Capítulo único - O Homem e a C
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Ele passou pela porta com o coração na mão. Sabia o que encontraria pela frente, mas precisava ver com seus próprios olhos. Assim que olhou para a escada, viu o corpo de James caído. Aquilo era um mau sinal. Péssimo sinal. Ele queria sentir pena de James, queria se sentir mal, mas não sentia. Ele estava mais preocupado com outra pessoa.
Subiu as escadas vagarosamente, olhando para os destroços. Fotografias jogadas no chão, quadros caídos, papéis rasgados e espalhados. O corpo dele começava a tremer. A cada passo que ele dava, o medo tomava conta dele. Justo ele, que era um homem que nunca sentiu medo. Juntou-se ao maior bruxo das trevas que aquele mundo já conhecera, e ainda o enganou. Aquilo sim era para ter medo, mas ele não tinha. Seu único medo era perder a única pessoa que ele amou durante toda a sua vida.
E assim que chegou à porta do quarto, as forças que ele tinha foram todas embora.
“Este Romeu está sangrando Mas você não pode ver seu sangue Não é nada além de sentimentos Que este velho sujeito abandonou”
Ele se escorou na parede, olhando para o corpo dela no chão. Um bebê chorava em seu berço, mas ele não parecia ouvir. Escorregou até o chão, e se sentou, chorando. Ele nunca havia chorado, nem mesmo quando era criança. Era uma coisa para ele se sentir um idiota, mas não sentia. A tristeza e a angústia tomavam conta dele.
Arrastou-se até o corpo caído no chão, e encarou o rosto de sua amada. Parecia calmo e sereno, assim como ela foi a vida inteira. Era uma coisa horrível de se ver. Uma mulher que sempre foi tão forte, tão boa, estava morta. Aos prantos ele a pegou em seus braços, sem força para levantar. Olhou bem para o rosto dela, e chorou ainda mais. Os olhos fechados, o coração doía por saber que ele nunca mais veria aqueles olhos lindos.
Sentiu-se o pior dos homens por ter feito tudo o que ele fez. Eles poderiam ter sido amigos, ele poderia ter passado mais tempo com ela. Mas a raiva e o orgulho o proibiram de fazer isso. Fechando os olhos e imaginando o amor da sua vida, ele chorou abraçado ao corpo dela.
“Tem chovido desde que você me deixou
Agora estou me afogando na enchente
Sabe, sempre fui um lutador
Mas sem você, eu desisto.”
O bebê chorava sem parar. Voltando a si ele respirou fundo meio aos soluços. Colocou o corpo dela cuidadosamente no chão, e ajeitou suas mãos por cima do corpo, para que parecesse que ela estava dormindo. Com muita dificuldade ele se recompôs. Foi até o bebê e o encarou. Queria muito ter ódio daquela criança. Queria muito não ligar se ele estava órfão e provavelmente seria uma das crianças mais conhecidas do mundo bruxo. Mas não conseguia. Olhava para aquele bebê e inevitavelmente ele pensava em Lily.
- Você... Tem os olhos dela. – Ele disse ainda soluçando. A criança parecia se acalmar ouvindo a voz dele. Ele tentou tocá-lo, tentou pegá-lo, mas isso era demais.
“Não consigo mais cantar uma música de amor do jeito que ela deveria ser cantada. Bem, acho que não sou mais tão bom, mas querida, sou apenas eu.”
Rapidamente ele se virou, deixando a criança sozinha. Antes de olhar pela ultima vez para Lily, ele saiu. Não poderia ser visto naquele lugar, e ele sabia que logo alguém chegaria. Aparatou para o primeiro lugar que lhe veio na mente, e para a única pessoa que sabia quem ele realmente era.
- Eu pedi para que os protegesse. Eu pedi! – Ele disse chorando.
- Eles confiaram na pessoa errada, Severo. – Dumbledore disse olhando pela janela. Estava tão magoado quanto Snape.
- Como vou fazer agora? O que eu faço da minha vida?
- Faça o que sempre fez durante esses anos. Continue seguindo sua vida.
- Você sabe que não é fácil assim.
- Você a ignorou durante todos esses anos. Se recusou a ir em seu casamento, e não respondeu nenhuma carta.
- Você sabe muito bem porque fiz isso! – Ele dizia com raiva.
- Eu sei, eu te entendo.
- Então como me pede para continuar com isso? Eu a amava!
- Claro que amava, mas infelizmente não podemos fazer mais nada... Apenas... Cuidar do garoto.
- Não me peça para fazer isso! – Ele respondeu andando até ele. – Você sabe que eu não suportaria.
- Você terá que fazer um esforço. Ele tem os olhos dela.
- Sabe que eu não conseguiria olhar para ele.
- Não precisa olhar para ele... Apenas ajudá-lo.
Um silencio permaneceu na sala, e Dumbledore entendeu aquilo como um sim.
- Ninguém, pode saber disso! Ninguém! – Foi sua ultima palavra, antes de se virar com raiva e sair.
“Te amo, querida, sempre
E estarei lá, por toda eternidade, sempre.
Se você me dissesse para chorar por você, eu poderia
Se você me dissesse para morrer por você, eu morreria.
Olhe para o meu rosto
Não há preço que eu não pague
Para dizer estas palavras a você.”
Olhando as cartas que ela havia lhe enviado, ele chorou. Sua sala era escura e silenciosa, do jeito que ele gostava. Ali ele poderia ser ele mesmo, sem precisar se esconder atrás de um jeito estúpido.
As cartas molhadas com suas lágrimas acabaram ficando como seu coração. Amolecido, e sem vida.
Xx
- Ele é tão arrogante quanto o pai! Se acha o melhor de todos! – Snape entrou na sala de Dumbledore, com raiva.
- Você sabe que ele só é assim porque você quer vê-lo assim.
- Mas é verdade! Ele é igualzinho ao pai.
- Tenho certeza que se você se esforçar, verá que ele tem também muito da mãe.
- Nunca terá. Lily nunca foi assim. Por isso ainda tento entender porque ela se casou com aquele...
- Snape, você não precisa gostar dele. Você precisa apenas protegê-lo.
- Ele não precisa de proteção. O Lorde das Trevas se foi...
- O Lorde das Trevas irá retornar, e creio eu que o mais breve possível.
- O que quer dizer com isso?
- Nada de mais, apenas pensei alto. Só quero que continue cumprindo a promessa que me fez. Vai continuar protegendo ele. Não se preocupe, ele não vai saber disso.
Snape soltou um suspiro de indignação, e com raiva, saiu da sala.
“Agora as fotos que você deixou para trás
São apenas lembranças de uma vida diferente
Algumas que nos fizeram rir
Algumas que nos fizeram chorar
Uma que fez você ter de dizer adeus”
Os anos se passaram e a raiva que Snape tinha de Harry apenas aumentava. Ele sabia que não era raiva de verdade, mas ele simplesmente não conseguia gostar do garoto, por se parecer tanto com James.
- Mandou me chamar? – Ele parou na porta de Dumbledore.
- Sim. – Dumbledore cobriu sua mão, que estava estranhamente escura.
- Se for para cuidar disso, eu já disse que você precisa...
- Não é sobre a minha mão que eu quero falar. – Dumbledore abriu a gaveta e tirou uma pequena pedra de dentro. – Você sabe que confio muito em você, não é Severo?
- Acho que se não confiasse, não me permitiria lecionar em Hogwarts, sabendo das minhas atuais circunstâncias. – Ele disse friamente.
- Claro. Por confiar em você, e por digamos assim, um humilde agradecimento pela sua lealdade, acho que você merece saber disso. – Ele colocou a pedra em cima da mesa. – Você sabe o que é isso?
- Posso ter uma ideia. – Ele disse mais manso, se aproximando da mesa.
- Talvez tenha sido uma das coisas que eu mais quis possuir em toda a minha vida. – Ele tocou na pedra. – Acho que você é inteligente o bastante para saber usá-la com cautela.
- Porque eu iria querer usá-la?
- Não sei... Talvez colocar a sua mente no lugar. Abrir o seu coração.
- Pessoas com o coração aberto são fracas.
- Talvez nem todas.
- Isso é um absurdo. Eu não preciso disso.
- Então, apenas guarde-a para mim por uns tempos. Na minha situação atual... – Ele apontou para sua mão. – Acho que não estará bem segura aqui.
Snape suspirou e então pegou a pedra da mão de Dumbledore.
- Posso ir? – Ele colocou a pedra no bolso.
- Claro... E Snape. – Ele o chamou, e Snape se virou para olhá-lo. – Apenas três vezes.
Snape virou os olhos e então continuou andando. Não teria que dar aulas naquela tarde. Encontrou com Harry, Rony e Hermione no corredor, e os encarou, com olhar desconfiado. Hermione e Rony desviaram o olhar, mas Harry o encarou. Tão arrogante quanto o pai; Pensou Snape.
- Algum problema, Potter?
- Nenhum, senhor. – Ele enfatizou a ultima palavra como um deboche.
- Nem mesmo o Eleito é capaz de tirar notas suficientes para passar de ano Potter. Sugiro que você e seus amigos estudem para o teste de amanhã, ao invés de ficarem se gabando por aí.
Dizendo isso Snape continuou andando pelo corredor. Entrou em sua sala e fechou a porta e as cortinas. Apenas as luzes das velas iluminavam a sala. Tirando a pedra do bolso, Snape a colocou em cima de sua mesa, e então se sentou. Sentia-se ofendido com Dumbledore achando que ele precisava daquilo. Ele definitivamente não precisava. Havia fechado o seu coração há muito tempo, e não precisava de nada que fosse fazê-lo se amolecer.
Ele iria provar que não precisava de nada disso. Pegou a pedra rapidamente, e a virou em sua mão três vezes. Fechou os olhos imaginando sua amada, e então abriu os olhos. Sentiu um arrepio em seu corpo, e então olhou para o lado. Ali estava ela, sorrindo para ele, do mesmo jeito que fez durante toda a sua vida.
Snape não sabia que aquilo mexeria tanto com ele, a ponto de seu coração disparar, e ele se lembrar de que tem um coração.
- Você... Parece feliz... – Ele disse em tom baixo, com medo de alguém escutá-lo. Sentia-se um idiota falando com um fantasma.
- Eu estou bem Severo. – Ela disse com sua voz angelical, e ouvir o seu primeiro nome da boca dela, fez com que seu corpo inteiro se arrepiasse. Tentando manter a postura, ele continuou sentado olhando para ela. – Sei que você o odeia Severo. Não te culpo por isso. Mas não seja tão duro com ele. Harry é um garoto maravilhoso, e tenho certeza que se você der uma chance...
- Eu não esperava que fossemos conversar sobre isso. – Ele disse rapidamente, parecendo bravo.
- Me desculpe... Eu só quero que saiba que eu sei de tudo que está acontecendo em seu coração. Eu sei que você não é essa pessoa amarga que demonstra ser para todo mundo.
Ele abaixou a cabeça, encarando o chão.
- Sei que você é melhor do que isso. Mas sei também que você não quer ser assim.
- Sim, eu não quero. Não quero sair por aí sorrindo para as pessoas, sendo um ótimo professor como Minerva, sendo bem humorado. Eu não sou assim. Eu não tenho sentimentos, eu não tenho felicidade. Não posso demonstrar coisas que eu não sinto.
- Claro que não.
Um silencio perturbador pairou no ar. Snape levantou sua cabeça e a encarou. Se levantou e então se aproximou dela.
- Eu queria que as coisas tivessem sido diferentes. – Ele disse com a voz calma.
- Teve um momento na minha vida, que eu te amei Severo.
Ouvir aquelas palavras fez com que o corpo dele tremesse. A vontade de abraçá-la e pedir perdão era demais. As lágrimas se formavam em seus olhos, mas ele não se permitiria chorar. Não depois de ter chorado tanto.
“O que eu não daria para passar meus dedos pelos seus cabelos Para tocar seus lábios, te abraçar. Cometi erros, sou apenas um homem.”
- Eu não queria que tivesse sido desse jeito. – Ele disse suspirando, com a voz tremula.
- Nem eu... Eu quis que você fizesse parte da minha vida, mesmo depois de tudo. Eu sabia que você era orgulhoso demais para aceitar isso. – Ela olhou para as cartas em cima da mesa.
- Eu... Me... Me desculpe. – Ele abaixou a cabeça, deixando as lágrimas caírem em seu rosto.
- Eu que tenho que te pedir desculpas. Por não ter retribuído o sentimento que você sentiu por mim. Você é uma ótima pessoa Severo. Uma pessoa maravilhosa. E você sabe disso. Você é forte, e querendo ou não, você é bom. Se arriscando para uma boa causa.
Ainda chorando, ele levantou a cabeça e a encarou. Ela sorriu para ele, e naquele momento ele quis, mais do que tudo, poder tocá-la.
- Eu só peço que você cuide do meu filho Severo. Proteja-o, não deixe que nada de ruim aconteça com ele.
- Tudo o que estou fazendo, é para a proteção dele. – Ele disse suspirando.
- Eu sei disso. E sou muito grata.
- Não sei se tudo isso que está acontecendo é real... Não sei se essa conversa é real... Como posso saber?
Lily olhou para a mesa dele, e então uma pequena flor apareceu. Snape andou até a mesa, e pegou a flor. Era tão real quanto ele.
- Não posso ficar com isso pra sempre. Não posso ficar assim... Ainda não estou recuperado por tudo o que aconteceu...
- Eu sei, e não peço para que continue com isso. Acho que essa conversa já basta para você saber que eu ainda gosto muito de você.
Snape pegou a pedra em sua mão, e então fechou os olhos.
- Eu te amo Lily. – Ele sussurrou.
Deixou a pedra cair no chão, e depois abriu os olhos. Lily não estava mais lá. Olhou para a flor em sua mão e então suspirou soluçando. Sentou-se pesadamente em sua cadeira, e voltou a chorar. Durante esses anos ele pensava que não choraria nunca mais. Pensava que estava emocionalmente fechado para qualquer tipo de coisa, mas ele estava errado. A dor ainda apertava o seu peito, ele ainda sentia saudades, sentia tristeza e angústia. Saber que a mulher da sua vida não estaria ao seu lado, saber que aquele sentimento e aquele amor só poderia ser sentido por ele.
- Então quando chegar a hora, o garoto deve morrer? – Ele perguntou para Dumbledore.
- Sim. – Ele respondeu rapidamente.
- Então... Fizemos tudo isso por nada? Você o criou como um porco para o abate.
- Não diga que você criou um afeto pelo garoto, então. – Dumbledore o encarou.
Snape o olhou e então pegou sua varinha do bolso.
- Expecto Patronum. – Ele sussurrou. Uma luz azul saiu de sua varinha, e então uma corça andou pela sala e logo depois desapareceu. Dumbledore olhou para ela, e depois olhou para Snape.
- Lilian. Depois de todo esse tempo?
Snape guardou sua varinha, e então encarou Dumbledore.
- Sempre.
Xx
No seu último suspiro, ele olhou para os olhos de Harry. O garoto parecia aflito, sem saber o que fazer. Snape finalmente sentiu o que não conseguiu sentir durante todos aqueles anos. Ele se parecia muito com Lily.
- Olhe pra mim. – Ele sussurrou. Harry o olhou, com lágrimas nos olhos, tentando fazer alguma coisa para que Snape não morresse ali. Mas não tinha muito que fazer. Com a visão começando a falhar, e a respiração diminuindo, Snape só pediu uma coisa: Que para onde quer que ele estivesse indo, ele pudesse ter Lily em seus braços.
- Você tem os olhos dela. – Ele disse forçando a respiração. Com um ultimo suspiro, a imagem de Lily veio em sua mente, e então, como se tivesse adormecido, ele fechou os olhos. O sonho era uma mulher em sua frente, segurando sua mão e sorrindo. Era Lily. E então ela disse: Tudo está bem agora.
“E te amarei, querida, sempre
E estarei lá por toda a eternidade, sempre
Estarei lá até as estrelas não brilharem mais
Até os céus explodirem e as palavras não rimarem
Sei que quando eu morrer, você estará em minha mente
E te amo, sempre.”
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