Longe de Todos



Eu sabia o que diziam as minhas costas. Como eu estava diferente e que algo terrível deveria ter acontecido para eu não sorrir ou não sentir vontade de falar com ninguém. Eu poderia utilizar a desculpa de que não podia realmente falar com ninguém, mas após algumas semanas percebi que apenas não queria fazê-lo.


Compareci a duas lições de Sirius sobre como voar, assim como o ajudei em alguns momentos. Porém acho que ele se cansou, eu não tinha nada de interessante a oferecer, não era uma boa companhia e, sinceramente, eu achava engraçado quando tentavam me animar, mas não correspondia a tal propósito. “Estou de luto”, eu queria gritar. Mas eu estava realmente? Ou só esperava pelo retorno de alguém? Eu não sabia se devia esperar ou lamentar. Acho que me encaixava na primeira, afinal todos os dias de manhã eu aparecia no Salão para tomar alguns goles de suco e esperar o correio.


A entrada das corujas nunca me ansiou tanto. Eu podia ver o olhar curioso de Lily, mas suposições de Lene já me irritavam. Então eu apenas tentava me desligar, mantinha as mãos em cima da mesa, as palmas viradas para cima, desejando uma correspondência em tom Pink de Emily, dizendo que essa tinha sido a melhor peça que ela pregara em toda sua vida. Porém, não havia correio algum. Eu enviara dezenas de cartas a todos, mas ninguém me escrevia de volta.


Finalmente um envelope pardo caiu em minha frente, mas não fora Felix que o trouxera, mas uma coruja das montanhas que eu não conhecia. Reconheci a letra de Edgar no envelope endereçado a alguém que não era eu. Engoli em seco e ergui os olhos do envelope para as duas garotas a minha frente.


- Tudo bem, Emme? – o tom de Lily era doce, havia rugas de preocupação em sua testa.


-Sim. Só preciso de um pouco de ar.


Peguei meus pertences e enfiei o envelope na bolsa. Ao sair do salão pude ver os meninos ao redor de um garoto. Infelizmente eu sabia o que faziam, parei bruscamente, notando que Remus não estava com eles. Sirius insultava o rapaz enquanto James tentava acalmá-lo. Percebi que o rapaz, na verdade era Severus Snape, o que me confundiu ao ver James tentando apaziguar Sirius, ao invés de ajudá-lo.


- Merlin, quando você vai deixar disso, Sirius? – Eu pensei isso, claro, mas foi Lily que proferiu as palavras. Aparentemente viera atrás de mim, mas se deparara com a mesma cena que eu.


- O que é isso, pessoal? Ah, de novo Pads... Vai pegar suspensão outra vez – Lene se agitava ao lado de Sirius e James, mas ignorava Snape, seu olhar se mantinha em Sirius, como se ele fosse algo comparado a um sonho.


A situação me parecia absurda. Brigas adolescentes e romance, eu simplesmente não poderia aceitar aquilo, não quando meu mundo estava prestes a desmoronar.


- Um dia, vocês vão olhar para trás e perceber o quão patética essa cena é. – Olhei séria para Sirius – Sério? De uma vez por todas, prestem atenção, vocês não são mais crianças. Então, cresçam!


Os olhos de Lily cintilavam na minha direção e Lene levantou ambos os punhos.


-Ela falou! Ela falou com a gente! Chamem a Pomfrey, há algo errado com Memme... Ela falou!


Estreitei os olhos e me limitei a balançar a cabeça e andar na direção oposta. Estava cansada de lidar com crianças.  Tentei pensar em um lugar onde teria tranqüilidade, eu não precisaria pensar muito nisso. Quando cheguei a biblioteca, me dirigi as fileiras mais ao fundo, buscando o lugar mais escondido possível. Independente do que estava escrito naquela carta, importante ou banal, eu queria guardar minha reação comigo. Ao chegar na penúltima fileira, escutei  um grunhido.


- Ai Regulus.


- Você não para quieta e se recusa a me ouvir. Vou precisar amarrá-la? Merlin, facilite minha vida!


- Ah então quer conversar agora? Não parecia querer quando estava com seus amiguinhos.


- Como se fosse possível me verem conversando com..


-O que? Uma o que? Diz... Eu sei o que você pensa. Primeiro quer minha amizade e depois desfaz de tudo. Eu não tenho tempo para acompanhar essa indecisão.


Avancei e por entre os livros e reconheci Dorcas Meadowes, uma lufana do quarto ano e pelo o que eu podia escutar, estava acompanhada do irmão mais novo de Sirius. Acidentalmente esbarrei em um livro, mas me abaixei a tempo de não ser pega bisbilhotando.


- Você não entende. Vamos sair daqui...


- Ah vá caçar o que você quer no fundo do Lago Negro.


Dorcas saiu trotando e Regulus pareceu ir atrás, pelo menos pelas próximas cinco fileiras. Aproveitei que já estava abaixada e me sentei, encostando-me em uma pilha de livros. Não havia sentido para o que ouvi e eu não tinha certeza se queria saber mesmo do que se tratava, mas não adiantava me prender a tais distrações, eu teria que abrir aquele envelope.


 


“Querida Emme.


Perdão por demorar tanto a escrever. Não podemos nos dar a tamanho luxo com freqüência. Estamos bem. Sua mãe e Line estão protegidas. John e Dominique pedem por você a todo o momento, é difícil explicar que a tia Memeline precisa estudar pra ser uma grande bruxa um dia. Não se preocupe conosco, se concentre em seus estudos.
Eu sei o que você espera, mas temo que eu não possa mentir dando-lhe falsas esperanças. As buscas não foram cessadas, mas me preocupa o fato que estamos nos distanciando cada vez mais do termo ‘desaparecidos’.
É com pesar que escrevo essa carta. Seja forte, querida. Sua família precisa que seja forte agora. Sinto muito. Assim que puder, escreverei novamente.


Com amor,
E.B.


Li e reli o pergaminho em minhas mãos e depois o deixei no chão em minha frente, fitando-o de forma acusadora.


- Eu até aceitei você me chamar de criança quando eu não sabia que aquilo que eu segurava na estufa era excremento de Testrálio, mas hoje, eu repito: hoje você não teria argumento algum. – Sirius estava entrando na fileira, parecia cansado, como se tivesse corrido. Pisquei algumas vezes o encarando, mas não disse nada por alguns momentos e ele, petulante, se sentou ao meu lado e começou a folhear um livro como se tivesse realmente interesse.


- Como me achou aqui?


- Eu tenho certos dons de adivinhação, por assim dizer. – Ele riu e quando me fitou, suspirou. Acho que eu não poderia ter uma expressão muito receptiva agora. – Remus me disse que qualquer problema, eu a encontraria aqui.


Acho que a frase original seria mais ou menos “Remus pediu para ficar de olho em você em caso de pirar, e contou que você gostava de se esconder na biblioteca quando isso acontecia”.


- Vai dizer o que está acontecendo com você ou não? Porque vou te contar, eu tenho mais o que fazer do meu tempo. – ele notou o pergaminho no chão e o apanhou antes que eu pudesse impedi-lo – O que é isso?


Vi os olhos de Sirius passarem rapidamente pelas palavras, claramente confusos.


- Não compreendo.


- Quer dizer que... – Minha garganta ficara seca e minha voz não passava de um sussurro – que eles a mataram, Sirius. Emily está morta. Eu perdi minha irmã.


Dizer aquilo tornara tudo mais real do que eu poderia prever, trazia a tona pensamentos que eu estava evitando todo esse tempo. Ele ficou em silencio, não perguntaria quem eram ‘eles’, Sirius não era tão burro.


- Eu perdi Emily... - não sabia mais o que dizer, minha visão ficou embaçada. Levei as mãos ao rosto, molhado, não reprimindo o soluço e a cachoeira de lágrimas que se seguiu.


- Hey, vem aqui... Calma...- Sirius me puxou para os seus braços, como se aquilo fosse reconfortante. Na verdade, me fazia chorar mais. Emily não merecia aquilo. Era dócil e divertida, incapaz de fazer algo para magoar qualquer pessoa, mesmo se fosse alguém que não a conhecia. Eu implicava com ela praticamente todo o tempo, mas era meu sangue, minha família.
 


 


 



 


- E quem é essa? Ela é linda... – Sirius me mostrava algumas fotografias, eu estava enrolada em um cobertor na frente da lareira da Sala comunal e Sirius estava sentado na poltrona, observava um embolado de fotografias e me jogava algumas delas. Estávamos cercados por doces, sapos de chocolate e todo tesouro de açúcar que Sirius tinha armazenado.


- Essa é Andrômeda. Você a adoraria.


- Ela também foi queimada da tapeçaria?


- Sim.


-Já a amo.


Ele riu, mas não compartilhei desse momento. Parecia que tudo que saia pela minha boca já estava programado.


-Memmeline dos cabelos de gominhas- ele riu e começou a desembaraçar uma goma do meu cabelo.


- O que vocês estão fazendo aí? – Lene descia do dormitório, meio sonolenta- Padfoot, procurei por você a tarde toda e não apareceu para  o jantar. O que aconteceu? – Seu tom era mimoso quando ela se abaixou para dar um beijo rápido em Sirius. Eu não havia previsto aquilo ou sequer percebido que os dois estavam juntos novamente. Quando tinha acontecido? – Hey Memme, o que há meu amor?


- Estou bem Lene, ahn. – Me levantei e entreguei a fotografia para Sirius. – Desculpe, por tudo. – Disse a Lene, mordendo o lábio inferior. Ela sempre estava  ao meu lado, ela e Lils, eu não tinha o direito de ignorá-las como vinha fazendo.


- Não seja boba, eu sei que você tem seus motivos. Mas precisa saber que estamos aqui por você. Eu preciso que converse comigo para que eu possa ajudar. Estarei a disposição quando estiver pronta. Oh Merlin, você se encheu de doces? A situação está feia. -ela me deu um beijo na bochecha e se ajoelhou na frente de seu namorado e começou a contar aquilo que estava ansiosa para dizer a tarde toda.


– Bem, boa noite pra vocês. Obrigada – Lene achou que eu agradecia por aceitar meu pedido de desculpas, mas Sirius assentiu suavemente e sustentou meu olhar por alguns segundos. Me virei  e fui deitar, deixando Sirius fora da minha mente.


Não consegui dormir de imediato, na verdade passei boa parte da noite agarrada ao meu travesseiro, em soluços baixos. De madrugada ouvi um movimento, alguém fez com que eu me afastasse um pouco. Assustada dei espaço e Lily se sentou na minha cama. Fiquei imóvel por alguns minutos no escuro e depois deitei a cabeça em seu colo, recebendo um cafuné acolhedor que me ajudou a cair no sono, finalmente.

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