Deveria eu, aos 21 anos, auto-suficiente, independente, ligar para pessoas que não me ligam nem nos meus aniversários, para dizer que estou bem? Eu passei dois aniversário desde que sai de casa (ainda não tem dois anos em si, mas sai pouco antes do meu aniversário), no primeiro, meu pai me ligou, mas eu não pude atender àsdez da manhã porque estava em aula, mas ele não ligou novamente. No último, ano passado, nem ao menos ele me ligou. A única ligação que recebi foi dos meus avós. Quero deixar claro que não conto minha mãe pelo simples fato de que a gente não se liga, já que é extremamente caro, afinal, ela mora em outro país – mas nos falamos por skype durante um bom tempo, mesmo com a grande diferença de fuso horário.
Quando eu expliquei para ela porque tinha saído de casa, que ele literalmente tentou me matar, ela simplesmente disse algo como “Independente disso, ele é seu PAI e todo mundo tem seu telefone, mas você que abandonou a família.” Bem, ela disse “mais você” e com alguns outros erros, mas não ficarei expondo os erros grotescos de português, de uma menina da minha idade, aqui.
Quando ficou sem arugumento, porque eu tinha uma resposta excelente para cada um deles, ela simplesmente disse que não ia discutir comigo. E disse que não era para eu esquecer de convidar ela para o meu casamento. Só para ser educada, eu disse que claro que não ia esquecer, que ela seria minha dama. Ela simplesmente disse que não, que queria ser madrinha!
Francamente, isso é normal? Eu não consigo entender ela. Já expliquei mil vezes porque meu pai não é mesmo o que ela acha que ele é. E ela continua me dizendo que eu sou mais errada da história.
Acho engraçado, na verdade. Meu noivo acha que eu estou certa, minha mãe acha que estou certa, minha cunhada acha que estou certa, minha melhor amiga acha que estou certa. Basicamente, todo mundo – o que não é muito – que conhece a história, acha que eu estou certa. Será que todo mundo está errado? Ela não acha que ele está certo – se achasse, eu ficaria muito preocupada com o estado mental dela – mas acha que eu estou mais errada do que ele.
Eu pagava minhas contas, pagava as contas dele, trabalhava, ganhava pensão dos meus avós, estudava e tomava conta de mim e dele. Eu deveria ter abaixado a cabeça? Eu deveria ter agido normalmente quando ele quebrou meu dedo e quando tentou me matar?
Eu me pergunto, naquele dia, de eu não tivesse mordido ele, quanto tempo ele ficaria apertando meu pescoço contra a parede? Iria parar quando eu perdesse os sentidos? Será que pararia? Isso é basicamente muito mais sério do que eu percebo – simplesmente porque eu bloqueio tudo que é referente à ele – mas a verdade é que ele literalmente tentou me matar. Tem certeza que eu estou errada? Sério mesmo?
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