O Vidro Que Sumiu



Quase dez anos haviam se passado desde o dia em que os Dursley acordaram e encontraram os sobrinhos no batente da porta, mas a Rua dos Alfeneiros não mudara praticamente nada. O sol nascia para os mesmos jardins cuidados e iluminava o número quatro de bronze à porta de entrada dos Dursley, e penetrava sorrateiro a sala de estar que continuava quase igual ao que fora na noite em o Sr. Dursley ouvira a funesta notícia sobre as corujas.


Somente as fotografias sobre o console da lareira mostravam o tempo que já passara. Dez anos antes havia uma porção de fotografias de uma coisa que parecia uma grande bola de brincar na praia, usando diferentes chapéus coloridos, mas Duda Dursley não era mais bebê, e agora as fotografias mostravam um menino grande e louro na primeira bicicleta, no carrossel de uma feira, brincando com o computador do pai, recebendo um beijo e um abraço da mãe. A sala não continha nenhuma indicação de que havia, outras crianças na casa.


No entanto Harry e Lilian Potter continuavam lá, no momento adormecidos abraçadinhos, mas não por muito tempo. Sua tia Petúnia acordara e foi sua voz aguda que produziu o primeiro ruído do dia.


— Acordem! Levantem-se! Agora!


Harry acordou assustado, enquanto Lilian resmungava alguma coisa. A tia bateu à porta outra vez.


— Acordem! – gritou.


Harry ouviu-a caminhar em direção à cozinha e em seguida uma frigideira bater no fogão. Virou-se de costa e tentou se lembrar do sonho em que estava. Era um sonho gostoso. Havia uma motocicleta. Tinha a estranha sensação que já vira esse sonho antes. E então decidiu acordar a irmã.


— Lily tem que levantar, vamos, se não tia Petúnia vai nos deixar sem café da manhã. — Disse sacudindo a irmã.


— Já vou Harry, agora que eu estava sonhando que eu estava em uma motocicleta bonita voando, ela tinha que nos acordar. — Resmungou Lily acordando.


— Você também sonhou com isso? – perguntou parecendo surpreso


— Já cansei de sonhos idênticos, somos gêmeos mais não quero sonhar com tudo que você sonhar. – disse bufando de raiva.


A tia voltara à porta.


— Vocês já se levantaram? — perguntou.


— Quase — responderam em uníssemo som.


— Bem, andem depressa, quero que você Harry tome conta do bacon e você Lilian arrume a lousa. E não se atrevam a deixar queimar o becon ou quebrar um prato. Quero tudo perfeito no aniversário de Duda. Os gêmeos gemeram.


 


— Que foi que vocês disseram? — perguntou a tia com rispidez.


 


— Nada, nada...


 


O aniversário de Duda — como podiam ter esquecido? Harry levantou-se devagar e começou a procurar as meias. Encontrou-as debaixo da cama e depois de retirar uma aranha de um pé, calçou-as. Em quanto Lilian procurava uma blusa com mangas maiores, que encontrou presa no teto cheio de aranhas. Harry e Lilian estavam acostumado com aranhas, porque o armário sob a escada vivia cheio delas e era ali que eles dormiam.


 


Já vestidos saíram para o corredor que levava à cozinha. A mesa quase desaparecera de tantos eram os presentes de aniversário de Duda. Pelo que via, Duda ganhara o novo computador que queria, para não falar na segunda televisão e na bicicleta de corrida. Para o quê exatamente, Duda queria uma bicicleta de corrida era um mistério para os gêmeos, porque Duda era muito gordo e detestava fazer exercícios — a não ser, é claro, que envolvessem bater em alguém. O saco de pancadas preferido de Duda era Harry, mas nem sempre Duda conseguia pegá-lo. Harry não parecia, mas era muito rápido. Já Lilian não era atingida fisicamente, mais sim, emocionalmente já que Duda não batia em garotas, mesmo assim doía tanto, quanto se fosse um soco. Os gêmeos sempre se apoiavam quando um deles era a vítima de Duda e não deixavam de apoiar um ao outro.


 


Talvez fosse porque viviam num armário escuro, mas Harry e Lilian sempre foram pequenos e muito magros para a idade. Pareciam ainda menores e mais magros do que realmente eram porque para Harry só lhe davam para vestir as roupas velhas de Duda, onde este era quatro vezesmaior do que ele. E Lilian tinha roupas que sua tia Petúnia conseguia de doação para a caridade na frente da igreja ou roupas velhas dela que já estavam rasgadas e ia jogar fora. Harry tinha um rosto magro, joelhos ossudos, cabelos negros e olhos muito verdes e Lilian tinha também rosto magro, joelhos ossudos, mas com cabelos ruivos longos e olhos castanhos esverdeados. Os dois usavam óculos, Harry redondos, remendados com fita adesiva, por causa das muitas vezes que Duda socara no nariz, e Lilian óculos quadriculados, também remendados com fita por Duda ter arrancado seus óculos de sua cara e quebrado. A única coisa que os gêmeos gostavam em suas aparências era suas cicatrizes fininhas, na testa de Harry e no ombro de Lilian que tinham uma forma idêntica de um raio. Existiam desde que se entendia por gente e a primeira pergunta que se lembravam de ter feito à tia Petúnia era como as arranjaram.


 


— No desastre de carro em que seus pais morreram — respondera ela. — E não façam perguntas.


 


Não façam perguntas — está era a primeira regra para levar uma vida tranqüila como os Dursley.


 


Tio Válter entrou na cozinha quando Harry estava virando o bacon e Lilian lavava os pratos.


 


— Penteie o cabelo e você corte um pouco está muito grande — mandou olhando para Harry depois para Lilia, a guisa de bom-dia.


 


Mais ou menos uma vez por semana, tio Válter espiava por cima do jornal e gritava que Harry e Lilian precisavam cortar os cabelos.


 


Os gêmeos devem ter feito mais cortes que o resto das crianças de sua classe somados, mas não fazia diferença, os cabelos de Harry cabelos simplesmente cresciam daquele jeito — para todo lado, ele não tinha a sorte da irmã de ter cabelo liso, que já acorda com cabelo penteado.


Harry estava fritando os ovos e Lilian já estava secando os pratos na altura em que Duda chegou à cozinha com a mãe. Duda se parecia muito com o tio Válter. Tinha um rosto grande e rosado, pescoço curto, olhos azuis pequenos e aguados e cabelos louros muito espessos e assentados na cabeça enorme e densa. Tia Petúnia dizia com freqüência que Duda parecia um anjinho — Harry dizia com frequência que Duda parecia um “porco de peruca” e Lilian dizia com freqüência que "era ofensa aos porcos".


 


Harry pôs os pratos de ovos com bacon na mesa, o que foi porque não havia muito espaço, enquanto Lilian preparava o prato dela e do irmão. Entrementes, Duda contava os presentes. Ficou desapontado.


 


— Trinta e seis — disse, erguendo os olhos para o pai e a mãe a — Dois a menos do que no ano passado.


 


— Querido, você não contou o presente de tia Guida, e aqui está um grandão do papai e da mamãe, está vendo?


 


— Está bem, então são trinta e sete — respondeu Duda ficando vermelho. Harry e Lilian, percebendo que Duda estava preparando acesso de raiva começaram a engolir a comida o mais depressa possível caso o primo virasse a mesa.


 


Tia Petúnia obviamente também sentiu o perigo, porque na hora disse:


 


— E vamos comprar mais dois presentes para você hoje. Que tal fofinho? Mais dois presentes está bem assim?


 


Duda pensou um instante. Pareceu um esforço enorme. Finalmente responde hesitante:


 


— Então vou ficar com trinta... Trinta...


 


— Trinta e nove, anjinho — disse tia Petúnia.


 


— Ah. — Duda largou-se na cadeira e agarrou o pacote mais próximo. — Então, está bem.


 


Tio Válter deu uma risadinha. Enquanto Lilian ficava cada vez mais surpreendida com a burrice do primo.


 


— O baixinho quer tudo a que tem direito, igualzinho ao pai. É isso ai, garoto! — e arrepiou os cabelos de Duda com os dedos.


 


Naquele instante o telefone tocou e tia Petúnia foi atendê-lo, enquanto Harry, Lilian e tio Válter assistiam Duda desembrulhar a bicicleta de corrida, a câmara de filmar, um aeromodelo com controle remoto, dezesseis jogos de computador e um gravador de vídeos. Estava rasgando a embalagem de um relógio de ouro quando tia Petúnia voltou do telefone parecendo ao mesmo tempo zangada e preocupada.


 


— Más noticias, Válter a Sra. Figg fraturou a perna. Não pode ficar com eles. — e indicou Os gêmeos com a cabeça.


 


Duda boquiabriu-se de horror, mas o coração de Harry e Lilian deram um salto. Todo ano, no aniversário de Duda, os pais dele o levavam para passar o dia com um amiguinho em parques de aventuras,lanchonetes ou no cinema. Todo ano deixavam os gêmeos com a Sra. Figg, uma velha maluca que morava ali perto. Harry detestava o lugar e Lilian achava entediante. A casa inteira cheirava a repolho e a Sra. Figg lhe mostrava fotografias de todos os gatos que já tivera.


 


— E agora? — perguntou tia Petúnia, olhando furiosa para os gêmeos como se eles tivesse planejado tudo. Eles sabiam que devia sentir pena da Sra. Figg que quebrara a perna, mas não era fácil quando lembrava que ia passar um ano sem ter que olhar para o Tobias, o Néris, Seu Patinhas e o Pompom outra vez.


 


— Poderíamos ligar para a Guida — sugeriu tio Válter.


 


— Não diga bobagem, Válter, ela detesta eles.


 


Com frequência, os Dursley falavam deles assim, como se eles não estivessem presente, ou melhor, como se eles fossem alguma coisa muito desprezível que não conseguissem entendê-los, como uma lesma.


 


— E aquela sua amiga, como é mesmo o nome dela, Ivone?


 


— Está passando férias em Majorca — respondeu Petúnia, com rispidez.


 


— Vocês podiam nos deixar aqui — arriscou Harry esperançoso olhando para irmã recebendo apoio (eles poderiam assistir ao que quisesse na televisão para variar e, quem sabe, até dar uma voltinha no computador de Duda).


 


Tia Petúnia parecia que tinha engolido um limão.


 


— E quando voltarmos, encontrar a casa destruída? — rosnou.


 


— Não vamos explodir a casa — prometeu Lilian, mas os tios não estavam mais escutando.


 


— Talvez pudéssemos levá-los ao zoológico — disse tia Petúnia lentamente — e deixá-los no carro.


 


— O carro é novo. Não vou deixá-los sentados no carro sozinhos. — Duda começou a chorar alto. Na realidade não estava chorando, fazia anos que não chorava de verdade, mas sabia que se fizesse cara de choro e gritasse a mãe lhe daria o que quisesse.


 


— Dudinha, querido, não chore, mamãe não vai deixar eles estragarem o seu dia! — exclamou abraçando-o.


 


— Não... Quero... Que... Eles... Vão! — Duda berrou entre grandes soluços fingidos — Eles sempre estragam tudo! — E lançou um riso maldoso por entre os braços da mãe.


 


Naquele instante a campainha tocou.


 


— Ah, meu Deus, são eles chegando! — disse tia Petúnia nervosa um minuto depois, o melhor amigo de Duda, Pedro entrou acompanhado da mãe. Pedro era um menino magricela, com cara de rato. Em geral era quem segurava por trás os garotos enquanto Duda batia neles. Na mesma hora Duda parou de fingir que estava chorando.


 


Meia hora depois, Harry e Lilian, que não conseguiam acreditar em sua sorte, estavam sentados no banco traseiro do carro dos Dursley, com Pedro e Duda a caminho do jardim zoológico, pela primeira vez na vida. O tio e a tia não tinham conseguido pensar no que fazer com eles, mas antes de saírem, tio Válter puxara Harry e Lilian para o lado.


 


— Estou avisando  vocês — disse, aproximando a cara grande e vermelha em Harry — Estou avisando vocês, pestes, a primeira gracinha que fizerem, a primeira, vão ficar presos naquele armário até o Natal.


 


— Não vamos fazer nada — disse Lilian tentando tirar a atenção do tio ao irmão — juramos...


 


Mas tio Válter não acreditou neles. Ninguém nunca acreditava.


 


O problema era que sempre aconteciam coisas estranhas à volta deles e simplesmente não adiantava dizer aos Dursley que não eram suas culpas.


 


Uma vez tia Petúnia, cansada de ver Harry voltar do barbeiro e Lilian o cabeleireiro como se não tivesse estado lá, apanhara uma tesoura de cozinha e cortara o cabelo de cada um tão curto que os deixaram quase careca, exceto por uma franja em Harry, que ela deixou, para esconder aquela cicatriz horrorosa. Duda morrera de rir dos primos, que passaram à noite acordados imaginando como que seria a escola no dia seguinte, onde já riam deles por causa das roupas folgadas e dos óculos emendados com fita adesiva. Na manhã seguinte, porém, quando se levantaram os cabelos estavam exatamente como eram antes de tia Petúnia cortá-los. Tinham  deixados presos uma semana no armário porcausa disso, apesar de suas tentativas de explicar que não saberiam explicar como é que os cabelos tinham crescido tão depressa.


 


Outra vez, tia Petúnia tentara otentar o Harry a vestir um macacão velho de Duda (marrom com pompons cor de laranja). Quanto mais tentava enfiá-lo pela cabeça dele, tanto menor o macacão ficava, até que finalmente parecia feito para um fantochinho dededo, e com certeza não ia servir para o Harry. Tia Petúnia concluiu que devia ter encolhido na lavagem e Harry, para seu grande alivio, não foi castigado. Ou quando pegou para Lilian uma roupa horrorosa nas doações da igreja que eram longas de mais batendo no calcanhar que sempre diminuíam quando entrava na escola com um tamanho pouco acima do joelho e voltava ao calcanhar na hora da saída, tia Petúnia nunca descobriu.


 


Por outro lado, eles se meteram numa grande encrenca quando os encontraram no telhado da cozinha da escola. A turma de Duda estava perseguindo Harry, como sempre, e tanto para surpresa de Harry quanto dos outros, ele apareceu sentado na chaminé e Lilian quis fazer companhia para não ficar sozinho e fugir das atormentações de Duda e apareceu lá também. Os Dursley receberam uma carta muito zangada da diretora deles, contando que eles andaram escalando os prédios da escola. Mas só o que tentaram fazer (conforme gritou para tio Válter através da porta trancada do armário) fora saltar para trás das grandes latas de lixo da porta da cozinha. Harry supunha que o vento devia tê-lo apanhado na hora em que saltou e Lilian tinha certeza que estava no chão quando pulou.


 


Mas hoje nada ia dar errado. Valia até a pena estar em companhia de Duda e Pedro para passar o dia em outro lugar que não fosse à escola, o armário, ou a sala com cheiro de repolho da Sra. Figg.


 


Enquanto dirigia, tio Válter se queixava à tia Petúnia. Ele gostava de se queixar de tudo: das pessoas no trabalho, de Harry, de Lilian, dos gêmeos, do conselho, de Harry, de Lilian, dos gêmeos, do banco e dos gêmeos eram seus dois assuntos preferidos. Esta manhã eram as motocicletas.


 


— ... Roncando pelas ruas como loucos, os arruaceiros — disse, quando uma moto emparelhou com eles.


 


— Tive um sonho com uma motocicleta — falou Harry, lembrando-se de repente — Ela voava.


 


— Eu também. As vezes é estranho sonhar a mesma coisa que você mesmo sendo meu irmão. — Disse Lilian pensativa.


 


Tio Válter quase bateu no carro da frente. Virou-se para trás e gritou com os gêmeos, seu rosto parecendo uma beterraba gigante e bigoduda:


 


— MOTOCICLETAS NÃO VOAM!


 


Duda e Pedro deram risadinhas.


 


— Sei que não voam — respondeu Harry — Foi só um sonho.


 


Mas desejou que não tivesse dito nada. Se havia uma coisa que os Dursley detestavam mais do que as suas perguntas, era quando falava de coisas que faziam o que não deviam, não interessava se era sonho ou desenho animado, pareciam pensar que ele poderia arranjar idéias perigosas.


 


Era um sábado muito ensolarado e o zôo estava cheio de famílias. Os Dursley compraram grandes sorvetes de chocolate para Duda e Pedro à entrada e, então, porque a mulher sorridente na carrocinha perguntara o que Harry e Lilian ia querer antes que pudessem afastá-lo depressa dali, eles lhe compraram um picolé barato de limão para cada. Não era ruim, Harry pensou enquanto Lilian pesava que era melhor do que nada, lambendo-o enquanto observavam um gorila que coçava a cabeça e se parecia demais com Duda, exceto pelos cabelos que não eram louros. Passaram também pela girafas, tigres, leões. O animal que mais imprecionou Harry foi os cervos enquanto Lilian se encantou pelas corsas.


 


Harry e Lilian passaram a melhor manhã que já tiveram em muito tempo. Cuidram de andar um pouco afastado dos Dursley, de modo que Duda e Pedro, que ali pela hora do almoço estavam começando a se chatear com os bichos, não recaíssem no seu passatempo favorito de bater no primo e caçoar da prima. Almoçaram no restaurante do zôo e quando Duda teve um acesso de raiva porque seu sorvetão não era bastante grande, tio Válter comprou-lhe outro e deixou Harry terminar o primeiro dividindo com a irmã.


 


Depois Lilian achou que devia ter adivinhado que estava bom demais para durar muito tempo.


Terminado o almoço foram visitar o alojamento dos répteis.


 


Era fresco e escuro ali, com quadrados iluminados ao longo das paredes. Por trás dos vidros, rastejavam e deslizavam em pedaços de pau e em pedras todos os tipos de cobras e lagartos. Duda e Pedro queriam ver as enormes cobras venenosas e as grossas pitons que esmagavam um homem. Duda logo encontrou a maior cobra que havia. Poderia dar duas voltas no carro de tio Válter e amassá- lo até reduzi-lo ao tamanho de uma lata de lixo, mas naquela hora ela não estava disposta a fazer nada. Na realidade, estava dormindo a sono solto.


 


Duda parou, o nariz comprimido contra o vidro, observando as espirais marrons e reluzentes


.


— Faz ela se mexer — choramingou para o pai. Tio Válter bateu no vidro, mas a cobra no se mexeu.


 


— Faz outra vez — mandou Duda. Tio Válter bateu no vidro com os nós dos dedos, mas a cobra continuou dormindo.


 


— Que chato — queixou-se Duda. E saiu arrastando os pés, Harry veio se postar na frente do tanque arrastando a irmã e estudaram a cobra com atenção. Não se admiraria se a própria cobra morresse de tédio. Não tinha companhia a não ser aquela gente idiota que batucava no vidro, tentando incomodá-la o dia inteiro. Era pior do que ter um armário por quarto, onde a única visita era a tia Petúnia esmurrando a porta para acordá-lo, mas ao menos ele podia visitar o resto da casa.


 


A cobra inesperadamente abriu os olhos, que pareciam contas.


 


Devagarinho, muito devagarinho, levantou a cabeça até seus olhos chegarem ao nível dos de Harry e Lilian.


 


E piscou.


 


Eles arregalaram os olhos. E olharam depressa a toda volta para ver se havia alguém olhando. Não havia. E retribuiram o olhar da cobra, piscando também.


 


A cobra acenou com a cabeça na direção de tio Válter e de Duda, depois levantou os olhos para o teto. Lançou um olhar a Hanna que dizia com todas as letras:


 


— “Isso é o que me acontece o tempo todo”.


 


— Eu sei — murmurou Lilian pelo vidro, embora não tivesse muita certeza se a cobra poderia ouvi-lo — deve ser bem chato.


 


A cobra concordou com um aceno de cabeça enfático.


 


— Mas de onde é que você veio? — perguntou Harry.


 


A cobra apontou com o rabo uma placa próxima ao vidro.


 


Os gêmeos espiaram.


 


— Boa Constrictor, Brasil, era bom lá? — Perguntou Lilian coriosa.


 


A jibóia apontou novamente a placa com o rabo e Harry leu:


 


“Este espécime nasceu em cativeiro”.


 


— Ah, entendo, então você nunca esteve no Brasil?


 


A cobra sacudiu a cabeça.


 


— Nos não conhecemos nossos pais, eles morreram quam tínhamos um ano. — falou Lilian.


 


"Isso é uma pena"


 


— Você conheceu sua família pelo menos? — perguntou Harry.


 


A cobra sacudiu a cabeça, mas um grito ensurdecedor atrás de Harry e Lilian fez os três pularem:


 


— DUDA! SR. DURSLEY! VENHAM VER ESSA COBRA! VOCÊS NÃO VÃO ACREDITAR NO QUE ESTÁ FAZENDO!


 


Duda veio bamboleando até onde o amigo estava o mais depressa que pôde.


 


— Cai fora — falou dando um soco nas costelas de Harry. Apanhado de surpresa, Harry caiu com força no chão de concreto sobre sua irmã.


 


O que se passou em seguida aconteceu tão depressa que ninguém viu como foi: num segundo, Pedro e Duda estavam encostados no vidro, no segundo seguinte, estavam saltando para trás soltando uivos de terror.


 


Harry sentou-se e parou de respira, ajudar a irmã e percebeu: o vidro da frente do tanque da jibóia tinha sumido. A grande cobra se desenrolou depressa e escorregou pelo chão, as pessoas no alojamento dos répteis gritaram e começaram a correr para as saídas.


 


Quando a cobra passou rápido por eles, os gêmeos poderiam jurar que uma voz baixa e sibilante tinha dito: "Brasil, aqui vou eu... Obrigado, amigos”.


 


O zelador do alojamento dos répteis ficou em estado de choque.


 


— Mas o vidro — ele não parava de repetir, para onde foi o vidro?


 


O diretor do zôo em pessoa preparou uma xícara de chá forte para tia Petúnia enquanto se desculpava mil vezes.


 


Pedro e Duda só conseguiam balbuciar. Pelo que Harry e Lilian viram, a cobra não fizera nada a não ser fingir abocanhar os calcanhares deles quando passou, mas quando chegaram finalmente ao carro do tio Válter, Duda estava contando que a cobra quase lhe arrancara a perna a dentadas, enquanto Pedro jurava que a cobra tentara apertá-lo até matar. Mas o pior de tudo, pelo menos para os gêmeos, foi Pedro ter se acalmado o suficiente para perguntar:


 


— Harry e Lilian estavam conversando com ela, não estavam, Harry? Lilian?


 


Tio Válter esperou até Pedro estar longe da casa para brigar com eres. Estava tão zangado que mal podia falar. Conseguiu apenas dizer:


 


— Vá... Armário,... Harry...Lilian... Sem comida — antes de desmontar em uma cadeira e tia Petúnia ter que correr para lhe servir uma boa dose de conhaque.


 


Muito mais tarde, deitado no seu armário, Harry desejou ter um relógio. Não sabia que horas eram e não tinha certeza se os Dursley já estariam dormindo. Até que estivessem, ele e sua irmã não poderiam se arriscar a ir escondido até a cozinha buscar alguma coisa para comer.


 


Viviam com os Dursley havia quase dez anos, dez infelizes anos, desde que se lembravam, desde que eram bebês e seus pais tinham morrido naquele acidente de carro. Não conseguiam se lembrar de ter estado no carro quando os pais morreram. Às vezes, quando forçavam a memória durante longas horas em seu armário, lembravam-se de uma estranha visão: um lampejo ofuscante de luz verde e uma queimadura na testa, sendo esta no Harry, e uma no ombro, sendo esta em Lilian. Isto supunha eles, era o acidente,embora não conseguissem lembrar de onde vinha toda aquela luz verde. Não conseguiam lembrar nada dos pais. A tia e o tio nunca falavam neles e naturalmente tinham os proibido de fazer perguntas. E não havia fotografias deles na casa.


 


Quando eram mais novos Harry e Lilian tinha o mesmo sonho onde um parente desconhecido que vinha levá-los embora, mas isto nunca acontecera, os Dursley eram sua única família. Ainda assim, eles chavam (ou talvez fosse só uma esperança) que estranhos na rua o conheciam. E eram estranhos muito estranhos. Um homenzinho de cartola roxa se curvara para eles uma vez quando estava fazendo compras com tia Petúnia e Duda. Depois de perguntar a Lilian, furiosa, se eles conhecia o homem, tia Petúnia tinha empurrado os meninos depressa para fora da loja sem comprar nada. Uma velha amalucada toda vestida de verde uma vez acenara alegremente para eles no ônibus. Um careca com um longo casaco púrpura, chegara a apertar suas mãos na rua um dia desses e em seguida se afastara sem dizer nada. A coisa mais estranha nessas pessoas era a maneira com que pareciam desaparecer no instante em que um deles tentava vê-los melhor.


 


Na escola Harry e Lilian não tinham ninguém a não ser um ao outro. Todos sabiam que a turma de Duda odiava aquele estranho Harry e Lilian Potter com suas roupas velhas e folgadas e os óculos remendados, e ninguém gostava de contrariar a turma do Duda.

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