O convite

– O convite

– Parece que as coisas estão prestes a melhorar um pouco. – Tiago sorriu para Rony – Você vai amar a Copa Mundial! – continuou virando-se para Harry empolgado.
– Só seria melhor se você fosse com Tiago. – Sirius disse com um meio sorriso – Ele é como uma enciclopédia de quadribol ambulante.
– E ele ainda estuda os jogadores antes dos jogos. – Remo completou rindo – Então ele também é capaz de fornecer uma pequena biografia do jogador assim como as estatísticas dele.
– Isso é… – Lily hesitou – Impressionante…
Snape revirou os olhos antes de começar a ler.

Quando Harry finalmente chegou à cozinha, os três Dursley já estavam sentados à mesa.
Nenhum deles ergueu a cabeça quando o garoto entrou ou se sentou. A caraça vermelha de tio Válter estava escondida atrás do matutino Daily Mail, e tia Petúnia partia um grapefruit em quatro, os lábios contraídos por cima dos dentes de cavalo.

– Por que minha irmã partiria um grapefruit em quatro? – Lily perguntou extremamente confusa.
– Vocês já vão entender. – Harry suspirou.

Duda parecia furioso e carrancudo, e, por alguma razão, dava a impressão de estar ocupando mais espaço do que de costume. E isso não era pouco, porque ele sempre ocupava sozinho um lado inteiro da mesa quadrada. Quando tia Petúnia pôs um quarto de grapefruit no prato do filho com um trêmulo (Tome, Dudinha querido), o garoto lançou-lhe um olhar raivoso. A vida de Duda tomara um rumo muito desagradável desde que ele voltara para passar as férias de verão em casa trazendo o boletim de fim de ano.
Tio Válter e tia Petúnia, como sempre, tinham conseguido arranjar desculpas para as notas baixas dele; tia Petúnia sempre insistia que Duda era um menino muito talentoso, incompreendido pelos professores, enquanto tio Válter sustentava que "ele não queria mesmo um filho cê-dê-efe e educadinho".

– Ás vezes eu sinto tanta pena desse garoto. – Alice disse de repente – O que eles fazem com o próprio filho é horrível. Ele nunca poderá viver no mundo real…
– Nunca pensei por esse lado… – Sirius disse encarando Alice – Mas você tem razão, o garoto sempre vai achar que todos tem que paparicar ele e dar o que ele quer…
– Isso é realmente deprimente. – Lily suspirou – Espero que ele se torne uma pessoa melhor do que foi criado para ser.

Eles também passaram por cima das acusações de truculência e intimidação de colegas que havia no boletim. "Ele é um garotinho turbulento, mas não faria mal a uma mosca!", comentou tia Petúnia chorosa.
Contudo, no finalzinho havia uma observação muito bem colocada da enfermeira da escola, que nem mesmo os pais conseguiram justificar. Por mais que tia Petúnia choramingasse que Duda tinha ossos grandes e que seu excesso de peso era na realidade gordura infantil, que ele era um menino em crescimento e precisava de muita comida, o fato era que os fornecedores de uniformes da escola não estocavam calças suficientemente grandes para Duda. A enfermeira da escola vira o que os olhos de tia Petúnia — tão atentos quando se tratava de encontrar marcas de dedos em suas paredes brilhantes e observar as idas e vindas dos vizinhos — simplesmente se recusavam a enxergar: que, longe de precisar de alimentação suplementar, Duda atingira aproximadamente o tamanho e o peso de um filhote de orca.

– Isso é impressionante! – Lily exclamou de olhos arregalados – Minha irmã sempre foi tão cuidadosa… Antes de eu entrar para Hogwarts ela sempre cuidava de tudo em relação a mim… Inclusive da minha alimentação…
– Ela é cega em relação ao filho. – Tiago deu de ombros – Muitas pessoas são.

Então — depois de muitos acessos de raiva, muitas discussões que sacudiram o soalho do quarto de Harry e muitas lágrimas de tia Petúnia — o novo regime começara. A receita da dieta que a enfermeira da Smeltings enviara fora colada na geladeira, já esvaziada de todas as coisas que Duda mais gostava — bebidas gasosas e bolos, barras de chocolate e hambúrgueres — e cheia de frutas, legumes e coisas que tio Válter chamava de "comida de coelho". Para fazer Duda se sentir melhor com a mudança, tia Petúnia insistira que a família inteira seguisse a mesma dieta. Agora ela passava um quarto de grapefruit para Harry. O garoto reparou que o dele era bem menor que o de Duda. A tia parecia sentir que a melhor maneira de manter o moral de Duda era providenciar para que ele, no mínimo, recebesse mais comida do que Harry.

– Mas isso é um grande absurdo! – Remo exclamou revoltado – Você obviamente precisava de uma alimentação com mais substancia do que esse filhote de orca!
– Mas é claro que a Petúnia ia querer que o filho dela ganhasse mais… – Lily bufou – Desde que descobri que sou bruxa ela parece querer compensar todo o resto sendo melhor do que eu.

Mas tia Petúnia não sabia o que estava escondido sob as tábuas soltas do soalho no andar de cima.
Não fazia a menor idéia de que Harry não estava seguindo dieta alguma.
No momento em que descobriu que esperavam que ele sobrevivesse durante o verão comendo palitos de cenoura crua, Harry despachara Edwiges à casa dos amigos com pedidos de ajuda, e eles tinham correspondido mais do que à altura.

– Eu nem ao menos sei como agradecer tudo o que vocês fazem pelo Harry desde que se conheceram. – Lily disse sorrindo para Rony e Hermione.
– Eu não poderia pedir por amigos melhores para ele. – Tiago concordou sorrindo.

A coruja voltara da casa de Hermione com uma enorme caixa de lanchinhos sem açúcar (os pais de Hermione eram dentistas). Hagrid, o guarda-caça de Hogwarts, comparecera com um saco de bolos que ele mesmo fabricara (Harry ainda não provara; tinha muita experiência com a culinária de Hagrid). A Sra. Weasley, porém, mandara a coruja da família, Errol, com um enorme bolo de frutas e tortinhas variadas.

– Imagino o que Duda não faria para por as mãos nisso tudo. – Gina sorriu para Harry – Mamãe ficou realmente preocupada com você quando recebemos sua carta contando da dieta. Eu ajudei ela a fazer as tortinhas…
– Obrigado. – Harry respondeu com um sorriso de lado.

O coitado do Errol, que era velho e fraco, precisara de cinco dias inteiros para se recuperar da viagem. Então, no aniversário de Harry (a que os Dursley sequer deram atenção), ele recebera quatro esplêndidos bolos de aniversário de Rony, Hermione, Hagrid e Sirius.

– Se eu tenho capacidade de te mandar bolos de aniversário, não devo estar tão ruim assim. – Sirius deu de ombros satisfeito consigo mesmo.

Ainda lhe restavam dois, e sabendo que teria um café da manhã de verdade quando voltasse ao seu quarto, ele começou a comer o grapefruit sem reclamar.
Tio Válter pôs de lado o jornal com um profundo suspiro de desaprovação e olhou para o seu quarto de grapefruit.
— É só isso? — perguntou em tom de reclamação à tia Petúnia. A mulher lhe lançou um olhar severo e indicou com a cabeça o filho, que já acabara de comer o seu quarto de fruta e estava cobiçando o de Harry com um olhar azedo nos olhinhos de porco, Tio Válter soltou um grande suspiro, que arrepiou sua espessa bigodeira, e apanhou a colher ao lado do prato.

– Pelo menos ele faz sacrifícios pelo filho. – Alice deu de ombros.
– Você acha mesmo? – Tiago riu – Aposto que ele compra uma dúzia de roscas açucaradas assim que sai de casa!

A campainha da porta tocou. Ele se levantou penosamente da cadeira e saiu em direção ao hall.
Rápido como um raio, enquanto a mãe se ocupava com a chaleira, Duda furtou o resto de grapefruit do pai.
Harry ouviu vozes à porta, alguém rindo e a resposta seca do tio. Então a porta se fechou e seguiu-se um ruído de papel rasgado no hall.
Tia Petúnia colocou o bule de chá sobre a mesa e olhou curiosa à volta para ver aonde fora o marido. Não precisou esperar muito para descobrir; passado um minuto ele estava de volta. Com o rosto lívido.
— Você — vociferou ele para Harry. — Na sala de estar. Agora.

– O que ele pensa que você fez dessa vez? – Lily bufou.

Espantado, perguntando-se o que teria feito desta vez, Harry se levantou e acompanhou o tio para fora da cozinha e rumaram para o aposento vizinho. Válter fechou a porta com força depois que ele e o sobrinho entraram.
— Então — disse o tio, indo até a lareira e se virando para encarar Harry, como se estivesse prestes a lhe dar voz de prisão.
— Então.
Harry teria adorado responder "Qual é?", mas achou que a boa disposição do tio não deveria ser testada assim cedinho, principalmente se já estava sob forte estresse por falta de comida. Então decidiu fazer cara de quem está educadamente intrigado.
— Isto acabou de chegar — disse o tio. E brandiu na cara de Harry a folha de papel de carta roxo. — Uma carta. A seu respeito.
A confusão de Harry aumentou. Quem estaria escrevendo a tio Válter a respeito dele? Quem é que ele conhecia que mandava cartas pelo correio?

– Acho que a única pessoa que você conhece que sabe usar o correio é a Mione. – Frank cogitou.
– Mas mesmo assim, – Tiago disse – por que Hermione mandaria uma carta a Harry pelo correio?
– Não é uma carta para Harry. – Remo ressaltou coçando a cabeça – É uma carta sobre Harry.
– O que faz ainda menos sentido. – Sirius deu de ombros.
– Talvez, se vocês permitissem que eu continuasse lendo, nós saberíamos. – Severo murmurou irritado.

Tio Válter olhou aborrecido para Harry, depois baixou os olhos para a carta e começou a ler em voz alta:
“Prezados Sr. e Sra. Dursley,
Nunca fomos apresentados, mas tenho certeza de que já ouviram Harry falar muito do meu filho Rony.

– Eu acho que minha mãe estava tentando ser educada… – Gina entortou a boca – Ela já sabia como seus tios eram desde que te deixaram trancado no quarto…

Como Harry deve ter-lhes contado, a final da Copa Mundial de Quadribol vai se realizar na próxima segunda-feira à noite, e meu marido, Arthur, conseguiu arranjar ótimos lugares para o jogo por intermédio de conhecidos do Departamento de Jogos e Esportes Mágicos.

– A final? – Tiago encarou Rony animado – Seu pai conseguiu ingressos para a final do campeonato! Harry precisa ir! – completou enfático.
– Ele vai ficar maluco com a quantidade de referencias ao mundo mágico. – Lily deu um meio sorriso satisfeita.
– Acho que mamãe exagerou. – Rony disse pensativo – Ela sabia que os trouxas não se davam bem com Harry…
– Mas nós não sabíamos até onde isso ia até lermos os livros. – Hermione ponderou – Eu não tinha ideia de que Harry era completamente ignorado desde criança. – completou com um suspiro pesaroso.

Espero que o senhor e sua mulher nos permitam levar Harry ao jogo, pois é realmente uma oportunidade única na vida. A Grã-Bretanha não sedia a Copa há trinta anos e as entradas são muito difíceis de se obter. Ficaríamos muito felizes se Harry pudesse passar o resto das férias de verão conosco, e de acompanhá-lo em segurança até o embarque para a escola.
Seria preferível que ele nos mandasse a resposta, o mais depressa possível, da maneira normal, porque o carteiro trouxa jamais entregou correspondência em nossa casa e não tenho muita certeza de que saiba onde é.

– Ele vai ficar louco ao pensar que a maneira normal, no caso, é a nossa e não a dele. – Tiago riu.

Esperando ver Harry em breve, subscrevo-me,
Atenciosamente,
Molly Weasley.
PS. Espero ter colado selos suficientes na carta.”
Tio Válter terminou a leitura, tornou a meter a mão no bolso superior do paletó e tirou mais alguma coisa.
— Olhe só isto — rosnou.
E mostrou o envelope em que chegara a carta da Sra. Weasley, e Harry precisou fazer força para não rir. O envelope estava coberto de selos, exceto por um quadrado de uns três centímetros na face, em que a senhora havia espremido o endereço dos Dursley numa letra miudinha.

– Mamãe me perguntou como funcionavam os selos… – Gina deu de ombros – Eu nunca soube.
– Ela definitivamente não precisava de tantos. – Hermione riu – Mas entendo que os meios de comunicação trouxas podem parecer estranhos para a maioria dos bruxos.

— Então ela colou selos suficientes — disse Harry tentando fazer parecer que o engano da Sra. Weasley era muito comum. Os olhos do tio faiscaram.
— O carteiro reparou — disse ele entre dentes. — Estava muito interessado em saber de onde veio a carta. Foi por isso que tocou a campainha. Parecia estar achando muito engraçado.
Harry ficou calado. Outras pessoas talvez não entendessem o porquê da preocupação do tio com tantos selos, mas Harry vivera com os Dursley tempo bastante para saber que se incomodavam muito com qualquer coisa até ligeiramente anormal. O pior receio dos dois era alguém descobrir que estavam ligados (por mais remotamente que fosse) com gente como a Sra. Weasley.

– Eu preferia ser ligada a Molly do que ter esse panaca como cunhado. – Lily disse entredentes, a Sra. Weasley sempre fora muito melhor para Harry do que sua irmã jamais poderia ser.
– Mas nós somos ligados a Molly. – Tiago deu de ombros e olhou de soslaio para Gina – Quero dizer… Nossos filhos são melhores amigos... Não é?
– Sim… – Hermione disse encarando Tiago desconfiada – Pode-se dizer que isso é um tipo de ligação.

Tio Válter continuou a olhar feio para Harry, que tentava sustentar uma expressão neutra. Se não fizesse nem dissesse nada idiota, talvez pudesse curtir uma oportunidade que só ocorria uma vez na vida.
Esperou o tio dizer alguma coisa, mas o homem simplesmente continuou a fitá-lo com raiva. Harry resolveu, então, quebrar o silêncio.
— Então... Posso ir? — perguntou.
Um ligeiro espasmo passou pela caraça púrpura do tio. Os bigodes se arrepiaram. Harry achou que sabia o que estava acontecendo por trás daquela bigodeira: uma batalha encarniçada em que dois instintos muito fundamentais de tio Válter se confrontavam. Permitir que Harry fosse seria fazer o garoto feliz, uma coisa que o tio lutava para evitar havia treze anos. Por outro lado, deixar que Harry sumisse para a casa dos Weasley o resto do verão seria livrar-se dele duas semanas mais cedo do que os Dursley poderiam ter sonhado, e tio Válter detestava ter Harry em casa.

– Você colocou ele entre a varinha e o caldeirão. – Frank disse com um meio sorriso.
– Só espero que ele resolva te mandar para a casa dos Weasley. – Tiago disse esperançoso – Você precisa ir à final do campeonato! É a final!

Aparentemente, para ganhar tempo para pensar, ele baixou os olhos para a carta da Sra. Weasley.
— Quem é essa mulher? — perguntou examinando a assinatura com desagrado.
— O senhor já a viu. É a mãe do meu amigo Rony, estava esperando ele descer do trem de Hog... Do trem da escola no fim do ano letivo.
Quase dissera "Hogwarts", e isso certamente irritaria o tio. Ninguém jamais mencionava o nome da escola de Harry em voz alta na casa dos Dursley. Tio Válter amarrou a cara enorme como se tentasse se lembrar de uma coisa muito desagradável.
— Uma mulher feito uma rolha de poço? — rosnou finalmente. — Uma penca de filhos de cabelos vermelhos?

– Rolha de poço? – Gina trincou os dentes irritada – Vou te mostrar o que é uma rolha de poço! Espera só eu voltar para o meu tempo! Vou até a sua casa e transformo você em um balão para combinar com a sua irmã!

Harry franziu a testa. Achou que era demais o tio chamar alguém de "rolha de poço", uma vez que seu filho, Duda, finalmente atingira a forma que vinha ameaçando atingir desde os três anos de idade, ter mais largura do que altura.

– Isso é deprimente. – Alice suspirou – Só consigo sentir pena do menino…
– Eu também, – Lily concordou – e ele é meu sobrinho…

Tio Válter tornou a examinar a carta.
— Quadribol — resmungou. — Quadribol, que droga é isso?

– Duvido muito que ele queira uma explicação completa. – Remo riu – Acho que ele ficaria louco.

Harry sentiu nova pontada de aborrecimento.
— Um esporte — respondeu secamente. — Joga-se montado numa vass...
— Está bem, está bem! — disse o tio em voz alta. Harry observou, com alguma satisfação, que ele parecia ligeiramente em pânico. Pelo visto seus nervos não iriam suportar o som da palavra "vassouras" em sua sala de estar. Refugiou-se outra vez no exame da carta. Harry viu os lábios do tio formarem as palavras "nos mandasse a resposta da maneira normal". Tornou a fechar a cara.

– Eu sabia que isso ia perturbar ele. – Tiago disse ligeiramente satisfeito.

— Que é que ela quer dizer da maneira normal? — bufou ele.
— Normal para nós — explicou Harry e, antes que o tio pudesse interrompê-lo, acrescentou: — o senhor sabe, por correio-coruja. Isso é que é o normal para os bruxos.

– Você realmente está provocando… – Lily disse ligeiramente temerosa.
– Ele tem uma carta na manga. – Sirius disse levantando as sobrancelhas para todos – Eu, é claro! Ele pode apenas dizer como o padrinho dele, assassino condenado foragido, ficaria chateado se ele não pudesse ir ao jogo.
– Uma jogada típica de Tiago! – Remo deu de ombros rindo – Imagino o medo dos trouxas de você simplesmente aparecer durante a noite…

Tio Válter fez uma cara tão indignada como se Harry tivesse dito um palavrão. Trêmulo de raiva, lançou um olhar nervoso para a janela, como se esperasse ver os vizinhos com os ouvidos colados na vidraça.
— Quantas vezes tenho que lhe dizer para não mencionar essa anormalidade sob o meu teto? — sibilou ele, o rosto agora um intenso tom ameixa. — Você fica parado aí, vestindo as roupas com que Petúnia e eu cobrimos suas costas ingratas...
— Só depois que Duda não quer mais elas — disse Harry com frieza, pois na realidade estava vestindo um suéter tão grande que ele precisava fazer cinco dobras nas mangas para poder usar as mãos, e que lhe caía abaixo dos joelhos da calça jeans muito larga.

– Praticamente um vestido. – Harry bufou.
– Sabe uma coisa que eu nunca entendi? – Rony disse coçando a cabeça pensativo – Por que você não comprou umas boas roupas trouxas quando ganhou sua herança?
– Não sei… – Harry encolheu os ombros – Acho que nunca pensei sobre isso, nunca considerei que poderia apenas trocar algum dinheiro no Gringotes e me virar no mundo trouxa.
– Devia ter pensado nisso. – Gina disse rindo – Me lembro de uma camisa que você usou no dia em que chegou na nossa casa antes do meu primeiro ano, estava gigantesca em você, me lembro de você usando a mesma camisa no meu quinto ano, e ela finalmente estava servindo, mas ainda estava larga!

— Não vou admitir que você fale comigo assim! — disse o tio tremendo de raiva.
Mas Harry não precisava aturar isso. Ia longe o tempo em que era obrigado a aceitar todas as regras idiotas dos Dursley. Não ia seguir a dieta de Duda, e não ia deixar o tio impedi-lo de assistir à Copa Mundial de Quadribol, não se dependesse dele. Harry inspirou profundamente para se acalmar e então disse:
— Muito bem, não posso assistir à Copa Mundial de Quadribol. Posso ir, agora? É que eu tenho uma carta para Sirius que quero terminar. O senhor sabe, o meu padrinho.

– Ótimo momento! – Sirius sorriu para Harry com aprovação – Você jogou sua melhor carta bem na hora!

Conseguira. Dissera as palavras mágicas. Ficou então observando o tom púrpura no rosto do tio ir clareando desigualmente, fazendo-o parecer um sorvete de groselha mal misturado.
— Você está escrevendo para ele? — indagou tio Válter numa voz falsamente calma, mas Harry vira as pupilas dos olhos dele se contraírem com repentino medo.
— Bem... É — disse Harry em tom casual. — Já faz um tempo que ele não tem notícias minhas e, o senhor sabe, se não receber nada, pode pensar que aconteceu algum problema.

– Genial! – Tiago aprovou – Você poderia insinuar que Sirius poderia aparecer para checar se você está bem…

Ele parou para gozar o efeito de suas palavras. Quase pôde até ver as engrenagens girando por baixo dos cabelos do tio, escuros, grossos e caprichosamente repartidos. Se Válter tentasse impedir Harry de escrever para Sirius, este pensaria que o garoto estava sendo maltratado. Se dissesse que o sobrinho não podia ir à Copa Mundial de Quadribol, o garoto iria escrever contando ao padrinho, que teria certeza de que Harry estava sendo maltratado. Só havia uma coisa para tio Válter fazer. Harry via a conclusão se formando no cérebro do tio como se sua caraça bigoduda fosse transparente. O garoto tentou não sorrir e manter o rosto o mais inexpressivo possível. E então...
— Bem, está bem, então. Pode ir para a casa dessa rolha... Dessa idiota... Para essa tal de Copa Mundial. Escreva respondendo a esses... Esses Weasley para virem apanhá-lo, veja bem. Não tenho tempo para acompanhar você por todo o país. E pode passar o resto do verão lá. E pode dizer ao seu, seu padrinho... Diga a ele... Diga a ele que você vai.
— O.K. então — disse Harry animado.

– Perfeito! – Tiago exclamou animado – Aposto que você amou a copa mundial – completou inclinando-se um pouco para frente para ver Harry melhor – E você deve ter aprendido muito, assistir quadribol profissional é incrível, espero que seja um jogo de muitas horas… – Tiago parou de falar repentinamente ao perceber a varinha na mão de Remo.

O garoto se virou e saiu pela porta da sala de estar, brigando com a vontade de saltar no ar e gritar. Ele ia... Ia para a casa dos Weasley, ia assistir à Copa Mundial de Quadribol!
Já no corredor, ele quase colidiu com Duda, que estivera escondido atrás da porta, na esperança de ouvir Harry levar um passa-fora. Ficou chocado ao ver o largo sorriso no rosto do primo.
— Foi um excelente café da manhã, não foi? — exclamou Harry. — Estou de barriga cheia, você não?

– Pobrezinho! – Lily disse sem conseguir segurar as risadas.

Rindo da cara de espanto de Duda, Harry subiu a escada, saltando três degraus de cada vez, e correu para dentro de seu quarto.
A primeira coisa que viu foi que Edwiges voltara. Estava na gaiola, espiando Harry com seus enormes olhos cor de âmbar, estalando o bico de um jeito que significava que estava aborrecida com alguma coisa. Exatamente o que a estava aborrecendo tornou-se visível quase na mesma hora.
— Ai! — gemeu Harry.
Algo que lembrava uma minúscula bola de tênis, cinzenta e emplumada, acabara de bater do lado da cabeça de Harry. Ele massageou a cabeça furiosamente erguendo os olhos para ver o que o atingira, e viu uma corujinha mínima, pequena o bastante para caber na palma de sua mão, chiando excitada pelo quarto como se fosse um busca-pé. O garoto percebeu que a coruja deixara cair uma carta a seus pés. Ele se abaixou, reconheceu a letra de Rony e abriu o envelope. Dentro havia um bilhete apressado.
“Harry,
PAPAI CONSEGUIU AS ENTRADAS — Irlanda contra a Bulgária.

– Bom jogo. – Tiago deu de ombros – Duas grandes potencias mundiais… Pena que a Inglaterra não chegou a final, adoro ver jogos da Inglaterra, vários dos jogadores estudaram em Hogwarts e eu sempre procuro saber a que casa pertenceram, se chegaram a ser capitães e quantas copas venceram, porque afinal… – Tiago parou novamente de falar ao perceber Sirius e Remo de varinhas em punho.

Na noite de segunda. Mamãe escreveu aos trouxas para convidar você. Talvez a carta já tenha chegado, não sei quanto tempo demora o correio dos trouxas.
Pensei em lhe mandar este bilhete pela Píchi.

– Píchi? – Remo repetiu olhando para Severo em dúvida. Snape apenas acenou afirmativamente com a cabeça.
– Só posso supor que seja o nome da coruja. – Sirius disse encarando Rony se segurando para não rir.
– Eu não dei o nome a ele. – Rony bufou e cruzou os braços.
– E esse não é o nome dele! – Gina bufou de volta.

Harry olhou bem para a palavra "Píchi", depois para a minúscula coruja que voava velozmente em volta da luz no teto. Que nome mais esquisito para uma coruja. Talvez ele não tivesse entendido a letra de Rony. Voltou ao bilhete.

– Infelizmente é isso mesmo. – Rony murmurou – É um nome extremamente estúpido.
– Então por que você não mudou o nome da coruja? – Frank perguntou encolhendo os ombros.
– Por que ele já tinha se acostumado com o nome, a Gina ficou chamando ele assim o verão inteiro. – Rony respondeu conformado.

Vamos buscar você, quer os trouxas gostem ou não, você não pode perder a Copa, só que mamãe e papai acham que é melhor a gente primeiro fingir que está pedindo permissão.

– É sempre uma boa estratégia! – Tiago sorriu para Rony satisfeito.
– Pelo menos dessa vez você pediu ajuda aos seus pais para o resgate. – Lily concordou satisfeita – Fico muito mais tranquila em saber que vocês não vão aparecer no meio da noite em um carro voador...
– Mas o carro voador seria muito mais divertido! – Sirius disse jogando os braços para o alto – Queria que alguém tivesse me resgatado em um carro voador.
– Eu nunca tive um carro voador! – Tiago justificou – Mas minha mãe foi a mansão Black te resgatar duas vezes antes de você fugir de casa!
– Como assim resgatar? – Alice perguntou curiosa.
– Vocês sabem que a mãe do Tiago é uma Black? – Sirius perguntou retoricamente – Então, minha mãe a respeita o bastante para permitir que eu vá para casa de Tiago normalmente.
– Mas uma vez Sirius arranjou uma briga feia com Régulo e a mãe dele não queria permitir que ele fosse aos jogos do campeonato Inglês comigo durante o verão. – Tiago continuou – Então minha mãe decidiu visitar a casa dos Black para ter uma conversa com a Sra. Black e levou Sirius para nossa casa.
– Nunca soubemos o que Tia Dorea falou para minha mãe. – Sirius deu de ombros – Mas funcionou.
– Essa foi uma das vezes, como foi a outra? – Harry perguntou interessado.
– Quando minha mãe resolveu que eu iria me casar com Violetta Rosier. – Sirius deu de ombros – Eu tinha apenas catorze anos, ela era 6 anos mais velha que eu, eu fiquei completamente perdido, não sabia o que fazer, nem como recusar sem ofender a família, afinal Violetta é sobrinha da minha tia Druella, então mandei uma coruja a Tia Dorea na mesma hora e ela foi me buscar e me disse exatamente como recusar a proposta sem ofender ninguém.
– Sua mãe parece ser uma ótima pessoa. – Lily disse virando-se para Tiago com cuidado.
– Ela é. – Tiago sorriu triste – Mesmo ela tendo sido da Sonserina como todos os Black…
– Todos os Black, menos eu. – Sirius interrompeu.
– Como todos os Black com exceção do Sirius, minha mãe ficou feliz em saber que entrei para a Grifinória… E ela e meu pai não se importam muito com dinheiro… Então todo ano ela da material e vestes novas para algum aluno que não tem condição de comprar tudo… Dumbledore sempre diz a ela quem ele acha que precisa de mais ajuda.
Severo bufou, é claro que os Potter tinham dinheiro o bastante para simplesmente jogar fora dando roupas e livros para crianças pobres.
– Geralmente minha mãe escolhe os nascidos trouxas. – Tiago disse virando-se para Lily – Algumas famílias trouxas quando não entendem o que acontece com os filhos simplesmente os jogam em orfanatos… – Lily e Tiago trocaram um olhar triste – Hogwarts tem um fundo para esses alunos, mas minha mãe sempre achou que o fundo não era o suficiente… Pelo que sei o fundo só compra vestes e livros de segunda mão…
– Ela parece uma pessoa realmente boa. – Harry disse sorrindo satisfeito consigo mesmo.

Se eles disserem sim, mande logo Píchi com a sua resposta, e iremos buscar você às cinco horas no domingo. Se eles disserem não, por favor, mande Pichi de volta depressa e iremos buscá-lo no domingo às cinco horas, assim mesmo.

– Por que é isso que bons amigos fazem. – Remo sorriu para Rony – Harry tem sorte de sempre poder contar com alguém como você.
Por algum motivo Rony corou parecendo constrangido ao acenar concordando com Remo.

Hermione está chegando hoje à tarde. Percy começou a trabalhar no Departamento de Cooperação Internacional em Magia. Não fale em ir para o exterior enquanto estiver aqui a não ser que queira que ele lhe arranque as calças pela cabeça.
Até é mais. Rony.”
— Calma aí! — disse Harry, quando a corujinha tirou um rasante da cabeça dele, batendo as asas loucamente. Harry só pôde supor que de orgulho por ter entregado a carta à pessoa certa. — Vem cá, preciso que você leve a minha resposta!
A corujinha voou até o topo da gaiola da coruja de Harry.
Edwiges olhou-a friamente, como se a desafiasse a tentar se aproximar mais. Harry tomou a pena de águia mais uma vez, apanhou um pergaminho limpo e escreveu:
“Rony, está tudo certo, os trouxas disseram que eu posso ir.
Vejo vocês amanhã às cinco.
Mal posso esperar.
Harry”.

– Mal posso esperar pela final da copa! – Tiago disse encarando o livro – Espero que não faltem muitos capítulos.

Depois, dobrou o bilhete muitas vezes e, com imensa dificuldade, prendeu-o na perna da corujinha que pulava no mesmo lugar de tanta excitação. No instante em que o bilhete ficou preso, a coruja partiu, disparou pela janela e se perdeu de vista.
Harry se virou para Edwiges.
— Está com disposição para fazer uma longa viagem? — perguntou.
A coruja piou com uma certa dignidade.

– A Edwiges é uma coruja um pouco convencida, não? – Lily perguntou rindo.
– Ela gosta de manter a dignidade dela… – Harry respondeu com um meio sorriso triste.

— Pode levar isto ao Sirius para mim? — disse ele apanhando a pena — Espera aí... quero terminar.
Ele tornou a desenrolar o pergaminho e apressadamente acrescentou um post scriptum.
“Se quiser entrar em contato comigo, estarei na casa do meu amigo Rony Weasley até o fim do verão. O pai dele arranjou entradas para a gente assistir à Copa Mundial de Quadribol!”

– Devo ter ficado feliz em saber disso. – Sirius sorriu – Eu sempre ia assistir partidas de quadribol com seu pai e Remo…
– O pai dele nos levou para assistir a todos os jogos na Alemanha, – Remo disse sorrindo com a memória feliz – a final foi incrível, nunca esqueci.
– Síria venceu a Inglaterra de 370 a 300, – Tiago disse pensativo – eu cheguei a jogar contra o apanhador da Inglaterra quando ele ainda estava em Hogwarts, ele estava no sétimo ano quando nós estávamos no segundo… – Tiago suspirou pesadamente antes de parar de falar, dessa vez Sirius, Remo e Lily tinham varinhas em punho para silenciá-lo.

Terminada a carta, ele a amarrou à perna de Edwiges; ela ficou anormalmente quieta, como se estivesse decidida a mostrar ao dono como é que uma verdadeira coruja-correio devia se comportar.
— Vou estar na casa de Rony quando você voltar, está bem? — Harry a informou.
A coruja deu uma bicadinha carinhosa no dedo do garoto, depois, com um ruído farfalhante, abriu as enormes asas e saiu voando pela janela aberta.
Harry observou-a desaparecer ao longe, depois entrou de quatro embaixo da cama, soltou a tábua do soalho e apanhou um pedação de bolo de aniversário.
Sentou-se no chão para comê-lo, saboreando a felicidade que o invadia. Ele comia bolo e Duda só comia grapefruit, fazia um belo dia de verão, sua cicatriz estava perfeitamente normal, ele ia deixar a Rua dos Alfeneiros no dia seguinte e ia assistir à Copa Mundial de Quadribol. Naquele momento era difícil se preocupar com alguma coisa — até mesmo com Lord Voldemort.

– Queria tanto que você se sentisse assim sempre. – Lily suspirou enquanto Severo passava o livro para Remo.
– Se fosse sempre assim não estaríamos aqui. – Tiago entortou a cabeça para ver Harry melhor – Mas pelo menos você tem amigos, uma família que te ama e agora seu padrinho para cuidar de você.
– Mamãe sempre tratou Harry como a um filho. – Gina disse sorrindo para Lily.
– Um dia eu preciso agradecer a ela. – Lily murmurou.
Remo abriu o livro no capítulo seguinte:
– Capítulo IV – De volta à Toca.

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