Uma pequena descoberta



Quando Regulus acordou às três horas da manhã do dia 26 de dezembro o quarto estava claro. A lua crescente, quase cheia, inundava de luar o quarto dos dois Black, projetando formas e sombras sinuosas na parede. O garoto permaneceu deitado sob o grosso cobertor de penas de ganso, admirando a imagem distorcida da lua pela pelas janelas embaçadas. Pequenas gotas escorriam pela janela sem se congelarem, o que indicava que não devia estar mais tão frio do lado de fora.


Por um momento ele pensou que a viúva Leloush pudesse ter ateado fogo à casa dele e ergueu-se num cotovelo, mas a claridade que entrava no quarto era mesmo devida à lua crescente quase cheia e não havia sinal algum de fumaça. Ele estava se deitando novamente quando viu o irmão na cama ao lado. Sirius permanecia na mesma posição que fora colocado no dia anterior. Regulus deitou-se e ficou olhando para o irmão. Os gritos de Sirius ainda pareciam ecoar em seus ouvidos. Porque ele acusava seu pai daquele jeito? Que o pai e o avô tivessem sido, de alguma forma, omissos quando haviam escondido de todos que sabiam alguma coisa a respeito do segredo dos Leloush, ele até concordava. Mas acusa-los de ter culpa pela morte do trouxa e a loucura de madame Leloush isso já era um exagero. O que Sirius esperava que seu pai tivesse feito? Ele sequer estava em Bramshill quando tudo aconteceu! Ele se lembrava muito bem que a marca negra já pairava sobre a casa dos vizinhos quando eles voltavam do cinema com as garotas e seu pai estava dirigindo. Sirius estava louco, cego de amor. Mas isso não dava o direito aos pais de pensar em apagar sua memória, dava? Regulus ficou olhando uma gota que escorria pelo lado de dentro do vidro da janela que ficava atrás da cama do irmão. Pareceu-lhe uma lágrima. Era assustador saber que os pais tivessem cogitado apagar a memória do irmão. Não que ele pensasse que um dia fosse enfrentar os pais da mesma forma, aquilo era idiotice. Mas perceber o que eles poderiam ter feito se quisessem era muito assustador.


Sirius dormia há 15 horas. Quanto mais ele dormiria? Como seria quando ele acordasse? Regulus não queria que as brigas voltassem novamente, mas isso parecia inevitável, afinal, a memória dele estava intacta, não? E ele duvidava que algumas horas de sono fossem apaziguar o ânimo de Sirius. Ele sentia-se muito angustiado, então ele se levantou e caminhou pé ante pé até o irmão.


- Sir! Sir!!! – ele chamou baixinho.


Sirius não acordou, apenas respirou um pouco mais profundamente. Então Regulus o chacoalhou seu braço de leve e ele continuou em seu sono profundo. Sirius estava deitado de costas, Regulus sabia que o irmão não gostava de dormir daquele jeito. O garoto puxou as cobertas do irmão e virou seu corpo de lado, arrumando o travesseiro sob a cabeça e dobrando suas pernas levemente. Era estranho mexer no corpo do irmão daquele jeito, ele parecia mesmo estar morto. Mas não estava, Regulus conseguia ouvir sua respiração   suave. Ele tornou a cobrir o irmão. Foi quando um pequeno frasco chamou sua atenção na cabeceira ao lado da cama. Ele pegou o frasco na mão e leu a etiqueta, “Solução do morto-vivo”.


- Sir! – ele chamou mais uma vez. Sirius não se abalou.


Regulus devolveu o frasco em cima da cama e olhou ao redor. Se Sirius estava ingerindo aquela poção, não iria mesmo acordar. Não havia mais o que fazer ali.


Regulus caminhou pelo quarto um pouco incerto do que iria fazer. Não estava com sono. Talvez ele devesse aproveitar a falta de sono e tentar resolver os seus próprios problemas.  Ele caminhou até a porta, abriu-a com cuidado, saiu e deixando a porta entreaberta.


O longo corredor com uma única janela próxima da escada, no lado oposto em que ele estava, estava vazio e escuro. Das portas fechadas nas laterais ele podia ouvir o sono ruidoso dos pais e mais adiante, um ronco extremamente alto vindo de dentro do quarto dos avós o assustou. Ele continuou em frente, tomando cuidado para não fazer barulho ao passar, caminhando de meias, os pés descalços no assoalho.


Ele terminou de descer as escadas e viu a porta balcão da biblioteca ao longe. A biblioteca ficava no lado oposto à escada, entre a sala de jantar e a sala de música. Ele atravessou a sala de estar, parando brevemente ao lado da lareira para examiná-la mais uma vez. Havia um único pote em cima da lareira, era de prata ornamentado com o brasão da família e um pequeno arabesco em relevo. Ele o tomou nas mãos e examinou o conteúdo, enfiando a ponta dos dedos dentro do pote. O pó que ficara na ponta de seus dedos era prateado e brilhante, semelhante a purpurina. Com certeza era pó de flu. Ele examinou a textura (fina como talco) e o cheiro (de quase nada, lembrava levemente cheiro de flor de picão misturado a menta e alfazema fresca). Achou estranho, sempre pensou no pó de flu como algo extraído de algum mineral e não vegetal. Deu uma segunda inspirada diretamente no pote de pó de flu e isso o fez espirrar duas vezes. Rapidamente ele apertou o nariz com a mão limpa para cessar o acesso de espirros, e ficou sobressaltado e imóvel. Felizmente, os roncos vindos do andar de cima não pareciam ter diminuído com os seus espirros. Então, recolocou o pó no lugar e seguiu em frente para a biblioteca, pensativo.


O cheiro do pó de flu que parecia ter se aderido às suas narinas lhe abria novas perspectivas em relação à sua pesquisa. Ele tinha esperanças de que se misturasse flor de picão, menta e alfazema conseguiria obter um pó que se permitisse o envio de mensagens de voz sem a necessidade de algo corpóreo. Então não seria necessário reativar totalmente a lareira da sala comunal, o que poderia chamar a atenção do ministério. Era uma sucessão de incertezas que o desanimava um pouco, mas ele precisava tentar alguma coisa.


A biblioteca estava iluminada pelo luar, sendo quase possível ler todos os títulos dos livros. Ele começou pela prateleira à direita, onde sabia que a avó guardava os livros sobre plantas de propriedades mágicas.


Ele já estava pesquisando havia algumas horas quando se percebeu cochilando debruçado sobre um livro aberto que ele sequer lembrava de ter pego. Ele olhou a capa rapidamente; era um grosso livro de capa verde petróleo bastante escura, onde se lia: “Plantando o desconhecido”, um livro de Phyllida Spore. Na contra-capa estava escrito: “da mesma autora de “Mil ervas e fungos mágicos”, Plantando o desconhecido é um livro cheio de curiosidades e plantas raras.” Ele esfregou os olhos e bocejou. Enquanto abria a boca no seu máximo, um desenho lhe chamou a atenção. Pareceu-lhe familiar. Ele aproximou o rosto do livro.


- Lumus!


Com a luz da varinha tudo havia ficado mais claro, inclusive suas ideias. O desenho que ele agora via era muito parecido com a semente pulsante que Slughorn os fez etiquetar. Mas não era só isso. Ele já tinha visto aquele desenho em outro lugar. Mas não conseguia se lembrar. Começou a andar de um lado para o outro coçando a cabeça com a ponta dos dedos ainda sujas com pó de flu. Então viu sua imagem no espelho que ornamentava a parede e percebeu que os cabelos negros estavam com manchas prateadas como se ele tivesse envelhecido uns trinta anos.


- É claro! – ele disse em voz alta, sem se conter, correndo para a sala de estar. Lá estava ele: o pote de pó de flu sobre a lareira, com o brasão dos Black e o arabesco que era, na verdade, um desenho minúsculo da semente pulsante. Regulus sorriu de orelha a orelha. Ele tinha muito mais em mãos do que tinha suposto inicialmente. Tudo o que precisava agora era...


- Kreacher?


Com um forte estalo o elfo apareceu em sua frente, os olhos miúdos de sono e as orelhas de morcego caídas.


- Chamou, meu senhor?


Mal Regulus abriu a boca para responder quando ouviu os passos pesados e a voz de seu pai descendo a escada.


- Quem está aí?


O garoto entrou em pânico. E se o pai não gostasse do que ele estava fazendo? Por um momento a imagem do frasco da poção do sono lhe apareceu nítida na memória. Ele correu para a biblioteca, o elfo o seguiu correndo desajeitadamente com suas perninhas miúdas.


- Kreacher, rápido. Leve este livro para casa e me traga de volta amanhã depois da meia noite, junto com as coisas que pedi que guardasse... E... Me traga um café da manhã em quinze minutos, sim? Estarei esperando. Agora vá.


Regulus mal havia terminado de sussurrar suas ordens quando o pai apareceu à porta, em tempo de ver o vulto do criado desaparecer.


- Filho, o que Kreacher estava fazendo aqui?


- Eu acordei com fome e pedi para que ele me trouxesse um café-da-manhã. Algum problema? – ele respondeu, evitando olhar diretamente para os olhos do pai.


- Ah, bem... Nenhum problema. Na verdade, também estou com fome. Vou esperar ele voltar aqui com você.


Regulus teve a nítida impressão de que o pai estava apenas testando se Regulus havia dito a verdade ou não, e permaneceu sereno, folheando os livros que estavam sobre a escrivaninha.


Kreacher não demorou a chegar equilibrando em uma bandeja acima da cabeça um delicioso café da manhã para pai e filho.


- Ho! Ho Ho! Muito perspicaz, Kreacher! – elogiou Orion.


O elfo fez menção de uma reverência, abaixando os olhos e a cabeça levemente em respeito ao seu senhor, um tanto quanto surpreso, pois não era do feitio de Orion proferir elogios aos empregados.


Regulus afastou os livros da mesa e deixou Kreacher organizar a mesa. Pai e filho puxaram cadeiras, se sentaram e se serviram do delicioso café da manhã que Kreacher havia preparado, comendo em silêncio, enquanto o elfo permaneceu parado a um canto observando-os, caso necessitassem de alguma coisa.

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