Primeiro Capítulo



CAPÍTULO 1


 


 


 Harry Potter sentia-se aborrecido.


 


Recostado na cadeira de madeira no salão de Hogwarts, ergueu a taça de vinho na esperança de que a bebida aplacasse aquela sensação de fastio, que acabasse com o tédio de sua existência. Logo experimentou uma espécie de calor difuso, efeito que geralmente o agradava. Ultimamente, porém, nem a leve embriaguez conseguia quebrar a monotonia implacável de cada dia.


 


Olhando ao redor, Harry avaliou seus domínios, ou melhor, os domínios de seu pai, o duque de Hogwarts. Servos deslocavam-se atarefados pelo salão luxuoso que era o coração do castelo mais moderno, bem equipado e famoso na região. Ali não havia guerra, fome ou doença.


 


Só tédio.


 


Em Hogwarts, não havia uma alma com a qual pudesse afiar seu senso de humor... e a língua ferina. Dos seis irmãos, todos moravam ou visitavam outras paragens, exceto Draco, a quem não valia a pena atormentar. Em vez de fisgar a isca, a exemplo de Neville, por exemplo, Draco simplesmente lhe dava as costas amuado, um oponente indigno de seus esforços. Sendo assim, via-se sem atividade desde a breve visita da família, no começo do ano.


 


Desde o casamento de seu pai com Cho.


 


Harry franziu o cenho à lembrança. Cho lhe parecera interessante, pelo menos por algum tempo, após a chegada abrupta na véspera do Natal. Mas, então, embora pouco mais velha do que ele mesmo, ela se casou com seu pai e os dois andavam tão apaixonados um pelo outro que dava enjoo olhar para eles.


 


Lá estavam os pombinhos, trocando beijos à cabeceira da mesa. Harry tentou se convencer de que estava enjoado e entediado, quando na verdade se conscientizava de uma sensação estranha, com as núpcias do pai. Não que quisesse Cho para si, pois não se tratava de nenhuma beldade em especial.


 


Talvez houvesse sofrido um golpe de afronta com o fato de a moça ter escolhido um “Potter” tão mais velho, mas já superara o assunto. Infelizmente, a lembrança de seu comportamento lamentável na ocasião perdurava como fel em sua boca, que nenhuma quantidade de bebida parecia capaz de dissipar. Com a atitude, distanciara-se ainda mais do pai, ao mesmo tempo em que se tornava ainda mais ciente de seu próprio descontentamento.


 


Sim, apesar da alegria reinante em Hogwarts, Harry sentia-se insatisfeito. Na verdade, vivia fugindo da própria infelicidade havia anos, mas esta parecia estar levando vantagem. Por isso, para se defender, ele bebia mais, se deitava com varias mulheres e zombava dos irmãos que tinham feito alguma coisa de suas vidas. Ultimamente, porém, assolava-o a sensação de não ter mais para onde ir.


 


Atormentado com a ideia bebeu o resto do vinho com uma avidez que pouco lembrava sua graça costumeira. Estava bêbado, mantinha-se assim desde o Natal. Mas não sabia como sair do fundo do poço que se tomara sua existência.


Seus pensamentos eram tão sombrios que percebeu a aproximação do irmão Draco, anunciou:


 


— Visitantes, meu pai. Leais a Hogwarts pedem uma audiência com o senhor.


 


Visitantes. O evento ideal para animar uma tarde de inverno medonha, considerou Harry, servindo-se de mais vinho. Recostado na cadeira, assistiu à entrada da comitiva liderada por duas mulheres idosas, uma dupla de aspecto estranho que não lhe despertou maior interesse. Suprimia um bocejo quando outra pessoa entrou. Era bem mais jovem, mas tão paramentada que mal revelava detalhes, exceto parte do rosto sem contorno.


 


--- Sejam bem-vindas — saudou o duque de Hogwarts.


 


As duas mulheres mais velhas se aproximaram, enquanto a jovem permanecia no lugar, como que relutante. Harry interessou-se ainda mais. Geralmente, os súditos atiravam-se aos pés do duque como discípulos fervorosos. Estaria a moça tão encantada com a riqueza do salão que criara raízes?


 


A mais alta das duas senhoras avançou, enquanto a mais baixa se movimentava ao redor de forma descoordenada.


 


— Oh, meu senhor, minha senhora! — invocou a mais baixa, sem fôlego. — Soubemos do casamento, claro, meu lorde, e viemos cumprimentá-los.


 


--- O casamento será longo e cheio de fartura — entoou a mais alta, como se possuísse algum tipo de visão.


 


Harry ouviu um murmúrio entre os servos próximos, algo sobre poderes místicos. Desconsiderou os comentários com um sorriso divertido. Embora a maioria dos camponeses fosse supersticiosa, Harry Potter não acreditava em nada menos tangível do que um bom vinho e uma cama macia. Meneando a cabeça, encheu a taça de vinho e a ergueu em saudação silenciosa ao casal.


 


— Obrigado, senhora Granger — agradecia o duque.


 


— Minerva, meu lorde — ofereceu ela.


 


--- Por favor, sentem-se e descansem da jornada - convidou Cho, num tom receptivo que irritou Harry. Será que um dia iria se acostumar com a presença daquela senhora, sua madrasta, no castelo? A casa de Hogwarts sempre fora uma província de homens e ele já estava velho demais para mudanças.


 


— Obrigada, minha senhora — replicou Minerva. — Mas minha irmã Molly e eu preferíamos conversar consigo, se pudermos, com certa urgência.


— Isso mesmo! — reforçou Molly. — Simplesmente, não podemos descansar enquanto eles... isto é, enquanto o assunto não estiver acertado.


 


Com isso, deu uma olhada no salão, como se procurasse algo, até avistar Harry. Em seu rosto, a expressão ansiosa desapareceu num sorriso encantado, que o espantou. Embora acostumado aos olhares admirados das mulheres, ele não esperara entusiasmo por parte de uma mulher daquela idade. Agora, se a moça olhasse para ele assim...


 


--- Por favor, falem senhoras, e eu farei o que estiver ao meu alcance para ajudá-las — assegurou o duque.


 


— Obrigada, meu senhor — replicou Minerva, assentindo em gratidão. — Como sabe, moramos numa pequena propriedade nos limites de seus domínios, já há algum tempo.


 


— Oh, sim, há anos — concordou Molly, feliz. — Na verdade, estamos lá desde a morte de nosso tio. Deve lembrar-se dele...


 


Antes que Molly se estendesse, Armes interrompeu:


 


— Não importa. Somos gratas por sua proteção como nosso senhor feudal. A paz sempre prevaleceu em nosso lar.


 


— Alguém as ameaça? — indagou o duque, a surpresa era evidente na voz, apesar da expressão serena.


 


— Com certeza, não — adiantou-se Minerva.


 


— Oh, não. Isto é... um problema pessoal nos aflige — informou Molly. Novamente, lançou um olhar a Harry.


 


Ele sentiu o tédio se esvair de repente. Franzindo o cenho, ficou alerta e recordou as mulheres com quem dormira ultimamente. Discreto, analisou o rosto da jovem recém-chegada mais uma vez, mas o pouco que via não lhe despertava nenhuma lembrança.


 


Não era de surpreender, pois as amantes se sucediam em sua vida e poucas deixavam uma impressão mais marcante. De modo geral, elas se mostravam satisfeitas com sua atenção, pois não procuravam nada além de satisfação ao se deitar em sua cama. Mas não seria a primeira vez que uma moça esperta tentava levá-lo ao altar.


 


Obviamente, aquelas senhoras dementes não sabiam que Harry Potter deixara o casamento para os irmãos, embora o pai não aprovasse. Uma vez que nenhuma de suas aventuras amorosas resultara em frutos na forma de prole, não via por que mudar de vida.


E nada o convenceria a mudar agora, jurou a si mesmo, de olho na moça encoberta. Havia muito, descobrira que, apesar de suas admiráveis habilidades na arte do amor, nunca acrescentaria herdeiros à família. O fato que tanto o entristecera no passado hoje lhe dava liberdade para se satisfazer plenamente. Que os irmãos se reproduzissem cada qual com sua esposa, formando seus lares, suas famílias...  


 


Erguendo a taça, Harry sorveu um bom gole de vinho e afastou os pensamentos. Precisava estar alerta ou essas mulheres tolas ameaçariam sua existência livre. Estremecia só de pensar em juntar-se aos irmãos na categoria de casado.


 


— Embora o assunto não o envolva diretamente... — começou Molly com um sorriso tímido, para se interromper novamente a um olhar severo da irmã.


 


Minerva continuou:


 


--- Mesmo assim, agradeceríamos qualquer conselho que o duque, com sua grande sabedoria, possa nos dar. Na verdade, é por isso que estamos aqui.


 


— Continue — pediu o duque.


Harry ouvia atento. Se o objetivo era matrimônio, as duas senhoras eram espertas em falar com James. Conforme descobrira havia muito, seu pai sofria de excesso de honra.


 


--- É nosso irmão — contou Minerva. - Ele faleceu, deixando sua propriedade em Gales para sua filha, nossa sobrinha. Aproxime-se Hermione.


 


Harry olhou para a moça, que deu só um passinho à frente. Seria retardada ou acreditava que ganharia a simpatia do duque com aquela demonstração de recato? Com certeza, não fingiria estar grávida nem tentaria lhe imputar uma gravidez decorrente de um caso com outro, receou, segurando a taça com mais força.


 


— Naturalmente, Hermione quer visitar a propriedade que herdou — prosseguia Minerva, acenando para que a sobrinha se achegasse mais.


 


— Nós a criamos desde pequena e ela não vai à terra natal há muitos anos — incluiu Molly.


 


— Embora entendamos o desejo de Hermione, já estamos velhas e hesitamos em empreender uma jornada tão longa — explicou Minerva. — Ao mesmo tempo, não podemos permitir que ela vá sozinha, considerando que faz só cinco anos que o rei impôs sua autoridade lá — completou, usando expressões amenas para descrever a guerra que suplantara o desejo de independência do pequeno País de Gales.


Mas quem era Harry para criticar o uso de palavras daquela senhora? Sorriu aliviado ao final da história. Ainda que o assunto “pessoal” fosse tão interessante quanto à consequência indesejada de algum caso amoroso já esquecido, sentia-se feliz por não estar ligado à questão. Serviu-se de mais vinho, tomou um longo e saboroso gole e dispersou a atenção. Enquanto o calor se espalhava por seu corpo, ouvia vagamente o discurso do pai, o interesse pelas visitantes diminuindo.


 


— Entendo sua preocupação — declarou o duque. — Embora Severo tenha controle absoluto, as jornadas pelas estradas podem ser perigosas. Talvez fiquem mais tranquilas se sua sobrinha tiver uma escolta.


 


--- Oh, isso seria maravilhoso! — exclamou a senhora atrapalhada, quase batendo palmas de alegria.


 


Harry trocou um olhar com Draco. Nunca vira duas senhoras tão tolas. Quanto antes partissem para o País de Gales, melhor. Relaxou na cadeira, imaginando quando poderia se retirar graciosamente.


 


— Ficaríamos muito gratas, meu senhor — dizia Minerva. — Tenho certeza de que uma proteção sob a bandeira de Hogwarts asseguraria uma jornada segura a nossa sobrinha. Mas não podemos esperar que o senhor dispense um serviço tão monumental por nossa causa...


 


— Oh, não! — exclamou Molly. — Não com seu casamento recente e tudo...


 


Harry disfarçou o desprezo. Ora, aquelas duas malucas pareciam considerar que o duque em pessoa as acompanharia. Teriam sorte se conseguissem uns poucos batedores e, ainda assim, deveriam agradecer muito a generosidade do senhor.


 


— De fato — confirmou o duque. — Mas posso enviar alguém em meu lugar que lhes servirá bem. Na verdade, um homem mais jovem empreenderia melhor a jornada e ofereceria mais proteção a vocês.


 


Harry mal prestava atenção aos protestos ofegantes das súditas, ansiosas por lisonjear a vaidade do duque. Já testemunhara a cena inúmeras vezes, e nada o entediava mais do que o recitar das nobres qualidades de seu pai. Abafou um bocejo e afundou mais na cadeira.


 


--- Obrigada, senhoras — disse o duque. — Mas tenho certeza que ficaram contentes com minha escolha, pois com certeza sabem que não há melhores cavaleiros em minha casa do que meus próprios filhos.


 


Harry levou algum tempo para entender as implicações das palavras do pai. Então, meio engasgado com o vinho, levantou-se. O duque não podia estar falando sério! Por que enviaria um Potter numa empreitada tão pouco significativa? Para impressionar um par de velhas senhoras ignorantes e sua sobrinha igualmente ignorante? Que mandasse a moça e as tias idiotas com uma escolta, cedida generosamente para as provisões necessárias.


 


Harry olhou para o pai horrorizado, mas o duque ocupava-se em bancar o anfitrião onipotente sorrindo e assentindo às duas súditas enquanto resolutamente ignorava o próprio filho. Harry inquietava-se com a pequena desfeita, pois, dentre os sete filhos do duque, só ele e Draco estavam disponíveis para uma tarefa tão desagradável. Com certeza, o pai não faria Draco cavalgar no inverno com sua perna ruim, embora Harry, pessoalmente, considerasse o irmão tão capaz quanto qualquer um.


 


Finalmente, o duque olhou para Harry, sem revelar nada no olhar, mas com determinação nos lábios. Sempre tinha um motivo para suas ações, embora a lógica por trás daquela escapasse ao filho. Seria um castigo por seu recente comportamento rude? Ou o pai queria apenas livrar-se de sua presença irritante, para aproveitar melhor a lua-de-mel? Harry esboçou um sorriso, embora já buscasse freneticamente um meio de se esquivar.


 


— Harry? — invocou o duque.


 


— Sim?


 


— Você irá em meu nome. — Era uma ordem, mascarada na voz gentil do duque, mas uma ordem mesmo assim.


 


Harry usaria toda a astúcia para contornar a situação.


 


— Sim, pai — concordou, num tom agradável. — Mas talvez seja melhor esperarmos até a primavera, época mais adequada a viagens — sugeriu. Então, deu seu melhor sorriso às duas tias, que pareciam confusas. Para onde tinham ido seus sorrisos espertos e olhares de admiração?


 


Eu prefiro ir o quanto antes.


 


A declaração inesperada pairou no breve silêncio que se seguiu. Harry voltou-se para a moça, surpreso. A misteriosa Hermione finalmente saíra das sombras, os ombros delicados muito tensos. Agora, ela decide se manifestar, lamentou-se ele, não com pouca irritação. Ela baixou o capuz para revelar uma figura um tanto comum, de lábios contraídos, as feições rijas de determinação.


 


Harry estremeceu. Gostava de mulheres obedientes, principalmente daquelas que se entregavam aos seus pedidos, e já se fartara do tipo oposto só de ver as esposas dos irmãos. Fred era casado com uma megera capaz de cortar a garganta de um interlocutor inocente. A esposa de Neville, embora bastante bonita, lembrava um tipo de amazona de espada em punho. Até Luna, de início suave e fraternal, desenvolvera um traço autoritário e teimoso desde o casamento com Ronald. Aquela Hermione parecia representar o pior do sexo feminino, admirou Harry. Seu semblante já revelava que era tão intratável quanto às outras.


 


— Aprecio sua gentil oferta de escolta, mas prefiro ir agora em vez de esperar, considerando o tempo que já perdemos vindo até aqui — declarou a moça.


 


Harry ergueu as sobrancelhas. Ela definira a viagem até Hogwarts como perda de tempo? Desejou silenciosamente que Hermione continuasse com declarações como aquela, que só irritariam o orgulhoso benfeitor, enquanto ele mesmo se desobrigaria da tarefa enfadonha.


 


Infelizmente, as tias se esmeraram em suavizar a situação, atribuindo a ingratidão de Hermione ao estresse pela perda recente do pai. Enquanto elas tagarelavam Harry avaliou a moça com desgosto crescente. Com efeito, tratava-se de uma bela jovem, porém não atendia a seus padrões.


 


Além da expressão obstinada, Hermione usava os cabelos presos numa touca, escondendo-os completamente e dando um aspecto severo a sua aparência. Protegia bem o corpo também, mas pelo jeito não tinha muito com que despertar o interesse masculino. Harry gostava de mulheres bem femininas... macias, bem arredondadas e com o cheiro mais doce possível. Pela forma do manto, Hermione não escondia nada que pudesse atrai-lo.


 


Dispensando-a com um olhar, Harry voltou-se para o pai, que ouvia calmamente a tagarelice das duas velhas súditas com sua paciência costumeira. Achou que era hora de fazer valerem seus direitos.


 


— Mas, pai, este é o pior inverno de que se tem lembrança e as estradas... — Deu de ombros, lembrando que a natureza estava além de seu controle. — Não seria mais sábio aguardar pelo menos um pouco? — questionou persuasivo


 


Pelo menos até George ou Guilherme voltarem. Ou até Hermione, a rígida, decidir partir sozinha. Ou até que outra missão me faça deixar Hogwarts, obrigando a pequena comitiva feminina partir sem mim.


 


Harry fitou o pai em inocente expectativa, mas o duque não se deixava enganar. Obviamente, já tomara uma decisão e nada o demoveria. Era quase como se o duque o enviasse para seu próprio bem, mas Harry não via nenhuma vantagem na expedição. Por castigo ou teste, tratava-se de uma tarefa enfadonha que ele não merecia.


 


— Tenho fé em sua habilidade de superar as estradas, que devem estar frias e em mau estado com o inverno — declarou o duque, impassível.


Ou intransitáveis com a neve, ou desfiguradas com as chuvas, pensou Harry. Mas manteve as observações para si mesmo, enquanto a mente trabalhava freneticamente em busca de outra desculpa.


 


--- Mesmo assim, talvez devêssemos mandar Ronald. Ele lutou com Severo no País de Gales e conhece bem a região, enquanto eu, não... — Calou-se e piscou atônito, ante o grito abafado daquela chamada Molly.


 


— Oh, não! Tem de ser ele — disse ela, apontando-lhe um dedo ossudo, e Harry sentiu os cabelos da nuca se arrepiarem. De repente, os comentários que ouvira pouco antes já não pareciam tão divertidos, embora não acreditasse em nada daquela bobagem de misticismo.


 


— E será Harry — decretou o duque. Levantando-se com um sorriso benevolente, ordenou que servissem refrescos às visitas, pondo fim aos protestos de Harry, como se ele jamais tivesse se pronunciado. Assim como sempre fazia.


 


Reprimindo aquela linha de raciocínio dolorosa, Harry voltou-se para a origem de seus problemas e viu surpreso, que ela lhe devolvia o olhar. Tido como o mais bonito dentre todos os irmãos Potter, sabia que havia poucas mulheres de qualquer idade que resistiriam a seus encantos. Sendo assim, qual seria o problema dessa Hermione?


 


Então, recordou que não demonstrara entusiasmo em atender às necessidades da jovem investindo-se de sedução, imprimiu calor no olhar e deu um de seus sorrisos mais devastadores. Erguendo as sobrancelhas levemente, ergueu a taça, como que reconhecendo a vitória dela. Então, fez pausa, aguardando a reação inevitável, um enrubescer, um gaguejar tímido ou a resposta eloquente de uma mulher atrevida.


 


Hermione não reagiu de forma alguma. Na verdade, nem estremeceu. Se muito, ela se enrijeceu mais, como que desgosto antes de desviar o olhar completamente. Atônito, Harry largou-se na cadeira. Onde estava a viajante eternamente agradecida por conseguir uma escolta? Era espantoso aquele comportamento.


 


Seria casada? Não, nesse caso, o marido a estaria acompanhando. Além disso, Harry já tivera sua cota de mulheres casadas ansiosas por aventuras amorosas. Talvez estivesse enamorada de outro. Seus instintos predatórios se aguçaram e ele imaginou quanta dificuldade teria em apagar da lembrança dela o antigo amante...


 


Confortavelmente sentado, Harry observou Hermione daquela forma longamente treinada e bem-sucedida. Embora Draco o comparasse a um lobo acuando a presa, não se detinha. Concentrou-se unicamente em Hermione, prestou atenção em cada detalhe.


Hermione, por sua vez, mantinha-se rígida como sempre, as costas eretas ao tomar lugar à mesa. Prestava atenção às tias, como se temesse vê-las com chifres a qualquer momento, pensou Harry, divertido com a própria espirituosidade.


 


Após um estudo crítico, ele curvou os lábios desgostoso ao tirar algumas conclusões. Hermione não era mais bonita do que avaliara inicialmente, nem mais charmosa, com certeza, mas parte do desencanto se devia a suas vestes. Contrastando com as roupas brilhantes das tias, ela usava um cinza que lhe sugava a vida do rosto, emprestando um tom de cera à sua pouca extensão de pele exposta. Imaginou se ela se escondia tanto por algum motivo, cicatrizes talvez, ou se por recato mesmo. O fato só lhe atiçava mais a curiosidade quanto ao que havia por baixo das vestes e o que poderia fazer para descontrair aquela moça tão séria.


 


Aos poucos, Harry sentiu seu sangue se aquecer ante o desafio de conquistar aquela Hermione tão imperturbável. A moça era como uma concha fechada, de gestos comedidos, maneiras distantes, como se não quisesse que ninguém se aproximasse. Embora desagradável, seu comportamento intrigava.


 


Harry contabilizava poucas mulheres, além da madrasta, que o haviam recusado, e isso... bem, devido as circunstâncias muito adversas. Essa aparente repulsa de Hermione Granger, que parecia se distanciar de todos, parecia ter causa mais complexa. Será que ela era mesmo indiferente a ele? Sentia-se tentado a testá-la.


 


Não apenas o esforço o entreteria como, uma recompensa seria mais que um afago no orgulho. Na verdade, seria fácil convence-la a adiar a jornada ou abandonar a ideia totalmente. Suspirando de alivio com a vitória garantida, Harry sorriu, em preparo para derramar todo seu charme sobre a visitante.


 


A pobre Hermione não sabia o que a aguardava.

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