Parte IV



Naquela noite, os quatro se recolheram à mesma caverna em que Alvo acordara atordoado no começo do dia. Conversaram pouco, pelo cansaço de ter passado o dia correndo e se escondendo enquanto tentavam conseguir algo para comer. Acabaram capturando um pássaro para Gulmus e Alvo, e Mythra e Herman, que não comiam carne, acharam algumas folhas para dividir.


Bem... — disse Mythra com olhar cansado, perdendo muito do tom duro e inquisidor. — Talvez tenha sido mesmo Aslam a mandá-lo, filho de Adão. Não há muito mais que possamos fazer sozinhos.


Analisou Alvo longamente, algo que ele entendeu como um “não nos decepcione”. Depois recostou-se na parede da caverna e fechou os olhos. Herman, logo em seguida, balbuciou um boa noite e encolheu-se num canto.


Alvo suspirou diante do fraco fogo mágico que conseguira conjurar. Estava cansado, frustrado e ainda com fome. Já estava longe de Hogwarts por um dia inteiro, alguém já devia ter dado por sua falta, tirando o fato de que lá havia um banquete suntuoso de Natal naquele exato momento. Em Nárnia ele se sentia um estranho e inútil; sua magia mal funcionava. Tinha tentado desiludi-los para que pudessem caçar mais facilmente, mas o feitiço simplesmente não fez efeito. Depois tentou conjurar fogo para assar a ave, mas enquanto Gulmus fazia todo o processo com os pedaços de madeira mais secos que eles puderam encontrar, da varinha de Alvo só saíam faíscas. Depois murmurou “Lumus” para iluminar a caverna, mas a luz piscava ininterruptamente.


Ele não fazia ideia de porque sua magia era tão fraca naquele lugar, e como poderia ser alguma valia contra alguém que conseguia impor terror e um inverno de três anos sobre um país inteiro, usando apenas magia. Para piorar, eles só o tratavam por “Mago”.


Não se sinta pressionado — disse Gulmus suavemente, de olhos fixos no fogo azul. — É que são tempos de desespero, não temos mais muita esperança e isso nos torna rudes. Você vai achar um modo de fazer o que for preciso, quando chegar a hora.


E se eu não conseguir? — murmurou Alvo. — Quanto tempo mais teremos que esperar por essa hora? Eu preciso voltar ao meu mundo e, sinceramente... eu não sei se sou a pessoa mais indicada para me opor à Feiticeira Branca.


É claro que é — respondeu Gulmus com obviedade. — Aslam não nos mandaria alguém que não fosse capaz.


Olhe... Aslam não me mandou aqui, eu nem sequer o conheço. Eu vim parar aqui por engano, com certeza...


Mas nós também não conhecemos Aslam! — exclamou Gulmus com vigor. — Felizes as criaturas que algum dia chegam a conhecer Aslam!


Quem é Aslam, afinal? Ainda não entendi exatamente.


Aslam é o rei. O verdadeiro.


Então Alvo assistiu à explicação apaixonada de Gulmus sobre quem era Aslam. O nome realmente lhe causava alguma coisa, mas não dizia nada. Soube então que ele era um leão, filho do (tão misterioso quanto) imperador de Além-Mar, que criara todo o mundo de Nárnia e mandara a Feiticeira para um exílio então. Aslam era uma espécie de líder supremo por quem os narnianos tinham tanto respeito quanto por uma divindade.


O assunto foi mudando e então Alvo soube também a origem dos Conspiradores. Mythra era uma dríade, um espírito das árvores. Hoje elas estavam praticamente extintas de Nárnia, uma vez que, com a ascensão da Feiticeira Branca, muitas fugiram para os bosques da Arquelândia, e as poucas que permaneceram morreram, pois precisavam da energia vital das árvores que agora estavam congeladas.


Eu acho que Mythra sobrevive por pirraça — observou Gulmus, com um sorriso. — Eu nunca soube de dríades que pudessem viver tanto tempo longe das árvores e do Sol. Mythra era a que mais dançava ao som da flauta do Equinócio de Primavera.


Alvo observou-a dormir e achou difícil imaginá-la dançando.


Gulmus prosseguiu contando a história de Herman, cuja família permanecia em Nárnia, também escondida, e que ele deixara para se juntar à Resistência. Havia prometido pelos 27 filhotes que derrotaria a ditadura e lhes daria de volta a Nárnia de sua própria infância para que eles crescessem nela.


E você? — perguntou Alvo, quando Gulmus fez uma pausa longa demais.


Eu... — Gulmus deu um risinho nervoso. — Houve um massacre demonstrativo no início do reinado. Eu lutei, como o resto da minha família. Mas sobrevivi, por alguma razão. A Resistência se formou, éramos quase trinta. Animais e criaturas de Nárnia. De resto, alguns fugiram, outros vivem sob o jugo da Feiticeira. E o nosso grupo é cada vez menor. A Polícia Secreta nos chama de Conspiradores (embora não planejemos nada há um bom tempo), nos armam emboscadas e oferecem recompensas por nossas cabeças.


A pequena chama azul conjurada por Alvo então se apagou de repente.


Mas não tema — disse Gulmus num tom mais baixo. — Os ventos mudarão com o rugido de Aslam. Se você está aqui, Mago, terá poder e coragem na hora certa. Boa noite.


Então Alvo ouviu o fauno se acomodar num canto da caverna, e tratou de fazer o mesmo para se impedir de pensar. Estava tão esgotado que isso não foi difícil.

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