2 - O vidro que sumiu
– O vidro que sumiu.
– O vidro que sumiu? – Tiago disse olhando para Harry – Magia acidental?
– Talvez não tão acidental assim. – Harry respondeu constrangido.
Hermione, Gina, Rony e Neville riram antes de Sirius continuar lendo.
Quase dez anos haviam se passado desde o dia em que os Dursley acordaram e encontraram o sobrinho no batente da porta, mas a Rua dos Alfeneiros não mudara praticamente nada. O sol nascia para os mesmos jardins cuidados e iluminava o número quatro de bronze à porta de entrada dos Dursley, e penetrava sorrateiro a sala de estar que continuava quase igual ao que fora na noite em o Sr. Dursley ouvira a funesta notícia sobre as corujas.
Somente as fotografias sobre o console da lareira mostravam o tempo que já passara. Dez anos antes havia uma porção de fotografias de uma coisa que parecia uma grande bola de brincar na praia, usando diferentes chapéus coloridos, mas Duda Dursley não era mais bebê, e agora as fotografias mostravam um menino grande e louro na primeira bicicleta, no carrossel de uma feira, brincando com o computador do pai, recebendo um beijo e um abraço da mãe. A sala não continha nenhuma indicação de que havia, outro menino na casa.
– Que bom. – Lily disse satisfeita – Harry não deve mais estar lá. – Ela olhou para Harry e sorriu.
– Eu não ficaria tão esperançosa se fosse você. – Rony disse dando de ombros fazendo Lily ficar decepcionada.
No entanto Harry Potter continuava lá, no momento adormecido, mas não por muito tempo. Sua tia Petúnia acordara e foi sua voz aguda que produziu o primeiro ruído do dia.
— Acorde! Levante-se! Agora!
– É um jeito terrível de acordar uma criança – Alice disse observando Lily, Gina e Hermione ficarem com as bochechas coradas de raiva.
– Ela é um monstro! – Lily disse com lágrimas subindo aos olhos. Tiago segurou a mão de Lily e fez ela se sentir um pouco melhor. Snape ficou com raiva de Petúnia, estava deixando Lily infeliz, e sentiu ainda mais raiva da própria Lily que estava se deixando levar pelo Potter.
Harry acordou assustado. A tia bateu à porta outra vez.
— Acorde! – gritou.
Harry ouviu-a caminhar em direção à cozinha e em seguida uma frigideira bater no fogão. Virou-se de costas e tentou se lembrar do sonho em que estava. Era um sonho gostoso. Havia uma motocicleta. Tinha a estranha sensação que já vira esse sonho antes.
– Muito boa memória. – Remo disse acenando para Harry que sorriu constrangido.
A tia voltara à porta.
— Você já se levantou? — perguntou.
— Quase — respondeu Harry.
— Bem, ande depressa, quero que você tome conta do bacon. E não se atreva a deixá-lo queimar. Quero tudo perfeito no aniversário de Duda.
– Você tinha que cozinhar? – Tiago perguntou revoltado – Meu filho era tratado como um elfo doméstico!
Rony percebeu que Hermione estava prestes a falar dos direitos dos elfos domésticos e do F.A.L.E e impediu que a menina começasse.
– Ela começou a me fazer cozinha quando eu tinha uns 4 anos, – Harry disse ainda mais constrangido – o pior era quando eu quebrava alguma coisa ou queimava...
Tiago fechou a mão em punho e Lily segurou-a para acalma-lo. Sirius que também estava muito nervoso apertava o livro com força.
Harry gemeu.
— Que foi que você disse? — perguntou a tia com rispidez.
— Nada, nada...
O aniversário de Duda — como podia ter esquecido? Harry levantou-se devagar e começou a procurar as meias. Encontrou-as debaixo da cama e depois de retirar uma aranha de um pé, calçou-as.
Rony tremeu ao ouvir a palavra aranha. Sempre se esquecia que Harry havia sofrido daquela maneira.
Harry estava acostumado com aranhas, porque o armário sob a escada vivia cheio delas e era ali que ele dormia.
– O que? – Foi a vez de Lily gritar revoltada – Minha irmã obrigava você a viver em um armário sob a escada?
– Não era tão ruim... – Harry disse dando de ombros.
– Não era tão ruim? – Lily gritou com a voz esganiçada – Eu vou matar a minha irmã quando eu sair daqui! O que ela fez com você? – Lily completou deixando algumas lágrimas caírem.
Snape sentiu ainda mais raiva de Petúnia, ela estava fazendo Lily sofrer muito.
Já vestido saiu para o corredor que levava à cozinha. A mesa quase desaparecera tantos eram os presentes de aniversário de Duda. Pelo que via, Duda ganhara o novo computador que queria, para não falar na segunda televisão e na bicicleta de corrida. Para o quê exatamente, Duda queria uma bicicleta de corrida era um mistério para Harry, porque Duda era muito gordo e detestava fazer exercícios — a não ser, é claro, que envolvessem bater em alguém.
– Por favor, me diga que ele não batia em você. – Sirius disse irritado quase rasgando o livro.
O saco de pancadas preferido de Duda era Harry, mas nem sempre Duda conseguia pegá-lo. Harry não parecia, mas era muito rápido.
Talvez fosse porque vivia num armário escuro, mas Harry sempre fora pequeno e muito magro para a idade. Parecia ainda menor e mais magro do que realmente era porque só lhe davam para vestir as roupas velhas de Duda e Duda era quatro vezes maior do que ele.
– Não te davam nem roupas decentes? – Remo disse raivoso. E até Snape que se recusava a simpatizar com o garoto sentiu-se mal, ele sabia como era não ter roupas decentes para usar.
Harry tinha um rosto magro, joelhos ossudos, cabelos negros e olhos muito verdes. Usava óculos redondos, remendados com fita adesiva, por causa das muitas vezes que Duda socara no nariz. A única coisa que Harry gostava em sua aparência era uma cicatriz fininha na testa que tinha a forma de um raio. Existia desde que se entendia por gente e a primeira pergunta que se lembrava de ter feito à tia Petúnia era como a arranjara.
— No desastre de carro em que seus pais morreram — respondera ela. — E não faça perguntas.
– Nós não morremos em um desastre de carro qualquer. – Tiago disse revoltado – Um bruxo competente não morreria em um desastre de carro.
Não faça perguntas — esta era a primeira regra para levar uma vida tranquila como os Dursley.
– Mas se ele não fizer perguntas como vai aprender alguma coisa? – Alice murmurou nervosa
– Minha irmã gosta de fingir que eu não existo. – Lily disse infeliz – Ela provavelmente não queria falar sobre mim.
Tio Válter entrou na cozinha quando Harry estava virando o bacon.
— Penteie o cabelo — mandou, a guisa de bom-dia.
– Impossível. – Remo disse rindo – O cabelo dele é igual ao do Tiago, pentear é perda de tempo. – Harry ficou constrangido, mas Tiago passou a mão pelos cabelos bagunçando-os ainda mais.
– Se é para ficar bagunçado, que fique bagunçado de verdade. – Tiago cochichou para Harry ao perceber que ele estava olhando seus movimentos.
Mais ou menos uma vez por semana, tio Válter espiava por cima do jornal e gritava que Harry precisava cortar os cabelos.
Harry deve ter feito mais cortes que o resto dos meninos de sua classe somados, mas não fazia diferença, seus cabelos simplesmente cresciam daquele jeito — para todo lado.
Harry estava fritando os ovos na altura em que Duda chegou à cozinha com a mãe. Duda se parecia muito com o tio Válter. Tinha um rosto grande e rosado, pescoço curto, olhos azuis pequenos e aguados e cabelos louros muito espessos e assentados na cabeça enorme e densa.
Tia Petúnia dizia com frequência que Duda parecia um anjinho — Harry dizia com frequência que Duda parecia um “porco de peruca”.
Todos riram muito ao ouvir aquela comparação.
Harry pôs os pratos de ovos com bacon na mesa, o que foi difícil porque não havia muito espaço. Entrementes, Duda contava os presentes. Ficou desapontado.
— Trinta e seis — disse, erguendo os olhos para o pai e a mãe a — Dois a menos do que no ano passado.
— Querido, você não contou o presente de tia Guida, e aqui está um grandão do papai e da mamãe, está vendo?
— Está bem, então são trinta e sete — respondeu Duda ficando vermelho. Harry, percebendo que Duda estava preparando um acesso de raiva começou a engolir seu bacon o mais depressa possível caso o primo virasse a mesa.
Tia Petúnia obviamente também sentiu o perigo, porque na hora disse:
— E vamos comprar mais dois presentes para você hoje. Que tal fofinho? Mais dois presentes está bem assim?
– Esse garoto é tão mimado que nunca vai conseguir sobreviver no mundo real. – Frank disse sabiamente.
Harry tinha que concordar com Frank, mesmo que Duda tenha mudado muito no final, ele ainda era o garoto mais mimado que Harry jamais conhecera. Com exceção, talvez, para Draco Malfoy.
Duda pensou um instante. Pareceu um esforço enorme. Finalmente responde hesitante:
— Então vou ficar com trinta... Trinta...
— Trinta e nove, anjinho — disse tia Petúnia.
– Além de mimado é burro como uma porta. – Snape disse recebendo olhares surpresos de todos os presentes. Severo havia decidido não falar muito, não queria chamar muita atenção para si. Snape reparou que Harry olhava para ele de uma forma estranha, mas não fez qualquer comentário.
— Ah. — Duda largou-se na cadeira e agarrou o pacote mais próximo. — Então, está bem.
Tio Válter deu uma risadinha.
— O baixinho quer tudo a que tem direito, igualzinho ao pai. É isso ai, garoto! — e arrepiou os cabelos de Duda com os dedos.
Naquele instante o telefone tocou e tia Petúnia foi atendê-lo, enquanto Harry e tio Válter assistiam Duda desembrulhar a bicicleta de corrida, a câmara de filmar, um aeromodelo com controle remoto, dezesseis jogos de computador e um gravador de vídeos. Estava rasgando a embalagem de um relógio de ouro quando tia Petúnia voltou do telefone parecendo ao mesmo tempo zangada e preocupada.
— Más noticias, Válter a Sra. Figg fraturou a perna. Não pode ficar com ele. — e indicou Harry com a cabeça.
– Figg? – Tiago perguntou olhando para Sirius – Nós conhecemos uma família Figg, não é?
– Sim, – Sirius concordou pensativo – mas o que um deles estaria fazendo cuidando de Harry para os trouxas? Essa senhora Figg é trouxa? – Sirius perguntou para Harry.
– Sim. – Harry respondeu com simplicidade, não podia falar nada do que só descobriria posteriormente. Se fizesse comentários, tinham que se ater ao que já tinha sido lido.
– Eles tem um aborto na família, não tem? – Frank que também conhecia a família perguntou.
– Deve ser ela. – Tiago falou um pouco mais contente – Dumbledore deve ter posto ela lá para cuidar de Harry.
Duda boquiabriu-se de horror, mas o coração de Harry deu um salto. Todo ano, no aniversário de Duda, os pais dele o levavam para passar o dia com um amiguinho em parques de aventuras, lanchonetes ou no cinema. Todo ano deixavam Harry com a Sra. Figg, uma velha maluca que morava ali perto. Harry detestava o lugar. A casa inteira cheirava a repolho e a Sra. Figg lhe mostrava fotografias de todos os gatos que já tivera.
— E agora? — perguntou tia Petúnia, olhando furiosa para Harry como se ele tivesse planejado tudo. Harry sabia que devia sentir pena da Sra. Figg que quebrara a perna, mas não era fácil quando lembrava que ia passar um ano sem ter que olhar para o Tobias, o Néris, Seu Patinhas e o Pompom outra vez.
Alice sabia exatamente como Harry se sentia e não podia deixar de concordar que ver mil vezes as fotos dos mesmos gatos era infernal. Tinha uma tia-avó que mostrava fotos dos gatos para ela todo natal.
— Poderíamos ligar para a Guida — sugeriu tio Válter.
— Não diga bobagem, Válter, ela detesta o menino.
Com frequência, os Dursley falavam de Harry assim, como se ele não estivesse presente, ou melhor, como se ele fosse alguma coisa muito desprezível que não conseguisse entendê-los, como uma lesma.
— E aquela sua amiga, como é mesmo o nome dela, Ivone?
— Está passando férias em Majorca — respondeu Petúnia, com rispidez.
— Vocês podiam me deixar aqui — arriscou Harry esperançoso (ele poderia assistir ao que quisesse na televisão para variar e, quem sabe, até dar uma voltinha no computador de Duda).
Tia Petúnia parecia que tinha engolido um limão.
— E quando voltarmos, encontrar a casa destruída? — rosnou.
– Que exagero – Hermione disse exasperada – ele tem apenas dez anos, não conseguiria explodir a casa nem se quisesse.
Tiago, Sirius e Remo riram do que parecia ser uma piada interna.
— Não vou explodir a casa — prometeu Harry, mas os tios não estavam mais escutando.
— Talvez pudéssemos levá-lo ao zoológico — disse tia Petúnia lentamente — e deixá-lo no carro.
— O carro é novo. Não vou deixá-lo sentado no carro sozinho.
Duda começou a chorar alto. Na realidade não estava chorando, fazia anos que não chorava de verdade, mas sabia que se fizesse cara de choro e gritasse a mãe lhe daria o que quisesse.
— Dudinha, querido, não chore, mamãe não vai deixar ele estragar o seu dia! — exclamou abraçando-o.
– Acho mais fácil vocês estragarem o dia dele. – Alice disse irritada.
— Não... Quero... Que... Ele... Vá! — Duda berrou entre grandes soluços fingidos — Ele sempre estraga tudo! — E lançou um riso maldoso por entre os braços da mãe.
Naquele instante a campainha tocou.
— Ah, meu Deus, são eles chegando! — disse tia Petúnia nervosa um minuto depois, o melhor amigo de Duda, Pedro entrou acompanhado da mãe. Pedro era um menino magricela, com cara de rato. Em geral era quem segurava por trás os garotos enquanto Duda batia neles. Na mesma hora Duda parou de fingir que estava chorando.
Meia hora depois, Harry, que não conseguia acreditar em sua sorte, estava sentado no banco traseiro do carro dos Dursley, com Pedro e Duda a caminho do jardim zoológico, pela primeira vez na vida. O tio e a tia não tinham conseguido pensar no que fazer com ele, mas antes de saírem, tio Válter puxara Harry para o lado.
— Estou lhe avisando — disse, aproximando a cara grande e vermelha de Harry — Estou-lhe avisando, moleque, a primeira gracinha que fizer, a primeira, vai ficar preso naquele armário até o Natal.
– Eles estão realmente exagerando. – Remo disse encarando o livro com raiva.
– Eles têm medo de magia. – Lily disse triste – Eles nunca se deram ao trabalho de entender, por isso tem medo.
— Não vou fazer nada — disse Harry — juro...
Mas tio Válter não acreditou nele. Ninguém nunca acreditava.
O problema era que sempre aconteciam coisas estranhas à volta de Harry e simplesmente não adiantava dizer aos Dursley que não era sua culpa.
– Mas isso não tem desculpa. – Lily disse nervosa.
– Petúnia sabe que deve ser magia acidental – Snape disse sério.
– Você conhece a irmã de Lily? – Remo perguntou curioso.
– Nós morávamos perto quando éramos crianças. – Lily respondeu olhando para o antigo melhor amigo – Foi Severo que me falou que o que eu fazia era magia.
Uma vez tia Petúnia, cansada de ver Harry voltar do barbeiro como se não tivesse estado lá, apanhara uma tesoura de cozinha e cortara o cabelo dele tão curto que o deixara quase careca, exceto por uma franja, que ela deixou, para esconder aquela cicatriz horrorosa. Duda morrera de rir de Harry, que passou à noite acordado imaginando como que seria a escola no dia seguinte, onde já riam dele por causa das roupas folgadas e dos óculos emendados com fita adesiva. Na manha seguinte, porém, quando se levantou os cabelos estavam exatamente como eram antes de tia Petúnia cortá-los. Tinham-no deixado preso uma semana no armário por causa disso, apesar de sua tentativa de explicar que não saberia explicar como é que os cabelos tinham crescido tão depressa.
– Você realmente precisa inventar umas desculpas melhores. – Sirius disse para Harry rindo.
– Não tenho culpa, eu tinha apenas 8 anos. – Harry disse evasivo.
– Mas é uma magia acidental muito avançada. – Frank disse olhando para Harry admirado.
Outra vez, tia Petúnia tentara obrigá-lo a vestir um macacão velho de Duda (marrom com pompons cor de laranja). Quanto mais tentava enfiá-lo pela cabeça dele, tanto menor o macacão ficava, até que finalmente parecia feito para um fantochinho de dedo, e com certeza não ia servir para o Harry. Tia Petúnia concluiu que devia ter encolhido na lavagem e Harry, para seu grande alivio, não foi castigado.
– Era um macacão realmente medonho. – Harry disse lembrando-se com um ligeiro tremor.
– Se esse é o tipo de roupas que ela compra para o próprio filho, nem quero pensar em como ela te vestia. – Alice disse rindo
– Não era tão ruim, – Harry disse tímido – eu ficava apenas com as roupas largas. Mas eram bem normais. – Harry deu de ombros. Lily deu um suspiro, apesar de tudo que tinha passado Harry não reclamava de nada. Era um ótimo garoto.
Por outro lado, ele se metera numa grande encrenca quando o encontraram no telhado da cozinha da escola. A turma de Duda o estava perseguindo, como sempre, e tanto para surpresa de Harry quanto dos outros, ele apareceu sentado na chaminé. Os Dursley receberam uma carta muito zangada da diretora de Harry, contando que Harry andara escalando os prédios da escola. Mas só o que tentara fazer (conforme gritou para tio Válter através da porta trancada do armário) fora saltar para trás das grandes latas de lixo da porta da cozinha. Harry supunha que o vento devia tê-lo apanhado na hora em que saltou.
– Você aparatou? – Rony perguntou surpreso – Você nunca me contou isso!
– Eu não acho que tenha aparatado... – Harry disse nervoso – não sei o que aconteceu.
– Eu acho que você aparatou – Tiago disse olhando para Harry espantado.
– Mesmo que não tenha aparatado – Sirius disse olhando para Harry animado – foi uma tremenda magia acidental. Nem mesmo Tiago fez algo parecido.
– Uma vez eu fiz várias flores dançarem. – Lily disse feliz pensando em como havia se divertido com as flores até Petúnia gritar com ela.
– Eu apenas fazia as coisas flutuarem – Alice disse dando de ombros.
– Já fiz as roupas que minha mãe comprou para mim, desaparecerem. – Frank disse rindo – Eram roupas horrorosas.
– Fiz um lustre cair em cima de um dos convidados da minha mãe. – Sirius falou as gargalhadas. – Era um homem realmente chato, que me falava o tempo todo que eu precisava encontrar uma boa noiva de sangue-puro. Eu tinha só sete anos e o cara já estava tentando me casar com a neta dele.
– Eu também não fazia nada demais. – Remo disse entrando no assunto – Eu passava muito tempo lendo, então quando queria um livro que estava fora do meu alcance o fazia ir andando até onde eu estava.
– Fiz um dos meus ursos de pelúcia conversar comigo. – Hermione disse tristonha – Não tinha amigos antes de entrar em Hogwarts... – Rony passou o braço pelo ombro de Hermione fazendo-a se sentir um pouco melhor.
– Flutuei da janela da casa da minha avó até o chão. – Neville disse e recebeu palmadinhas de congratulação de seus pais.
– Meus irmãos não queriam me emprestar uma vassoura para eu jogar um pouco e eu estourei a porta do armário de vassouras. – Gina disse dando a língua para Rony.
– Mamãe me culpou por isso! – Rony disse revoltado e recebeu outra língua da irmã – eu fiz um caramujo inchar até ficar do tamanho da minha cabeça. – Rony disse gargalhando – Minha mãe ficou apavorada.
– E você Tiago? – Lily perguntou curiosa, aquilo estava divertindo ela.
– Meus pais davam muitas festas em casa para os amigos deles, e eram todos muito velhos e chatos – Tiago disse rindo – eu transformei todas as roupas de uma das mulheres em roupas de palhaço. – Todos da sala riram, até Snape teve dificuldade de esconder o riso.
Sirius esperou que Severo dissesse alguma coisa, como o garoto não contou uma magia acidental continuou a leitura.
Mas hoje nada ia dar errado. Valia até a pena estar em companhia de Duda e Pedro para passar o dia em outro lugar que não fosse à escola, o armário, ou a sala com cheiro de repolho da Sra. Figg.
Enquanto dirigia, tio Válter se queixava à tia Petúnia. Ele gostava de se queixar de tudo: das pessoas no trabalho, de Harry, do conselho, de Harry. O banco e Harry eram seus dois assuntos preferidos. Esta manhã eram as motocicletas.
– Que cara sem graça. – Sirius disse revirando os olhos – Motocicletas são legais.
— ... Roncando pelas ruas como loucos, os arruaceiros — disse, quando uma moto emparelhou com eles.
— Tive um sonho com uma motocicleta — falou Harry, lembrando-se de repente — Ela voava.
Tio Válter quase bateu no carro da frente. Virou-se para trás e gritou com Harry, seu rosto parecendo uma beterraba gigante e bigoduda:
— MOTOCICLETAS NÃO VOAM!
– A minha voa – Sirius disse dando língua para o livro. Severo achava um tanto ridículo conversar com o livro como se ele fosse uma pessoa.
Duda e Pedro deram risadinhas.
— Sei que não voam — respondeu Harry — Foi só um sonho.
Mas desejou que não tivesse dito nada. Se havia uma coisa que os Dursley detestavam mais do que as suas perguntas, era quando falava de coisas que faziam o que não deviam, não interessava se era sonho ou desenho animado, pareciam pensar que ele poderia arranjar ideias perigosas.
Tiago revirou os olhos para o livro, não precisava de desenhos animados para ter ideias perigosas.
Era um sábado muito ensolarado e o zôo estava cheio de famílias. Os Dursley compraram grandes sorvetes de chocolate para Duda e Pedro à entrada e, então, porque a mulher sorridente na carrocinha perguntara o que Harry ia querer antes que pudessem afastá-lo depressa dali, eles lhe compraram um picolé barato de limão. Não era ruim, Harry pensou, lambendo-o enquanto observavam um gorila que coçava a cabeça e se parecia demais com Duda, exceto pelos cabelos que não eram louros.
– As comparações do Harry são ótimas. – Alice disse em meio a gargalhadas.
Harry passou a melhor manhã que já tivera em muito tempo.
Cuidou de andar um pouco afastado dos Dursley, de modo que Duda e Pedro, que ali pela hora do almoço estavam começando a se chatear com os bichos, não recaíssem no seu passatempo favorito de bater no primo. Almoçaram no restaurante do zôo e quando Duda teve um acesso de raiva porque seu sorvetão não era bastante grande, tio Válter comprou-lhe outro e deixou Harry terminar o primeiro.
Depois Harry achou que devia ter adivinhado que estava bom demais para durar muito tempo.
Terminado o almoço foram visitar o alojamento dos répteis.
Era fresco e escuro ali, com quadrados iluminados ao longo das paredes. Por trás dos vidros, rastejavam e deslizavam em pedaços de pau e em pedras todos os tipos de cobras e lagartos. Duda e Pedro queriam ver as enormes cobras venenosas e as grossas pítons que esmagavam um homem. Duda logo encontrou a maior cobra que havia. Poderia dar duas voltas no carro de tio Válter e amassá-lo até reduzi-lo ao tamanho de uma lata de lixo, mas naquela hora ela não estava disposta a fazer nada. Na realidade, estava dormindo a sono solto.
Duda parou, o nariz comprimido contra o vidro, observando as espirais marrons e reluzentes.
— Faz ela se mexer — choramingou para o pai. Tio Válter bateu no vidro, mas a cobra no se mexeu.
— Faz outra vez — mandou Duda. Tio Válter bateu no vidro com os nós dos dedos, mas a cobra continuou dormindo.
– Eu também ia continuar dormindo se a outra opção fosse olhar para a sua cara. – Sirius disse para o livro.
— Que chato — queixou-se Duda. E saiu arrastando os pés, Harry veio se postar na frente do tanque e estudou a cobra com atenção. Não se admiraria se a própria cobra morresse de tédio. Não tinha companhia a não ser aquela gente idiota que batucava no vidro, tentando incomodá-la o dia inteiro. Era pior do que ter um armário por quarto, onde a única visita era a tia Petúnia esmurrando a porta para acordá-lo, mas ao menos ele podia visitar o resto da casa.
– Como você consegue ser tão bondoso depois de tudo que você sofreu? – Lily perguntou passando a mão pelos cabelos de Harry. Harry se aconchegou com o afago.
A cobra inesperadamente abriu os olhos, que pareciam contas.
Devagarinho, muito devagarinho, levantou a cabeça até seus olhos chegarem ao nível dos de Harry.
E piscou.
– Isso não é um comportamento normal para cobras. – Tiago disse espantado.
Harry arregalou os olhos. E olhou depressa a toda volta para ver se havia alguém olhando. Não havia. E retribuiu o olhar da cobra, piscando também.
A cobra acenou com a cabeça na direção de tio Válter e de Duda, depois levantou os olhos para o teto. Lançou um olhar a Harry que dizia com todas as letras:
— “Isso é o que me acontece o tempo todo”.
— Eu sei — murmurou Harry pelo vidro, embora não tivesse muita certeza se a cobra poderia ouvi-lo — deve ser bem chato.
– Você estava conversando com a cobra. – Sirius olhou para Harry assombrado. Harry não disse nada.
A cobra concordou com um aceno de cabeça enfático.
— Mas de onde é que você veio? — perguntou Harry.
A cobra apontou com o rabo uma placa próxima ao vidro.
Harry espiou.
— Boa Constrictor, Brasil, era bom lá?
A jibóia apontou novamente a placa com o rabo e Harry leu:
“Este espécime nasceu em cativeiro”.
— Ah, entendo, então você nunca esteve no Brasil?
A cobra sacudiu a cabeça, mas um grito ensurdecedor atrás de Harry fez os dois pularem:
— DUDA! SR. DURSLEY! VENHAM VER ESSA COBRA! VOCÊS NÃO VÃO ACREDITAR NO QUE ESTÁ FAZENDO!
Duda veio bamboleando até onde o amigo estava o mais depressa que pôde.
— Cai fora — falou dando um soco nas costelas de Harry.
Apanhado de surpresa, Harry caiu com força no chão de concreto.
O que se passou em seguida aconteceu tão depressa que ninguém viu como foi: num segundo, Pedro e Duda estavam encostados no vidro, no segundo seguinte, estavam saltando para trás soltando uivos de terror.
– Uau. – Remo disse espantado, – fazer o vidro desaparecer foi um bom castigo para ele. – Lily olhou para Remo com desaprovação, Lupin apenas deu de ombros, afinal era um maroto também.
Harry sentou-se e parou de respirar: o vidro da frente do tanque da jibóia tinha sumido. A grande cobra se desenrolou depressa e escorregou pelo chão, as pessoas no alojamento dos répteis gritaram e começaram a correr para as saídas.
Quando a cobra passou rápido por ele, Harry poderia jurar que uma voz baixa e sibilante tinha dito: "Brasil, aqui vou eu... Obrigado, amigo”.
– Você é um ofidioglota! – Sirius disse em tom acusatório. Harry encolheu-se sob o olhar do padrinho. – Apenas bruxos das trevas são ofidioglotas!
– Isso não é verdade! – Hermione disse nervosa. – Ofidioglossia não é exclusividade de bruxos das trevas. É um dom passado na família.
– Meu filho não é um bruxo das trevas Sirius. – Lily disse afrontada.
– Mas é ofidioglota. – Sirius disse ainda nervoso.
– Sou. – Harry disse com clareza. – Mas não sou um bruxo das trevas. – Harry disse ofendido e algumas centelhas prateadas saíram de sua varinha.
O zelador do alojamento dos répteis ficou em estado de choque.
— Mas o vidro — ele não parava de repetir, — para onde foi o vidro?
O diretor do zôo em pessoa preparou uma xícara de chá forte para tia Petúnia enquanto se desculpava mil vezes.
Pedro e Duda só conseguiam balbuciar. Pelo que Harry vira, a cobra não fizera nada a não ser fingir abocanhar os calcanhares deles quando passou, mas quando chegaram finalmente ao carro do tio Válter, Duda estava contando que a cobra quase lhe arrancara a perna a dentadas, enquanto Pedro jurava que a cobra tentara apertá-lo até matar. Mas o pior de tudo, pelo menos para Harry, foi Pedro ter se acalmado o suficiente para perguntar:
— Harry estava conversando com ela, não estava, Harry?
– Garotinho filho de uma... – Sirius xingou e recebeu um olhar de reprovação de todas as meninas da sala.
Tio Válter esperou até Pedro estar longe da casa para brigar com Harry, Estava tão zangado que mal podia falar. Conseguiu apenas dizer:
— Vá... Armário,... Harry... Sem comida — antes de desmontar em uma cadeira e tia Petúnia ter que correr para lhe servir uma boa dose de conhaque.
Muito mais tarde, deitado no seu armário, Harry desejou ter um relógio. Não sabia que horas eram e não tinha certeza se os Dursley já estariam dormindo. Até que estivessem, ele não poderia se arriscar a ir escondido até a cozinha buscar alguma coisa para comer.
Vivia com os Dursley havia quase dez anos, dez infelizes anos, desde que se lembrava, desde que era bebê e seus pais tinham morrido naquele acidente de carro.
Lily apertou a mão de Tiago com força, doía nela pensar em como Harry sofreu durante esses dez anos. Harry acariciou os cabelos da mãe para consola-la.
Não conseguia se lembrar de ter estado no carro quando os pais morreram. Às vezes, quando forçava a memória durante longas horas em seu armário, lembrava-se de uma estranha visão: um lampejo ofuscante de luz verde e uma queimadura na testa.
– Luz verde como na maldição da morte? – Tiago perguntou a Harry confuso, como um bebê poderia ter resistido à maldição da morte?
– Duvido que seja. – Snape disse de seu canto. – Há outras maldições com a luz verde, Potter. É impossível sobreviver à maldição da morte.
– Você com certeza sabe tudo sobre isso, não é Snape? – Sirius encarou o garoto de cabelos oleosos com raiva. – Com o nariz enorme sempre metido com as artes das trevas.
– Sirius. – Remo chamou a atenção dele. – Continue lendo!
Isto supunha ele, era o acidente, embora não conseguisse lembrar de onde vinha toda aquela luz verde. Não conseguia lembrar nada dos pais. A tia e o tio nunca falavam neles e naturalmente tinham-no proibido de fazer perguntas. E não havia fotografias deles na casa.
Quando era mais novo Harry sonhara muitas vezes com um parente desconhecido que vinha levá-lo embora, mas isto nunca acontecera, os Dursley eram sua única família.
– Eu me pergunto o porquê. – Tiago disse olhando para Sirius e Remo. – Por que nenhum de vocês foi resgatar ele?
– Não sei. – Remo disse envergonhado. – Mas talvez o livro explique – Remo e Sirius olharam para Harry que confirmou que mais para frente eles saberiam o motivo de tudo isso.
Ainda assim, ele achava (ou talvez fosse só uma esperança) que estranhos na rua o conheciam. E eram estranhos muito estranhos. Um homenzinho de cartola roxa se curvara para ele uma vez quando estava fazendo compras com tia Petúnia e Duda. Depois de perguntar a Harry, furiosa, se ele conhecia o homem, tia Petúnia tinha empurrado os meninos depressa para fora da loja sem comprar nada. Uma velha amalucada toda vestida de verde uma vez acenara alegremente para ele no ônibus. Um careca com um longo casaco púrpura, chegara a apertar sua mão na rua um dia desses e em seguida se afastara sem dizer nada. A coisa mais estranha nessas pessoas era a maneira com que pareciam desaparecer no instante em que Harry tentava vê-los melhor.
– Você é famoso. – Tiago disse para si mesmo mais do que para os outros. – Famoso por algo que nem se lembra, famoso por algo que te fez infeliz. – Lily viu uma pequena lágrima se formar no canto do olho de Tiago e fez com que o menino deitasse a cabeça no ombro dela.
Na escola Harry não tinha ninguém. Todos sabiam que a turma de Duda odiava aquele estranho Harry Potter com suas roupas velhas e folgadas e os óculos remendados, e ninguém gostava de contrariar a turma do Duda.
– Deve ter sido uma infância muito infeliz. – Neville disse olhando para Harry com pena.
– Foi, mas não é hora de pensar nisso. – Harry disse levantando-se. – Estou com fome, por que não comemos alguma coisa antes do próximo capítulo? – Harry perguntou dirigindo-se à mesa e sendo seguido por todos os presentes.
Todos comeram em silêncio. Neville e Harry apenas aproveitavam a companhia dos pais, os outros pensavam em tudo que tinham lido.
– Quem vai ler agora? – Lily perguntou quando todos terminaram de comer e estavam de volta aos seus lugares.
– É minha vez. – Gina disse pegando o livro de Sirius. – Capítulo III – As cartas de ninguém.
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Os agradecimentos desse capítulo vão para: Luiza Snape, Clenery Aingremont e Bia.malfoy muito obrigada pelos comentários, eles fizeram meu dia mais feliz e me deram animo para continuar escrevendo.
Clenery Aingremont: Li algumas fics com essa proposta e a maioria era muito parecida, fico feliz em estar conseguindo dar meu próprio tom à fic.
Espero que gostem desse capítulo, por favor comentem e me deixem saber o que acham.
Até o próximo!
Comentários (7)
Perfeito! Eu amo esse capítulo, porque às vezes as pessoas não notam o quanto o Harry sofreu na casa dos Dursleys. Adoro quando a Lily da uma de "mãe-super-protetora", porque eu acho isso muito fofo. Desculpe não ter falado muito, é só que não tem muito o que adicionar. Amei o capitulo!
2017-03-05Mesmo que o Snape esteja tendo sentimentos ruins em relação ao Tiago e ao futuro da Lilian, isso é algo bom, por que isso talvez faça ele reconsiderar a escolhas que ele vai fazer
2016-05-19Estou adorandoparabens
2014-02-26muito bom, vou continuar lendo
2014-01-18Continua!!! A fic está legal!!!
2013-10-13Continua!!! A fic está legal!!!
2013-10-13Não gostei do Sirius acusando o Harry desse jeito. Não é justo! Harry nem teve a escolha se poderia ou não se tornar ofidioglota. Mas, enfim! Vamos ver como será daqui para frente...
2013-10-10