Sexto Capítulo



CAPÍTULO VI


 


 


 


Harry percebeu que Hermione se retirava, mas não a chamou de volta, embora a noite parecesse se fechar sobre ele na ausência dela. Que mais havia a dizer? Hermione fora bastante clara e sucinta. As acusações dela não eram novidade, mas tinha que admitir que se tratava da primeira pessoa a colocá-las em voz alta. Embora ciente das próprias falhas, era surpreendente a dor que sentia ao vê-las transformadas em palavras.  


 


Só não se desesperara graças ao pouco de controle que lhe restava. Isso, e sua mágoa latente da Srta. Hermione. O que a tornava tão perfeita, apesar das roupas sem graça, da atitude severa e dos cabelos misteriosos? Ela escondia algo também, desconfiava ele, mas naquele momento não nutria curiosidade alguma quanto a esse tópico.   


 


Recostando a cabeça, Harry suspirou. Só queria um sono revigorante, embora já não soubesse se seria possível, depois do embate, o pânico ameaçava dominá-lo, mas controlou a sensação. Deliberadamente, relaxou e forçou-se a pensar em algo além de Hermione, concentrando-se numa cama aquecida, e gradualmente sentiu a tensão baixar a um nível suportável.  


 


Levantou-se devagar. Podia ficar onde estava, dormindo a noite toda numa cadeira dura, e com certeza não seria a primeira vez. Entretanto, de algum modo, refutava a ideia de Hermione encontrá-lo ali, caído sobre a mesa pela manhã, como o fracassado incorrigível que o considerava. Embora ela tivesse deixado claro que achava que ele não tinha salvação, não queria lhe passar um atestado disso.   


 


Com um grunhido de irritação, colocou-se de pé. Não devia se incomodar com o que ela achava principalmente após o modo como ousara se dirigir a ele, mas mesmo assim sentia um incômodo no estômago, uma revolta contra aquelas palavras. Em hora Hermione estivesse certa, adoraria jogar as acusações de volta, adoraria encontrar uma forma de provar que ela estava errada.


 


 


Mas como? Mesmo que ele se transformasse miraculosamente num de seus irmãos diligentes e levasse o comboio em velocidade máxima ao País de Gales, sentia que Hermione não mudaria de opinião. Seria pouca façanha, e tardia. De qualquer forma, não podia mudar a si mesmo, àquela altura. Grunhindo contra a dor súbita àquela percepção, tomou a escada.    


 


Com passo só um pouco incerto, Harry alcançou seu pequeno quarto. Abriu a porta, entrou e fechou-a, recostando-se na madeira antiga e mantendo os olhos fechados contra a escuridão que o aguardava. Mesmo naquele estado precário, logo percebeu que não estava só. Imóvel, abriu os olhos e esquadrinhou o cômodo sob a fraca iluminação da lareira. Então, relaxou. Havia uma mulher na cama.


Tal evento não era tão incomum a ponto de surpreendê-lo, mas ali, naquela noite, após tudo o que acontecera, era espantoso. Apesar de tudo, seu coração disparava, levando sangue a todos os pontos de seu corpo, até que distinguiu os cabelos pretos sobre o rosto pálido. Sally. Emitiu um som áspero, a excitação momentânea desaparecida tão rápido quanto surgira, deixando-o frio e vazio.


 


Com um impulso, desencostou-se da porta e avançou, enquanto Sally sorria sedutoramente. A decepção era tão grande que ele nem queria reconhecê-la, quanto mais analisá-la. Passara uma vida aperfeiçoando a arte de ignorar o que não queria ver e tratou de colocar de lado tudo o que não interessava, lançando ao fundo do abismo, enquanto aproximava-se da cama.  


 


A visão de Sally desnuda, com exceção do cobertor estrategicamente estendido, era uma distração, mas não o excitou. Oh, ela era bonita a seu modo, e bem fornida, mas ele já não se entusiasmava com o jogo ganho muito facilmente. E a presença dela ali, após ele já a ter recusado, era manipulação demais para seu gosto. Seu quarto era um dos poucos lugares onde tinha o controle e não abriria mão dele por causa de uma viúva ardente, não importava o quanto ela fosse exuberante.


 


Na verdade, com a presença de Sally, ele se sentia vagamente como um garanhão posto para trabalhar à força. Não que ele não pudesse claro. Mas tinha seus padrões. Aproximou-se, o olhar fixo nas voluptuosas formas femininas.


 


--- Acho que está na cama errada — murmurou seco.


 


--- Com certeza, não — respondeu Sally lambendo os lábios como um gato vendo creme.


 


Para variar, Harry sentiu-se desconfortável representando seu personagem. Aquela camponesa acreditava que ele servia a qualquer mulher, como um animal reprodutor? De fato, podia ter pouca escolha em vários assuntos de sua vida, mas ainda decidia quem seria a felizarda a receber suas atenções na cama.


 


— Ah, temo que sim — afirmou, encarando-a.


 


Sally enrubesceu de raiva, recostando-se na cabeceira maciça da cama. De repente, a viúva dócil transformava-se em víbora implacável.


 


— Considera-se bom demais para mulheres como eu, não é? Bem, se acha que vai encontrar diversão em outro lugar, está enganado. Até eu vejo isso! — Qualquer traço da conduta submissa desaparecera.


 


Harry ergueu a sobrancelha, surpreso com a mudança na mulher que lhe apetecera antes. Ao menos, seus instintos valeram em relação a ela, pois a última coisa que queria era uma megera na cama. Se fosse esse seu desejo, teria convencido Hermione. Pelo menos, aquela era honesta. Vinha se comportando abominavelmente desde o começo e continuava assim, sem nenhum tipo de falsidade. Hermione não queria nenhum tipo de favor dele, ponderou acometido de uma sensação desagradável que ele se recusava a identificar como decepção.


 


— Não penso em encontrar diversão em nenhum outro lugar, mas obrigado pelo aviso.  


 


Sally desdenhou.


 


— Acha que sou burra? — questionou ela, e Harry absteve-se educadamente de responder. — Eu vi o jeito como a olha, mas é tolo por desejar aquela. Vai encontrar mais prazer aqui, comigo, do que jamais terá com a feiticeira.


 


Ela falava de Hermione. Harry voltou-se para ela devagar, incrédulo. Como aquela serva ousava insinuar que ele estava apaixonado por Hermione, dentre todas as pessoas? O que aquela simplória sabia sobre o que ele queria ou como se sentia? Ela não sabia nada sobre ele. Nada! Nem podia compreendê-lo.


 


E como ousava depreciar a mulher que ele escoltava? Embora não fizesse sentido, Harry novamente se dispunha a defender Hermione. Meneou a cabeça, incrédulo. O que havia nela que o instigava a defendê-la, sendo que ela não fizera nada para merecer tal lealdade? Pelo contrário, ela deliberadamente buscava seu desdém.


 


Harry encarou Sally, o olhar duro.


 


— Você está enganada — concluiu calmo. — É tarde, por isso, sugiro que procure sua própria cama.


 


Ela se levantou o cenho franzido, enrolada no cobertor. Devia estar mesmo nua, pensou Harry. Ela fora ao quarto dele só com aquilo? Embora sua reputação se baseasse em aventuras daquele tipo, sentia-se estranhamente inquieto com a ideia de vissem aquela criada saindo dali daquela forma. Daria uma falsa impressão, convenceu-se.


 


Sally chegava à porta.


 


— Muito bem. Eu o deixo com a sua bruxa Granger. Obviamente, ela lhe lançou um feitiço e agora não pode ver sua verdadeira forma!


 


Com isso, saiu fechando a porta com força. Qualquer um que estivesse ao alcance do som teria se assustado, pensou Harry. Então, grunhiu de desgosto ao recordar as acusações. Hermione era uma feiticeira, sim. Possuía poderes especiais, além da língua ferina. Não precisava de que o alertassem disso.


 


O problema era que ainda parecia desejá-la, apesar de tudo.


 


 


 


 


Hermione ouviu os sussurros assim que entrou no salão. Sempre prestava atenção ao que os outros diziam, para sua própria proteção, mas desta vez não falavam dela. Referiam-se ao lorde de Hogwarts, que teria se encontrado na calada da noite com uma certa residente de Hogsmeade.


 


Hermione convenceu-se de que não estava surpresa, pois tal comportamento combinava com sua opinião sobre Harry Potter. Entretanto, perturbava-se com a ideia de que ele fora pra cama com a criada, por um motivo que ia além da moralidade questionável. Ele procurara essa mulher após a discussão com ela? Ou já se recuperava da fatigante sessão de amor quando se falaram? Hermione sentiu náusea com a ideia. Embora tivesse sido áspera, ele merecera... tudo e mais... convenceu-se.


 


Mas a sensação persistia, como se o fato de Harry ter-se comportado promiscuamente numa reação às acusações dela o tornasse ainda mais desprezível. A ideia era ridícula, claro, e a desconsiderou com firmeza. Tais sentimentos deviam ser mantidos sob controle, e ela era hábil nisso. Mantendo-se alheia, protegia-se das visões que considerava inúteis e perturbadoras. Infelizmente, a cada dia era mais difícil manter a reserva.


 


Devido à morte do pai ou por qualquer outro motivo, as manifestações intuitivas que sempre tentara ignorar se repetiam mais fortes e com mais frequência. Bastava olhar para Harry e as sensações surgiam, embora não soubesse por que ele as provocava.


 


A mente era traiçoeira, como Hermione bem sabia, e a cada dia ficava mais apreensiva com aquela jornada desagradável. Obviamente, devia se fortalecer ou aceitar a situação, ou perderia toda a compostura que tanto lutava para manter.  


 


 


Como que para testar sua promessa, o tormento de Hermione entrou naquele momento, com uma tranquilidade e arrogância que não denunciavam o fato de ter ficado acordado até altas horas, bebendo e... em outras atividades noturnas. Se havia algo, era ele estar mais bonito do que nunca, e Hermione disfarçou a excitação diante dele. Não obstante, não conseguir desviar o olhar do homem. Até lembrar-se dos comentários. E sentiu o estômago revirar.


 


— Ah, vejo que meu lorde de Hogwarts não parece cansado esta manhã — comentou Rosa, risonha.  


 


— Como? — Hermione voltou-se para a serva.


 


— O que foi criança? — indagou Rosa, o tom gentil.


 


— Nada — disse Hermione. Se Harry Potter não passava de um sedutor vil, não era de sua conta.


 


— Estava pensando...


 


— Ah. Pensava nele, sim? — adivinhou a serva, rindo mais uma vez. — Ora, é um bom sinal. Mas ouvi dizer que uma jovem viúva foi o feliz objeto das atenções do lorde. Parece um desperdício, não?


 


Hermione tentou imitar o dar de ombros displicente de Harry, mas que lhe causou um repuxão dolorido.  


 


— A vida de Harry Potter parece um desperdício para mim — corrigiu séria. — Ele simplesmente não tem honra, como eu esperava, mas, desde que não prejudique nossa jornada, não me importo com o que ele faz ou deixa de fazer.


 


— Mesmo, senhora? — indagou Rosa, o tom estranhamente curioso.


 


Hermione estreitou o olhar, desconfiada.


 


— Sabe de alguma coisa que eu não sei?


 


— Sou uma serva humilde, senhora, e não possuo o dom de ver o futuro, mas, se a senhora se abrir para seus poderes Granger, em vez de ignorá-los, saberia muito mais do que eu.


 


— Não estou ouvindo — protestou Hermione e voltou-se desgostosa, mas Rosa agarrou-lhe o braço.


 


— Está negando sua herança, seu sangue, seu próprio ser — advertiu a serva, agora séria. — Isso não é saudável e não é sábio. Preste atenção ao seu coração, Hermione.


 


Hermione sentiu um pânico momentâneo antes de se recompor.


 


— Não — teimou, desvencilhando-se de Rosa. — Não é sábio colocar fé num monte de bobagens.


 


A criada deteve-se com o olhar sombrio e meneou a cabeça, enquanto murmurava algo sobre o destino se concretizar.


 


Hermione franziu o cenho. Se tinha algum destino, era o de voltar para casa e encontrar algumas explicações para o chamado do pai, seguido de sua morte. Mas, para tanto, tinha de convencer Harry Potter a deixar o jogo, a bebida e as mulheres e pegar a estrada. Podia usar um pouco de magia para conseguir o feito, pensou amuada, como transformá-lo num sapo e mandá-lo de volta para casa. O pensamento inocente provocou uma imagem audaciosa e Hermione prendeu a respiração. Rapidamente, reformulou o desejo para algo mais simples. Se ao menos conseguisse que ele atendesse a seu pedido. Divertiu-se com a ideia e sorriu, apesar de tudo.


 


Simplesmente, era péssimo que não tivesse esse poder.  


 


 


 


 


Contemplando as colinas arredondadas, os vales profundos e as florestas, Harry desejou estar em Hogsmeade, sentado diante do fogo, com os pés elevados e a taça de vinho na mão. Enquanto lá, sentira-se estranhamente insatisfeito ao dar continuidade a alguns de seus hábitos, aproveitando pouco o excelente vinho e as delícias preparadas pelos ótimos cozinheiros. E, considerando seu comportamento de monge, espantara-se ao saber que o castelo todo comentava sobre Sally e ele.


 


Normalmente, Harry apreciava tais comentários, mas a mentira o desagradava. Achava que aquela história o desfavorecia, embora dormir com a moça com certeza tivesse sido sua intenção original. Mesmo assim, um homem tinha o direito de mudar de ideia, não tinha?


 


Até ficara tentado a anunciar que não dormira com Sally, desconfiado de que ela tivesse se encontrado com um dos cavaleiros. Mas os resquícios de honra que ainda possuía o impediram de humilhar publicamente a mulher que se oferecera a ele. Assim, deixara Hogsmeade, sem conhecer os talentos da bela Sally na cama e convencido de que não se importava com o que os outros pensavam, incluindo Hermione. Principalmente Hermione, corrigiu-se, revoltado. Ela, com seus pedidos constantes para que se apressassem, era a responsável por estarem de volta à estrada. Logo Harry se arrependia de ter cedido. A neve derretia, transformando a trilha numa camada mole de terra meio congelada que exigia constantes paradas para desatolarem as carroças. Nunca vira condições de viagem tão ruins e só desejava desaparecer dali.


 


Harry já viajara muitas vezes, porém sempre acompanhado dos irmãos, deixando as decisões para aqueles que gostavam de tomá-las, enquanto bebia e observava a paisagem, dignando-se a lamentar quando qualquer dificuldade se apresentava. Agora, não adiantava só se lamentar, pois estava no comando, posição que assumia com pouco entusiasmo. Passara a vida poupando o máximo de esforço possível em qualquer empreitada, preferindo observar os outros, se tanto. Não gostava de pensar no que fazer em seguida, que estrada tomar, se deviam parar ou continuar, ou onde se abrigariam.


 


Ao contrário do irmão Fred, capaz de memorizar cada mapa que lhe caía sob os olhos, Harry nunca examinara nenhum detidamente. Desconfiava de que Ronald e Neville pudessem farejar o caminho até seu destino, enquanto que ele, evidentemente, não era capaz. Não sabia como se orientar pelos musgos e líquens nas árvores, nem quando nuvens encobriam as estrelas. Sendo assim, a cada encruzilhada sem tabuletas indicativas que surgia na estrada, ficava olhando e titubeando.


 


Finalmente, ela lhe sugeriu que, se não sabia o caminho, se informasse no próximo vilarejo, ou perderiam tempo viajando a lugar nenhum. Embora desgostoso ante a intromissão, Harry teve de concordar. Submetendo-se à maior das humilhações, perguntou a um estalajadeiro qual era o caminho. Como se já não fosse ruim o bastante sentir-se inapto à missão, ainda tinha de revelar a ignorância a um bando de idiotas e a seus próprios homens.


 


Não que se importasse com o que ela pensava. Harry enrijeceu o maxilar. Oh, como odiava a tarefa indesejável que lhe haviam confiado. Odiava o frio, a umidade, a lama. Mas, acima de tudo, odiava o olhar de Hermione. Não importava o que fazia bom ou mau, ela lhe dedicava à mesma expressão de reprovação. Sempre que se voltava, topava com Hermione e seu desdém externando o quanto o considerava abaixo de suas expectativas.


 


A mágoa era tanta que Harry sentia-se como uma panela deixada por muito tempo no fogo, já prestes a explodir. Muito raramente deixara alguém ou alguma coisa alterar seu humor, mas naquele momento Harry se motivava apenas por um desejo: arrancar aquele sorriso do rosto de Hermione. E sabia exatamente como fazê-lo. Colocando-a deitada de costas debaixo dele.  


 


Sim, Harry chegara à bizarra conclusão de que Hermione Granger, embora não tivesse nada que o atraísse, provocava-lhe uma certa.. agitação. Chegava a ser irônico um homem com sua reputação perturbada por conta de um desejo não correspondido. Se acreditasse em destino, o que não era o caso poderia até pensar em se conformar. Mas nem pensava nessa hipótese. Não aceitaria placidamente aquela situação absurda, frustrante e enlouquecedora.


Por que Hermione, dentre todas as mulheres no mundo? Ela não era voluptuosa nem terna nem suave, não apresentava nenhuma das qualidades desejáveis numa mulher. Hermione era fria, desumana, severa. Alertado pela manifestação de seu cérebro abaixo da cintura, Harry finalmente decidiu que se tratava de uma questão de predominância. Atraindo a moça, ele recuperaria o poder sobre ela, o objetivo maior... e também satisfação. Portanto, seu maior desejo era tê-la ofegante e se contorcendo, em contraste com aquela atitude rígida... e implorando por mais.  


 


Harry sorriu à simples ideia. Infelizmente, tinha tanta chance de que isso acontecesse quanto de ganhar asas e voar até o País de Gales, outra fantasia que apelava mais a cada minuto. Sem alternativa, tratou de ignorar Hermione e beber ao máximo, mas a cada dia se sentia mais pressionado que um nó. Teria bebido até o torpor durante a viagem também, se o trajeto não fosse tão difícil. Precisava de perspicácia para conduzir aquela comitiva.


 


Perspicácia e força corrigiu, durante nova investida para empurrar a carruagem colina acima, com os cavalos puxando pela frente. Mesmo acrescentando seus músculos ao dos demais homens, o carro não se mexeu. Com um gemido de frustração, desistiram e os animais marcaram passo enquanto o veículo escorregava, pouco a pouco, pela trilha enlameada.


 


Harry meneou a cabeça e emitiu uma praga.


 


— Basta! Avistei as ruínas de um castelo a menos de um quilômetro atrás. Montaremos acampamento lá por esta noite. Talvez pela manhã este lamaçal tenha secado o bastante para progredirmos.


 


Os homens suspiraram de alívio e começaram a reorganizar os cavalos. Harry observava a movimentação com satisfação. Ainda era cedo e poderia abrir um barril de vinho antes do jantar, acomodar-se junto ao fogo e...


 


Contemplando os arredores, reparou na única figura que se mantinha rígida e imóvel. Ao mesmo tempo, uma sensação familiar subiu-lhe a espinha.


 


--- Não... me... olhe... assim — advertiu Harry. Em vão. Hermione continuava de lábios franzidos e o desdém se derramava daqueles olhos castanhos infernais. — Tem algo a dizer? — indagou o maxilar e o corpo tensos.


 


Por um momento, ele pensou que ela fosse negar, mas finalmente ela se pronunciou num tom monótono e calculado, como se ele fosse um bobalhão incapaz de compreender o discurso mais simples.


 


— Entendo que não queria me escoltar, mas, quanto antes chegarmos, mais cedo verá sua tarefa cumprida. Não obstante, parece-me que sempre arranja uma desculpa para retardar a viagem. — Ela ficou ali, na expectativa, como se esperasse uma resposta.


Claro, ele retardava a viagem! De que adiantaria permanecerem atolados na estrada? Mas não discutiria com Hermione, principalmente experimentando aquela sensação no estômago que sempre surgia com a reprovação dela, como se o castrasse.


 


— E o que sugere que eu faça? — questionou, apontando para a carruagem atolada na subida do morro.


 


A Srtª. Hermione fez um gesto impaciente.


 


— Que dê a volta, ora!


 


— Dar a volta? — repetiu Harry. — Quer que deixemos a trilha e vaguemos por um terreno que provavelmente está pior, talvez acabando em algum pântano?


 


--- Mande um batedor na frente, então — disse Hermione.


 


Harry fitou-a calado. Naturalmente, podia mandar um batedor averiguar as condições do terreno em volta, mas para que se incomodar? Em toda a região, a terra devia estar tão amolecida quanto na trilha estreita que servia de estrada, se não pior. Para que se aborrecer mais? Mesmo assim, desconfiava de que seu irmão Ronald, se estivesse escoltando o comboio, teria ido ele mesmo na frente, encontrado um caminho e mapeado outra trilha de volta à estrada. Com as mãos atadas às costas e dois inimigos em seu encalço.


 


Harry, entretanto, não era como os irmãos, e nunca seria. Então, para que gastar energia, principalmente por aquela magricela? Deu de ombros, refutando as lamúrias em troca de um fogo acolhedor e uma taça cheia de vinho, mas a sensação no estômago o deteve. Antes que entendesse o que se passava, cedia:


 


— Pois bem, vamos dar a volta.


 


Para não dar a impressão de que obedecia a uma determinação de Hermione, comunicou a decisão aos homens, que reclamaram muito. Se esperara algum reconhecimento ou no mínimo um sinal de gratidão da parte da passageira, decepcionou-se. Demonstrando apenas aprovação, como se ele não fizesse mais do que a obrigação, assistiu à organização da nova estratégia.


 


Ao menos, ela alisara aquela testa permanentemente franzida, aliviou-se Harry. Como poderia esperar algo mais de seu fardo indesejado? Duas horas depois, Harry começou a imaginar o quanto estavam perdidos. Tentara se desviar para a rota original, mas o terreno se elevava, cada vez afastando-os mais da rota desejada. No momento, estavam novamente atolados num emaranhado de capim enlameado, cercados de carvalhos com galhos cobertos de musgo e com pouca esperança de campo aberto à frente. Sentindo muito frio, cansado e machucado, dois quilômetros antes percebera que sua serenidade usual o desertava.


 


 


Nunca deviam ter deixado à estrada. As rotas mais utilizadas levavam a vilas, pousadas e cervejarias, onde sempre havia outros viajantes capazes de informar sobre caminhos e abrigos... ou, no mínimo, apontar a direção certa. Entretanto, viam-se ali parados no meio do nada, com pouca esperança de progresso.  


 


E era tudo culpa dela, pensou Harry, lançando um olhar severo a Hermione, desafiando-a a lhe lançar aquele olhar de desdém. Deu ordem de parada.


 


— Vamos acampar aqui, se conseguirmos encontrar um lugar seco — decidiu, descalçando as luvas, enquanto os homens murmuravam de alívio.


 


Naturalmente, Hermione, que parecia ter a constituição mais forte do que a dos soldados, não demonstrou nenhuma satisfação. Acintosamente, deu as costas ao líder da comitiva, os ombros e o pescoço rígidos sob aquela touca ridícula.  


 


Por que ela mantinha a cabeça toda coberta? Teria alguma doença no couro cabeludo? Seria careca? Harry conhecera muitas mulheres na vida, mas nunca uma tão enigmática quanto Hermione Granger. Convenceu-se de que não se importava nem um pouco com os possíveis mistérios ocultos sob o belo semblante sempre impassível, mas com certeza apreciaria a oportunidade de fazer algo... qualquer coisa... para derreter toda aquela reserva enlouquecedora.


 


Quando Hermione passou por ele, Harry sentiu vontade de fazê-la tropeçar, para vê-la com o rosto na lama, ou talvez estatelada de costas... Oh, não era hora de pensar nisso. Podia ver-se dominado por algum desejo pervertido, comandado por seu cérebro abaixo da cintura, o que abominava, assim como abominava tudo naquela mulher.


 


Não a faria tropeçar, decidiu. Seria muito grosseiro. Mas, se não podia arrancar o desdém do rosto dela, podia ao menos tentar abalar um pouco aquela dignidade infernal. Assim, quando ela acabou de passar, estendeu a mão e lhe arrancou aquela touca odiosa da cabeça.


 


Ela não gritou, para seu desapontamento. Apenas se voltou espantada e com um olhar ameaçador, que foi um prazer para Harry. Ela estendeu a mão, querendo recuperar a peça, mas Harry a mantinha bem segura, olhando curioso para a cabeça que revelara... Também ficou espantado.


 


Ele esperara ver cachos curtos ou, no máximo, uma cabeleira feia para combinar com a personalidade de Hermione. Mas deparava com longas tranças de cabelos num degradê com todas as tonalidades de castanho, caindo sobre os ombros em ondas brilhantes. Mechas douradas e amarelas como o sol e outras castanho como chocolate, caindo até a cintura como um rio de luz.  


 


 


 


Abruptamente, Harry não se sentia mais enregelado, cansado e machucado, porém excitado, e num nível espantoso. Inativo havia algum tempo, não estava preparado para a onda de sangue quente que o assolou.


 


— Satisfeito? — indagou ela, retomando a expressão impassível, embora os olhos castanhos brilhassem de indignação.


 


Céus, não! Ele não estava satisfeito. Imaginava inquieto, se um dia se satisfaria novamente. Atônito, continuava contemplando a moça esguia que, de repente, se transformava diante de seus olhos, de magricela sem graça e comum na mulher mais bonita do mundo. Desejava-a, não com o ardor indireto e vago que o assolava havia dias, mas sim com uma paixão repentina e intensa, que lhe tirava o fôlego e o entontecia. Não importava que Hermione ainda lhe dedicasse uma expressão de ultraje e ódio. Na verdade, naquele momento Harry considerava todo aquele desprezo ainda mais interessante.  


 


Sim. Erguendo a mão, tentou tocar naqueles cabelos maravilhosos, mas Hermione avançou para arrebatar a touca e... o que se viu em seguida foi uma confusão de braços e pernas despencando ao chão. Totalmente desequilibrados, os dois haviam caído para trás. Harry se preparou para absorver a força do impacto antes de rolar para o lado. E, então, contra toda a probabilidade, tinha Hermione bem onde a queria. Debaixo de seu próprio corpo.  


 


E a sensação se revelava muito mais prazerosa do que ele imaginara ou esperara. Com a tranquilidade de quem já tinha muita experiência, ele se instalou entre as coxas dela, meio afastadas, e gemeu deliciado. Lembrando-se de que estavam ao ar livre, diante de toda a comitiva, a custo controlou-se para não se insinuar mais. Como não era nenhum garoto destreinado, logo se recuperou o bastante para encarar Hermione e o que viu foi ainda mais chocante do que a cabeleira castanho-claro dela.


 


Desejo. Aqueles olhos castanhos magníficos se obscureciam de desejo, assemelhando-se a um mar revolto. Sem se deter para questionar o que via, Harry tomou nas mãos o lindo rosto, mantendo-o firme até seus lábios se encontrarem.


 


Não foi um beijo sedutor, planejado para cortejar e satisfazer, mas para punir, para conquistá-la e para testar a estranha atração que ela exercia. Embora pouco antes afirmasse a si mesmo que seu fardo magricela nunca o excitaria, assim que a beijou, inflamou-se. Talvez a animosidade abastecesse a chama, mas Harry tinha a impressão de que nunca beijara com tanta satisfação.


 


Hermione prendera a respiração e Harry agora se aproveitava forçando passagem, sentindo-se prematuramente triunfante. Finalmente, tinha algum poder sobre aquela mulher enervante e a vitória alimentava sua paixão. Ajeitou-se melhor para aprofundar o beijo, explorando cada canto da boca doce, provocando-a com a língua, apesar dos socos que a pequena megera já desferia contra seu tórax, empurrando-o. Nunca tomara uma mulher contrariada antes, mas não deu atenção aos protestos. Deslizando as mãos pelas costas dela, encaixou-as nas nádegas firmes e a puxou de encontro a si.


 


Harry praguejou contra a calça justa que usava. Queria que Hermione o sentisse sem nenhum obstáculo entre os dois, queria desvendar os segredos que ela confinava sob o vestido para ver se seu corpo era tão surpreendente quanto os cabelos que agora lhe emolduravam o rosto. Nunca sentira tanto desejo e nada transcorria como de costume, como um ato cuidadoso. Podia facilmente lhe erguer a saia e tomá-la ali, na terra fria, satisfazendo sua própria paixão, sem se preocupar com os sentimentos dela.  


 


Vagamente ciente da presença dos homens ao redor, Harry sabia que não podia levar aquele encontro longe demais, mas apreciou as sensações desencadeadas... sensações que provavam que não estava morto, nem vazio, mas forte, quente e desejoso. Esquecido de todas as noções de cavalheirismo que o pai lhe incutira, rechaçou as tentativas de Hermione de se libertar, desfrutando o prazer adicional de subjugá-la.


 


Então, de repente, ela espalmou as mãos sobre seu tórax e as correu até seus ombros, respondendo ao beijo com um fervor que o deixou atônito. Era como se ela também estivesse morta até então e voltasse à vida, pressionando os lábios, promovendo um duelo de línguas. Harry gemeu alto e, perdido na paixão que dominava a ambos, bem poderia ter se rendido ao prazer, não fosse à plateia.


 


O som de uma risada alertou Harry, e ele sentiu Hermione enrijecer-se sob seu corpo. Tinham público e Harry nunca fazia amor em público. Grunhindo, interrompeu o beijo e tentou recuperar a razão. Era difícil sair do transe, principalmente fitando o rosto junto ao seu. Com certeza, aquela bela passional não era Hermione?


 


Ela ergueu a sobrancelha, os olhos castanhos, rubra de vexame. Os lábios que Harry tanto desdenhara como finos estavam intumescidos e molhados do beijo. Harry gemeu, mais uma vez encantado com a cabeleira magnífica em torno do rosto perfeito. Pegou uma mecha e sentiu a maciez, o toque de seda.  


 


— Hermione? — murmurou Harry, ainda confuso.


 


Como ele esperara Hermione rapidamente dissipou todas as dúvidas quanto a sua verdadeira identidade. A expressão confusa de prazer desapareceu, substituída pela raiva. Num ataque furioso, ela ergueu a mão e lhe aplicou um sonoro bofetão.


 


Harry a soltou e rolou para o lado com um grunhido. Podia contar nos dedos da mão às vezes em que levara um tapa. Nem mesmo a mulher que mais tarde se tornou sua madrasta lhe dera um bofetão tão violento. Levando a mão à face, massageou o local, extraindo satisfação da raiva de Hermione, que se levantava com esforço. Conseguira arrancar aquela expressão de desdém dela, finalmente, ainda que por poucos segundos.


 


Em seguida, Harry sorriu para si mesmo, um sorriso lento e malicioso que o aqueceu, apesar da reação fria de Hermione, pois ele descobrira um segredinho da rígida Srtª. Granger. Por um momento delicioso, ela correspondera ao assédio dele, pressionando o corpo contra o dele, entreabrindo os lábios... o desdém substituído por um desejo tão intenso que o surpreendeu.


 


Sim, sim. Hermione podia fingir indignação após o fato, mas ele entendia. Por baixo daquele exterior sério, adequado, havia uma mulher passional aguardando para se soltar. E quem melhor para libertá-la do que Harry Potter?


 


 


 


 


 


 


 


Oiiii galera, foi mal mesmo, mesmo não ter postado o cap!!


Estou cheia de trabalhos da escola!!


 


Amanhã eu posto mais um de certeza!!!



Comentem..


 


 


Laauras: Brigaduu pelo comentário... Espero que tenha gostado desse cap!! Irão acontecer muitas surpresas ainda... hehe


 


Bjsss ... Continue comentando..


 

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