Um sentimento estranho
- 101. Um sentimento estranho
A sala comunal da Sonserina estava finalmente deserta. A água batia nas janelas carregando pequenos blocos de gelo, trazendo estranhas sombras que se projetavam no chão, devido a uma súbita abertura de nuvens que permitiu a lua cheia mostrar todo seu esplendor.
Aos poucos e silenciosamente sete meninos se reuniram em frente à lareira. Eles olhavam uns para os outros com grande expectativa.
- Tudo pronto? – perguntou, finalmente, Regulus para os demais.
- Sim. – disse Severus, enquanto os outros apenas balançaram a cabeça afirmativamente.
- E porque não entramos na lareira e usamos como se deve ao invés de nos ferirmos e enviar somente mensagem de voz? – perguntou John, olhando desconfiado para a lâmina na mão de Severus.
- Simplesmente porque não podemos, - os outros olharam para ele com interesse – se alguém entrar na lareira, vai soar um alarme na sala do Slug. Eu já testei isso hoje depois do jogo, antes do jantar. Coloquei o gato da Vanity dentro da lareira e um elfo apareceu aqui no mesmo instante. Eu sugeri ao elfo que contasse que o gato havia entrado na lareira e que isso poderia ser perigoso. O elfo respondeu que Slughorn saberá pois pediu que o informasse caso algo ou alguém entrasse nesta lareira. Então, acho que se um ser vivo entrar na lareira, Slughorn vai saber e como acho que Rosier não quer que o mandemos seu corpo morto no meio da sala da casa dele, John, acho melhor usarmos o método de Regulus e enviar uma mensagem de voz. – finalizou Severus. Ele estava visivelmente irritado, pois detestava ser interrompido com questões estúpidas.
- Eu não havia pensado nisso! – exclamou Regulus, olhando com interesse para Severus. – Você foi brilhante, Severus! Para falar a verdade, eu também estava pensando como John, que poderíamos ir pessoalmente até Rosier. Ainda bem que você testou isso antes, teria sido muito ruim sermos pegos depois de todo aquele trabalhão!
- Que trabalhão? – resmungou Crouch – você ficou o tempo todo assistindo a partida de quadribol enquanto a gente fazia o trabalho pesado...
- Grouchy, para de reclamar! Eu enfrentei nevasca ontem e carreguei tijolos à beça enquanto você dormia na sua cama quentinha! – respondeu Regulus, olhando para o outro desafiadoramente.
- Meninas! Vamos parar com essa briguinha! Nosso prazo está acabando... algum voluntário para doar o sangue ou vou mesmo ter que fazer tudo sozinho? – perguntou Severus.
Os garotos olharam uns para os outros. Nenhum deles parecia muito animado com a ideia de se cortar.
- Me dá esse punhal! – disse Regulus, decidido, pegando o punhal.
Sem parar para pensar no que estava fazendo, ele deslizou a lâmina prateada na palma de sua mão esquerda. O sangue brotou imediatamente. Então ele olhou para Severus que lhe estendia uma pequena cumbuca de metal. Regulus apertou a palma da mão forçando o gotejamento do sangue para dentro da cumbuca. Quando uma pequena poça de sangue cobria o fundo da cumbuca, ele olhou para Severus.
- Acho que isso é suficiente, não?
- Acho que sim. – concordou severus.
Regulus olhou para os lados. A maioria dos garotos o olhavam com expressões estranhas no rosto, que variavam de nojo, para admiração, pavor e, ele notou, um certo brilho maníaco nos olhos de Crouch, que parecia, de certa forma, feliz em presenciar sua dor. Amifidel lhe estendeu um lenço que ele enrolou na mão.
- Valeu, Ami.
Avery ajudou Severus a misturar pó de flu ao sangue, enquanto os outros observavam em silêncio. Quando a pasta adquiriu uma consistência pegajosa, Severus falou:
- Está pronto.
Impetuosamente, Crouch se aproximou, pegou uma pequena porção com a ponta dos dedos e lançou dentro da lareira, dizendo:
- 106 Harlaw Road, Edimburgo. Rosier?
As chamas se tornaram intensamente azuis.
- Crouch! – Rosier riu. Sua voz chegou até eles de forma clara como se ele estivesse ao lado deles. – você conseguiu!
- Sim. – respondeu Crouch, mais do que depressa.
- A-ham. crouch conseguiu porque todos conseguimos. Foi uma tarefa feita em conjunto. Um não faria sem o outro. – pontuou Avery, olhando severamente para Crouch.
- Muito bem, muito bem. Reconheço sua voz, Avery. E os outros? Todos aí?
- Aqui. Estamos todos aqui. – respondeu John. – Exceto Mulciber. Ele desistiu.
- Desistiu? Estranho. Bem, depois vemos isso. E os outros? Jack John, Theodor...
Após checar a presença de todos, Rosier se despediu.
- Parabéns, então. Vocês já podem se sentir futuros comensais da morte. Agora eu preciso ir. Entrarei em contato por esta lareira para avisar data e hora do nosso próximo encontro.
A chama da lareira voltou a sua luminosidade habitual. Os garotos olharam-se uns para os outros. Então era só isso? Iam mesmo ficar sem nada marcado? Uma sensação de desconforto tomou conta de todos, como se fosse impróprio estar ali, como se não tivesse dado tudo certo, como se esperassem ter sido pegos.
- Ahn, bem... então, boa noite. – disse Amifidel, olhando para os pés dos outros.
- Boa noite. – responderam os outros sem animação.
O único que mantinha um brilho estranho no olhar era Crouch, mas ninguém o notou. Todos estavam perdidos demais em seus próprios pensamentos para notar. Um a um eles deixaram a sala comunal, em silêncio, exceto por Severus e Regulus, que desabaram lado a lado, cada um em uma poltrona, os olhos fixos na chama da lareira.
- Conseguimos? – não era uma afirmação, Regulus perguntava para o amigo, após longos minutos de silêncio.
- Parece que sim. – disse Severus, sem tirar os olhos do fogo.
- Foi uma ótima ideia sua testar a lareira essa tarde...
- Na verdade, não foi um teste, foi um acidente. Aquele gato estúpido da Vanity não parava de enroscar nas minhas pernas. Eu joguei ele para longe e ele caiu na lareira. Aí o elfo apareceu e, no susto, tirei o gato de lá. Estava só um pouco chamuscado. O elfo fez alguma coisa e o pelo voltou ao normal. – Severus olhou para o amigo com o canto do olho. Regulus sorria. – Qual a graça?
- Nada! É que eu já tinha pensado em me livrar daquele gato antes... Acidente ou não, foi uma ótima ideia você checar o que o elfo fazia aqui... ou então estaríamos nas mãos de Slughorn agora.
- A não ser que você inventasse uma de suas “histórias”... Eu fiquei me perguntando, como foi que você conseguiu se livrar do diretor... Ele é um legilimens, não é? Eu senti o seu olhar para mim.
- Ele é, sem dúvida! Como meu pai. Eu me livrei dele como faço com meu pai... é uma técnica que ainda estou aperfeiçoando...
- Oclumência! Você sabe Oclumência!?
- Eu não diria que eu sei, ou que sou um oclumente, mas estou tentando...
- Taí uma coisa que eu gostaria de tentar...
Regulus examinou os olhos negros de Snape por alguns minutos.
- Posso tentar alguma coisa, mas não sei se dá certo... vai ser impossível testar se estamos adquirindo o poder da oclumência sem que nós possamos invadir a mente um do outro. Eu não sou um legilimens, não sei como meu pai ou Dumbledore fazem. Não sei se é feitiço, eles não falam nada e não usam varinha para isso...
- A única vez que vi minha mãe fazendo ou tentando, foi usando a varinha. O encantamento eu não entendi bem, estava longe dela e havia barulho na rua do lado de fora de casa... Mas poderíamos tentar descobrir... Não deve ser impossível.
- É... deve ser mais fácil que a questão da rede de flu...- respondeu Regulus pensativo, ainda segurando o lenço de Amifidel em sua mão, que ardia.
Snape olhou para a lareira e soltou uma risada desajeitada.
- Não é incrível que tenhamos conseguido?
- Com certeza... fiquei esperando que algo desse errado a qualquer momento... e não deu. Mas não sei, agora dá uma sensação de vazio... achei que Rosier fosse marcar algo, que a gente já iria começar...
- Eu também...
O vazio deixado pela conquista e, agora, pela expectativa de que, a qualquer momento, eles fossem chamados para uma reunião com o antigo monitor da Sonserina invadiu novamente a mente dos dois garotos e lhes encheu de angústia. O fato de Rosier não ter agendado um encontro tinha, de certa forma, um gosto de derrota. E se ele não entrasse em contato? E se aquilo tudo fosse uma brincadeira de mau-gosto?
Severus se despediu e foi dormir. Regulus estava inquieto demais para deitar-se. O mais silenciosamente que pode, abriu a porta da Sala Comunal e saiu. Subiu as escadas até o corredor do segundo andar onde sentou-se no beiral de uma janela. A lua cheia iluminava tudo como se fosse dia, um dia em preto e branco. À esquerda o Lago Negro encrespava-se com o vento. Regulus passou cerca de meia hora admirando a paisagem. Foi quando ele ouviu uma sucessão de uivos. Parecia que alguns lobos ou cachorros se divertiam ao longe, uivando alegremente para a lua. Ele sorriu. Aqueles uivos eram, de alguma forma, familiar para ele. O garoto franziu a testa e voltou para as masmorras, pensativo.
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