Capítulo 6

Os dois caminharam em silêncio pelos corredores gélidos. De vez em quando Victor acenava para uma passagem e outra, ou alguma estátua e dizia não se lembrar. Hermione confirmava com a cabeça demonstrando interesse e remexia as mãos dentro dos bolsos das vestes sem saber exatamente o que dizer.

Um vento cortante passou pelo casal logo que saíram do castelo. Hermione ajeitou seu gorro vinho, para que tapasse bem as orelhas. Ele olhou-a de soslaio e riu, continuando a andar.

Não existia mais cor nos jardins de Hogwarts. As figueiras cáusticas das quais Hermione tanto gostava de apreciar e antes floreavam os jardins, agora davam lugar a galhos secos e retorcidos, cobertos por crostas de gelo. A garota olhou em volta a procura de Luna e Neville, mas não encontrou nenhum dos dois. Sentia um frio descomunal e anestesiante. Abraçou a si mesma e continuou ao lado de Victor, que a guiara atravessando o longo campo de quadribol. Ela não sabia onde ele pretendia chegar, mas algo a fazia gostar do que estava acontecendo. Apenas caminhava.

De longe, viu alguns alunos jogando bolas de neve uns nos outros. Vários projetos de bonecos de neve não concluídos os observavam com olhinhos de botões. Victor parou em frente à uma porta que Hermione nunca tinha reparado, do lado de fora do castelo, ao lado do campo. O garoto acenou a varinha e a porta se entreabriu, dando lugar a uma pequena sala extremamente bagunçada. Hermione descobriu então de onde vinha o cheiro amadeirado que ela sentira nele em todo o percurso.

Krum entrou logo atrás dela e encostou a porta. Deixou o livro em cima da mesa e correu para o outro lado do aposento. Assim que entrou por uma porta estreita, Hermione ouviu barulhos de gavetas se abrindo rapidamente. O garoto voltou de lá segurando um casaco marrom grosso que ela identificou ser de Durmstrang, já que o vira usando o mesmo durante o torneio Tribuxo. Levou a veste até a garota e colocou sobre suas costas, confortando-a.

- Seu nariz está vermelho. – Victor riu, puxando uma cadeira para a garota e outra para si mesmo.

Hermione se sentou e deu uma olhada teatral em volta.

- Então você costuma fazer isso? Raptar garotas da biblioteca e trazê-las para cá?

- Desculpe. – Ele parecia estar se divertindo com a situação. – Não posso mais andar por aí com alunas. Sou professor. Por isso te trouxe aqui, essa é minha sala. – Dirigiu-se até um pequeno fogão que tinha no canto e acendeu  o fogo com pequenas faíscas que surgiram de sua varinha. – E ali é o quarto. – Enquanto pegava uma xícara de chá em um armário, indicou com a cabeça a pequena porta por onde passara anteriormente.

Hermione levantou-se e andou pela sala observando os inúmeros pôsteres de bruxos e bruxas montados em vassouras com expressões sérias em seus rostos, fitando-a com fúria. O maior pôster continha um time inteiro de quadribol. Todos os integrantes seguravam suas vassouras em pé aos seus lados, com olhares determinados. O rapaz ao centro era Victor. Segurava na mão direita uma bolinha dourada com asas, chamada pomo de ouro. Do seu lado, uma linda garota loura de cabelos escorridos. No rodapé da foto se encontrava escrito “Abutres de Vratsa”.

Uma estante chamou a atenção de Hermione do outro lado da sala. Estava repleta de taças douradas, todas gravadas como nome de Krum. Uma vassoura preta fora pendurada na parede. A garota olhou de relance pela fresta da porta do quarto, que estava aberta e viu apenas uma cama com lençóis à fazer.

- Pronto. Não sou bom nisso, mas vai te ajudar a esquentar um pouco. – Victor lhe entregou uma xícara de chá logo que ela tornou a se sentar. Ele sentou também e fitou-a.

- Victor... - Hermione acomodou a xícara no colo e mexeu o chá com a colher durante um tempo, esperando esfriar um pouco. – Me desculpe por não ter respondido suas últimas cartas nas férias. – Olhou para ele. – Eu...meus pais estavam muito atarefados com seus serviços, e você sabe, eu mal posso passar meu tempo com eles, então me dediquei à ajuda-los. Você sabe... – Repetiu, ainda movimentando o líquido dentro da xícara. – ...trabalho de trouxa.

Victor a encarou e Hermione pôde perceber que ele não acreditara em sua história mal contada que acabara de inventar. Os olhos do garoto percorriam todo seu rosto, sem titubear.

- Por quê tem uma mancha roxa no seu rosto? – Finalmente perguntou.

- Mancha? – Hermione não entendeu. Colocou a xícara sobre a mesa e foi até a frente de um espelho que tinha percebido perto do armário velho. Viu um pequeno hematoma circular ao lado de seu olho. Mais embaixo, a pele um pouco escurecida dava a entender que logo surgiria outro. Engoliu em seco. – Deve ser o frio. – Voltou a se sentar e finalmente tomou um gole do chá.

- Está bom? – Victor puxou as mangas da camisa até os cotovelos.

- Sim. – Hermione sorriu. – E então? Como veio parar aqui? Não imaginava que tinha pretensão de dar aulas em Hogwarts.

- Porque não leu minha última carta.

- Por favor, Victor.  Foram só as duas últimas. Até então conversamos tanto.

- Você podia ter me respondido. – Victor curvou-se para frente, apoiando os antebraços nas coxas e entrelaçando os dedos.

Hermione corou com a proximidade.

- Fala a verdade. – Disse a garota, mudando de assunto após outro gole de chá. Já se sentia muito mais aquecida. – Dar aulas de quadribol em Hogwarts? Qualquer um que tem acompanhado o profeta diário nos últimos meses sabe como você está se dando bem no Abutres. Não estou entendendo essa história.

- Dumbledore é um grande homem, Hermione. – Ela adorava a forma como o búlgaro pronunciava seu nome. – Ele foi muito bom conosco durante nossa estadia em Hogwarts. Em algumas conversas com ele durante o torneio, eu disse que me sentiria honrado se no futuro, tivesse oportunidade de dar algumas aulas de quadribol aos iniciantes, passar minha experiência e essas coisas. Esse ano a professora teve alguns problemas e então Dumbledore me escreveu e eu resolvi aceitar, porque não?

- O pessoal do Abutres gostou da idéia? – Hermione esvaziou a xícara e colocou-a de volta sobre a mesa.

- Detestaram. – Victor riu. – Mas eu continuo treinando toda semana, pois só estou alguns dias em Hogwarts. Não me atrapalha em nada.

A forma como Victor estava sentado tão perto de Hermione a deixava tensa e ela sabia que ele percebia. O fato de ele continuar descontraído diante dela a deixava mais tensa ainda.

Victor tornou a fita-la. Hermione respirou mais rapidamente. Estava se sentindo extremamente vulnerável com aqueles olhares fortes. Procurou desesperadamente algo em que se agarrar para puxar assunto.

- Erm...e como estão as aulas?

- Boas. Os garotos me adoram. – Ele permaneceu olhando-a.

- Imagino. Ouvi a conversa de dois alunos seus outro dia, e eles o veneram. – Apertou as vestes pesadas contra si, como se fosse um refúgio contra a tensão do momento. As borboletas em seu estômago surgiram.

- Não é pra tanto. – Victor sorriu. Se aproximou um pouco mais de Hermione. – Posso ver? – Indicou a macha roxa em seu rosto.

Hermione não o respondeu. Victor se aproximou. Quando o garoto passou de leve um de seus dedos quentes sobre a pele arrocheada dela, seus rostos estavam à centímetros de distância. A garota prendeu a respiração por um momento.

- Já era para ter sumido se fosse pelo frio. – Ela sentiu seu hálito fresco.

- Eu...eu...não sei, porque... – Hermione sentia cada parte do seu corpo se arrepiar. Desviou o olhos dos de Victor. Ela percebia seu olhar em uma trajetória por todo seu rosto. Podia sentir sua respiração.

A porta da sala se escancarou em um baque que a fez saltar da cadeira.

- Professor, professor! Você não vai acreditar no que conseguimos fazer! – Os mesmos garotinhos que encontrara alguns dias atrás nas escadas estavam parados do lado de fora, com sorrisos de orelha a orelha e suas vassouras nas mãos.

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