Capitulo 1



Capitulo 1

                                               XXX--XXX

 


A sorte de Hermione Granger acabou com o estrondo da porta que se abria e deixava entrar o vento úmido de novembro, sacudindo os vidros por onde a chuva escorria.


 


Desviou os olhos da janela, de onde via as ondas escuras e agitadas do Atlântico fustigando as pedras da isolada ilha do Maine. Olhou sem interesse para a porta do restaurante, que também era o único bar, do único hotel, do único pedaço de rua desolada que se estendia pelo que podia ser chamado de vilarejo, naquele dia tão distante da alta temporada dos dias ensolarados de verão. Distante de tudo. E era por isso que estava ali, onde encontrara o desejado isolamento que desfrutara até agora.


 


E então, ele entrou.


Sentiu um baque no peito ao vê-lo na porta e piscou para empurrá-lo de volta à lembrança. Mas não: Harry James Potter entrava, sacudia a capa e pendurava num cabide.


 


Qualquer um, menos Harry, implorou, agarrando-se à caneca de café e relembrando a confusão em que sua vida se transformara. Por favor... Mas não havia quem a escutasse, e não adiantaria. Era ele. Reconheceu imediatamente o rosto bonito e másculo que gravara na memória e que era tão conhecido quanto o de qualquer astro de cinema cujas fotos, como as dele, aparecessem constantemente nos jornais.


 


E ela o conhecera pessoalmente. Aquele corpo esguio e musculoso se tornara conhecido por usar uma camisa do time de rúgbi de Yale no tempo da faculdade, pela dignidade inculcada mais tarde pelo título de Direito em Harvard, e pelas várias mulheres que se penduravam no seu braço. Naquela noite ou final de tarde — porque era difícil distinguir naquela região —, Harry vestia uma camiseta preta de mangas compridas e um velho jeans que transformavam seu corpo num poema, além de um par de botas que a ela pareceu incongruente.


 


Deveria estar fantasiado, porque sempre o vira desfilar displicente com as roupas mais elegantes e caras, na alta roda de Manhattan. Tirando isso, Harry poderia se confundir com as pessoas que circulavam vestidas da mesma maneira no local, enquanto ela pegara o café e fora se sentar no canto mais isolado do restaurante. Mas não. Duvidava que Harry Potter, algum dia tivesse se misturado aos outros. E isto fazia com que sentisse o coração querer saltar violentamente do peito. Ele era a soma de centenas de gerações de sangue azul, o que resultará em muito mais que apenas um homem extremamente bonito, de cabelos negros a olhos cor de chocolate.


 


Carregava a gloriosa história da família com fria indiferença, como uma arma que não precisasse sacar. A nobre elite de Boston e as estimadas famílias de pioneiros de Nova York temperavam sua origem e se deixavam ver na maneira como ele se comportava, na arrogância e no poder que dele emanavam e que faziam parte do seu corpo. Os venerandos antepassados de Harry haviam sido capitães de indústria, líderes e visionários, reis da filantropia e aguçados investidores. E trazia tudo isso em cada centímetro do seu lindo, musculoso e perigoso corpo.
 


Hermione sabia quem era ele, de onde viera e, por desgraça, viera do mesmo lugar. Também era seu pior pesadelo... E bloqueara sua única rota de fuga. Bom trabalho, Hermione, pensou, oscilando entre o desespero e a expectativa. Você sequer consegue desaparecer direito no fim do mundo. Mas não adiantava ficar histérica. Afundou-se na cadeira e puxou o capuz sobre o rosto, na esperança de que a tornasse invisível ou apagasse sua vida anterior. Desviou os olhos do solteiro mais cobiçado de Manhattan e voltou a olhar para o mar que fustigava a costa com sua força inexorável.


 


Provavelmente, não a reconheceria. Deixara Nova York há meses, sem dizer para onde iria, e não costumava ser vista em lugares quase abandonados como aquela maldita ilha, a milhares de quilômetros do mais próximo spa de luxo, usando o mínimo de batom e vestindo um jeans e um agasalho que servia de manto. Sem contar que cortara os longos cabelos louros, tingindo o que restara de preto na esperança de não ser reconhecida por quem cruzasse sua vida complicada e por fantasmas do passado.


 


Como Harry Potter, que desconfiava não ser do tipo que se deixava enganar facilmente, nem mesmo por ela, que ludibriara a todos por tantos anos. E não descobrira isto pessoalmente? Não era por isso que vê-lo ali a enervava?


Hermione tentou respirar compassadamente, como lhe ensinara o médico de Nova York. Respire. Harry não iria notá-la e, se notasse, não perceberia que era ela...


 


— Hermione Granger — disse ele, num tom que parecia acariciá-la. Teve a sensação de que tremia, embora não tivesse se mexido. Respire. Sabia que não iria conseguir...


 


Harry não esperou por um convite: sentou na cadeira do outro lado da mesa. Quando adquiriu coragem para fitá-lo, viu que nos seus olhos havia um brilho que temia identificar. Ele esticou as pernas sob a mesa, e ela precisou encolher as suas. Odiou ter a fraqueza de admitir que a perturbava. Maldito. Entre todas as pessoas, por que precisava ser Harry Potter? O que fazia ali? Fora o único que não conseguira enganar na época em que ainda eram uma causa perdida.


 


Por que tivera de ser ele? Fazia meses que ninguém sabia sequer o seu nome, e agora estava presa numa ilha, com um homem que sabia demais. E que sempre soubera. Era um dos motivos para ele ser perigoso para seu sossego. Poderia fingir que não o conhecia, dizer que não sabia quem era Hermione Granger, e não estaria mentindo. Poderia simplesmente negar a própria existência e com isso escapar ao seu peso. Em parte, era o que desejava com espantosa intensidade. Porém, não teve coragem e deu o sorriso superficial que aperfeiçoara para uso público. Já passara da adolescência quando alguém lhe disse que precisava sorrir também com os olhos, mas não acreditara...


 


— Culpada — disse alegremente, fingindo indiferença e ignorando a atração por aquele homem forte, másculo e cheio de energia. Agitou-se na cadeira, mas o seu rosto continuou impassível, vazio, como ele deveria esperar e como Hermione temia ser verdade.


 


— Foi o que eu soube. — Fitou-a com um ar inconfundível de desafio. Ou seria de desprezo? No momento, não sabia a diferença. — Não vi os paparazzi se espalhando como formigas pelo vilarejo, nenhum iate chegando à baía em meio à tempestade de novembro, não encontrei sequer um lugar frequentado por ricos ou entediados. Confundiu a costa do Maine com o sul da França?


 


— Prazer em vê-lo também — respondeu, como se não se importasse com o tom de deboche. E por que se importaria? Fora o que ouvira de todos, durante toda a vida. — Quanto tempo faz? Cinco? Seis anos?


 


— O que faz aqui, Hermione? — perguntou num tom que nada tinha de simpático ou educado, embora sempre fosse capaz de encantar a quem lhe aprouvesse... Já o vira em ação. Sabia exatamente o quanto podia ser charmoso.


 


— Uma moça não pode tirar férias? — perguntou preguiçosa, com falso bom humor, sabendo que não deveria deixar transparecer mais nada.


 


— Não aqui. — Harry apertou os olhos e ela fingiu não sentir a reação do próprio corpo. É só cautela, concluiu, mas sabia que não era verdade. — Aqui não há nada para você. Um armazém, este hotel, menos de cinquenta famílias. É tudo. Só há duas balsas por semana para o continente, e isso se o tempo permitir. — Um sorriso nervoso se formou na boca perfeita dele. — Não há motivo para alguém como você estar aqui.


 


— A hospitalidade — falou secamente, como se ele a recebesse de braços abertos. — É irresistível. — Ela se recostou na cadeira, sem saber por que um nó se formara no estômago e suas pernas estavam bambas. Conhecia-o desde criança. Cresceram no mesmo círculo brilhante e claustrofóbico dos milionários de Nova York, frequentaram as mesmas escolas e enfrentaram universidades de primeira linha. Haviam mantido o mesmo sorriso estudado e atraente, nas mesmas festas em Aspen, Hamptons, Miami e Martha's Vineyard.


 


Lembrava-se de ter esbarrado com Harry no esplendor dos vinte anos, em uma festa sofisticada numa praia de Hamptons, quando ainda não passava de uma adolescente, e se recordava de como o achara sofisticado e brilhante, e de como ele parecia ofuscar a claridade do sol. Parecera-lhe animado e simpático, tinha um sorriso devastador, era muito inteligente e amado por todos. Quando pensava em Harry Potter, era assim que se lembrava dele: brilhante, inegavelmente bonito, com um sorriso luminoso. Mas agora não via sinal daquele jovem, e trazia-lhe lembranças que ela não desejava revolver.


 


Lembranças do fim de semana que preferia esquecer, imagens em que aparecia mais velho, mais devastador do que gostaria de lembrar, que deixavam claro o perigo que representava com o seu calor, seu fogo, os olhos cor de chocolate que enxergavam profundamente, viam demais. A verdade é que a fascinara e depois assustara. Mas tudo isso fora antes. Antes que Hermione ressuscitasse, que tivesse uma segunda chance sem saber por quê. A chegada de Harry Potter caíra como se fosse uma bomba. Ele era incontrolável, impossível... E estas eram suas melhores qualidades


 


Ela se remexeu na cadeira, na posição lânguida e indiferente que assumia com facilidade e que correspondia ao que Harry esperava ver quando a olhava. Hermione costumava se adaptar às expectativas sociais facilmente, e muitas vezes se perguntara se esta seria sua única habilidade.


 


— Está disfarçada? — perguntou, num tom de voz. Macio que a arrepiou, olhando-a de um jeito que a fez ter vontade de se encolher. Mas Hermione se acomodou na cadeira e fez cara de tédio. — Ou está fugindo? Posso saber o tipo de fantasia que está encenando?


 


— Por que está tão interessado? — perguntou com uma risada. — Receia não ser incluído?


 


— Pelo contrário — retrucou secamente, como se o tivesse ofendido. Hermione se assustou, mas pensou que lembraria se o tivesse insultado. Não era o tipo de homem do qual se conseguia esquecer. Jamais.


 


— Ouvi dizer que o Maine era animado nesta época do ano. — Tentou evitar qualquer comentário corrosivo que ele pudesse fazer. Vindo de Harry, talvez não conseguisse suportar. Só de olhá-lo, sentia uma dor no peito. — Como poderia resistir? — Ela indicou a janela. O céu escurecera, as nuvens se fechavam, a chuva batia no vidro, enquanto as rochas suportavam o ataque furioso das ondas. Pensou que ele era como a chuva: um insulto frio e amargo, acrescentado à injúria.


 


— Você teve um ano e tanto, não teve? — disse compreensivo. — Foi o que me contaram.


 


Sentiu-se terrivelmente exposta e vulnerável. Havia assuntos que desejava evitar a todo custo, especialmente perto dele, depois do que acontecera da última vez. O pior é que não poderia contar a história real, defender-se. Ela precisara aceitar a ficção e o fato de que todos facilmente a viam como verdade. Por que doera tanto desta vez? Não fora diferente de qualquer outro escândalo... Porém, agora, não fora Hermione que inventara a ficção.


 


— Ah, sim — concordou, odiando-o e se odiando mais ainda. — Uma breve estada obrigatória no setor de reabilitação, e um tolo noivado desfeito. Obrigada por me lembrar. — O que ela poderia dizer? Não era eu: estava em coma, e alguém se fazendo passar por mim terminou o noivado. Difícil de acreditar. Sua vida já era uma novela sem precisar dos detalhes sangrentos e inacreditáveis. O mundo inteiro soubera que Hermione Granger, famosa por não passar de uma inútil festeira e de um enorme embaraço para a nobre família, desmaiara na porta de um elegante clube de Manhattan, numa noite, há 8 meses.


 


Graças ao esforço dos tabloides e às manipulações que sua família costumava fazer tão bem na mídia, o mundo também soubera o que acontecera a seguir. Havia sido internada por algum tempo numa clínica de reabilitação, e, depois de sair, desfilara por Manhattan de braços dados com o noivo, Theo, presidente da empresa de sua família, até que ele rompera o noivado e surpreendera a todos abandonando a direção da Granger Mídia. Claro que haviam culpado a inconstante e cruel Hermione.


 


Por que não? Durante anos, ofendera Theo em público. Era a vilã mais óbvia. O fato de nunca ter estado em reabilitação, de ter ficado dois meses numa cama de hospital, em casa, de ter se esperado que ela morresse, não teria dado uma história tão interessante ou previsível. Sabia que Jack, como os outros, jamais acreditaria na verdade, mas só podia se culpar por isso.


 


— Já não causou problemas suficientes? — perguntou como se adivinhasse o que ela pensava. Hermione percebeu que, se um dia alguém pudesse ler sua mente, seria ele. Jack balançou a cabeça com cansaço. — Não pense que vai me meter nas suas confusões. Parei de crer no seu tipo de jogo há muito tempo.


 


— Se é o que diz... — Ela combateu o impulso de sair correndo e fez uma cara de tédio. Toparia qualquer coisa para fugir do brilho crítico daqueles olhos que pareciam invadi-la e enxergar seus segredos mais sombrios, sua vergonha. Deus, como o odiava, mas preferiria morrer a deixar que soubesse o quanto a magoara. Jamais poderia dizer a ele por que estava ali, naquele fim de mundo, longe do continente, fustigada pelo vento, isolada por todos os lados pelo mar. Não poderia, nem saberia como dizer-lhe que acabara na balsa porque queria desaparecer ou se tornar tão invisível quanto se sentia.


 


Não saberia nem mesmo explicar a sensação de ter recebido uma miraculosa segunda chance na vida que antes se dedicara a estragar. Não para Harry, em quem ainda pensava como alguém brilhante, radiante e intocável, por mais que a observasse com aquele olhar duro e implacável e demonstrasse poder e autoridade.


 


Hermione jurara nunca mais se iludir e pretendia cumprir a promessa, mas não significava que deveria ter a mesma cortesia com ele. Além disso, mal conseguia reconhecer o pouco que restara de si, e sabia que, se lhe desse uma parte, por menor que fosse, poderia se destruir para sempre. Portanto, ofereceu o que ele esperava, o que conhecia. Sorriu misteriosamente, do jeito que aprendera a fazer para a imprensa: um sorriso que deixava os homens enlouquecidos, que exalava sexo, que permitia que todos projetassem suas fantasias nela, seus desejos e sonhos, enquanto permanecia vazia como uma tela em branco. Era a sua especialidade.


 


Encarou-o como se o que ele dissera não a tivesse atingido, como se tudo não passasse de um flerte, de uma espécie de jogo divertido entre os dois. Levantou as sobrancelhas e entreabriu os lábios sugestivamente. Provocou uma voz sexy. Era a fantasia que ela evocava de cor, sem ninguém perceber.


 


— Diga, Harry. Que tipo de jogo gosta de jogar?



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Ei pessoal espero que gostem.. adoro comentários hem.. 

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Comentários (3)

  • Minah

    Ameiiii!!! continua.

    2013-10-01
  • Pacoalina

    parece em interessante!aguardando o próximo capítulo!

    2013-09-29
  • r.ad

    Gostei do comço!!Espero que o proximo capitulo a gente fique sabendo mais sobre a historia!   

    2013-09-29
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