Capitulo 1



Chapter 1


A criança estava quase caindo da borda de uma ruína.


A irritação de Harry Potter com o filho mal estava controlada, e ele lutava para não perder totalmente esse controle. Eles estavam ali para um passeio, como todos os outros turistas ao redor. Mas Harry 


não estava pensando muito em História quando chegaram às ruínas da vila dos antigos romanos, com vista para o Mediterrâneo. A ilha de Niroli parecia apinhada de castelos e velhas paredes em ruínas, além de todo tipo de relíquias, mas nada daquilo o interessava.


Na verdade, fora até ali porque era relativamente pró­ximo ao seu hotel e parecia um bom lugar para deixar o filho de seis anos, Jeremy, extravasar o excesso de ener­gia que já o estava cansando.


Mas o motivo pelo qual estava em Niroli, um destino que evitara durante toda a vida? Ah, isso era mais difícil de explicar.


Tinha que admitir que a atmosfera da ilha era mágica, sentiu isso no instante que desceu do avião, num voo de Nova York. O ar parecia mais leve, a luz do sol fazia as coisas faiscarem em tons inusitados. Tudo isso o deixou imediatamente em alerta. Mas não poderia deixar-se distrair de seu objetivo.


Afinal, para deixar bem claro, viera a Niroli em busca de fundos para tentar salvar sua companhia. A quantia era vultosa, e Harry estava disposto a fazer praticamente qualquer coisa para conseguir o que queria até mesmo aceitar a proposta incomum que lhe fora feita: assumir a coroa daquele pequeno país. E não havia nada de mágico nisso.


Enquanto isso, precisava cuidar de Jeremy. Trouxera o garoto na esperança de facilitar as oportunidades, mas seu interesse no projeto era muito maior. A babá que contratara para cuidar do filho desistiu já no aeroporto, momentos antes de embarcarem, alegando que não aguentaria cuidar do menino.


Harry não esquecia o sorriso estranho e ligeiramente triunfante de Jeremy quando ela se enfureceu. Ele já havia enfrentado homens maduros em brigas de bar quando era jovem, mas o olhar de seu filho, pouco antes de afastar-se de qualquer civilização conhecida, e apenas com ele a reboque, ainda lhe provocava calafrios na espinha. Ele sabia como lidar com adultos, homens ou mulheres. Mas o que faria com aquela criança?


— Leve-o lá fora e deixe-o correr à vontade — sugeriu a recepcionista do hotel.


E ali estava ele, deixando Jeremy correr. E o garoto certamente corria, para cima e para baixo pelas ruínas, os cabelos negros como os do pai agitados pelo vento. Pelo menos pare­cia interessado nas ruínas. Já era alguma coisa. Ele pas­sara a viagem inteira perguntando, "Já chegamos?", até que Harry teve que morder a própria mão para não gritar com ele.


Agora Jeremy estava se equilibrando no viaduto que um dia servira de aqueduto para a vila. Uma parte dele aproximava-se perigosamente da borda do penhasco. Harry franziu o cenho, achando que era seu dever de pai alertá-lo do perigo de queda.


— Jeremy, não se aproxime tanto da borda — adver­tiu. — É perigoso.


O garoto olhou para ele e riu. Harry balançou a cabe­ça. Como um garoto de 6 anos poderia rir daquela forma tão travessa, como se sentisse prazer em torturar os adul­tos? A única coisa que sabia era que tinha de contratar outra babá, mais rígida, o mais rápido possível.


— Fique longe da borda.


Em vez de obedecer, Jeremy deu a volta e começou a escalar o muro externo em ruínas da antiga vila. Harry correu em sua direção. Aquilo já estava ficando ridículo. O garoto acabaria se matando.


— Jeremy! Droga! Desça daí agora mesmo!


Jeremy se virou para ele, e continuou a subir. Acabou caindo na borda. O grito que Harry soltou quase lhe arrebentou o peito. Tomado pelo susto e pelo pavor, saiu correndo, praguejando e rezando ao mesmo tempo. Oh Deus! E se...?


Ele se precipitou nas ruínas e começou a escalar o muro íngreme, na direção onde Jeremy estava. Os tijolos romanos se esmigalharam sob seus pés, tornando a escalada impossível, mas ele se apoiou em um peitoril mais firme e conseguiu se erguer. Olhando para baixo, preparou-se para a visão do corpo do filho despedaçado nas rochas, quase dez metros abaixo.


Em vez disso, viu Jeremy agachado aos pés de uma elegante mulher que acariciava o que parecia ser um labrador. De onde estava, Adam pôde avistar uma plataforma, como se fosse um pátio, que se projetava sobre o mar, logo abaixo dele.


Respirou fundo e relaxou a tensão, mas o alívio logo foi substituído por uma raiva brutal. Só agora percebera que Jeremy não caíra. Ele pulara. Harry 


gritou com rai­va, depois se virou e seguiu pelo caminho de pedras que ladeava as ruínas. Quando chegou até onde a jovem es­tava sentada, próximo ao antigo muro de pedra, Jeremy e o cão haviam descido o terreno pedregoso e brincavam à beira da água.


A raiva que sentia do filho só aumentou diante da frustração, e ele praguejou; depois, voltou-se relutante para a mulher.


— Desculpe — murmurou, para o caso de ela ser do tipo que se ofende facilmente.


Então parou e olhou mais detidamente. Ela era im­pressionante. O corpo esbelto e gracioso, os cabelos castanho-escuros, macios e brilhantes à luz do sol, cingidos por um lenço de seda. O pescoço longo e esguio parecia de bailarina. Adam não conseguiu ver seus olhos, já que ela usava modernos óculos Gucci, de lentes bem escuras, mas as feições que pôde vislumbrar poderiam ter sido classicamente talhadas em porcelana fina. Em contraste, sua boca era carnuda e sensual, e o queixo projetava-se petulante.


— Espero que meu filho não a tenha importunado — desculpou-se, olhando para a pele sedosa dos braços desnudos.


A blusa era rendada e a saia, de gaze cor de esme­ralda. Os pés pareciam delicados dentro de sandálias de couro, com unhas pintadas de rosa perolado. Ela parecia uma fada, apesar de ser alta e ter o corpo bem modelado. Era a criatura mais encantadora que ele vira nos últimos tempos.


Ele se virou para ela como as plantas em busca da luz do sol... como se precisasse dela em sua vida.


— Ah, não — respondeu ela amigavelmente. — Eu adorei conhecê-lo. Parece um menino encantador.


— Encantador? Hum. — Aquilo quase lhe provocou uma gargalhada, mas ele adorou o tom musical da voz dela e o delicado sotaque que lhe conferia ainda mais charme. — Acho que você ainda não teve tempo sufi­ciente para conhecê-lo — disse ele secamente.


Ela franziu o cenho.


— O que é isso, uma brincadeira? — perguntou ela rapidamente. — Como pode dizer uma coisa dessas do seu próprio filho?


Ele hesitou. Isso poderia parecer rude para alguém que ainda não havia sido perturbado por Jeremy. Harry sentiu uma ponta de remorso. Talvez ela estivesse certa e ele fosse muito cínico com relação ao garoto.


— Frustração, eu suponho — esclareceu ele, passando a mão sobre os cabelos escuros e lançando-lhe um olhar sedutor, famoso por fazer as mulheres se derreterem como adolescentes. — Foi um dia longo e cansativo.


Ela não se deixou impressionar. Na verdade, contraiu um pouco a boca.


— Foi? — ela disse com um tom que indicava um té­dio iminente. Estava claro que não se sentira seduzida.


— Acabamos de chegar de Nova York — explicou ele.


— Entendo.


Ela se virou e olhou em direção ao oceano. Ele es­tava se sentindo dispensado, e isso o surpreendia. Em Hollywood, era considerado um homem muito atraente, além de muito poderoso. A produtora que fundara e diri­gia era uma das mais importantes, apesar das tormentas que enfrentava no momento.


Além disso, não estava acostumado a ser dispensa­do. Se fosse o caso de se afastar de alguém, ele é que gostaria de fazê-lo. Imediatamente sentiu o impulso de confrontar a reação dela.


Mas resistiu. Para variar, não estava recebendo a ad­miração feminina esperada. E daí? Ele tinha coisas mais importantes com que se preocupar.


Olhando para a margem da praia, percebeu que Jeremy ainda estava brincando com o cachorro. Ele ima­ginou que poderia ir até lá e brincar com eles. Mas, na­quele momento, o cão se sacudiu, espirrando água em Jeremy, e Harry fez uma careta.


Entre rolar na areia molhada com um garoto e um ca­chorro e ficar na plataforma tentando fazer uma bela mu­lher admitir que ele era um homem que valia a pena conhe­cer, a escolha era fácil. Era pelo desafio, disse a si mesmo, e olhou para o banco de pedra no qual ela estava sentada.


— Posso sentar a seu lado? — perguntou rapidamen­te, fazendo menção de sentar antes que ela respondesse.


Ela hesitou o tempo suficiente para que ele percebesse que não era bem o que ela queria, mas ainda assim foi educada.


— Por favor — disse ela friamente, mas com graça, afastando-se um pouco para dar lugar a ele e tirando uma enorme bolsa de lona.


Ele sentou-se próximo e sentiu-lhe o perfume. O aroma era agradável, picante, não muito doce. Por algum moti­vo, aquilo o excitou por um momento, provocando-lhe uma vontade urgente de beijar aqueles lábios carnudos.


Ele se levantou um pouco, surpreso. Não reagia tão visceralmente assim a uma mulher há muito tempo, em­bora estivesse acostumado a circular entre belas mulhe­res. Talvez fosse a magia do lugar, a suave e agradável brisa e o som delicado das ondas na praia. Ele se virou rapidamente, olhando para o mar e tentando disfarçar um pouco, sem saber se queria que ela percebesse como reagira à sua presença. Se havia uma coisa que odiava era demonstrar qualquer tipo de vulnerabilidade.


E essa era uma reação que ele percebia em si cada vez mais ultimamente. Não confiava muito em ninguém, mas a experiência lhe ensinara que as mulheres bonitas eram as que mais seduziam de modo bem natural.


Qual era mesmo o ditado? Uma vez fisgado, dupla­mente decepcionado? Ele fora bem fisgado. E se de­cepcionara completamente. Além de tudo era arredio. Precisaria de muitas provas antes de confiar em alguém novamente.


Isso não significava que não gostasse do jogo. Só não esperava ganhar qualquer prêmio ou levar o brinquedo para casa, se ganhasse.


— Bela vista — disse ele com a voz rouca, olhan­do para a grande extensão de água do Mediterrâneo. — Você vem aqui com freqüência?


— Sempre. É o meu lugar favorito quando tenho que tomar grandes decisões — falou ela abertamente. — Ou quando preciso me afastar de tudo.


Virando-se para ele, ela sorriu, e seus dentes alvos brilharam sob a luz dourada do sol.


— Ou quando simplesmente quero comungar com os meus ancestrais.


— Ancestrais, hum?


Ele retribuiu o sorriso, pronto para flertar se ela se animasse um pouco mais. Não custava nada flertar um pouco. Não precisava se atirar para que desse certo, e podia ser divertido. Também poderia terminar em alguns agradáveis momentos na cama. Nunca se sabe. E ela era a parceira potencial mais atraente que encontrara em muitos anos. Seria melhor ir com cuidado para obter um bom negócio.


— Meus ancestrais estão espalhados por este lugar — ela explicou, abanando a mão como se houvesse um grupo deles vagando ao redor dos penhascos e das cavernas.


— Você está brincando? — Ele olhou para o muro, tentando entrar na imaginação dela, se ela permitisse.


— Por que você não nos apresenta?


Ela sorriu delicadamente.


— Por que você se interessaria pelos meus ancestrais de Niroli?


— Você ficaria surpresa, mas também tenho os meus.


Ela ergueu a sobrancelha.


— Tem?


— Assim me disseram.


Pelo menos havia uma ponta de interesse no jeito dela. Ele supôs que ela ficaria mais interessada ainda se contasse que era neto ilegítimo do rei Giorgio Potter de Niroli. 


Mas isso nunca fora motivo de orgulho para ele. De fato, crescera com a vaga sensação de que tinha motivos para se envergonhar. Com certeza seus avós maternos achavam que sua mãe deveria se envergonhar. Eles sem­pre acharam que tudo o que sua mãe fizera deveria ser esquecido. E como fora criado por eles, em sua fazenda no Kansas, tinha a mente impregnada desses conceitos, por mais que tentasse negá-los.


— Mas eu achei que você tinha acabado de chegar de Nova York — a graciosa mulher disse.


— É isso mesmo. Nunca estive em Niroli antes. Mas meu pai era daqui.


— Ah.


Ela estendeu a sílaba como se isso explicasse tudo, e não de uma boa maneira. Ele franziu o cenho. A atitude dela estava começando a irritá-lo. Mas, antes que pudesse sondar, Jeremy gritou e o cão latiu. Ele se levantou, olhan­do para baixo a fim de ver o que estava acontecendo.


— Jeremy, deixe o cachorro em paz — advertiu ele.


Na verdade, ele não sabia se o filho fizera alguma coisa para o cachorro, mas achava bem possível.


— O nome dele é Fábio — disse ele friamente.


— Quem? Ah, o cachorro?


— Sim.


— Certo. — Ele se virou e gritou outra vez. — Jere­my, deixe o Fábio em paz.


— Você não é muito bom nisso, não é? — disse ela secamente.


Ele se sentou outra vez e olhou espantado para ela.


— Em quê?


— Ser pai. Você não parece ter talento para isso.


Ele a encarou. Agora tinha certeza. Ela o odiava. De qualquer forma, que direito tinha ela, de decidir odiá-lo logo no primeiro encontro? Ele era um cara decente. E ela era irritante.


— O que você sabe sobre as minhas habilidades de pai?


— Eu posso perceber no modo como você fala com ele. Você não deveria falar com uma criança da idade dele dessa maneira. Não pode lhe dar ordens como se ele fosse um soldado.


Ele não estava acreditando naquilo. Ela realmente achava que poderia lhe ensinar como criar o próprio filho.


— Ele precisa de disciplina — disse ele, salientando o que era óbvio para o resto do mundo.


— Por que você não o disciplina, então?


Ele a encarou. Ela o estaria irritando intencional­mente?


— É o que estou tentando fazer.


Ela sacudiu a cabeça.


— Lá vem você outra vez, elevando a voz,


E ele que pensava que já havia se frustrado antes.


— O que você prefere? — retrucou ele, fazendo um esforço descomunal para não deixar a voz áspera. — Você acha que eu deveria bater nele?


— Claro que não. Acho que deveria dar-lhe alguma estrutura. — Ela suspirou. — Aposto que você não o conhece muito bem, seja qual o tempo que têm de con­vivência.


Ela se virou para ele com aquele jeito estranho que lhe era peculiar. Harry gostaria que ela tirasse aqueles óculos escuros para que pudesse perceber mais coisas em seus olhos.


— Mas isso não é freqüente, é? E você veio para Niroli achando que poderia se aproximar mais de seu filho só estando aqui com ele.


Ela acertara em cheio. Na realidade, parecia uma vi­dente misteriosa. Mas ele odiava admitir que ela estava certa.


— E se for?


Ela ergueu os ombros esbeltos.


— Bem, acho que não está funcionando. E se você não melhorar a sua técnica, não funcionará, não importa o quanto você eleve a voz. — Ela olhou para ele com piedade. — Você precisa de ajuda.


Harry se conteve para não responder com irritação. Ela estava completamente errada, mas continuar discu­tindo sobre isso não levaria a lugar nenhum.


— Certo — disse ele, preferindo, com dificuldade, um motivo mais doce, tentando usar seu charme mais uma vez para ver se funcionava. — Você pode me ajudar?


O sorriso dela era mais uma reação do que uma ten­tativa de atraí-lo.


— Acho que não.


O ar de superioridade dela era insuportável. Ela o re­jeitava outra vez. Bem, se era tão experiente...


— E quantos filhos você tem? — perguntou ele inci­sivamente.


Ela levantou a cabeça, divertindo-se com a irritação dele e a luta para tentar disfarçá-la.


— Nenhum — respondeu, sem sinal de constrangi­mento. — No momento não tenho nem marido.


— Então por que diabos eu deveria lhe dar ouvidos?


Ela virou a cabeça.


— Seria bom você ouvir alguém. A sua intuição não parece estar funcionando bem mesmo.


Pronto, Hermione Granger pensou friamente. Isso preci­sava ser feito. Agora ele se levantaria irritado e a dei­xaria em paz. E era exatamente o que ela queria... não era?


Ela desejou poder tê-lo visto. Isso não acontecia com freqüência atualmente.  Hermione aceitara a cegueira há anos e trabalhara várias formas de compensá-la. Algu­mas vezes chegava a achar isso uma vantagem. Mas a voz brusca e o jeito arrogante dele despertaram nela al­guma coisa que não conseguia explicar, e gostaria de dar um rosto para a imagem que estava criando.


Ela percebeu a impaciência e o cinismo e não gostou. Ele era um egoísta, foi o que ela ouviu. A arrogância só era superada pela necessidade de controlar os que esta­vam ao seu redor. Ao mesmo tempo, ele parecia querer seduzi-la. Hermione sentiu uma estranha indiferença que a deixara gelada. Ele tinha tudo o que ela não gostava em um homem.


Mas ele ainda estava ali. O que estava esperando? Ela suspirou.


— Certo, senhor. Vou lhe dar uma dica gratuitamente. Relaxe.


— Relaxar? Por que eu deveria relaxar?


— Você não veio para Niroli para se distrair?


— Não. Eu vim a trabalho.


— Ah, está explicado. Deixe essa tensão de lado. Ela está acabando com você. Seu filho percebe, por isso não confia em você. Não é à toa que ele o desafia.


Harry teve que morder a língua para não retribuir na mesma moeda. Ele tinha certeza de que havia algumas verdades que poderia lhe dizer, se pensasse bem. Mas isso não os levaria a lugar nenhum. Então, decidiu tomar outro caminho.


— Você tem cabelos muito bonitos — disse ele, ob­servando como eles brilhavam à luz do sol e se contro­lando para não os tocar.


— Tenho? — Ela parecia surpresa. — Devo dizer que gosto da sensação deles em minhas costas. — Hermione os sacudiu contra a pele exposta pelo decote da blusa.


— Suas costas também são muito bonitas — acres­centou ele para compensar.


Ela se enrijeceu.


— Isso está ficando um pouco pessoal, não acha?


— Desculpe — respondeu ele, sem convicção.


— Não, não está desculpado.


Ele estava tendo dificuldades com ela.


— Você poderia explicar por que não gostou de mim logo de cara? — perguntou ele.


— Isso está tão claro assim? — Ela comprimiu os lá­bios, depois sorriu. — Bom.


Ele a encarou. Harry sabia que deveria se levantar e sair. Ela não o queria ali. E, ainda assim, não pretendia sair. Queria fazer com que gostasse dele. Ou talvez ape­nas quisesse que ela admitisse que não era tão ruim assim e ele é que a dispensasse. Nem ele sabia o que queria.


— Talvez eu possa explicar minha... Reação de hosti­lidade. Você acha que as mulheres podem cair por você como... Maçãs das árvores, direto nos seus braços. Não é?


— Do que você está falando? — gracejou ele. — Você nem está madura ainda.


Elena lançou-lhe um olhar cheio de raiva por trás dos óculos.


— Ou talvez seja isso. Você é uma fruta proibida?


Ela não pôde evitar, e caiu na gargalhada. 


— Bingo — disse ela. — Agora, se você não se im­portar...


— Mas eu me importo. — Ele inspirou o aroma que emanava dela e percebeu que esse era um dos motivos que o impedia de ir embora. Ela era perfumada como uma fruta exótica, proibida ou não, e Harry estava co­meçando a gostar disso. Ele continuou onde estava e começou a falar sobre coisas simples e banais, tentando diminuir o desconforto entre ambos.


Ouvindo-o falar, Hermione começou a balançar o pé ner­vosamente. Ela estava ficando em uma situação delica­da, e não gostava nada disso. Viera àquele lugar para ficar em paz, não para um duelo verbal.


Por um instante, Hermione pensou em chamar Fábio de volta. Ela fora avisada a não o deixar brincar com crian­ças. Ele era um profissional com funções a desempenhar e poderia ficar confuso ao ser tratado como um animal de estimação. No início, fora bastante rígida com relação a isso, certificando-se de seguir todos os passos na relação que precisavam desenvolver. Mas, à medida que aumentava sua dependência com relação a ele, mais ela relaxava. Fábio estava se divertindo com o garoto. Hermione podia ouvi-los. Sabia que ele estava perto o suficiente, portanto não precisava se preocupar. E eles estavam se divertindo tanto. Ela sorriu.


Harry roçou o seu braço no dela, e Hermione quase arfou. Felizmente, conseguiu controlar o impulso, c mordeu o lábio inferior. Ele pareceu não ter notado. Harry fala­va da luz do sol no mar e da qualidade da água abaixo deles. Algo comum. Algo que qualquer um falaria. E, apesar de não ter ido embora, não estava mais sendo agressivo. Ela suspirou. Talvez ele não fosse tão mau. Não deveria ser tão crítica. Ele provavelmente era um cara decente.


Mas ainda assim...


Havia alguma coisa que a incomodava, algo que não conseguia perceber na voz dele. Uma infelicidade subliminar, talvez... uma antiga ferida que ainda incomodava. Algo que o consumia internamente.


Mas ela não tinha a intenção de ajudá-lo; ele não era um amigo e nunca seria. Hermione se mexeu com impaciência, pronta para chamar Fábio de volta, mas o seu pé esbarrou na bolsa de lona, espalhando todo o conteúdo no chão.


— Oh, droga — resmungou ela, abaixando-se para recolher seus pertences.


Mas Harry os recolheu para ela. 


— Aqui estão — disse ele, mas hesitou um pouco e ela esperou, imaginando o que ele poderia ter encontra­do ali que o interessasse.


— Então você é uma artista — disse ele finalmente.


Ela, surpresa, franziu as sobrancelhas.


— Em termos — esclareceu, pensando em suas ha­bilidades musicais. Ela sempre fora muito musical, até perder a visão, aos 4 anos, quando mergulhou na música como uma forma de comunicação com um mundo que não sabia o que fazer com pessoas como ela.


— Como você sabe?


— Vejo que você andou desenhando.


Ela ficou imóvel. Do que ele estava falando?


— Desenhando? — Ela indagou cautelosamente.


— Sim. Aqui está o seu caderno de desenhos, ele caiu da bolsa.


Meu caderno de desenho! Que caderno?


De repente se lembrou. Ah, Gino. Seu amigo gay e ar­tista que geralmente a acompanhava quando visitava as ruínas. Ele havia aparecido hoje, mas tivera que ir para casa fazer uma ligação.


— Incomoda-se que eu dê uma olhada? — Harry es­tava perguntando.


— Ah, por que não? — Ela riu delicadamente, imagi­nando o que mais Gino teria deixado em sua bolsa.


Hermione 


Elena ouviu o folhear das páginas, mas a sua compa­nhia estava em profundo silêncio.


— Uau! — exclamou ele finalmente, a voz abafada.


— Você não perde em nada para Michelangelo.


Ela franziu o cenho, imaginando o que ele queria di­zer com aquilo.


— É bom quando o trabalho de alguém é apreciado — comentou ela de forma ambígua.


— Você realmente tem jeito com... — ele pigarreou -- ... com o nu masculino.


Hermione deu uma gargalhada. Ah, Gino, o que você aprontou!? Pelo tom que percebera na voz de Harry, ele devia ter encontrado algo bastante provocativo.


Pelo amor de Deus. E como ele poderia supor que uma mulher cega conseguiria aquele tipo de coisas? Mas ele ainda não percebera que ela era cega. Geralmente as pessoas não percebiam de imediato. Hermione havia treina­do para se movimentar e se expressar como uma pessoa que enxerga. O destino lhe pregara uma grande e séria brincadeira, e ela se divertia retribuindo um pouco dessa brincadeira ao mundo. Ainda assim, a maioria das pessoas desconfiava rapidamente. Geralmente ao vê-la com Fábio, as pessoas logo concluíam. Mas ele ainda não a tinha visto com o cão, ou tinha? Ele vira o filho com Fábio, não ela, e por isso não fizera a conexão. In­teressante.


— Então, você gostou do estilo? — perguntou ela, controlando-se para não rir. — Qual o seu favorito?


Ele ficou chocado por um instante, e sua voz parecia um pouco perturbada ao responder.


— Por que você não me diz qual o seu preferido?


— Hum. — Ela virou a cabeça para o lado. — Acho que gosto de todos.


— Certo. — Ele respirou fundo, sem saber o que res­ponder.


Harry não sabia o que deduzir dela. Era óbvio. Ter encontrado desenhos de homens nus em sua bolsa de­monstrava um lado totalmente novo do seu ponto de vis­ta. Ele estava tentando decidir se aquilo era um convite grosseiro para a intimidade ou se corria para se proteger. Ela não sabia por quanto tempo ainda conseguiria conter a gargalhada.


— Então... Você contrata modelos para esse tipo de coisa? — perguntou ele com cuidado.


Ela sacudiu a cabeça. Sabia que estava na hora de pôr um ponto final naquilo. Podia perceber a tensão aumen­tando na voz dele. Ele estava tirando conclusões do fato de Hermione 


desenhar aqueles nus masculinos. E tudo o que ela não queria era ter de lidar com um homem excitado e agressivo que mal conhecia. Mas ela não resistiu a mais uma alfinetada.


— Por quê? Você está oferecendo os seus serviços? — Ela ergueu uma das sobrancelhas e esperou pela res­posta.


— Isso depende da recompensa — disse ele, aproxi­mando-se, a voz mais profunda.


Ela se afastou um pouco, mas perguntou:


— O que você consideraria um preço justo?


Harry fez uma pausa, e, por algum motivo, a pulsação dela acelerou-se.


— Eu sempre digo que o carinho de uma mulher bo­nita vale mais do que ouro.


 Agora ele falava baixo, de um jeito sedutor, e estava se aproximando mais. Se o filho não estivesse aprontan­do alguma coisa por perto, ela tinha certeza de que ele teria feito algum movimento. Surpreendentemente, ficou apreensiva. A brincadeira estava fugindo ao controle. Ela deixara as coisas irem longe demais. Mais uma vez, como os seus amigos costumavam dizer, estava brincan­do com fogo e se queimaria se não apagasse as chamas agora.


 


 


 


Entao pessoal, oq vcs acharam da Mione? Um dos motivos de eu ter escolhido essa história é pq ela é diferente, e espero que vcs gostem dela do mesmo jeito que eu gostei. Bjs e reviews ok?

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