86. A mensagem de voz



Ainda faltavam quinze minutos para a meia noite quando, finalmente, Regulus conseguiu ouvir pela fresta da porta do quarto a sinfonia de roncos do pai e dos avós ecoando pelo corredor. Regulus sabia que em quinze minutos sua mãe estaria no quarto para intoxicar, quer dizer, para reforçar a dose de poção do sono de seu irmão e depois ele estaria livre para descer as escadas e correr para a biblioteca sem que ninguém o perturbasse. A maçaneta da porta do quarto dos pais virou levemente. Com medo de ser pego fora da cama pela mãe, ele correu para sua cama e se enfiou debaixo dos cobertores, deixando para fora somente metade de um olho e o nariz bem desenhado, marca inconfundível da família Black. Pela pequena fresta ele viu o vulto da mãe se aproximar da cama do irmão, pegar o frasco de poção e pingar duas gotas em uma colher de prata, a única coisa além das lágrimas no rosto da mãe que reluzia ao luar. Depois ela pegou a cabeça do irmão com cuidado e fez o líquido escorrer em sua boca, deitando-o gentilmente de volta no travesseiro. Em pânico, Regulus observou a mãe se voltar para ele com a colher ainda na mão. Estaria ela pensando em colocá-lo para dormir também? Estariam os pais desconfiados de seus planos? Seu coração acelerava a batida a cada passo da mãe em sua direção. Então a mãe colocou a colher de prata em um bolso do robe, puxou gentilmente o cobertor de Regulus – no mesmo instante em que ele fechou os olhos fingindo dormir – inclinou-se em direção dele e o beijou na testa, recolocando o cobertor no lugar novamente antes de deixar o quarto.



Ao ouvir a porta se fechando quase sem fazer ruído, ele abriu os olhos e respirou aliviado. Tudo era estranho, ele sabia que não deveria estar se sentindo assim, nunca havia sentido medo dos pais antes. Tampouco tinha percebido o que eles eram capazes de fazer. Como Sirius estaria ao acordar? Por que a mãe chorava tanto? Ele chacoalhou a cabeça para os lados, sabia que essa resposta ele só teria depois que o irmão acordasse e não adiantava perder tempo tentando descobrir o que iria acontecer pois isso não mudaria o futuro. Descobrir como mandar mensagens de voz usando a rede de flu, sim, poderia mudar sua vida. Sentindo-se determinado, ele levantou-se e seguiu até a porta. Abriu uma pequena fresta para que a sinfonia de roncos entrasse. Após analisar por alguns segundos os sons que ouvia, chegou à conclusão que a mãe já havia tomado parte no “conserto”. O caminho estava livre.



Ele caminhou rapidamente pelo corredor escuro, desceu as escadas, atravessou a sala e entrou na biblioteca onde Kreacher o esperava. Kreacher havia disposto sobre a escrivaninha todo o material que vinha guardando para o seu senhor, a semente, o pote com a gosma misteriosa, uma pitada de pó de flu e o livro de herbologia “Plantando o desconhecido”. O elfo olhou para Regulus com os olhos brilhando, aguardando que o garoto aprovasse seu empenho. Mas naquele momento o menino estava ansioso demais para ser delicado, apenas comentou:



- Estava com medo que você não viesse.



O elfo o olhou indignado. Como o garoto poderia pensar que ele talvez não fosse fazer o que lhe havia sido pedido? Alguma vez ele teria deixado de cumprir suas tarefas? Obviamente Kreacher não comentou nada, apenas ficou observando o garoto se aproximar da mesa e examinar a única semente da planta de flu.



Regulus olhou a semente contra a luz, depois aproximou-a do ouvido – não pulsava mais – depois cheirou. O cheiro não parecia com nada que conhecesse, nem com o pó de flu. Regulus deixou seu corpo desabar sobre a cadeira. Não poderia desperdiçar sua única semente em alguma tentativa frustrada de fazer uma mistura que ele não tinha ideia de onde começar.



- Kreacher, você já viu em algum lugar sementes como essa?



O elfo olhou para Regulus, depois para a semente e chacoalhou a cabeça negativamente.



- Kreacher deveria ter visto, senhor?



- Não, não, Kreacher. Apenas tive esperança de que soubesse onde encontrar mais dessas sementes para que eu pudesse fazer alguns testes.



Kreacher arregalou os olhos para ele e ficou em silêncio por alguns instantes. Então disse:



- Kreacher não sabe onde encontrar as sementes, senhor.



- Tudo bem, Kreacher. Vou ver o que consigo fazer com o que tenho. Traga meu kit de poções.



Num piscar de olhos o elfo estava de volta com tudo o que o garoto poderia precisar para fazer uma poção. Regulus mal olhou para o criado, pegou a adaga e a placa de pedra onde colocava o material a ser fatiado e colocou sobre a mesa. Depois cortou uma fina fatia da semente e a separou do restante. Então separou os outros ingredientes que ele achava que poderiam ser usado na mistura e os amassou no pilão até que se transformassem em pó. Ele olhou para o pó. Era esverdeado, não se parecia com o pó de flu. Ele foi até a lareira e, após acender o fogo, jogou uma pitada da mistura. A chama ficou momentaneamente branca e pois se extinguiu. Ele ficou olhando para o fogo. Aquilo não iria funcionar.



E se funcionasse, como ele iria saber? Não tinha para quem mandar a mensagem de voz... Ou teria? Ele olhou apressado para a biblioteca. O elfo continuava lá, parado diante da mesa. Ele caminhou pela penumbra até o elfo:



- Kreacher, me escute. Preciso de sua ajuda. Vou fazer alguns testes na lareira, você volta para casa e fique atento ao lado da lareira da cozinha. Vou tentar mandar uma mensagem de voz. Se você ouvir minha voz, venha aqui para me avisar, certo?



- Sim, meu senhor. Kreacher vai para Grimmauld Place aguardar sua mensagem.



E dizendo isso, o elfo aparatou. Regulus ficou olhando para o lugar vazio que o elfo deixara, um pouco incerto do que deveria fazer a seguir. Não lhe parecia sensato insistir em tentar usar o pouco que lhe restava da única semente de planta de flu para fazer a mistura, pois se tivesse êxito, como faria para reproduzir o efeito sem ter material? Ele pegou a semente na mão e ficou olhando por algum tempo. Para que Slughorn estaria embalando sementes de planta de flu se era tão barato e acessível a qualquer um comprar o pó de flu pronto? Estaria o professor querendo abrir concorrência? O garoto chacoalhou os ombros, saber o que Slughorn planejava não iria lhe ajudar em nada. Regulus guardou a semente e foi à sala de estar, pegou o pote de pó de flu.



O garoto testou o pó em diversas misturas, com asfodel, com flor de picão, com menta, com olhos de salamandra, enfim, com tudo o que ele tinha disponível em seu kit de poções, sempre caminhando até a lareira para jogar uma pitada da nova mistura ao fogo, repetindo a mesma pergunta:



- Elfo? Grimmauld Place?



Não havendo resposta, ele assumia que a mistura não havia dado certo e voltava para a biblioteca. O sol tingia o céu com um alaranjado tímido quando Regulus chegou a conclusão de que havia esgotado suas possibilidades, então ele começou a guardar seu equipamento, olhando, desolado, para a sujeira que havia feito na biblioteca, com um rastro de pó de flu que se estendia até a sala de estar. Era melhor que limpasse tudo aquilo antes dos adultos acordarem, ou ele teria problemas. Não que ele pensasse que se o pai soubesse que tudo o que estava fazendo era para entrar para um clube de treinamento para Comensais da Morte fosse reprimi-lo ou algo assim. Mas ele se lembrava bem da recomendação de Rosier de não contar para ninguém sobre o novo clube ou não seria aceito. Não poderia correr o risco de ser expulso antes de entrar no clube. Ele estava finalizando a limpeza da escrivaninha quando encontrou a gosma que havia surrupiado de Slughorn. E se aquilo servisse para alguma coisa? Ele ergueu uma sobrancelha. Não havia porque não testar.



Rapidamente pegou uma pequena porção da gosma com a ponta da adaga e enfiou no pote de pó de flu, depois limpou a adaga na palma da mão, misturando o pó e a gosma de qualquer jeito, displicentemente. Não tinha muita esperança de que resultasse em algo proveitoso.



Os primeiros raios de sol refletiam na lâmina da adaga e isso o distraiu um pouco, ofuscando seus olhos. Que horas seriam? 7 da manhã? Regulus sentia-se bem misturando o pó de flu com a gosma na p´ropria mão, parecia conferir à mistura uma causalidade que combinava com o acidente que havia resultado na descoberta do pó de flu. O garoto caminhava em direção à lareira no outro cômodo, os olhos fixos na lâmina da adaga quando a voz de seu pai cortou o silêncio da sala:



- O que você está fazendo, filho?



A mão do garoto, numa tentativa impensada de esconder o que vinha trazendo, se fechou sobre a lâmina afiada da adaga, enquanto os olhos de Regulus se fixaram na figura corpulenta do pai.



- Ahn... oi, pai. – o que ele estava fazendo? Por entre os dedos fechados brotava lentamente o líquido viscoso e morno, seu corpo paralisado de terror.



- Regulus Black, o que você tem em suas mãos?



O garoto arregalou os olhos e jogou a adaga ensanguentada para dentro da lareira, quando um grito de dor escapou-lhe da boca e a lareira explodiu em chamas azuladas.



- Aiiiiiiiii!



- Chamou, senhor?



A voz do elfo veio de dentro da lareira. Regulus não sabia para onde olhar. Seu pai se aproximou para ver a mão que o filho agora segurava com força tentando estancar o sangue que escorria em pulsos, mostrando que ele havia provavelmente cortado uma artéria. Ao mesmo tempo que a voz do elfo lhe encheu de euforia e ele, inevitavelmente, chamou:



- Kreacher?!



O elfo aparatou em sua frente, os olhos esbugalhados de sono. Regulus olhava para o pai e depois para o elfo, num estado de euforia, dizendo sem parar:



- Deu certo! Deu certo!



O elfo olhava para ele sem entender. O pai pegou a mão do filho, interpondo-se entre ele e o elfo. Regulus inclinou-se para o lado para desviar da figura do pai, como se não tomasse conhecimento dele em sua frente, totalmente eufórico.



- Minha voz chegou na lareira?



- Sim, senhor. – respondeu o elfo, ainda sem entender e bastante assustado com o sangue que escorria das mãos de seu senhor, além da presença de Orion.



- Então eu consegui!



Orion sacou a varinha, apontou para o corte profundo na palma da mão do filho.



- Vulnera Sanentur!



Fechado o corte, ele virou-se para o filho e tornou a perguntar:



- O que foi que você conseguiu, meu filho?



 A voz de Orion era perigosa, mas continha em si um certo prazer. Mesmo sem saber qual era exatamente a aquisição do filho, o orgulho que sentiu por perceber que Regulus havia obtido êxito nas artes mágicas suprimiu qualquer impulso de repreendê-lo.



- Eu.... eu consegui mandar uma mensagem de voz para Kreacher sem ter que entrar na lareira. – Regulus respondeu, sinceramente.



Orion levantou uma sobrancelha.



- Muito interessante. E qual seria a utilidade disso? E como você conseguiu?



- Ainda não sei, pai. E não sei como consegui, acho que foi misturando pó de flu com... com algumas coisas... – ele respondeu, um tanto desanimado por perceber que não poderia ter certeza se o pó de flu teria reagido com o sangue ou com a gosma, resultando na chama azul. - De qualquer forma, eu consegui mandar uma mensagem, agora só preciso testar para ver o que deu certo...



Orion coçou a barba olhando com curiosidade para o filho, Kreacher observava, calado, os dois bruxos conversarem como se o pequeno elfo não estivesse mais ali.



- Pois bem. Vejo que você herdou a curiosidade de sua mãe... Walburga sempre me surpreendeu com sua inquietação para resolver problemas insolúveis nos tempos de escola... Coisas que só se vê em bruxos puro-sangue...



Regulus sorriu aliviado. O pai não estava lhe fazendo perguntas.



- bem, acho que vou continuar mais tarde. – ele soltou um longo bocejo. – Kreacher, limpe tudo para mim. Eu vou dormir um pouco. Te vejo mais tarde, pai. – dizendo isso, ele deu as costas para o pai e seguiu em direção à escada. Poucos instante depois ele abriu a porta do quarto, olhou para o irmão e sorriu.



- Boa noite, Sir.



Não importava se Sirius podia responder-lhe ou não, se Sirius estava dormindo, se a mãe pudesse chorar, se o sol estava se levantando ... Ele iria dormir. Ele mereceu. Ele deu seu sangue por isso. Literalmente.


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