Capítulo 14: Um



Três semanas depois




Outro agente poderia se sentir ameaçado, ressentido, ou com medo, se estivesse em sua posição, mas quando a campainha da central de segurança da tocou para anunciar a chegada que esperou o dia inteiro, Remo Lupin só sentia alívio. Ele era homem o suficiente para admitir quando precisava de ajuda, e Deus sabia o quanto ele precisava agora.


A central de segurança em Florença era um prédio de três andares de pedra marrom que, pelo menos no papel, pertencia a Associação pelo Avanço da Relação Bruxos-Trouxas. A associação tinha várias propriedades ao redor do mundo, um patrimônio realmente considerável para uma organização que não existia de verdade. Era uma companhia da DI, uma de muitas. Remo e Isobel Hyde-White tinham virtualmente tomado a central e duas outras localizações seguras na área para corrente missão conjunta da a VCI e I&R... Apesar de na ultima semana pelo menos, "corrente" talvez não fosse o termo apropriado. No momento, Remo sentia que a missão corria sobre ele.


Todos ficaram atentos ao ouvir a campainha. – Estão aqui – disse um dos agentes. Remo ouviu mais alguém murmurar – Graças a Deus. – era uma sensação que ele apoiava de coração. Graças a Deus, a cavalaria chegou.


Ouviu passos nas escadas, se aproximando do grande espaço no andar de cima que usavam como centro de comando. Começara como um local de trabalho bem organizado e eficiente, apesar de ninguém enxergar mais isso.


Remo levantou enquanto a porta abriu e um grupo considerável de agentes entrava, vestidos identicamente com as capas de missão da DI. Olharam em volta sem fazer comentários, ficando pra trás como se esperassem instruções. Abriram a formação de vez e Harry passou por eles e parou na frente onde olhou rapidamente em volta antes de encarar Remo. Ele deu um sorriso torto. – Então... Alguém fez um pedido pra viagem? – disse, conseguindo uma rodada de risadas nervosas.


Remo avançou para apertar sua mão. – Fico feliz de te ver aqui, Harry.


-Você também. Queria que fosse em circunstâncias melhores.


- Jones – Remo disse, cumprimentando o vice de Harry, que ficou ao seu lado, segurando uma alta pilha de pastas, que começou a distribuir aos agentes recém chegados.


- Remo, essa é a Capitã Taylor, a nova cabeça das operações de campo – Harry disse, indicando uma mulher a seu lado. Ela era alta, comum e tinha o que se podia chamar de um número obsceno de sardas no rosto, seu cabelo castanho sem graça preso num forte rabo-de-cavalo. –Diz, este é meu bom amigo Remo Lupin. – ela apertou a mão de Lupin e a luz finalmente caiu sobre ele.


- Disraeli Taylor? – ele perguntou.


- Isso mesmo – ela respondeu.


- Prazer em te conhecer. Que bom que resolveu atravessar o lago a tempo pra essa pequena viagem de campo.


Harry virou pra ela, assumindo um ar de negócios... As amabilidades haviam acabado, aparentemente. – Quero um relatório completo em uma hora. Você e Napoleon pegam o status de todos os agentes aqui, quero os dois completamente familiarizados com detalhes de toda operação. Tomem conta da equipe enquanto eu converso com Remo.


- Sim, senhor. – ela disse com um curto acena da cabeça. Remo tinha a impressão que ela estava se contendo pra não bater continência. Suas bases militares eram bem marcantes, mesmo na atmosfera geralmente informal da DI, mas Remo ouvira que essa agente lendária adorava os procedimentos. Taylor começou a dar ordens enquanto Harry seguia Remo até a pequena câmara lateral que usava como escritório.


- Bem, nunca esperava ser chamado para essa operação – Harry disse, sentando.


- Ninguém ficou menos animado que eu, mas não tinha escolha – Remo sentou atrás da mesa, cruzando as mãos e agora diante da infeliz tarefa de confessar em detalhes excruciantes exatamente o quanto as coisas tinham dado errado. –Algumas vezes, você precisa das cartas grandes. Quando as coisas vão muito para o sul, você chama a CIOS.


- Não estou questionando sua ação, estou surpreso. Achei que essa operação estivesse sob controle.


- E estava.


- Onde está Isobel?


Ele hesitou. – Está no hospital.


Harry ficou tenso, uma expressão de alarme no rosto. – O que aconteceu?


- Ela estava com uma equipe cobrindo uma festa onde estava presente a maior parte da organização de D'Agostino quando a festa foi invadida por uma organização rival. Três outros agentes também se machucaram, mas graças a Deus ninguém morreu.


- Um ataque de uma organização rival? Que hora ruim.


- Bem, a maioria de nós acha que foi uma armação. Pra gente.


Harry não disse nada por um momento. Ele não precisava que Remo dissesse com todas as letras de quantas maneiras isso era ruim. – Não tinha idéia que D'Agostino era tão cruel. – finalmente disse.


- Ele é muitas coisas que você nem tem idéia, Harry. O cara é colossal, é terrível em sentido bíblico. Está envolvido em tudo. Anéis para contrabandear talismãs ilegais, contrabando de poções, assassinatos planejados, lavagem de dinheiro, chantagem, prostituição com polissuco... não vamos nem falar das inúmeras incursões com trouxas.


- Já ouvi falar da historia de fundo – olhou Remo nos olhos. –Se me lembro bem, você disse várias e várias vezes que era um erro tentar um ataque na organização toda de uma vez.


- Queria estar enganado sobre isso. Mas seria menos arriscado focalizar em alvos individuais dessa organização um de cada vez e desorganizar as coisas aos poucos.


-Vamos descobrir tudo e colocar sob controle, não se preocupe. Mas... Remo, experiências anteriores me ensinaram a ser franco com isso, apesar de você saber como as coisas acontecem. Quando a CIOS é chamada, entramos no comando. Então, devo te comunicar que devo oficialmente tomar o comando dessa operação. Não é um reflexo de suas habilidades ou de minha confiança nelas, é só a política geral.


-Eu entendo – e de fato entendia muito bem. Quando era o vice da divisão de Harry, foram chamados em algumas operações que tinham ido mal, e olhara Harry lutar contra oficiais de comando depostos que se ressentiam de sua presença... Mesmo quando foram eles que o chamaram. – Meu ego não está na mira aqui, Harry.


- Que bom, então não teremos problemas. De minha parte, você ainda está no comando. Conhece a situação aqui melhor do que tenho esperanças de conhecer. A boa noticia é que se algo der errado, vai ser minha cabeça em jogo e não a sua. Minha primeira prioridade é a segurança de seus agentes do campo. Vamos começar a pensar em formas de extraí-los sem entregar seus disfarces. Teremos que minimizar o conhecimento dos alvos sobre nossas atividades, especialmente no nível de infiltração que você alcançou, enquanto maximizamos nossas habilidades de preparar outra operação quando as coisas esfriarem. – Harry se remexeu em seu lugar e desviou os olhos, apenas por um momento. –Quantos de seus agentes de campo estão sem contato? – ele perguntou, seu tom agressivamente calmo e controlado.


Remo se perguntou por um momento se deveria responder a perguntar que Harry fizera ou aquela que não fizera. Escolheu a segunda opção, sem ver motivos para evasões. – Ela está bem, Harry; foi a todos seus encontros e seus relatórios chegam em dia. Ela não foi descoberta.


A expressão de Harry não mudou, mas Remo viu sua postura relaxar um pouco. – Agradeço a informação, mas não respondeu minha pergunta.


Ele suspirou. – Três estão sem entrar em contato.


- De quantos?


- No total são vinte e um infiltrados.


- Isso é ruim – Harry estalou os dedos, pensando. – Napoleon e Diz estão analisando os detalhes. Quero ver o diário de campo, seu e de Isobel, e posso querer encontrar alguns agentes de campo durante seus encontros agendados. – ele levantou. – Remo, vamos chegar ao fim disso. – se preparou para sair.


- Harry? – ele chamou baixo.


- Sim?


Remo hesitou. – Sabe qual é a única explicação real de como é possível uma operação desse tipo dar tão errada assim.


Harry inspirou e segurou a respiração por um momento. – Não vamos pular para conclusões precipitadas. Vamos atravessar essa ponte quando chegar a hora.




Napoleon entrou na sala de conferências da central, fechando sua pasta. Diz estava sentada na cabeceira da mesa, cercada por anotações e relatórios... Ou ao menos era isso que ele achava que era aquela pilha tão alta que ele não a via. – Diz? – ele chamou.


- Yo – veio a resposta atrás da montanha de papéis. Ele deu a volta na mesa e puxou uma cadeira pro lado dela. Até agora, o relacionamento dele com essa mulher fora... tenso. Primeiro, ele não tinha certeza de como tratá-la. Ela tinha uma patente superior, mas como ele era o vice de Harry e ela era apenas supervisora de campo, ele freqüentemente se encontrava numa situação de ter que dar ordens. Em segundo lugar, com todo seu jeito formal e de seguir os procedimentos, ela era seu completo oposto de toda maneira imaginável.


- Falei com todos agentes aqui da central. O que você tem?


Ela suspirou. – Só me atualizando com o progresso deles. Tudo parecia ir bem até semana passada, quando virou um inferno. Há três agentes infiltrados sem contato, seis agentes machucados em vários incidentes que parecem armados e vários locais para encontros, supostamente secretos, sob vigilância do alvo.


- D'Agostino. – Napoleon murmurou. – Ouço falar do cara há anos.


- Provavelmente a figura mais formidável do crime organizado... Mas não se iluda, não é tão organizado assim. Essa missão supostamente era pra derrubá-lo e desmanchar sua organização, mas sabe qual era a verdadeira intenção aqui, não é?


- Descobrir se D'Agostino tem ligações com o Círculo.


- Esse é o grande "x" da questão. Até agora, não há evidencias que ele tem, mas conhecendo Allegra, é difícil engolir que ela deixaria outro bruxo reunir esse tipo de poder que ele tem no submundo sem nenhuma consideração com o Círculo.


Napoleon suspirou. – Estou preocupada com minha amiga Hermione. Ela está bem?


Diz olhou uma pilha de papeis. – Granger, não é? Até agora parece bem. Está infiltrada na casa de Patrick Wainwright, ele é o tenente mais importante de D'Agostino. Tipo seu braço direito.


- Ela está na casa desse cara?


- Sim. Está se passando de uma governanta chamada Madame Treblinka, que toma conta dos três filhos de Wainwright. Seus relatórios são impressionantemente completos. Deu várias informações sobre as idas e vindas de gente grande da organização. Muitos dos negócios acontecem na casa de Wainwright e por isso a colocaram lá. O último relatório dela chegou ontem. – ela pensou por um minuto. – Isso não vai ser um problema com nosso patrão, vai? – como sempre acontecia com ela, a palavra "patrão" vinha com um sutil sarcasmo.


- Como assim?


- Bem, eles tiveram um... um romance, não foi?


- Dá pra dizer que sim.


Ela balançou a cabeça, rindo baixo. – Espero que ele consiga manter a razão e não perder a cabeça só porque uma de suas ex está lá fora em campo.


Napoleon levantou. – Não se preocupe com Harry – ele disse frio. – E não devia falar sobre coisas que não entende. – ele saiu, se permitindo a satisfação de uma boa porta batida.




You're everywhere to me
When I close my eyes, it's you I see
And everything I know that makes me believe
I'm not alone...and you're everywhere I see
So tell me, do you see me?




Hermione se considerava uma profissional treinada. Fora ensinada pelos melhores no setor e já tinha conseguido uma boa experiência, colocando a mão na massa. Ela conhecia o sistema. Não tinha nascido ontem.


Ainda assim, quando viu Harry sentado no banco do parque onde seu contato geralmente ficava sentado, quase demonstrou uma reação visível. Controlou-se a tempo. Não podia dar qualquer sinal que comprometesse sua posição, ou que havia reconhecido Harry. Ele estava vestido no que ela achava ser seu disfarce casual, ainda quase todo normal, mas com o cabelo clareado até um castanho médio e a cicatriz em sua testa apagada. Sem os óculos e com os olhos quase cor de mel, estava praticamente irreconhecível, mesmo sem seu rosto ter mudado nada.


Ela não se deixou imaginar o que raios ele estava fazendo ali ou onde seu agente contato de costume estava. Apenas siga o procedimento padrão, disse a si mesma. Quando tudo mais falhar, siga o procedimento padrão. O pensamento era reconfortante, especialmente agora. Pouquíssimas notícias do resto da operação chegavam a ela na casa de Wainwright, mas o que chegara não era bom. Pra completar, ela tinha quase certeza que estava ficando doente. Sentia-se meio zonza e mal do estômago. Uma das crianças acabara de se recuperar de um problema digestivo e ela provavelmente se infectara.


Como era sua rotina de reuniões, entrou num beco seguro e tirou o feitiço glamour que usava para disfarçar sua aparência. Uma governanta de aparência séria chamada Madame Treblinka entrou no beco, mas Hermione Granger apareceu. Ela foi casualmente até o banco do parque e sentou do outro lado. Harry não deu sinal algum de tê-la visto sentar-se, simplesmente continuou lendo seu jornal. Trate-o como se fosse seu contato regular, disse a si mesma. Vá com a maré.


- 6520 – ela disse baixo, sem mexer muito os lábios. Era seu código de reconhecimento. Harry tinha que responder com o código correto então ela sabia que não era um impostor.


- 5963 – ele disse do mesmo modo. – Relate.


Hermione continuou com seu relatório. Ela achava que seria esperança demais que ele pudesse falar com ela de verdade, afinal, ele não faria isso mesmo que não estivessem na situação tensa de uma missão. Ele ouviu, sem dar nenhum sinal disso. – Wainwright deu em cima de mim ontem a noite – ela completou ao terminar seu relatório. Essa informação não era dirigida a Harry, ela teria contado mesmo que fosse seu contato regular.


- Isso não é incomum, é?


- Não. Ele dormiu com quase todas empregadas, era uma questão de tempo antes que chegasse a mim. – ela parou, sem dizer se importar em dizer Wainwright sobre o sucesso, ou falta dele no caso, em seduzi-la. Deixe que ele fique na dúvida. – Vi D'Agostino hoje de manhã. Foi a primeira vez que coloquei os olhos nele de verdade.


- E?


- Ele é mais baixo do que eu esperava.


- Todo mundo diz isso – uma pausa. – Mais alguma coisa?


- Isso cobre tudo – nesse ponto, ela teria levantado e ido embora, com seus assuntos resolvidos... Relatórios escritos eram enviados por corujas secretas, ela não tinha mais nenhum motivo para manter o contato. Quanto mais demorasse, maior a chance que esse encontro secreto fosse observado. Entretanto, tinha mil perguntas que queria fazer e depois de um tempo decidiu que tinha um direito de fazer ao menos uma. – O que está fazendo aqui? – perguntou. – Onde está meu contato usual? – Não podia se referir ao homem pelo nome, não sabia qual era.


- Sou um substituto temporário.


Ela suspirou. – Vocês foram chamados, não foi? A CIOS, quero dizer.


- Sim.


- Não sabia que estava indo tão mal assim.


- Não se preocupe com isso. Concentre-se em sua própria tarefa. – ele hesitou. – Você está bem? – perguntou, quase baixo demais pra ser ouvido.


Ela resistiu à tentação de ler demais nessa pergunta. – Estou bem – respondeu.


- Parece cansada.


- É difícil relaxar em minha posição. É uma missão tensa.


- Eu sei.


- Não que estivesse dormindo tão bem quando cheguei aqui. – completou antes que ela pudesse se conter. Olhou pra ele pela primeira vez desde que sentara e viu que ele também olhava pra ela. Por apenas um momento a dor compartilhada pairou no espaço entre eles como um choque elétrico. Harry voltou os olhos para o jornal. Uma onda de náusea apertou o estômago de Hermione e ela fez uma careta, praguejando contra a doença que a atingira. Se havia uma coisa que não precisava agora era ficar doente. Sua expressão não escapou a Harry... como um ex-apanhador e agora um espião, boa visão periférica era algo que tinha em abundancia.


- Está pálida – disse. – Precisa se cuidar.


- Estou bem – repetiu. Ela levantou. – Tenho que voltar.


- Fique alerta – falou, sua voz traindo um pouco mais de urgência do que antes. – Tome cuidado.


Ela não respondeu, apenas foi embora rapidamente, sem olhar pra trás. Seu coração batia forte e uma náusea invadia toda sua barriga. Não podia imaginar que simplesmente sentar tão perto dele seria tão inquietante. Estava presa na casa de Wainwright há semanas e não vira ninguém além de seu contato da DI, que poderia da mesma forma ser um andróide por todo apoio pessoal que oferecia. Ela não percebeu completamente o quanto sua separação de Harry tinha lhe desgastado até que chegara ali um mês antes e se encontrou totalmente debilitada pela exaustão e pelo cansaço emocional. Concentrou-se completamente em sua tarefa, o que lhe dera um surpreendente alívio.


Estranhamente, apesar de precisar ficar alerta o tempo todo, seu papel disfarçado oferecia mais alívio do que ela imaginava. Como babá das três crianças de Wainwright, tinha muito pra ocupar sua mente já que os ensinava e cuidava deles. Saía freqüentemente ao parque e eventos musicais e tinha a maioria das noites pra ela, durante as quais ela podia ler ou caminhar nos extensos jardins da propriedade de Wainwright. Às vezes era quase como estar de férias. Estava sempre consciente de sua tarefa, que era observar o máximo possível das atividades da organização na casa, mas as oportunidades de fazer isso eram limitadas. Ela só podia ver os negócios que passavam pela residência de Wainwright.


Vê-lo agora a pegara completamente de surpresa. Ela nem sabia que ele estava no país. Realmente achara que estava começando a deixá-lo no passado? Que insanidade a fez pensar que poderia esquecê-lo?


Sentiu as lágrimas subindo no canto de seus olhos enquanto se apressava pelas ruas pitorescas de Florença. Imaginava se o encontro teve algum efeito do tipo nele. Ele não parecia ter muito problema em colocar o relacionamento deles no passado. Mesmo a conversa que tiveram no escritório dele, logo antes de sua partida, teve um ar de simples conhecidos... E essa fora a maior conversa que tiveram desde que separaram.


Queria acreditar que o ar dele de completo desapego era uma encenação pra esconder seus verdadeiros sentimentos. Todos comentavam do distanciamento dele, e não apenas com ela. Se ela conhecia Harry, e o conhecia bem, ele ia engolir tudo o que sentia e guardar bem guardado dentro de si. Bem, quando tudo isso acabasse e se estava indo tão mal assim ia acabar logo, ela acharia uma maneira de quebrar a máscara de apatia que ele usava. Tinha que saber se era apenas uma defesa... Ou se ele realmente não a amava mais.




4 dias depois....




A central de segurança estava cheia de atividades. Harry fazia com que todos trabalhassem muito em planos de contingência para a retirada de todo o time... Não era uma tarefa fácil considerando o nível de infiltração que tinham alcançado. Quando um agente estava tão completamente alojado não dava pra simplesmente tirá-lo de lá sem que as pessoas suspeitassem.


Lupin revisava e aprovava pergaminho após pergaminho de ordens que passavam por sua mesa, sua mente girando com as ramificações e explicações que com certeza viriam depois. Harry estava de pé ao lado de uma parede com um mapa de Florença, tocando aqui e ali para ver de mais perto. – Certo. Sabian está olhando este ponto de encontro aqui. – ele disse, apontando um pequeno parque. – Se D'Agostino colocou alguém pra seguir o agente Murdoch logo saberemos.


- E se virem Sabian? – Disraeli perguntou. Harry, Lupin e Napoleon apenas olharam pra ela por um momento. – Que foi? – ela perguntou.


- Sem chance – Harry disse. – Sabian trabalha pra mim há cinco anos e nunca o vi. Ele é mais que suficiente para os capangas de D'Agostino. – ele virou de volta para o mapa. –Certo. Então temos Lila pronta pra fingir...


A porta abriu de vez, interrompendo as palavras de Harry. Era Shay Daley, parecendo preocupada.


- O que foi, Shay? – Harry disse, franzindo a testa.


- Talvez a gente tenha um problema – ela disse. – Hermione não apareceu para seu encontro hoje. Seu contato esperou por horas... E ela não chegou.


O coração de Lupin afundou. Olhou pra Harry, ali de pé com seus braços cruzados sobre o peito. Seu rosto ficou mais pálido, mas não teve mais nenhuma reação. Lupin esperou pelas ordens que Harry daria. O procedimento padrão em um caso desse era esperar um dia. Havia muitas razões para um agente não ir a um encontro. Uma única ausência não era necessariamente motivo para se preocupar. Geralmente nenhuma medida era tomada até que o agente faltasse duas reuniões... mas Lupin sabia que o primeiro instinto de Harry, como Hermione estava envolvida, era de invadir tudo com as armas prontas, por assim dizer.


- Certo – Harry disse. – Diga pra o agente contato dela para voltar ao local de encontro amanhã. Dispensada. – Shay saiu da sala, parecendo desapontada. No caso de um agente perder um encontro, as ordens diziam para que tentasse novamente no dia seguinte, mesmo que não houvesse um encontro marcado no outro dia. Se Hermione simplesmente não tivesse conseguido ir para reunião, retornaria ao ponto de encontro no dia seguinte, a mesma hora. Se ela não aparecesse, então seria uma verdadeira causa de preocupação. Harry fizera exatamente o que era esperado e apropriado pra qualquer agente que faltasse a um encontro.


Ele virou e os encarou, os dentes cerrados. Napoleon falou primeiro.


- Não significa nada, chefe – ele disse baixo. – Existem milhões de razões para...


- Eu sei – Harry o interrompeu. Balançou a cabeça que sim, os olhos firmes no chão. – Eu sei – repetiu baixo, quase só para si mesmo.




Harry andava de um lado para o outro em frente ao quadro de status enquanto uma discussão rolava na mesa de conferência. Ele não parecia estar prestando muita atenção. Seus olhos estavam abaixados e ele parecia pensar profundamente.


Lupin bateu na mesa. – Pare, pare! – ele disse. – Isso não adianta.


- Não adianta? – agente Murdoch perguntou. – Não podemos mais perder tempo, Lila está pronta. Temos que arrumar seu cenário agora mesmo ou vamos adicionar o nome dela a lista de baixas.


- Não podemos fingir mais mortes, eles vão suspeitar!


- Já suspeitam de tudo, temos que cortar nossas perdas e abortar a missão toda.


- Vamos perder D'Agostino se abortarmos tudo de vez!


- Que se ferre D'Agostino, nossa primeira obrigação é com a segurança de nossos agentes de campo.


- Que segurança? Estão todos mais expostos que nós sabemos, e muito! Silverstein está sendo seguido, Knightbridge teve que se esconder e Granger perdeu três encontros. – Lupin viu vários olhos se virarem para Harry quando o agente Williams disse a última coisa. Hermione estava sem contato, há quase uma semana. Os outros agentes infiltrados fizeram algumas perguntas discretas, mas sem sucesso. Acreditava-se que ela ainda estava na casa de Wainwright, mas ela não ia aos encontros e seus relatórios deixaram de chegar todos os dias. Harry continuava num silêncio teimoso sobre o assunto, dando apenas ordens estritamente próprias sobre a situação dela, mas Lupin sabia que isso devia estar acabando com ele. Achava que Harry não dormia há dias.


Vozes alteradas iam de um lado para o outro na mesa de conferência. Todos estavam tensos e frustrados, sem falar preocupados com vários amigos e colegas ainda em perigo e tentando evitar os capangas de D'Agostino cada vez mais atentos. Harry de repente parou de andar e foi para porta. Todos olharam para ele. – Aonde está indo, patrão? – Napoleon disse.


Harry virou novamente. –Vou para casa de Wainwright.


Isso calou todos. Os agentes se entreolharam, incertos em como responder. Apenas Diz Taylor parecia ter a capacidade de falar. Ela levantou, seu rosto estóico retorcido numa expressão pensativa. – Se importa em detalhar o plano, Harry? – ela disse.


Ele encontrou seu olhar questionador. – Temos uma agente sem contato, Taylor. Todos relatórios indicam que ela ainda está na casa. Se ela pudesse sair, teria saído. Se ela pudesse nos contatar, teria entrado em contato. Não acho que exista duvidas que ela está com problemas. – Lupin observava esse diálogo de sua cadeira. Esse era o máximo que Harry falava sobre a situação de Hermione em dias.


- Temos vários agentes com problemas – Taylor disse. Lupin engoliu a irritação com ela... Só estava fazendo seu trabalho. – Por que se envolver pessoalmente nesse incidente em particular? – ele estava impressionado com a petulância dela. Todas as pessoas na sala, incluindo Taylor, sabiam exatamente porque ele poderia se envolver pessoalmente... Ela só queria fazer com que ele admitisse.


- Porque nenhum dos outros agentes está preso contra vontade dentro da própria situação de disfarce. Não há nada mais perigoso em uma infiltração do que ficar sem apoio externo. Algo está acontecendo dentro daquela casa e pretendo descobrir o que é.


- Senhor – Taylor disse, se endireitando um pouco. – é inapropriado que vá àquela casa. – daria para ouvir um alfinete caindo na sala. Lupin queria protestar, mas Taylor diria o que queria mesmo assim... E ele não podia fugir da questão dela estar completamente certa.


Harry não parecia surpresa. – E por quê?


Diz saiu detrás da mesa pra encará-lo. –Porque está no comando aqui, senhor. Se quiser que a casa seja vigiada, deve ordenar que alguém faça isso. Se o senhor se comprometer pode colocar em risco toda a missão.


- Isso não teria nada a ver com minha antiga relação com a Agente Granger, teria?


- Você disse, senhor, não eu.


- Acha que estou agindo irracionalmente?


- Não coloque palavras em minha boca, Harry. Mas não podemos deixar que nossas emoções interfiram em decisões estratégicas.


- Não posso evitar, Diz. Minhas emoções estão envolvidas. Me importo que disfarce de Lila foi descoberto. Estou preocupado com o agente Silverstein. Temo pela segurança do agente Knightbridge. E sim, estou muito preocupado com Hermione. Talvez você tenha a habilidade de separar seus sentimentos de seu trabalho, mas lamento que a maioria de nós não consiga. – ele olhou para Lupin. – Qual é o seu disfarce de emergência na casa dos Wainwright?


- Hã, de primeiro sub-mordomo. Um cara chamado Gustafson.


- E onde está o verdadeiro Gustafson?


- De férias.


- Quanto tempo?


Lupin sorriu. – Pelo tempo que precisarmos.


- Ótimo – olhou de volta para Diz. – Vou para aquela casa, Diz. Vou precisar da folha de perfil desse Gustafson para tomar o lugar dele, e vou precisar do glamour pronto em uma hora. Vai preparar isso pra mim? – ele virou pra sair.


Diz não parecia feliz. – Tenho que protestar, senhor. Tem um conflito emocional e deve sair da ação direta. É muito perigoso o senhor ir.


Harry parou, ainda de costas para ela. – Seu protesto está registrado.


Taylor não tinha terminado. – Senhor, não posso permitir...


Harry virou de vez, seus olhos brilhando. – Capitã, vai seguir minhas ordens ou vou ter que dispensá-la de seu trabalho. Entendido?


Taylor ficou um pouco tensa. – Sim, senhor. – ela disse, com uma formalidade deliberada. Harry balançou a cabeça que sim e saiu. Taylor hesitou por um momento e então virou para os agentes reunidos, todos olhando pra ela. – Ouviram o homem. Vamos aprontar o glamour. Napoleon, pegue o perfil resumido. – todos se espalharam. Taylor foi para seu lugar e juntou seus papéis.


Lupin suspirou. – Me pergunto, Diz, pra que isso?


- Precisava ser dito – ela olhou pra ele. – Você não podia ter me dado um apoio? Sabe que estou certa.


- Lamento que isso não importe. Ele estava determinado. Além disso, ele pode ter uma ligação emocional, mas acredito na capacidade dele funcionar apesar disso. Sei que tem pouco tempo no time dele, mas é realmente um agente muito habilidoso, além de um bruxo muito poderoso. Ele ainda é a melhor pessoa pra ir atrás dela, não importa quem ela é pra ele.


Ela balançou a cabeça. –Espero que não nos arrependamos disso depois.




I can't stand to fly, I'm not that naive
I'm just out to find the better part of me
I'm more than a bird, I'm more than a plane
I'm more than some pretty face beside a train
It's not easy to be me
I wish that I could cry, fall upon my knees
Find a way to lie about a home I'll never see...




Hermione estava deitada na cama, enfiada sob pesados lençóis sedosos, lutando pra permanecer consciente. Sua visão entrava e saía de foco e todo seu corpo tremia com espasmos que iam e viam sem parar.


No momento estava sozinha. Isso era incomum. Desde que ficara confinada em sua cama, há quase três dias, sempre era vigiada por alguém da casa. Geralmente era a esposa de Wainwright, que ela começara a desprezar. Às vezes o mordomo, seu chefe atormentador. Por algumas horas, o próprio Wainwright ficou sentada com ela, olhando duro, mas não falou nada.


Queria se aproveitar de sua solidão momentânea e tentar escapar, mas sua mente estava tão zonza que não conseguia terminar nenhuma idéia. Não chegaria muito longe em suas condições, mesmo... Seus membros estavam tão fracos que não agüentariam. Sua varinha estava trancada em algum lugar do escritório de Wainwright, a casa estava cheia de gente e a porta da frente estava tão longe que era quase como ir até Roma.


Os segundos se arrastavam enquanto ela esperava por... não tinha certeza do que esperava. A morte, provavelmente. Era tudo que restava. Logo ela seria levada dessa casa e nunca mais voltaria, a lugar nenhum. Entraria no arquivo de "desaparecidos em missão". Imaginou se Harry assinaria o documento declarando-a oficialmente morta. Sabia que nunca encontrariam seu corpo, Wainwright cuidaria disso. Isso é cedo suficiente pra você, Guardião? Pensou. Irei até você em breve.


Nesse momento a porta de seu quarto se abriu e ela achou ter visto por um segundo o Guardião ali, vindo pra levá-la até o Domínio. Uma figura de capa estava delineada contra a luz do corredor, parado ali sob o umbral. Então a figura avançou na luz e ela viu que era Harry.


A princípio achou que estava imaginando coisas. Essa não seria a primeira vez que o veria em suas alucinações delirantes. Não fez quase mais nada ali deitada além de desejar desesperadamente a encontrasse. Já o vira em seu quarto diversas vezes. Uma vez ele sentou na beirada de sua cama e segurou sua mão e ela disse várias e várias vezes que lamentava muito.


Ele fechou a porta atrás de si e veio em direção a cama de modo que Hermione pôde ver sua expressão. A surpresa limpou um pouco sua mente. A máscara que ele usara durante os dois últimos meses, aquela máscara fria, distante, de quem não sentia nada tinha sumido. A emoção nua estava estampada em seu rosto, limpa e livre. Ela se perguntara várias vezes se ele ainda a amava e agora tinha sua resposta. Estava bem ali em seu rosto enquanto a olhava deitada. – Hermione? – ele sussurrou. Ela abriu a boca, mas nenhum som saiu. Ele se apressou e se ajoelhou ao lado da cama, olhando pra ela. Ele parecia tão ansioso e assustado e ainda assim ver sentimentos em seu rosto, qualquer que fosse, era tão bem-vindo que isso nem importava.


- Harry? – falou, rouca.


- Sim, sou eu.


- Está realmente aqui? – sussurrou. Não conseguiu evitar a pergunta... Se essa era mais uma alucinação, não queria saber.


- Estou aqui – ele disse. Colocou uma mão sobre a testa dela, tirando seu cabelo molhado. Levantou uma de suas pálpebras e depois a outra, olhando em seus olhos. – Ninguém sabia o que acontecera com você, não podia mais agüentar. O que foi? Estava doente quando te vi no outro dia... O que era? Qual foi o problema?


Ela puxou a manga dele entre os dedos que tremiam. Ele parecia real o suficiente. Um alívio a tomou com força suficiente pra que se sentisse tonta. Sua visão entrou e saiu de foco, o rosto dele duplicando e tremendo. – Desejei que você viesse. – ela disse. – Desejei por você cada segundo – suas palavras estavam fracas e tremidas.


- Desculpe por ter demorado tanto – ele disse segurando as mãos dela com força. –Estou aqui agora, querida. O que aconteceu com você? Pode me dizer?


- Eles... Me envenenaram. – respondeu. Sentiu os dedos de Harry apertarem os seus até doer, mas ela estava grata por isso. Todas as sensações ajudavam-na a se manter concentrada no presente quando sua mente não queria mais nada além de divagar.


-Wainwright? – ele disse, a voz apertada.


Ela fez que sim. – Ele e sua esposa... Descobriram sobre mim.


- Quem mais sabe?


- Hã... Ninguém mais. Eles mantêm segredo... porque...


Harry completou o pensamento por ela. – Porque não queriam que D'Agostino descobrisse que tinham alguém infiltrado.


- Isso. Então me deixaram doente... Pouco a pouco...


Ele a interrompeu. – Pra que pudessem se livrar de você, dizer que estava no hospital ou algo do tipo e ninguém suspeitaria. Entendi. Certo, tenho que te tirar daqui. – ele esticou os braços e os passou por baixo de seus ombros, ajudando-a a sentar. – Pode se mexer?


- Não muito... fraca, cansada.


- Não durma, ouviu? Fale comigo, continue falando. – ele atravessou o quarto até o armário e começou a vasculhar, provavelmente procurando a capa dela.


Hermione se obrigou a continuar falando, como ele pedira. Era mais fácil se concentrar quando ele estava ali pra lhe dar um foco. – Quando percebi porque... estava tão doente... tentei me afastar, mas... – ele se firmou com a mão sobre a cabeceira. – Eles me pegaram. Estava muito fraca pra lutar.


-Fez o melhor que pôde – ele disse, voltando com a capa. Ele sentou na cama e a colocou em volta dela, prendendo firme sob seu queixo. Ela segurou nos braços dele, tentando manter a concentração e a coragem pra que não escapassem. – Sabem quem você é? – ele perguntou.


-Não, só que sou uma agente. Acho que nem sabem pra quem trabalho. – por sorte, o feitiço glamour dela fora feito externamente e ficaria intacto até que fosse removido. Se ela mesma tivesse que mantê-lo, nunca agüentaria. – Harry... Estou tão feliz que esteja aqui – sussurrou.


Ele olhou pra ela então, o olhar dele a fez querer explodir em lágrimas e pular de alegria ao mesmo tempo. Não era apenas o olhar, que era principalmente de ansiedade e preocupação, mas o fato de ter uma emoção tão aberta. Era o Harry com o qual estava acostumada, não o mesmo com qual ficou presa nos últimos meses, por menos que o tenha visto. De repente, ele a puxou contra seu peito e a abraçou com força. – Por Deus, Hermione – ele murmurou contra seus cabelos. – Não era pra eu vir até aqui, mas precisava. Simplesmente precisava vir. Tinha certeza que ia chegar aqui e te encontrar já morta. - ela não podia responder, era incapaz de uma resposta racional. Tudo o que conseguia era se segurar nele e sussurrar seu nome, várias e várias vezes, sua voz meio engasgada pelas lágrimas. Ele recuou – venha – ele disse. – Vamos sair daqui. – ele manteve um braço nas costas dela e a ajudou a sair da cama.


- Harry, como... estão todos na casa... Como vamos...


- Deixe que eu me preocupo com isso. – ele enfiou a mão no bolso e puxou seu talismã de glamour. Depois de murmurar algumas palavras, o disfarce de um senhor mais velho, de cabelos castanhos tomou seu rosto. O disfarce parecia um tanto familiar, mas ela não sabia de onde. Tinha a vaga impressão de ser um servente que ela conhecera logo depois que chegou. Um disfarce era sempre necessário, principalmente pra ele. Era uma das coisas que mais atormentava Harry... tentar ser um espião quando se tinha o rosto mais famoso do mundo bruxo era no mínimo irritante.


Ele a ajudou a ficar de pé, mas as pernas delas pareciam gelatina e flores negras entravam novamente em seu campo de visão. Ele a segurou pelos ombros e a sacudiu. – Não se atreva – ele disse firme. – Fique comigo, ouviu? Vamos lá! Fique comigo! – ela segurou na capa dele e tentou se firmar, mas estava fraca demais. Ela quase não sentiu na hora que ele se curvou e a carregou. Ela se curvou contra o peito dele, desprezando a própria fraqueza e odiando Wainwright mais que nunca.


-Harry... não pode me carregar até lá... casa grande...


- Te carregarei até a central se for preciso – ele disse, já se dirigindo até a porta. –Apenas se concentre no que puder e fique acordada.


- Não posso lutar... Não pode se estiver me carregando.


- Não vai ser preciso – ele disse baixo, pois já estavam no corredor. –Se Wainwright tem tanto medo de descobrirem sobre você, vai me ajudar a te tirar da casa em silêncio pra não arriscar se expor. – ele olhou para as escadas perto do quarto dela. Teriam que usar a porta da frente, o fundo da casa dava pra um penhasco de frente pra um rio, não dava pra escapar por ali. Para sair, teriam que atravessar a casa toda. Como se não bastasse, a magia dele seria inútil. Da mesma forma que a maioria dos prédios associados com a organização de D'Agostino, a casa era cheia de feitiços sugadores que impediam o uso de magia por qualquer um além de habitantes autorizados. Por isso também o glamour para disfarçar tinha que ser feito e controlado pela DI, ligados a eles apenas por um talismã de controle remoto.


Ela enfiou o rosto no pescoço dele e se segurou firme, imagens e sons passando por ela como uma onda insignificante de surrealidade. Seu corpo tremia muito, cada músculo tenso e vibrando e a pele sobre seu corpo toda arrepiada. Os braços de Harry eram fortes enquanto a carregavam, apesar dela sentir seu pulso contra o pescoço. Seus passos eram firmes e determinados, mas totalmente silenciosos.


Eles passaram pelo foyer principal, um enorme espaço perto da frente da casa. Vários cômodos davam nesse espaço, inclusive as salas principais do escritório de Wainwright, onde os negócios geralmente aconteciam. No momento, vários dos melhores homens da família do crime de D'Agostino estavam ali, talvez inclusive o próprio D'Agostino.


Ela ouviu a porta abrir na frente deles na hora que entraram no foyer e sentiu Harry ficar tenso. – É Wainwright - ele sussurrou, hesitando. – Vou colocar você no chão por um momento. Vou precisar de uma mão livre. Pode ficar de pé?


Ela fez que sim. – Posso ficar de pé. Não se preocupe comigo. – ela levantou a cabeça um pouco e olhou pra frente. Wainwright estava no foyer com dois membros da organização que ela conhecia só de rosto. Os dois ficariam encantados de saber da presença dela na casa... Adorariam tirá-lo do caminho pra poder tomar seu lugar como braço direito de D'Agostino. Harry gentilmente a colocou de pé, mantendo um braço firmemente em volta dela. Ela segurava com força na capa dele, concentrando-se apenas em manter as pernas firmes. O que quer que fossem fazer, ele teria que dar conta. Ela não tinha condições de ajudá-lo. Avançaram devagar.


Um dos membros a viu primeiro, o senhor mais velho com um rosto gentil que ela sempre teve problemas pra aceitar como um criminoso. Ele sempre usava vestes de veludo bem feitas e falava com gentileza com ela. – Madame Treblinka – ele disse, - Coitadinha! Patrick, ela parece pior – ele disse para Wainwright. Todos sabiam que ela estava doente há um tempo. – Essa mulher precisa ir ao hospital.


Wainwright foi depressa na direção deles, se afastando de seus colegas. Ele era um homem alto com distintos cabelos brancos apesar de ter apenas quarenta anos, a pintura de um presidente de uma empresa, mesmo sendo executivo de uma das maiores organizações criminosas do mundo bruxo. – O que foi, Gustafson? – ele disse baixo quando os alcançou.


Harry olhou duro pra ele. – Estou levando-a antes que o veneno a mate de vez – ele, também mantendo a voz baixa. A fuga deles dependia de manter o segredo de Wainwright bem guardado.


- Não é Gustafson – Wainwright disse, uma apreensão tomando sua expressão. – Quem é você?


- Vou deixar que fique preocupado com isso. Melhor nos ajudar a chegar até a porta. Não quer parecer insensível na frente de seus amigos. – essas foram as palavras mágicas. Wainwright imediatamente ficou do lado de Hermione e a segurou pelo cotovelo. Os três começaram a ir devagar até a porta. Hermione aceitou a ajuda de Wainwright só porque estava em perigo real de desmaiar se não aceitasse.


- Nunca vão sair daqui com você – Wainwright murmurou.


- Me preocuparia com meu pescoço se fosse você.


- Sua mágica não funciona aqui. Não pode se defender. Não poderia lançar nem um feitiço de cócegas se quisesse.


-Não, mas poderia sair atirando em tudo com a 38 que tenho no bolso – Harry disse, mantendo o braço direito preparado. –E aí, como ficaria pra você? Ou prefere dizer a eles quem ela é? Vá em frente! Tenho certeza que seus amigos adorariam saber como você teve um enorme furo na segurança de sua casa durante quase um mês sem notar nada.


Wainwright ficou sem resposta. A maioria de seus sócios tinha entrado no corredor. –Aonde vai levá-la? – um deles perguntou.


- Para o hospital – Wainwright falou por cima do ombro. – Ela ... Está muito pior hoje.


- Já era hora, Patrick – o outro disse. – Não deveria ter esperado tanto tempo.


- Gustafson a ouviu gritando e a encontrou... ela desmaiou no quarto. – Wainwright falou. Já estavam perto da porta, Wainwright se mantendo ao lado de Hermione. Ele olhou pra ela, escondendo sua raiva apenas parcialmente.


- Quem é ela na verdade? – ele disse. – Não é Madame Treblinka.


- Isso não é de sua conta, Wainwright – um dos porteiros segurou a porta da frente aberta para eles, sem notar nada estranho na situação.


- Fique bem logo, Madame – o porteiro disse. De certa forma, Hermione se sentia mal por enganar as pessoas comuns que trabalhavam ali. Não eram mais criminosos que ela, muitos deles ignorantes a verdadeira linha de trabalho de seu chefe. Hermione sentiu um enorme alívio quando passaram pela porta, não só por estar livre da casa que se tornara sua prisão e quase seu leito de morte... Mas porque ali fora, Harry podia usar o tanto de mágica que quisesse.


De fato, na hora que saíram, ele a puxou e a carregou no colo. Ignorou os protestos de Wainwright e Hermione segurou nele o mais forte que podia quando ele saiu correndo e pulou no ar. O ar frio da noite passou pelo rosto dela e balançava a capa de Harry enquanto ele passava pela escuridão. Enquanto a casa desaparecia atrás deles, Hermione perdeu o tênue fio de consciência e caiu numa escuridão quente e bem-vinda.




Quando acordou novamente, estava numa cama na central de segurança. Estava em um dos quartos de cima, uma câmara confortável e decorada com bom gosto reforçada agora com alguns talismãs mágicos e feitiços de monitoramento que brilhavam e pulsavam enquanto vigiavam seus sinais vitais.


Sentada ao seu lado, observando com atenção, estava uma mulher com um rosto sério e cheio de sardas e cabelo castanhos penteados numa trança rígida. Hermione piscou pra que entrasse em foco. – Quem é você? – ela perguntou, sua voz embolada com o sono.


A estranha sorriu e isso aqueceu seu rosto consideravelmente. – Sou a capitã Taylor. Pode me chamar de Diz, se quiser.


- Ah, é a nova agente. A famosa. Meu amigo Napoleon me falou de você. – mesmo tendo acabado de acordar, Hermione se sentia muito mais alerta do que há dias.


- Como se sente?


- Melhor – ela lutou para se sentar. Diz a ajudou a se acomodar sentada e colocou outro travesseiro atrás de suas costas. – Há quanto tempo estou dormindo?


- Três dias.


- Três dias? – Hermione repetiu, impressionada.


- Não tínhamos certeza se ia sair dessa. Havia veneno suficiente em sua corrente sanguínea para te matar. O oficial médico fez com que dormisse até que se convenceu que a maioria já foi eliminada. Vai demorar um pouco até que fique completamente limpa.


Hermione olhou em volta. – Onde está Harry? – as memórias de seus últimos dias na casa de Wainwright eram embaçadas, mas ela lembrava claramente tanto a preocupação quanto gentileza dele quando apareceu como uma resposta a suas preces e a resgatou.


- Está cuidado de uns papeis. Está bem ocupado também... Estamos tentando tirar todo mundo da cidade.


Hermione balançou a cabeça. – Não tinha idéia que estava indo tão mal.


- Não poderia ter. Cumpriu sua própria missão de forma admirável, se me permite dizer. Não é culpa sua que Wainwright descobriu sua identidade. – Taylor se inclinou mais pra perto. – Como percebeu que estava sendo envenenada?


- Não percebi de cara. Pensei que estava ficando doente. Mas então ouvi alguns empregados falando que Wainwright ordenara que ninguém além do mordomo deveria lavar e cuidar de meus pratos, alguma coisa sobre eu ter fobia de germes, o que eu sabia que era mentira. Comecei a notar que ninguém além do mordomo me servia. Não demorou muito pra descobrir a partir daí como eu estava me sentido mal. Tentei seguir o procedimento padrão e abortar a infiltração, mas já estava fraca demais e fui pega. Não descobri o que usaram em mim.


- Foi envenenada com extrato de janacane.


Hermione balançou a cabeça que sim. – Ah.


- Conhece?


- Sim, é claro. Vem de uma raiz que um pouco menos letal que sua prima, a raiz de iocane, e seus efeitos mimetizam os sintomas de várias outras doenças comuns, pensei que estava com várias delas. – ela balançou a cabeça. – Harry me encontrou bem a tempo.


- Sim, é verdade. – as duas levantaram os olhos ao ouvir uma confusão no corredor. Vozes levantadas se aproximavam pelas escadas.


- Não importo que está seguindo ordens, é melhor me deixar entrar e vê-la! – veio uma voz insistente e cheia de sotaque.


Taylor levantou uma sobrancelha. – Está pronta pra isso?


Hermione sorriu. – Ele pode entrar.


-Vou indo então. Foi um prazer te conhecer... E fizeste um trabalho excelente. – ela saiu do quarto alguns segundos depois Napoleon entrou.


- Ah, você está bem. – ele disse apressado. Ele avançou e abraçou antes que ela pudesse dizer qualquer coisa.


- Estou bem – ela disse, rindo um pouco e retribuindo o abraço. –Não foi nada.


Ele sentou na cadeira que Taylor tinha deixado vazia. – Não foi nada, ela diz! Você quase morreu! – ele segurava as mãos dela com força, como se estivesse convencido que ela ia sair voando. Sua presença amiga e efusiva dava uma sensação boa no estômago dela, aquecendo todo seu corpo. – Malditos oficiais médicos que não me deixavam te ver, dizendo que você precisava descansar e bobagens do tipo.


- Respire, Napoleon. – pra seu divertimento ele fez exatamente isso, respirando de forma controlada algumas vezes.


- Certo, certo. Estou legal – ele balançou a cabeça. – Mas fiquei realmente preocupado com você.


- Obrigada, estou bem agora. – ela suspirou. – Mas parece que a missão toda foi perdida.


Ele ficou sério. – Em sua maior parte, sim. Mas não devia se preocupar com isso, já foi cuidado. Fez seu próprio trabalho de forma brilhante.


- Mesmo assim fui pega, não é?


- Não podia fazer nada – ele olhou para porta. – O que acha de nossa nova celebridade? Taylor?


- Ela parece normal. Mas... Ela não gosta muito de Harry, não é?


- Percebeu isso não foi? Não, ela não gosta.


- Por que não?


- Bem... Ela acha que ele subiu de patentes rápido demais por causa da fama e não de suas habilidades. E você com certeza sabe que não é a única na DI que pensa assim.


- Eu sei. Isso o incomoda. Ele finalmente consegue um trabalho porque é bom nele e não por ser Harry Potter e a fama ainda o atrapalha.


- Acho que ela está começando a ver porque ele é um chefe de divisão com 28 anos. É só lhe dar tempo.


Alguém bateu na porta. – Entre – Hermione disse. A porta abriu e Harry estava ali, segurando uma prancheta. Ela sentou reta, um sorriso se espalhando em seu rosto, sua respiração acelerando um pouco. – Harry – ela disse, com esperança de ver nele a mesma emoção que vira na casa de Wainwright. Ele entrou no quarto e ela se encolheu, vendo na hora que suas esperanças eram em vão. O rosto dele estava fechado novamente, o disfarce de Homem-frio (Napoleon que inventara isso) firme no lugar. Ele parou ao pé da cama, sem se aproximar, segurando a prancheta a sua frente como um escudo. – Oi – ela conseguiu dizer, a decepção diminuindo sua animação.


A única resposta foi um cumprimento com a cabeça. – Trouxe suas novas ordens – ele disse. – Vai ficar de licença médica nas próximas duas semanas e depois disso em trabalhos restritos durante mais duas semanas. Vai permanecer em Florença durante sua licença, parecem estar incertos sobre se você deve ou não viajar. A central vai continuar ocupada durante pelo menos um mês, pode ficar aqui.


- Entendido – ela disse direta. O pensamento horrível que lhe passou pela cabeça era que ela poderia ter alucinado o comportamento dele na casa de Wainwright. Claramente, ele esteve lá e a tirou de lá, mas a realidade da fuga pode ter sido muito diferente do que suas lembranças.


Ele fez uma pausa. – Se precisar de qualquer coisa, peça aos medibruxos. – ele virou pra sair e então hesitou. – Fico feliz que esteja se sentindo melhor, tenente. – disse, seus olhos no chão. Ele saiu sem olhar pra trás.


Hermione sentou tensa na cama, concentrando-se para não chorar. Sentiu Napoleon apertando sua mão. – Droga, droga, droga – ela murmurou baixo.


- Esse não é ele – Napoleon disse. – Devia tê-lo visto quando chegou aqui com você na outra noite. Tive que segurá-lo fisicamente quando o medibruxo te levou. Ele se importa. De verdade.


- Eu sei – ela disse. – E não foi delírio, por Deus. – ela olhou pra Napoleon. – Ele pode se fingir de Homem-Frio o quanto quiser, mas não vou mais acreditar. - Ela se recompôs. – Ele quer agir como se não houvesse nada? Ótimo. Dois podem jogar esse jogo...




Diz se fechou no pequeno escritório que lhe fora dado, esperando que a poção para dor de cabeça que o medibruxo lhe dera fazer efeito. Tentou se concentrar nos papéis que se empilhavam por meio metro sobre sua mesa, mas não era fácil.


Sua nova função era, até agora, muito mais do que esperava. Não achava que fosse normal a primeira missão de alguém numa posição nova ser salvar uma operação perdida.


Sua avaliação de seus novos colegas agentes era amplamente favorável, mais do que poderia esperar. Sua unidade em New York era um exemplo de muita eficiência, formada apenas pelos melhores agentes escolhidos por ela, então estava acostumada a trabalhar com o melhor e se perguntara se ficaria decepcionada com os colegas da agência sede. Até agora esse medo não tivera embasamento. Ficou especialmente surpresa com Jones, sobre quem ouvira várias histórias terríveis. Ele era, admitidamente, colorido e moderno, mas também o achava competente e entusiasmado, fazendo tudo com um ânimo peculiar que ela quase invejava.


Quanto a seu novo chefe, podia admitir pra si mesma que tinha alguns preconceitos quanto ao Grande Potter, a maioria deles intensificados pelo ressentimento que tinha pelo posto de chefe da divisão não ter ido pra ela, como muita gente imaginava (ou devia imaginar) que devia ser. Ela aceitara a liderança dele com má vontade, pressupondo que ele estava ali pela virtude da cicatriz que tinha na testa. Não percebera o quanto acreditava que ele não era merecedor até que chegou ao escritório sede, onde imediatamente observou que ninguém o tratava de forma diferente. Argo Pfaffenroth não parecia facilitar as coisas mais pra ele do pra qualquer outro agente. Ela supunha, como muita gente, que Harry usara a fama em vantagem própria na vida e em seu trabalho. Logo aprendeu que isso não poderia estar mais distante da verdade; na realidade ele ficava desconfortável com a fama.


Ainda achava que ele era jovem demais para seu trabalho, e ainda especulava sobre sua rápida promoção até major... Mas começava a ver motivos concretos para seu sucesso. Ele era simplesmente bom. Suas ações na casa de Wainwright foram tolas, mas era difícil encontrar falhas no resultado.


- Você devia ir receber uma massagem ou algo assim - veio uma voz familiar. Ela levantou os olhos e viu Napoleon de pé na porta.


- Como está sua amiga?


- Está bem. Dormiu de novo. - ele balançou a cabeça com uma expressão séria. - Não acho que ela saiba como faltou pouco pra ela.


- Talvez seja melhor assim.


- Viu Harry?


- Hã... Eu o vi no salão comunal uns minutos atrás. Disse que ia pro ginásio pequeno. - ela hesitou. - Parecia meio tenso.


- É, aposto que sim. - ele virou pra sair.


- Aonde vai?


- Dar umas boas palavrinhas com ele. Já está na hora de alguém fazer isso.




Napoleon encontrou Harry, como Diz falou, no ginásio. Era uma pequena sala de exercícios no porão da central, mais útil como um lugar para os agentes liberarem as tensões do que pra exercício mesmo.


Harry estava no canto, sem camisa, batendo sem piedade num boneco de combate. A figura homem de espuma pulava e vibrava em seu suporte de madeira enquanto recebia ataque depois de ataque do bruxo visivelmente abalado que estava diante dele, suor escorrendo pelo corpo como uma enxurrada. Napoleon ficou na porta, apoiado contra o umbral e olhando seu chefe com uma expressão cheia de observações não ditas. - Descarregando umas coisas, não é, Harry?


Harry parou e deu apenas um rápido olhar na direção dele, mas era um olhar com significado. Napoleon sabia, de alguma entranha forma, que talvez fosse a única pessoa com quem Harry podia falar com sinceridade. A existência de seus sentimentos por Hermione o transformavam num tipo de presença amiga, mesmo que Harry só admitisse isso de má vontade. Harry voltou a lutar com o boneco. - Eles a estavam envenenando.- disse pelos dentes cerrados, pontuando cada palavra com o som seco de seus punhos atingindo o boneco. - como um rato numa armadilha.


Napoeleon suspirou. - Eu sei - enquanto Hermione dormira durante três dias, entre a vida e a morte, ele passara horas suficientes acordados e planejando vinganças fantásticas que se igualavam à fúria de Harry.


Harry recuou, as mãos nos quadris, ofegante. Olhou para Napoleon, seus olhos firmes e mortais. -È melhor Wainwright rezar pra nunca mais me encontrar.


- Sei como se sente, Harry. Sinto o mesmo. - avançou e sentou num banco próximo. - Mas, realmente... Eu sou a pessoa certa a quem deveria estar dizendo isso? Acho que tem alguém lá em cima que gostaria de saber como se sente.


Harry deu uma risadinha pelo nariz e voltou para saco de pancadas. - Virou psicólogo agora, Jones?


- Nem, só um observador impassível.


- Bem, não preciso de seu conselho.


- Talvez já tenha passado da hora de alguém te dar um conselho! - Napoleon disse, pulando de pé. Harry parou, surpreso com a veemência súbita de Napoleon. - Sabe, todos estão ocupados andando em ovos a sua volta que não diriam nem se você estivesse com um talo de espinafre entre os dentes. Bem, já enchi o saco. Já estou até aqui com sua personificação de Sr. Robô!


- Veio até aqui puxar uma briga comigo? Se for isso, pode sair agora mesmo.


- Não vim aqui brigar com você, vim aqui tentar falar com você. - Harry revirou os olhos e voltou a seu exercício, apesar de uma grande parte de sua fúria ter passado. Napoleon ficou atrás do boneco, tentando olhar Harry nos olhos, que estavam resolutamente fixos num ponto na frente dele. - Não já passou tempo demais?


- Não sei o que quer dizer.


- Bela tentativa.


- Talvez não seja de sua conta!


- É de minha conta sim


- Não vejo porquê.


- Porque sou amigo dela e quer você goste ou não, também sou seu amigo. Não posso ficar aqui parado olhando vocês dois brincando de "eu sou invisível, você é invisível". - Harry não disse nada, mas seu nível de ferocidade contra o boneco aumentou um pouco. - Não tem mais desculpa nenhuma, sabe. Qualquer que tenha sido o problema que separou vocês, não pode ser importante suficiente pra levar essa... tortura sob a qual estão se colocando adiante.


- Você não entende.


- Acertou na mosca. Olhe, posso não saber todos seus segredos internos, mas sei de uma coisa: nunca conheci duas pessoas que se amassem tanto quanto você e Hermione. E mais, desde que vocês dois se separam, nunca vi duas pessoas mais infelizes e ainda assim tão determinadas a agir naturalmente. Vocês dois são teimosos demais e já estão me deixando louco!


- Terminou? - Harry exclamou.


- Nem de perto! Só estou começando!


- Suponho que já tenha resolvido tudo, então?


- O que há para resolver? Vá lá em cima e fale com ela!


- Não é tão simples.


Napoleon esticou a mão e segurou o braço de Harry na hora que ele ia puxar para dar outro golpe no boneco de combate. - Bem, sabe de uma? Acho que é simples assim. Acho que você quem está complicando. Você e ela! Talvez não tenha que ser tão difícil de resolver!


- Não sabe do que está falando - Harry respondeu, puxando o braço pra se liberar.


- Quando é que eu sei do que estou falando? Isso nunca me impediu de falar e não vai ser agora!


- Bem, eu não quero ouvir!


- Ah, claro. Tudo tem que ser sobre você. E quanto a mim? Todo mundo está tão concentrado em você e Hermione, ninguém para pra pensar como tudo isso me faz sentir!


- Você? Quando entrou nessa história?


- Eu sou o outro cara, Harry! O cara esperando por perto e rezando pra vocês terminarem! Bem, surpresa, vocês terminaram e isso só me fez sentir pior. Sabe como isso é pra mim? Deixe que eu lhe diga. É como ver alguém jogar fora um tesouro precioso que você quis a vida inteira. Acha que é fácil pra mim vê-la sofrer? Acha que me faz sentir quente e de bem com tudo ver você arruinando uma coisa que a maioria das pessoas nunca vão experimentar? - ele suspirou. - Você tinha tudo, Harry, mas foi idiota demais pra ver. Lá em cima na ala médica está uma das mulheres mais maravilhosas do mundo. Acredite em mim, há homens suficientes que adorariam a chance de simplesmente lhe pagar um café. Mas você... Você a tinha! E deixou que um segredo idiota ficasse entre vocês!


- Hei! Não coloque a culpa toda em mim! Foi ela que me abandonou, se lembra?


- É, eu lembro. Mas nenhum de nós pode saber exatamente o que ela passou, e ela fez o que tinha de fazer. E quando ela tentou voltar, você deu as costas. Vocês dois são idiotas, não dá pra negar isso. Mas não quer dizer que têm que se punir para sempre!


Harry estava murchando agora, seus ombros começando a encolher em derrota. - É tarde demais - falou quase sussurrando.


- Só se você não fizer nada.


Harry olhou Napoleon nos olhos pela primeira vez. - Não posso - ele disse.


Napoleon ficou olhando de queixo caído pra ele. - Vou ter que amarrar vocês dois juntos? Simplesmente vá falar com ela


- Não entende o que quero dizer - Harry virou e pegou uma toalha que estava num banco perto, secando a testa com ela. - Precisa... partir dela - ele disse devagar. - Não quero que ela volte porque eu pedi que voltasse. Não quero que seja sobre mim. Foi esse o problema antes. Tem que ser... escolha dela.


Napoleon balançou a cabeça. - Chefe, não me entenda mal, mas você é cego e estúpido? Ela está pronta! Está lá! Só está esperando um sinal de você. Qualquer coisa. Um sinal pequenininho... E você não está dando nada pra se basear com essa atuação como Homem-frio que está fazendo. - Ele parou mais perto até que estavam quase nariz a nariz. Napoleon, que era 7 centímetros mais alto, olhou pra baixo no rosto de Harry. - Não fique aí me dizendo que vai deixar este relacionamento escoar pelo ralo porque não quer ser aquele que pisca primeiro. - Harry não respondeu.


Harry deu um suspiro profundo e cansado e jogou a toalha por cima do ombro. - O resto do pessoal da missão vai embora de Florença no final da semana. Tenho uns dois meses de férias vencidas, acho que vou ficar aqui e tirar umas duas semanas de licença... Deus sabe que preciso de um tempo. - ele deu um olhar significante para Napoleon. - Vou ficar na suíte da agência no Marquis. - ele olhou Napoleon nos olhos por um momento e depois passou por ele.


- É só isso? - Napoleon perguntou baixo.


Harry hesitou ao chegar à porta. - É o melhor que posso fazer. - E saiu.




- Acho que deveria ficar aqui, Hermione - Lupin disse.


Ela dobrou a capa extra e colocou em cima das roupas, fechando sua mala e segurando-a. –Se eu passar mais um dia nessa central, vou ficar maluca mais doente ainda - disse, dando um pequeno sorriso.


- Não devia ficar sozinha. Ainda está fraca, e continua de licença médica. E quanto a seus tratamentos? Precisa de ajuda para administrá-los.


- Posso fazê-los sozinha, Remo. Sou uma garota crescida.


- Mas...


Ela levantou a mão. - Sem mas. Depois de amanhã, não vai sobrar ninguém nessa casa além de mim e alguns enfermeiros.


- Posso ficar...


- Tem que voltar, Remo. Tem algumas auditorias pra comparecer, se eu não estiver enganada. - Remo não disse nada, uma expressão de vergonha no rosto. - Olhe, posso tomar conta de mim mesma. Não vou forçar nada, prometo.


- Mas onde vai ficar?


Hermione parou. - Ainda não tenho certeza. Mas... acho que tenho uma idéia.




As I returned across the lands I'd known
I recognized the fields were I once played
Had to stop in my tracks for fear
Of walking on the mines I'd laid
If I built this fortress around your heart
Encircled you in trenches and barbed wire
Let me build a bridge, for I cannot fill your chasm
Let me set your battlements on fire.




Hermione estava de pé do lado de fora da suíte 416 do pomposo hotel Marquis, a mão pronta pra bater. Ela pensou melhor e puxou a varinha.


- Alohomora.


A porta abriu e ela entrou. A suíte era ampla e luxuosa, com uma sala de estar central, uma varanda grande, um quarto com um banheiro enorme ligado e uma cozinha/copa equipado completamente. Ela colocou a bolsa sobre a mesa do hall e tirou a capa.


Uma das portar francesas que levavam para varanda se abriu e Harry entrou, segurando uma xícara de chá. Pelo que pareceu um momento infinito, eles ficaram parados no lugar, olhando um para o outro, a expressão dos dois cuidadosamente neutra. Hermione sentiu os olhos dele a seguindo enquanto carregava sua mala até o quarto. Quando retornou, ele estava pendurando a capa dela num cabide atrás da porta. - Me dê a prescrição de seu tratamento - ele disse direto.


Hermione abriu sua pasta e tirou os pergaminhos de lá. - Está tudo aí - ela disse, entregando a ele. - O horário das dosagens está na última página. Posso fazer os feitiços se você...


Ele a cortou. - Eu cuido disso - ele foi até a cozinha.


Hermione sentou no sofá, olhando a suíte. - Lugar legal.


- Está com fome?


- Não.


- Não devia estar de pé.


- Estou bem


Ele voltou para sala e colocou uma xícara de chá na mesa na frente dela, depois seguiu até as portas francesas. Voltou para a varanda e fechou a porta atrás de si, Hermione ficou olhando a porta por um momento depois pegou seu chá, bebericou devagar, soprando a superfície quente para não queimar a língua.




Harry afastou sua varinha, fechando pergaminho. - Deite quieta por alguns minutos - disse, colocando o talismã antitoxina na bolsa de veludo que o protegia. Hermione não discutiu. Os feitiços de depuração eram desconfortáveis e sempre a deixavam zonza e desorientada. Felizmente, só faltava mais uma semana de seu tratamento antes que o extrato de janacane fosse tirado de seu corpo.


O sol da manhã entrava no grande quarto da suíte. Hermione estava deitada em um lado da cama king-size, o outro lado arrumado e sem perturbações. Ela só podia supor que Harry passara a noite no sofá da sala, se é que havia dormido. Depois da chegada dela, ele passara o resto da noite na varanda e ela não vira novamente até antes de ir dormir. Ele a acordara há poucos minutos para administrar seu tratamento.


Ele levantou na ponta da cama e saiu do quarto. Hermione ficou deitada ali por algum tempo, olhando o teto e esperando que seu equilíbrio interno se restaurasse novamente depois do distúrbio causado pelos feitiços médicos. Quando se sentiu mais firme, levantou, se enrolando com um grande e fofo roupão do hotel.


Ela foi até a cozinha, atraída pelo cheiro de café. Harry lhe entregou um prato com comida sem falar nada, e ela comeu sem fazer comentários. Quando terminou, ele foi até o quarto e depois de um momento ela ouviu o chuveiro funcionando. Estava em sua segunda xícara de café quando ouviu os conhecidos barulhos de quando ele fazia barba.


Alguns minutos depois ele apareceu com o cabelo molhado e começou a lavar os pratos. -Posso fazer isso - ela disse, levantando.


- Sente - ele disse. - Está de licença médica. Isso quer dizer sem lavar pratos.


- Mas você está de férias.


- Sim, estou. Então hoje vou visitar pontos turísticos. - ele virou e olhou pra ela no rosto pela primeira vez naquela manhã. - Quer vir também?


Ela colocou a xícara na mesa. - Quero sim.


- Tem certeza que agüenta?


- Acho que sim, se der pra parar de vez em quando.


- Claro - ele voltou para os pratos. - Melhor se vestir. Saímos daqui a pouco.




Hear my words that I might teach you
Take my arms that I might reach you
But my words like silent raindrops fell
And echoed in the realms of silence.




Passaram o dia passeando por Florença. Hermione conhecia melhor que Harry, por ter morado ali algumas semanas e tendo visitado vários locais populares com os filhos de Wainwright. Mas a cidade ainda era nova pra ela e maravilhosamente linda.


Andavam sem pressa, parando frequentemente para que ela descansasse e tomando táxi quando a distância era mais longa. Comentavam sobre a arquitetura. Conversaram sobre onde ir durante o almoço. Destacaram a beleza das muitas vistas do campo toscano.


Hermione ficou impressionada por descobrir como era fácil falar e ainda assim evitar dizer qualquer coisa.


Tomaram um táxi de volta ao hotel, olhando a cidade passar através de suas respectivas janelas, a segurança de um lugar entre eles no bando de trás do táxi, da forma que fora durante todo o dia.


Hermione foi para o quarto e deitou, exausta pelas atividades do dia e totalmente ciente que estava, por mais que protestasse, ainda muito fraca devido ao que passou. Ela se esticou na cama e dormiu antes mesmo de qualquer pensamento perturbador lhe passar pela mente.


Quando acordou algumas horas depois, um cobertor macio estava sobre ela e seus sapatos tinham sido retirados. Ela olhou para baixo, piscando um tanto confusa. Sentou, esfregando os olhos com sono e levantou da cama desarrumada.


Ela encontrou Harry na cozinha, fazendo o jantar. Ficou observando por alguns instantes antes de falar. – Quando aprendeu a cozinhar? – perguntou.


Ele virou. – Jorge está me ensinando.


- Novo hobby?


- Acho que sim.


Hermione colocou os pratos e talheres na pequena mesa de jantar. Comeram quase em completo silêncio, sentados um de frente pro outro, um grande arranjo de flores evitando o contato dos olhos. Hermione não achava que Harry um dia poderia substituir Jorge como cozinheiro oficial de Bailicroft, mas sua comida era boa, mesmo simples. Depois do jantar, ela ajudou com a limpeza, ainda que sob os protestos de Harry.


O sol tinha se posto quando finalmente terminaram e era mais uma vez hora do tratamento de Hermione. Ela sentou na cadeira reclinável mais confortável da sala enquanto Harry preparava os talismãs e feitiços. Ele tirou a varinha e cuidadosamente fez os encantos, consultando várias vezes as instruções do medibruxo e indo devagar. Quando ele terminou, deixou-a sozinha por alguns minutos para se recuperar. Ela ficou sentada respirando fundo, devagar até que a náusea e os calafrios passaram.


Quando começou a se sentir bem novamente, uma exaustão lhe tomou e apesar de ainda ser muito cedo, a cama a chamava. – Vou me deitar – ela anunciou, levantando. Harry estava sentado na mesa no canto, escrevendo correios corujas. Ele não levantou os olhos.


- Boa noite – ele disse.


Ela foi até a porta do quarto e hesitou, e então virou. – Harry? – chamou. Ele olhou pra ela. – Não há motivo pra você dormir no sofá – ele não disse nada, apenas continuou olhando pra ela. – Não é como se nunca tivéssemos dividido uma cama antes – ele pareceu que ia comentar, mas continuou em silêncio. Ela deu de ombros. – A escolha é sua. – ela foi até o quarto, colocou a camisola e se enfiou entre as cobertas.


Não tinha idéia de quanto tempo ficou deitada antes que Harry entrasse. No mínimo uma hora, mas podia ter sido muito mais. Ela o viu tirando as roupas pra colocar o pijama... Só a parte debaixo, como fazia sempre. Ele puxou a coberta e deitou na cama ao lado dela.


O silêncio era muito alto demais com eles ali deitados, lado a lado, bons trinta centímetros separando-os enquanto olhavam o teto. Apesar de sua fatiga mais cedo, Hermione estava bem acordada e sabia pelo barulho da respiração dele que não estava mais perto de dormir que ela. O alto silêncio tinha, a essa altura, se transformado em um juramento que não podia ser quebrado, nem seria quebrado agora. Não quando Harry estava na cama com ela, não quando ela esticou o braço e enfiou a mão dentro do pijama dele.


Hermione matinha seus olhos fixados no teto enquanto envolvia seus dedos em volta dele. Ele não fez nenhum barulho nem se moveu quando ela começou a mexer a mão para cima e pra baixo, sentindo-o endurecer sob seu toque. Ela sentiu todo o corpo dele ficar um pouco tenso, mas nem a ajudou nem a interrompeu.


Quando ele ficou pronto ela sentou e puxou as cobertas. Levantou a parte de baixo da camisola até a cintura e montou nos quadris dele, de joelhos, descendo sobre ele até quando ele ficou completamente dentro dela. Ela fixou o olhar num ponto a sua frente e seus quadris começaram o ritmo firme, familiar. Depois de alguns instantes, ele a ajudou, as costas arqueando para acompanhar os movimentos dela. Hermione mantinha as mãos quietas, apoiando-as contra a cabeceira pra ter equilíbrio. Ela podia ver que as mãos dele apertavam o cobertor e seus olhos estavam abertos, mas desviados.


Ela continuou até o clímax, apertando os dentes contra o grito que queria subir por sua garganta. O único barulho que ele fez quando gozou foi um único gemido gutural que foi meio engolido antes mesmo de ser dado. Ela ficou um pouco onde estava, se recompondo, depois rolou de volta para seu lado da cama.


Quando tudo terminou a fatiga voltou com toda força para o corpo de Hermione. Ela virou de lado e se aninhou nas cobertas pesadas. Os dois dormiram então, virados para lados opostos, o silêncio entre eles como uma terra de ninguém.




Na manhã seguinte, Hermione sabia que estava sendo acordada novamente. – Hora de seu tratamento – Harry dizia. A luz do sol entrava através das janelas do quarto e o cheio de café a recebeu quando sentou. Harry já estava vestido e os talismãs e feitiços prontos. Hermione suspirou.


- Só mais alguns dias disso – ela disse, se preparando para o desconforto do tratamento.


Ele olhou pra ela. – Dói tanto assim?


- Não exatamente, mas também não é bom – ela o olhou nos olhos então e uma expressão indefinível passou entre eles. Harry interrompeu o momento ao retornar pra os preparativos e depois de alguns minutos tinha completado o tratamento, deixando-a sozinha como sempre para se recuperar.


A única conversa durante o café foi sobre os planos para o dia. Harry teve a idéia de dirigir até uma vinícola para provar vinhos locais; Hermione concordou e ele foi telefonar para o recepcionista para perguntar sobre o aluguel de carros.


Nenhuma menção ao sexo estranho, desconectado que fizeram na noite anterior. Hermione quase começou a pensar que tinha sonhado aquilo, mas sabia que não. O pequeno desconforto em suas partes íntimas contava a história. Ela não refletiu sobre suas próprias ações, ou as deles. Agora não era a hora. Ela perdera a habilidade de analisar a própria situação ou seus impulsos, não conseguia pensar em fazer mais nada além de seguir os eventos até onde quer que eles a levassem. O resgate emocional de Harry dela da casa de Wainwright parecia uma memória distante, e era como se o resto do mundo tivesse deixado de existir. Os amigos deles, o trabalho, a casa deles... todas ligações com a vida deles pareciam muito longe, muito remotas. Era como se tivessem caído numa realidade paralela na qual apenas ela e Harry existissem. Mesmo a cidade de Florença com todas suas belezas e seus habitantes era apenas um cenário pra o drama no qual os dois estavam atuando.


Depois que ela tinha tomado banho e se vestido, o carro alugado esperava por eles lá embaixo. Saíram do hotel, mais um lindo dia de verão toscano esperando por eles.




Eles não voltaram até a noite, tendo passado a maior parte do dia no campo. A viagem até a vinícola fora divertida e informativa, e eles tiveram a oportunidade de provar vários vinhos excelentes. Fizeram depois um pequeno passeio até uma vila próxima, almoçando num charmoso café a céu aberto. Caminharam por um belo rio e entraram em várias lojas cheias de antiguidades e amigáveis donos.


Num ponto durante uma caminhada por um jardim botânico, eles param para descansar num gazebo que tinha vista para um lago iluminado pelo sol. Hermione sentou num banco, recuperando o fôlego, enquanto Harry ficou a uma certa distância, olhando o lago.


- Quer voltar pra Florença? – ele perguntou.


- Não, estou bem. Só me dê uns minutos.


Pausa. – Precisamos voltar a tempo de seu tratamento noturno.


- Eu sei, Harry – ela limpou a garganta. –Pelo menos não está tão quente hoje.


- Não, não está. O recepcionista disse que talvez chova amanhã.


- Se chover, podemos visitar o museu que você falou.


- Acho que sim. – Pausa. – A mulher da loja de queijos recomendou um lugar para o jantar.


- Foi?


- Sim. A não ser que você prefira sair da cidade antes.


- Acho que prefiro comer aqui. Estou com fome.


- Eu também. Deve ser todo esse ar fresco.


Ela olhou em volta, se apoiando na balaustrada. – Não esqueça, você queria parar pra comprar algumas garrafas de cabernet para Jorge.


- Ah sim. Não vou esquecer. – ele suspirou. – Está realmente um ótimo dia.


Ela olhou a parte de trás da cabeça dele por um tempo antes de responder. – Realmente está.




O tratamento noturno de Hermione não foi tão desconfortável quanto de costume. Ela sabia que as instruções dadas a Harry tinham uma diminuição gradual das doses enquanto os resquícios de janacane eram eliminados de seu sistema. Ela não se sentia tão cansada hoje como nos outros dias também. – Acho que estou melhorando – comentou.


Harry olhou pra ela, uma pequena expressão de alivio brilhando nos olhos, que era mais do que ela já vira desde que chegara. – Mesmo?


- Sim. Me sinto... Mais como eu mesma, menos cansada.


- Ótimo – ele olhou as prescrições que ela dera a ele. – Tem algumas sugestões aqui se você quiser, deve começar a fazer exercícios leves de novo. Vai ajudar seu corpo a se recuperar.


- Exercícios? Não consigo lutar nem correr.


- Não tão pesado. Talvez... tai chi ou ioga ou algo do tipo.


- Não sei tai chi nem ioga.


- Nem eu. Mas... podemos dançar um pouco. Algo leve, como valsa ou rumba.


Ela olhou pra ele um pouco surpresa. – Sim, podemos. – ele a encarou um momento e então pegou os talismãs do tratamento e saiu do quarto.


O resto da noite passou sem mais eventos. Harry ligou o radio numa estação local de jazz e eles ficaram na sala, cada um fazendo a própria atividade. Harry lia um livro enquanto Hermione continuava trabalhando no cobertor que tricotava, um hobby que tinha adquirido como governanta na casa de Wainwright.


Eventualmente, a hora estava tarde o bastante pra Hermione levantar e deixar seu tricô de lado. – Vou pra cama – anunciou. Harry levantou os olhos de seu livro. Ela hesitou. – Você vem?


Como resposta, ele marcou a página de seu livro e o colocou sobre o centro, levantando para segui-la até o quarto.


Os eventos da noite anterior permitiam que ignorassem qualquer fingimento. Ficaram em lados opostos do quarto enquanto tiravam as roupas, sem se importar em colocar pijamas, e foram pra cama. Como antes, ficaram lado a lado por um tempo, sem falar.


Eventualmente, a experiência da noite anterior se repetiu quase identicamente, exceto que dessa vez Harry iniciou. Com um sinal taciturno, ele rolou até ela, dando uma rápida olhada em seus olhos pra se assegurar de sua complacência. Ela separou as pernas para acomodá-lo e ele se posicionou sobre ela, se apoiando sobre os cotovelos. Com um movimento praticado, ele a penetrou, fechando os olhos enquanto fazia isso. Hermione focou seu olhar sobre o ombro dele e pra fora da janela, olhando as sombras se mexerem sob o brilho da lua enquanto os quadris de Harry subiam e desciam, devagar a princípio e depois com velocidade e força crescentes. Hermione segurou o travesseiro sob o pescoço enquanto seu corpo respondia ao dele; sua pele ruborizando e seus joelhos se separando ainda mais para acomodá-lo ainda mais perto.


A respiração dele ficou inconstante e ele mudou um pouco o peso, mudando seu ângulo contra o corpo dela; Hermione automaticamente ajustou os quadris para compensar. Seu orgasmo chegou de repente, pegando-a meio de surpresa, um gemido escapando de seus lábios antes que ela pudesse segurá-lo. O corpo dela contraiu em volta dele, levando-o até o limite também. Ele se segurou tenso contra ela por um longo momento depois relaxou e rolou para seu lado da cama. Hermione continuava a olhar lua, hipnotizada, mas viu pelo canto do olho quando ele colocou a calça do pijama e virou de lado. Logo, o som de sua respiração dizia que ele estava dormindo e antes mesmo que ela pudesse perceber, fazia o mesmo.




Na manhã seguinte, enquanto administrava seu tratamento, Harry lhe disse que o recepcionista lhe informara que o hotel tinha vários instrutores físicos. Alguém viria ao quarto duas vezes ao dia para orientá-la enquanto fazia exercícios moderados, se estivesse tudo bem para ela. Ela concordou na hora, aliviada por dentro.


E assim, os dias continuaram. Hermione tinha consciência em algum nível que o que ela e Harry estavam passando provavelmente se enquadraria como um dos tempos mais estranhos da vida dos dois... Ela só podia tentar adivinhar como veria essa semana em Florença mais tarde em sua vida, quando refletisse sobre ela.


Os dias caíram em uma rotina. O tratamento dela, diminuindo a cada dia a dose e a duração, eram feitos pela manhã e pela noite por Harry, que o mantinha com horários rígidos e seguia cuidadosamente as instruções que ela lhe passara dos médicos da DI, chegando ao ponto de mandar várias corujas para Sukesh pedindo esclarecimentos. O instrutor físico do hotel veio logo depois da ligação de Harry e começou a ensinar tai chi, que ela achou extremamente pacificador e revigorante. Ficou impressionada com a rapidez com que sua força voltava agora que seu tratamento estava quase completo e voltava a fazer algumas atividades físicas. Logo no segundo dia de exercício, ela e o instrutor começaram uma luta leve, aumentando a intensidade enquanto ela ficava mais forte. Se o homem ficou impressionado com o nível dela no combate mão a mão, não mencionou nada sobre isso.


Ela e Harry passavam os dias passeando por Florença e pelos campos toscanos. Visitaram museus, locais históricos, propriedades famosas e mercados públicos. A conversa era casual, fácil e completamente desprovida de conteúdo e significado. Limitavam-se a tópicos agressivamente neutros como em qual restaurante comer ou a natureza exata do tempo atual e futuro.


No hotel, as corujas chegavam e partiam regularmente. Os dois passavam boa parte do dia respondendo cartas do trabalho. Harry sempre tinha correspondências de sua equipe para responder e Hermione estava ansiosa por manter-se informada de seu trabalho enquanto estava de licença. Várias corujas pessoais de seus amigos e familiares ficavam sem resposta e completamente ignoradas; qualquer carta que não tivesse o emblema da DI era colocada sem comentários sobre uma pilha que crescia no canto da escrivaninha.


E assim durante o dia eles interpretavam seus papéis em silêncio e sem discussões, e á noite continuavam a fazer aquele sexo impessoal e mecânico. A dicotomia entre a relação diurna e noturna entre eles parecia conflitante de certa forma, mas de outra, falando sinceramente, era a mesma coisa. Hermione achava que a situação toda seria fascinante do ponto de vista clínico, que era a única perspectiva com que conseguia olhar sua situação. Enquanto ela e Harry passavam minuto a minuto, cada vez mais usavam vendas para os olhos e expressões reservadas que antes eram apenas dele, o senso de irrealidade crescia mais forte dentro dela. Esse não era o relacionamento deles, não era um relacionamento. Era mais como uma dramatização de um relacionamento, na qual os papeis de Harry Potter e Hermione Granger eram interpretados por dois atores relativamente ruins, sendo forçados a atuar com diálogos mal escritos e sem uma caracterização significante.


Mas era tudo o que tinham e por alguma razão complexa demais para sua mente cansada desvendar agora, era necessária... E continuaria pelo tempo que fosse necessária.




And all the roads we had to walk were winding
And all the lights that lead us there are blinding
There are many things that I would like to say to you
But I don't know how
Because maybe, you're gonna be the one that saves me.




Quando aconteceu, aconteceu rápido.


Era tarde e eles voltavam para o hotel depois de uma noite num festival de filmes de Hitchcock. Foi uma sessão dupla bilíngüe de "Janela Indiscreta" e "Disque M para matar", seguidos de uma discussão com um professor local de cinema falando da habilidade de Hitchcock de fazer filmes apenas com um cômodo. Hermione achou a noite estimulante, mas nem ela nem Harry tiveram um papel muito ativo já que Harry tinha que traduzir o que era dito em italiano pra ela... Ele tinha um talento para línguas e tinha aprendido algumas depois que entrara na DI, mas tão ela era devagar para aprender línguas quanto era rápida para aprender todas as outras coisas.


Já era mais de meia noite e ela estava grata por não estar cansada. Era um sinal que a sua saúde voltava quase ao normal o fato de poder ficar acordada até tarde e permanecer lúcida. Ela e o instrutor do hotel começaram sessões mais intensas de luta e mesmo estando com dor aqui e ali durante à tarde, estava feliz por conseguir lutar.


Estavam quietos enquanto andavam o meio quilômetro de volta ao Marquis... Mas pra variar, dessa vez não estavam perdidos no transe como na semana que passou. O nível de tensão era palpável, e crescia constantemente com passar do dia. Ninguém falava disso, mas os dois estavam conscientes. Isso, o que quer que fosse, não podia continuar por muito tempo. Algo teria que acontecer logo, de uma forma ou de outra... Porém não havia como abordar esse tópico sem espatifar o espelho da realidade através do qual olhavam um pro outro. Ela estava com medo, com medo de olhar além do mundinho particular deles e para o futuro, que os acharia voltando para Inglaterra e para suas vidas e para tudo que os esperava.


No fim, o peso das ações fora tirado deles, talvez com sorte. Por acaso, uma intervenção numa hora quase ridícula feita por intrusos não muito espertos quebrou este espelho pra eles. Numa outra hora ou lugar talvez fosse engraçado, que a situação entre duas pessoas pudesse ser colocado na mesa por uma ocorrência tão mundana quanto um assalto.


Eles entraram na praça deserta que ficava a alguns quarteirões do hotel, sem prestar muita atenção a sua volta. Deviam ter ficado mais alertas. Mesmo se os dois não fossem agentes profissionais da inteligência, todo mundo sabia que os turistas eram os alvos mais freqüentes de roubos em Florença e todos visitantes eram aconselhados a ficar atentos.


Do jeito que estavam, não perceberam o que acontecia até que estavam cercados. Hermione nem notou, os olhos na calçada, até que Harry de repente a segurou pelo braço e a parou. Ela levantou os olhos, intrigada, e viu o que tinha provocado o alarme.


Cinco jovens italianos saíram de vários cantos da praça e agora faziam um círculo em vota deles. Pareciam durões e prontos para uma luta. Apesar dessa ser uma situação que potencialmente perigosa, Hermione não estava muito preocupada. Ela Harry com certeza podiam com cinco trouxas destreinados, especialmente agora que ela tinha a força de volta.


Os homens conversavam entre eles. Hermione entendeu algumas palavras aqui e ali, mas a maioria passava sem ser compreendida. Harry disse alguma coisa em italiano pra eles. Eles responderam, e seguiu-se um pequeno diálogo cujo significado Hermione só podia tentar adivinhar. –O que eles querem? – ela sussurrou.


-Nossas carteiras, o que mais? – Harry respondeu.


-Como quer lidar com isso? – sob circunstâncias normais seria melhor dar aos ladrões o que queriam e torcer pra escapar sem nada... Mas nenhum dos dois era uma pessoa normal. De várias formas, os dois ansiavam por um confronto e já que não conseguiam confrontar um ao outro, ao menos podiam bater numa gangue de aspirantes a ladrões.


-Acho que o cenário padrão de resposta é apropriado – Hermione não deu nenhuma resposta, mas sua postura mudou um pouco. Ela encolheu um pouco os ombros e se posicionou parcialmente atrás de Harry como se estivesse se escondendo. A atitude de Harry ficou mais agressiva e combativa. Os ladrões se aproximaram. Hermione fingiu não notar os dois que se aproximavam por trás dela. Finalmente, Harry falou alguma coisa e se jogou contra um dos ladrões de forma desajeitada, amadora. O cara simplesmente deu um passo para o lado e deixou Harry tropeçar sobre os próprios pés. Os dois ladrões por trás de Hermione a seguraram pelos braços. Ela gritou, fingindo terror. Harry foi puxado de pé pelo líder, que gritou pra ele em italiano, apontando para Hermione. Não precisava ser um gênio pra deduzir que ele ameaçava machucá-la a não ser que Harry cooperasse. Harry se encolheu, derrotado, e concordou. Olhou pra Hermione rapidamente, o sinal em seus olhos. Dependia dela agora.


Hermione fingia que estava quase desmaiando, forçando os ladrões que a seguravam a suportassem a maior parte de seu peso. Então ela respirou fundo e se endireitou, enfiando o calcanhar no pé de um deles. O homem gritou de dor e imediatamente a largou. Antes que o outro pudesse começar a reagir, ela deu uma cotovelada em seu estômago. Ele se dobrou e ela empurrou a nuca dele, jogando o rosto contra o joelho dela. Ele caiu e ficou quieto. Isso levou uns três segundos. Ela olhou para os outros três ladrões, todos com expressões de surpresa com essa mudança repentina no que parecia um trabalho fácil. Harry aproveitou a oportunidade e se livrou do líder da gangue. Segurou o braço do outro homem, virou e o lançou por cima da própria cintura, jogando-o no chão de pedra da praça. Os outros dois correram pra ele, finalmente recuperando consciência suficiente para agir.


Hermione não viu muita coisa da briga que seguiu, pois neste momento o cara no qual tinha pisado no pé a agarrou por trás, virando-a de vez e deu-lhe um soco no rosto. Ela viu estrela e lutou para manter-se de pé, mas se tinha uma coisa que aprendera nos treinamentos da DI era como levar um soco. Deixou o cara pensar que a tinha deixado sem ação e ele levantou o outro punho no ar. Ela desviou e o golpe passou por cima de sua cabeça. O atacante balançou um pouco e ela girou num pequeno círculo com pé no ar, que se conectou diretamente com o queixo dele. Ele caiu inconsciente.


Hermione se inclinou, as mãos nos joelhos, ofegante. Passos se aproximavam atrás dela e ela virou pra encarar outro ataque, os punhos voando no ar. Ela percebeu que era Harry uma fração de segundo mais tarde do que o suficiente pra parar o golpe e o acertou, com força. Ele cambaleou alguns passos pra trás, a mão no rosto. Hermione fez uma careta. –Ah, Harry... Eu lamento – ela olhou atrás dele, onde os três ladrões estavam incapacitados no chão, amarrados com cordas conjuradas de sua varinha. Sem nem pensar, ela usou a própria varinha para imobilizar os seus da mesma forma. –Tudo bem?


Ele se endireitou, parecendo meio sem jeito, limpando sangue da boca. –Já estive pior – ele disse. –Na verdade, já estive pior nos últimos minutos – ele olhou pra ela, seus olhos de repente completamente ali, de um modo que não estavam há muito tempo. – Lamenta mesmo?


-Cla... – ela começou. Já ia dizer que "claro que sim" mas ela de repente não sabia se realmente lamentava. Uma parte dela se satisfizera com a sensação de acertá-lo. As emoções dela começavam a se acomodar e era bom, depois de meses de repressão e uma semana inteira de total e completo congelamento. Não ajudava que o golpe que ela acertara nele tinha feito mais do que a presença dela no mesmo quarto e na mesma cama que ele... Conseguiu tirar aquela máscara sem sentimentos do rosto dele.


-Sabe o que eu acho? – ele dizia, a cor aparecendo em seu rosto pálido. –Acho que queria me acertar. Ah sim, foi um acidente, mas acho que gostou.


-Que coisa horrível pra se dizer! – ela respondeu. –Eu nunca ia querer te machucar, Harry!


-Ah, não? Não fez nada nesses últimos três meses a não ser me machucar!


-Droga! Não sente mais nada, você é um Harry feito de gelo e está tão sereno e mais nada importa pra você!


-Não precisa gritar!


-Eu quero gritar! – ela gritou. –E não faria mal a você também! Isso, o que quer que isso seja já se arrastou por tempo demais e eu vou gritar porque estou com raiva disso!


-Ótimo! – ele disse, firme. –É um alivio que a Hermione que eu conheço ainda está em algum lugar! – ele balançou a cabeça e então virou de repente e deu largas passadas até o centro da praça, sem parecer se preocupar com onde estava indo. Hermione ficou chocada por um momento e então correu atrás dele.


-Não saia andando assim, Harry Potter! – ela tinha dificuldades em acompanhar o ritmo dos passos dele.


-Não estou com vontade de conversar agora – ele disse firme.


Ela o segurou pelo braço e o virou. –Bem, então azar o seu! Nem que eu tenha que te derrubar e sentar em você, vai conversar comigo!


Ele tirou a mão dela de seu braço e olhou pra ela, e ela podia ver que ele queria conversar sobre isso tanto quanto ela, mas não tinha certeza de como fazer isso. –Sabe, estamos separados há meses – ele finalmente disse, o queixo tenso. –Não estamos nos falando. Quase não nos vimos. Mas tenho que dizer, nessa ultima semana, aqui, com você... Bem, foi a primeira vez que eu realmente comecei a achar que tinha te perdido pra sempre.


-Mas por que? Nós estamos conversando... fazendo amor...


Ele deu uma risada pelo nariz. –Você chama aquilo de fazer amor?


-Não, acho que não.


-Não. É mais... uma masturbação mútua usando um ao outro como acessórios. – Hermione não disse nada. Era exatamente o que era. Harry olhou para ela. –Não estamos fazendo amor, Hermione. Nem mesmo fazendo sexo. Nós estamos trepando. E vou te dizer mais uma coisa. De todas as mulheres no mundo você é a ultima pessoa com quem imaginava que ia simplesmente trepar. Pensei que não importava como as coisas se desenrolassem entre a gente, quando eu te tocasse haveria algum tipo de emoção, qualquer que fosse. Não esse... esse nada, esse vazio, essa ausência de tudo. Me deixa enjoado. Preferia sentir raiva. Preferia que você lutasse comigo e que isso realmente fosse real do que você me tocar de novo com esse vazio por trás de seus olhos.


-Então é minha culpa agora? Por não confiar minhas emoções com você?


-Ah, esqueça de quem é a culpa! Deus, por que não podemos passar por isso? – ele gritava agora, indo de um lado para o outro com seu casaco se enrolando em suas pernas. Hermione se pegou torcendo pra que ele continuasse assim mesmo com a própria raiva borbulhando na superfície. Sim, Harry. Coloque tudo pra fora. Não disse nada que importasse desde o dia do aniversário de Sirius. Diga o que sentiu desde então, o que sente agora. –Olhe pra gente! Olhe o que nos tornamos! Estamos tão infelizes que mal podemos respirar e não podemos nem falar do problema real ou nada que lembre uma emoção verdadeira! Então o que fazemos? Falamos de museus e arte e discutimos em qual restaurante vamos jantar e fazemos sexo sem significado e sem emoção e dormimos sem nos tocar!


-É muita cara de pau sua, jogar isso nas minhas costas depois de você ter me colocado pra fora! – ela segurou as lágrimas que ameaçavam subir por sua garganta.


Ele olhou pra ela sem acreditar. –Eu te botei pra fora? Eu te coloquei pra fora? Você foi embora e não foi só de Bailicroft! Você saiu deixando um homem inconsciente que você sabia muito bem que ia acordar precisando de você só pra que pudesse endireitar as coisas em sua cabeça!


-Eu estava... de licença! – ela cuspiu a única palavra que lhe veio a mente. Parecia, ela percebeu de repente, ridículo até pra ela mesma.


-Ah, estava de licença! Bem, nesse caso tudo bem! Não percebi que estava de licença! – o sarcasmo escorria de sua voz, parecendo alienígena e forasteira. –Pelo amor de Cristo, não pode tirar licença de um relacionamento, Hermione! Não sem ao menos consultar seu parceiro nesse suposto relacionamento! Pode ter sido fácil pra você sair por aí, mas não foi fácil pra mim, ficar preso no inferno. Pode ter sido fácil pra você não pensar sobre o que eu estava passando, mas tenho certeza que não consegui tirar licença do sentimento de rejeição e abandono e do fato de ter sido marginalizado pela mulher que dizia que me amava acima de tudo! – ela sabia que ele não tinha falado disso a ninguém. Ela sabia tão bem quanto conhecia a covinha na bochecha esquerda dele. –Sabe onde eu estava quando acordei? Podia estar no Confinamento, mas estava na verdade no armário, naquele maldito armário sob as escadas. Era ali que sentia que estava. Sem ser amado, sem ser querido, desnecessário e quase esquecido.


-Quase esquecido? – ela exclamou. –Jesus, Harry, o mundo bruxo inteiro acompanhava cada respiração sua e estava cercado o dia todo, todos os dias por muita gente que te ama e se importa com você! Se tem alguém que foi esquecido, fui eu! No grande dia do Grande Despertar tenho certeza que ninguém se importou com "qual era mesmo o nome dela", a noiva, que foi viajar pra decidir se ela realmente queria ser "como era mesmo o nome dela" o resto da vida!


Ele avançou com passos largos e a segurou pelos braços. –Não queria o mundo bruxo todo, só queria você. Podia estar cercado até com a ultima pessoa do planeta e ainda me sentiria sozinho só porque você não estava lá. Não entende? Nada importa se você não está presente. Nada é real, nada tem significado, nada mais é importante na minha vida a não ser que você esteja lá.


Ela olhou o rosto dele, distorcido pela raiva e tristeza, e então uma sensação a acertou como uma bala de canhão direito no estômago, a sensação do quanto amava esse homem desesperadamente e quanto o tinha, quanto tinham magoado um ao outro... E nesse momento nada mais importava a não ser que o coração dele precisava ser curado. –Sim, Harry – ela sussurrou. –Fale comigo, por favor, fale comigo.


Ele a soltou e recuou. –Estava com tanto medo, nunca tive tanto medo. De tudo. De mim mesmo, do que eu me tornei. Do que você teve que fazer pra me curar, porque eu sabia que você devia ter desistido de algo precioso pra te incomodar tanto a ponto de ir embora. Estava com medo de você voltar, mas tinha mais medo de você nunca voltar. E quando você voltou, olhei pra você e senti ainda mais medo... E então fiquei louco. E disse algumas coisas das quais me arrependo.


-Eu também.


-Eu sei. – ele expirou entre os dentes e passou os dedos pelos cabelos. –Não acho que posso falar mais sobre isso, com certeza não assim, gritando no meio da noite aqui na praça. Vamos...


-Vamos o que, Harry? O que acontece agora?


Ele a encarou. –Eu não sei.


O longo silêncio se prolongou, se prolongou até um infinito agonizante. Se ele der as costas agora está tudo acabado, Hermione pensou e quer fosse verdade, quer não, parecia verdade. As palavras continuavam a se repetir em sua mente como apelos desesperados de uma criança assustada. Se ele der as costas agora está tudo acabado. Se ele der as costas agora está tudo acabado. Ela queria dizer alguma coisa, qualquer coisa, pra mantê-lo ali, mas a paralisia da indecisão a aprisionara com força. Se ele der as costas agora, está acabado.


Ela ficou olhando no slow-motion provocado pela ansiedade a flor da pele enquanto Harry virava, os olhos na calçada. Ele virou e deu alguns para longe dela... e caiu direto na grande fonte que estava atrás dele.


Hermione ficou olhando de boca aberta, quando o pé dele enroscou na beirada da fonte e ele mergulhou de cabeça na água rasa, misturando as pernas e o casaco. Na sua distração ele não vira a depressão em relação ao nível do chão que cercava a fonte esculpida que ficava no meio da praça. Na pressa de sair, ele não poderia ter feito um número mais bobo se tivesse treinado a vida inteira.


Ele apareceu na superfície, pingando e sentado na água que batia no tornozelo parecendo o mais velho nadador de piscina infantil do mundo. Ele piscou duas vezes, a água escorrendo pelos olhos, uma expressão de confusão divertida em seu rosto. Hermione ficou sem saber o que fazer, então fez a única coisa que podia: caiu numa risada louca.


Ela se dobrou, segurando a barriga antes que ela explodisse pela pressão das risadas. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, e ela tentava respirar grandes quantidades de vez para recuperar o fôlego. –Ah, muito obrigado – Harry resmungou, mas tinha um meio sorriso constrangido no rosto.


Ela cambaleou até a borda da fonte, consciente que tinha que fazer alguma coisa pra ajudá-lo. Ela estendeu a mão. –Aqui... deixa eu... ajudar... – conseguiu falar entre as risadas.


Ela devia ter pensando melhor, percebeu depois. Harry segurou a mão oferecida e a usou não para se equilibrar de pé, mas pra puxá-la também. Com um "gluk" de surpresa, ela caiu na água da fonte gelada, que imediatamente entrou por seu nariz e pela garganta. Ela se apoiou de joelhos, tossindo e segurando a capa encharcada, ainda rindo... só que agora a risada de Harry se misturava à sua. Cambalearam de pé, mas os sapatos de Harry escorregaram no chão e ele perdeu o equilíbrio, agarrando-a por reflexo. Pro chão foram os dois, de novo. –Bem, vamos ficar molhados agora, era só o que faltava – Hermione disse.


-Ainda bem que não usei minha capa hoje, é de lã pura. Ia encolher na hora – ele finalmente conseguiu manter o pé firme e foi até ela, que permanecia sentada e ria com a impossibilidade absurda de tudo isso. –Me dê sua mão – ele disse, rindo. Ele a puxou de pé e colocou um braço em volta dela para firmá-la.


Hermione olhou em volta na hora que ele virou a cabeça e acabou olhando diretamente em seus olhos. Ela congelou, a boca aberta no meio da risada e viu o sorriso sumir do rosto dele.


Era um momento estranho, um que ela nunca esqueceria enquanto vivesse. Era como se um fusível queimado dentro dela fosse trocado e todas as luzes brilhassem depois de um longo tempo no escuro. Ela lembrou na hora de como estavam os olhos dele na hora que ele se ajoelhou e pediu que casasse com ele. Podia sentir mais uma vez os braços dele a sua volta da primeira vez que se beijaram, como ele a segurara com força, como as mãos dele tremiam quando a tocaram.


Agora a mão dele tremia novamente quando a levantou e gentilmente tirou uma mecha do cabelo molhado de sua bochecha. Ela percebeu com um certo alarme que os olhos dele estavam se enevoando. Ele deixou as mãos dele mais tempo no rosto dela, e então passou o polegar gentilmente por seu lábio. Ela esticou a mão e tirou água do rosto dele, segurando entre os dedos. Ele balançou a cabeça devagar, mantendo o olhar no dela, seus olhos se enchendo com o mundo inteiro. –Harry – ela sussurrou. –Eu... eu lamento muito. – as palavras não passavam de sussurros.


Ele pressionou o polegar contra os lábios dela de novo. –Shhh – ele disse. Ela não precisava ouvir que ele também lamentava... O olhar em seus olhos diziam mais claramente do que ele poderia mesmo se gritasse do telhado. –Sem falar – um meio sorriso lento se curvou em seus lábios.


Ela concordou. –Sem falar – repetiu, respondendo ao sorriso com outro... O significado da frase dele não passou despercebido.




14 meses antes...




Harry chutou a porta do Cloister para que fechasse atrás dele, desequilibrado sobre os pés depois de carregá-la pelas escadas desde o hall do segundo andar. Ele a colocou no chão e eles caíram contra a porta fechada, a necessidade de manter o equilíbrio ficando muito abaixo da necessidade súbita, porém intensa, de ser beijarem o mais forte que podiam sem deixar marcas. Isso poderia estar acontecendo? Numa hora gritavam um com o outro, de melhor amigo para outro, os dois com medo de perder o outro, e então no momento seguinte estarem numa posição tão apaixonada? Essas coisas aconteciam fora de filmes? Aparentemente sim.


Ela afastou o rosto e olhou pra ele. Os dois ofegavam e o coração dela estava a mil. Ele segurava o rosto dela entre as mãos, olhando em seus olhos com uma expressão intensa. –Você... – ele começou.


Hermione colocou a mão sobre a boca dele. –Não. Sem falar. – ela não queria falar sobre isso. Se falassem talvez se convencessem a não ir adiante, e ela não queria isso. Não sabia o que estava acontecendo e sabia pela expressão dele que ele também não, mas sabia que neste momento ela o queria mais desesperadamente do que já quis outro homem em sua vida. Uma vozinha de razão na sua mente lhe avisou que isso arruinaria a amizade deles, e isso era assustador. A amizade dele era tão essencial a sua existência que não sabia o que faria sem ela... e mesmo assim, a mesma voz imaginava se eles não teriam algo muito maior do que a amizade. Sussurrava que era pra isso que foram feitos, que foram feitos um para o outro. Não amigos. Não apenas amigos. Algo mais.


Harry concordou. –Sem falar –repetiu baixo.




No presente...




Harry colocou um dedo sob o queixo dela, e devagar puxou seu rosto na direção do dele. A intensidade de seu olhar fez o estômago dela revirar, mas ela continuou encarando enquanto se aproximava. Ela podia sentir a hesitação dele, bem como a própria, mas não havia mais nada em risco, mais nada a perder. O assalto e depois o repentino mergulho na fonte o surpreenderam de modo que não podiam fingir mais e agora que eles se olharam sem a parede protetora que construíram, era tarde demais pra recuar.


Um calafrio percorreu o corpo dela quando os lábios se tocaram pela primeira vez desde o dia que ela lhe dera adeus no Confinamento, que parecia milhões de anos atrás. Ela queria puxá-lo mais pra perto, mas se conteve, sem ter certeza de como prosseguir. Ele recuou, olhando profundamente em seus olhos, uma pergunta não feita atrás de seu olhar. Ela sorriu e balançou a cabeça que sim, lágrimas escorrendo por suas bochechas.


O peso de cem dias de lamento saiu de seus ombros quando Harry a puxou contra si e a beijou, da mesma forma como sempre... Com todo ele presente no beijo. Ela se inclinou pra ele e respondeu ao beijo, uma mão no rosto dele enquanto o outro braço se curvava sobre seus ombros. Ela não sabia quanto tempo ficaram ali, naquele abraço apertado, fazendo o melhor para recuperar três meses de beijos perdidos em um momento infinito, mas depois de um tempo outra sensação se intrometeu. –Harry – ela murmurou contra a boca dele.


-Humm?


-Meus pés estão gelados – ele parou, piscando, e os dois olharam pra baixo... ainda estavam na fonte com água pelos tornozelos. Olharam-se novamente, se divertindo, e antes que você dissesse wombat, os dois já estavam rindo loucamente.


-Talvez seja melhor sair dessa fonte – ele disse, fingindo seriedade.


-Ah, só se você quiser – ela respondeu, sem poder parar de sorrir. –Pessoalmente, gosto de meus dedos todo enrugados.




Hermione nunca imaginaria como era difícil subir as escadas de costas enquanto beijava furiosamente alguém e tentava tirar suas roupas. Ela tropeçou várias vezes e Harry acabou carregando-a a maior parte do caminho pelas escadas até a suíte deles.


O dèja vu era poderoso, trazendo à sua mente lembranças da primeira noite juntos. Como na época, mal podiam se largar tempo o bastante para fazer tarefas simples como andar e abrir a porta, mas conseguiram entrar na suíte sem maiores incidentes.


Sombras escuras pairavam sobre a cabeça de Hermione, o reconhecimento da discussão intensa que ainda estava por vir. Mas no momento isso não importava. Ela estava aqui com seu Harry, realmente com ele depois de um longo tempo separados, e enquanto ainda estava nos seus braços sentia como se não houvesse nada que realmente não pudessem enfrentar juntos, nem mesmo isso.


Deixaram um rastro de roupas molhadas e pegadas de lama atrás deles, em toda sala enquanto escorregavam e tropeçavam no caminho até o quarto. Ela percebia que estavam fazendo um grande barulho, juntando os passos e as batidas nas paredes e nos móveis, sem falar na respiração ofegante e do fato que os dois ainda estavam meio rindo. Ah, esqueça, ela pensou. Não me importo se alguém nos ouvir. Ela chutou pra tirar um dos sapatos, que prontamente voou pelo ar e derrubou o abajur da mesinha ao lado do sofá. Harry começou a rir o que fez seus beijos vibrarem contra o pescoço e ombros dela. –Opa – ela murmurou.


-Bem na mosca – ele disse. Viraram em círculos, ainda despindo um ao outro o melhor que podiam, até que seus joelhos encontraram a beirada da cama e eles caíram numa pilha em cima dela. Rolaram algumas vezes até parar meio que na diagonal.


Hermione de repente pensou uma coisa. –Harry, espere – ela disse. Ele recuou na hora, uma expressão apreensiva passando por seu rosto.


-Que foi?


Ela segurou o rosto dele entre suas mãos e o fez olhar pra ela. –O que você quer que aconteça aqui? – perguntou.


-Por Deus, não é obvio?


-Sabe o que quero dizer.


Ele fez que sim, passando os dedos pelo rosto dela. –Não...não posso mais continuar. Não posso ficar sem você, não quando há uma chance, mesmo pequena, de consertarmos as coisas. Não me importo com o que custe. Está me destruindo por dentro, mais a cada dia.


-E quanto... Ao resto todo?


-Ainda vai estar lá pela manhã. Não importa o quanto a gente se esforce consertar as coisas, vou fazer o que for preciso. Não vou deixar que isso nos separe, não mais.


Ela sorriu pra ele, seu lábio inferior tremendo. –Ainda tem?


Ele piscou e recuou um pouco. –Sim, claro – ele olhou pra ela com atenção. –Quer de volta?


-Mais que qualquer coisa.


Ela podia ver os músculos de seu queixo apertando. –Não... não peça a não ser que realmente queira.. eu não... – ele parou e limpou a garganta. –Não posso agüentar de novo.


-Realmente quero de volta.


Agora foi a vez dele de parecer a beira das lágrimas. Ele engoliu seco e fez que sim. –certo. – ele sentou e ela fez o mesmo, terminando quase no colo dele. Ele colocou a mão por dentro da camisa e puxou uma fina corrente de ouro. Preso na corrente estava o anel de noivado dela. Fez Hermione sentir uma dor por dentro. Todas as semanas que ele andou por aí parecendo tão frio, tão desapegado e tão desligado, andava por aí usando uma corrente com o anel dela em volta do pescoço, mantendo-o perto dele. Ele o soltou da corrente e pegou a mão esquerda dela, se inclinando pra beijá-la gentilmente antes de colocar o anel de volta em seu lugar.


-Pronto – ela suspirou. –Pro melhor e pro pior, certo?


Ele sorriu e pressionou a palma da mão contra a dela, enlaçando os dedos dos dois e deixando o anel brilhando acima deles. –Acho que tivemos muito "para o pior" nos últimos tempos, não é?


-Deus, espero que sim – ele a olhou nos olhos então e Hermione sentiu-se derretendo toda por dentro ao ver a expressão dele. Ela o puxou pra seus braços de volta pra cama e talvez seja melhor deixar uma descrição verdadeira do que se seguiu para caneta de um contador de histórias mais habilidoso que eu, fiel leitor.




Do you want to know if everything glittering
Will turn into the gold I see in your hair
I feel it could be there somehow, tonight


Do you want to find something worth saving
The change would do me right, I've been just waiting
And hesitating with this heart of mine


You're still a mystery, but there's something so easy
In how you're sweet to me, I feel completed
Like it's something I needed for this heart of mine


So though we cannot know if everything glittering
Will turn into the gold, I'm through with waiting
And hesitating, I want you taking this heart of mine.




Hermione estava deitada nos braços dele, ainda grogue com o exercício e explosão emocional, mas ainda agitada demais pra que dormir fosse uma possibilidade viável. Ele acariciava suas costas devagar, então ela sabia que também não estava dormindo ainda.


-Harry?


-Humm?


-É imaginação minha ou foi o melhor sexo que fizemos?


-Não tenho certeza. Me pergunte depois, caso eu não entre em combustão quando voltar a órbita terrestre.


Ela levantou a cabeça para olhá-lo no rosto. –Acha que a operação Wombat vai ficar desapontada por não ter participado disso?


Agora ele riu alto. –Ah, a Operação Wombat. Abençoados sejam, com seus corações óbvios e intrometidos.


Hermione riu. –Era até engraçado vê-los tentando ser discretos e planejar seus esquemas, achando que estavam me enganando.


-Estou um pouco desapontando com Napoleon. Esperava um pouco mais de seu nível de discrição. Mas fico feliz em saber que eles eram tão óbvios pra você quanto eram pra mim.


-Bem, francamente. Sou uma agente profissional de vigilância e você é o oficial de mais alta patente em operações secretas do planeta. É tão fofo eles acharem que não íamos notar. A única coisa que me intriga é quem achou que "Wombat" era um codinome apropriado.


-Ah, qual é. Intriga romântica? Fofocas rolando? Parece um trabalho para... Justino Finch-Fletchley!


-Se Justino fosse um super-herói, como seria seu uniforme?


-Uma tanga de tafetá prateada e botinhas brilhantes com asinhas. E capacete Viking.


Por alguns momentos, Hermione teve a oportunidade de se perguntar se era fisicamente possível romper alguma víscera rindo. –Po... por que um capacete viking? –gaguejou, sem ar.


-Brilha e tem grandes chifres. Qual dessas duas coisas não te lembra Justino? – ele perguntou.


Ela riu de novo e o abraçou, se sentindo leve, pelo alívio e agitação. Por algum tempo, simplesmente ficaram deitados, gentilmente se tocando como se para certificar que não tinham se esquecido como era. –Sabe – ele finalmente disse. –Ainda temos muito o que conversar.


Ela suspirou. –Eu sei. Mas... não agora. Vai continuar lá pela manhã. Agora só quero te abraçar, talvez chorar um pouco. Tudo bem pra você?


Ela sentiu-o sorrindo acima de sua cabeça. –Tudo bem pra mim. Na verdade, acho que vou fazer o mesmo.




Hermione abriu os olhos e se espreguiçou languidamente, sorrindo com os quentes raios de sol que caiam sobre sua pele nua. Ela ainda sentia todo seu corpo formigando pela atividade da noite anterior. Ela e Harry fizeram amor mais duas vezes durante a noite. A segunda vez fora relaxada e sensual, sem a urgência que existia da primeira vez. Os dois choraram durante essa segunda vez, em sua maior parte, lágrimas de alívio por esta reconciliação e de tristeza pelo tempo que perderam. A terceira vez, logo quando o céu começava a clarear, foi mais entusiasmada... na verdade, o bastante pra que terminassem no chão ao lado da cama.


A luz do sol dizia que era o meio da manhã. Harry não estava a vista. Provavelmente estava na varanda, onde sempre preferiu passar as manhãs durante a estadia deles. Ela levantou e se enrolou em um dos roupões impossivelmente fofos do hotel, parando pra colocar uma calcinha e meias, antes de ir para sala de estar.


Ele estava sentado na varanda, como ela pensou, bebendo café e olhando a vista de tirar o fôlego de Florença. Ela parou atrás da cadeira dele e colocou os braços em volta de seu pescoço, se inclinando pra apoiar a cabeça sobre seu ombro. Ele levantou a mão e segurou a dela, virando o rosto para beijá-la na boca. –Bom dia – ele disse gentil.


-Com certeza é – ela disse. Ele usava a parte de baixo do pijama e uma camisa branca, estava de pés descalços, apoiados em um banco diante dele. Ele a puxou pra que desse a volta em sua cadeira e ela se curvou no colo dele, apoiando a cabeça em seu ombro. Por um tempo, ninguém falou. Hermione se permitiu aproveitar essa sensação de completo contentamento, maculado apenas pelo fato que eles tinham que conversar seriamente sobre as coisas que adiaram na noite anterior. Ela torcia que ele começasse, porque ela não sabia como.


Depois de um tempo, ele começou. –Antes de discutirmos as coisas que temos que discutir – disse. –Quero deixar uma coisa absoluta e perfeitamente clara.


Ela levantou a cabeça e olhou pra ele, um pequeno temor pelo que estava por vir passando por ela. Esperava que ele não colocasse nenhuma imposição para que se reconciliassem. –O que é?


Ele a olhou nos olhos. –Eu te amo. Nunca deixei de te amar, nem por um momento. Sempre te amei e uma das muitas coisas que lamento agora, a que pesa mais é que eu te fiz duvidar disso. – ele balançou a cabeça. –Apesar da forma que agi, apesar de como tenha parecido pra você e pra todo mundo... Bem, foi só porque... – ele parou no meio, repensando. –Era apenas auto-defesa.


-Não tem que explicar, não essa parte pelo menos. Eu entendo.


-E lamento se eu te confundi naquela noite na casa de Wainwright. Sinceramente não achei que fosse se lembrar, ou mesmo que você estava consciente de mim. Mesmo que não achasse tudo isso, acho que não conseguiria suprimir meus sentimentos verdadeiros durante aquilo tudo. Ninguém pode atuar tão bem assim.


-Não me confundiu. Foi um alívio. Me deu esperanças, porque já estava me perguntando se... bem, se você tinha me esquecido e não se importava mais.


Ele deu um tipo de soluço meio estrangulado e a puxou mais pra perto. –Ah, meu Deus. Como se eu pudesse te esquecer, como se eu pudesse deixar de me importar.


Ela o beijou várias vezes na boca e na bochecha, tentando apagar a expressão preocupada de seu rosto. -Eu te amo também, Harry. – ele suspirou e virou o rosto na direção dela, selando sua boca na dela. Por vários minutos ficaram sentados na cadeira, dando um amasso sem vergonha como um casal de adolescentes na Torre de Astronomia, que era exatamente como Hermione se sentia... como uma adolescente, cheia da paixão desmedida da juventude. As mãos dele eram macias e familiares quando entrou entre o roupão dela e sua pele, a barba por fazer dele agradavelmente e áspera contra seu rosto.


Depois de um tempo, pararam de se beijar e ficaram sentados num abraço apertado, aproveitando o último pacifico momento de proximidade e intimidade. –Eu começo – ele disse baixo. Ela concordou.


Ele a soltou e levantou, virando pra se apoiar na grade da varanda e a encarando quando ela sentou na cadeira que ele acabara de vagar, as pernas sob si mesma. Ele respirou fundo, pensando por um momento antes de falar.


-Tem um segredo que não quer me contar – ele começou. –Eu estava muito doente e você fez tudo para me salvar, e conseguiu... Só que não me diz como. Eu... – hesitou. –Achei por um tempo que não me contava porque não confiava que eu era capaz de lidar com ele. Não acredito mais nisso. Acho que você se convenceu que está fazendo o melhor pra mim, mantendo seu segredo. – ele a olhou intensamente, falando deliberadamente calmo. –Quero que me diga. Preciso que me diga. Mas... Se não puder, se você realmente não puder... – ele suspirou. –Não vou mentir pra você, Hermione. Se não puder me contar, mesmo depois de tudo que este segredo fez com a gente, bem... Eu não vou gostar, e não vou entender de verdade. Mas vou aceitar. Vou tentar entender e vou tentar deixar isso pra trás. Nunca vou parar de me perguntar, e sempre vou desejar que pudesse compartilhar isso comigo. Mesmo assim, confio em você. Confio que vai fazer o melhor pra mim.


Hermione olhou pra ele, sua mente girando. –Pensou muito nisso, não foi?


-Pensei em pouca coisa além disso nos últimos três meses – ele balançou a cabeça. –Não quero dizer que tudo bem com isso. Eu decididamente não estou bem com isso. Queria que pudesse me contar, isso paira sobre minha cabeça o tampo todo, fico me perguntando o que você teve que fazer por mim. Mas... não é nem de longe importante suficiente pra mim pra eu deixar que nos separe um instante mais do que já nos separou. – ele deu um sorriso fraco. –Certo. Já disse. Pronto. – ele a olhou nos olhos por uns instantes e depois vagarosamente virou pra olhar a cidade, dando tempo a ela pra pensar.


Ela não precisou de muito. Sabia o que tinha que fazer. –Quando eu... – ela começou, mas sua voz estava rouca e baixa. Ela limpou a garganta e recomeçou. Ele não virou, intuindo que talvez sua resposta ficasse mais fácil se não a encarasse. –Quando saí pra procurar uma cura pra você, sabia que só poderia ir a um lugar... até o Guardião. Ninguém tinha certeza que existia, mas eu a encontrei. Eu a encontrei e falei com ela. Ela era... Bem, acho que não sou capaz de descrevê-la. Estava disposta a te ajudar, mas por um preço. –podia ver as costas de Harry ficando tensas e sabia que ele queria virar, mas ele ficou onde estava. Ela abraçou os joelhos contra o peito, olhando chão da varanda enquanto falava. –Então eu ofereci minha própria vida em troca da sua. –Agora Harry virou de fato, seu rosto pálido. Ela levantou a mão antes que ele pudesse falar qualquer coisa. –Ela recusou. Não aceitou, disse que eu estava oferecendo uma coisa que não tinha valor para mim.


Ele franziu a testa. –Sua própria vida? Isso não...


-Ela estava certa. Se você tivesse morrido, minha vida se tornaria... muito infeliz. –ela olhou pra ele antes de continuar. –Ela disse que aceitaria outra coisa em troca.


Ele olhou os próprios pés, sua boca abrindo e fechando algumas vezes antes que conseguisse falar, hesitante, como se não quisesse saber a resposta, mas não suportasse não perguntar. –O... o que.. ela tirou de você?


Hermione olhou diretamente nos olhos dele. –Ela não aceitou minha vida toda, então tirou apenas uma parte dela. Tempo de minha vida. Não sei quanto. Talvez minutos... Ou talvez mais. Dias, meses, anos até. Quando eu morrer, irei até ela. E só então saberei quanto perdi.


As palavras dela pesaram no ar entre eles. A expressão de Harry desafiava descrição. Pelo que pareceu um longo tempo não disse nada, apenas a olhou, seus olhos bem destacados em seu rosto pálido. Finalmente ele levantou as mãos até o rosto, apoiando o queixo em seus dedos unidos, pensando. Depois de um tempo, falou. –Eu... não sei o que dizer. Sinto muitas coisas diferentes no momento, não consigo resumir todas claramente, então... deixe eu tentar explicar o que se passa em minha cabeça nesse momento. – ela concordou. –Primeiro, estou feliz que tenha me contado. Muito feliz mesmo.


-Eu também, - ela disse – Não queria porque...


-Sei porque não queria. Com certeza eu não sou conhecido por minha capacidade de deixar as coisas de lado.


-Achei que iria...


-Me atormentar eternamente?


-Algo assim.


-Bem, não está enganada. Mas...deixa eu tentar explicar. – ele avançou e se ajoelhou diante da cadeira dela, segurando as duas mãos dela e olhando em seu rosto. –Estou sendo puxado pra várias direções no momento. Uma das coisas mais difíceis de não saber o que aconteceu, era minha imaginação voando livre pra pensar nas piores coisas que poderia ter feito. Não quero diminuir a magnitude do que você teve que fazer, mas...


-Já tinha imaginado coisa pior.


-Sim. Então percebo que estou me sentido aliviado que você teve que desistir de uma parte de sua vida e isso me faz sentir a pessoa mais horrível do universo.


-Mas existem coisas piores que ela podia ter pedido. Já me perguntei como seria se ela tivesse pedido minhas habilidades mágicas...


-Pensei nisso.


-Ou nossa capacidade de ter filhos...


-Pensei nisso também acredite, não tem uma coisa horrível que você poderia ter dado que eu não tenha pensado quando tentava descobrir o que você estava escondendo de mim. Só de saber com certeza me sinto aliviado. Então, em primeiro lugar tem isso. Mas então, tem uma parte de mim... e é uma parte bem grande... que está aterrorizada com a idéia de você ter de desistir de um segundo sequer de sua vida por mim. Construí uma parte significante de minha identidade em volta da necessidade de te manter longe de perigo e... – ele parou e desviou os olhos, engolindo seco e quando falou novamente sua voz tremeu. –É difícil pra mim, aceitar o sacrifício que fez. Vai de encontro a cada instinto que tenho como bruxo, como agente e mais importante como um homem que está desesperadamente apaixonado por você.


Hermione esticou a mão e acariciou o rosto dele gentilmente, tentando sorrir. Os lábios dela não cooperavam. Ele continuou. –Então eu poderia sentar aqui e dar um ataque. Eu poderia gritar e espernear e dizer que não devia ter feito isso. Acredite, a maior parte de mim adoraria fazer exatamente isso... mas não vou. Hermione, o que sinto por você tem muitas camadas. Gosto de você como amiga, como minha melhor amiga, na verdade. Admiro sua inteligência e também a invejo. Tenho orgulho de suas conquistas e gosto de te ver se saindo tão bem. Sinto falta da garota que você era ao mesmo tempo em que me impressiono com a mulher que se tornou. Claro, mal preciso acrescentar que te amo por causa de todas essas coisas. Mas finalmente, e talvez mais importante, respeito você como pessoa. Respeito sua habilidade de tomar suas próprias decisões já que elas afetam a sua vida. Posso ter uma reação interna a seu sacrifício, mas recuso a diminuí-lo, questionando seu direito de fazê-lo. Se fez tal acordo com o Guardião de boa fé e de livre e espontânea vontade, então não vou dizer nada contra ele, apesar do que sinto sobre isso. – ele parou e suspirou como se esse discurso o tivesse deixado exausto. Ele olhou para as mãos dadas deles, mantendo os olhos abaixados enquanto continuava. –Sabe que faria o mesmo por você, num piscar de olhos.


-Então por que deveria esperar menos de mim? – ela sussurrou.


-É exatamente o que quero dizer. Se somos parceiros iguais neste relacionamento, e espero que sejamos... Se sei que sacrificaria qualquer coisa por você, não devia ficar chocado ou zangado por ter feito o mesmo por mim. Serei franco, vai ser difícil viver com isso... Mas vou tentar aceitar pela intenção que foi feito.


Ela sorriu de verdade agora, aliviada pela atitude dele. –Fico feliz.


-Tem mais uma coisa que gostaria de completar.


-E o que é?


Ele se endireitou sobre os joelhos de modo que ficasse no nível dela, olhando diretamente em seus olhos. –Você salvou minha vida. Obrigado.


Hermione relaxou, um peso sendo retirado de seus ombros. Ela esticou os braços e Harry a puxou pra ele, a segurando com força, do modo que ela sabia que ele queria fazer o tempo todo, mas se conteve para que pudesse responder a sua revelação com clareza. Ela passou os dedos nos cabelos dele e ele plantou beijos por todo rosto dela e então a abraçou de novo, os dois suspirando aliviados que esse problema estava finalmente posto onde podiam vê-lo e lidar com ele juntos. –Como fazemos isso? – ele sussurrou. –Quero dizer... como vivemos com isso, o tempo todo? Sabendo, mas não sabendo... como funciona?


Ela suspirou. –Fazemos a única coisa que podemos. Continuamos com nossas vidas e tentamos aproveitar ao máximo cada dia que temos, que é o que teríamos que fazer de qualquer forma. Nada vai mudar. Vou continuar sem saber quanto tempo tenho de vida. Uma coisa que percebi enquanto estava longe foi que não posso deixar o fato de saber isso atrapalhar o tempo que tenho, ou então era melhor ela ter tirado minha vida logo. Acho que um dos motivos de querer manter isso só pra mim foi para agüentar o peso sozinha e você não teria que fazer o esforço de manter longe dos seus pensamentos como eu.


-É meu dever dividir esse peso com você, querida. Disse pra mim uma vez... se não dividir seus problemas, não dá àqueles que ama a oportunidade de te amar o suficiente.


-Eu sei. Estou... aliviada que podemos conversar disso agora. – ela desviou os olhos. –E tem mais uma coisa que queria te dizer.


-E o que é?


-Lamento ter ido embora sem te dizer. Foi errado de minha parte, sei disso agora. Devia ter falado com você primeiro. Tudo que posso dizer em minha defesa é que na hora pareceu a coisa certa a fazer. Estava tão exausta e com medo que não confiava em mim mesma. Não achei que devia estar perto de você, não naquele momento.


-Bem, eu aceito suas desculpas, mas de certa forma me pergunto se não fez a coisa certa. Quando acordei, não estava em condições de falar sensatamente com você sobre muita coisa, e tenho certeza que você acabaria ficando e ficando. Poderia chegar a ressentir de mim por isso. Agora que sei o que fez, entendo melhor porque precisou de um tempo pra você. Na época, me magoou, muito, mas pensando melhor... posso ver porque fez o que fez. Isso não significa que não queria que estivesse lá, porque com certeza poderia ter me beneficiado de seu apoio enquanto me recuperava.


Ela se inclinou na direção dele e pressionou a testa contra a dele, engolindo pra limpar a garganta. –Me desculpe –disse de novo. –Desculpe por ter passado sozinho por isso.


-Está perdoada. Como você observou, não estava sozinho. – ele a olhou nos olhos. –Sabe, por pior que seja admitir, sei como a maioria das pessoas me vê. Harry Potter, o Garoto que Sobreviveu. Destruidor de todas as coisas más e nojentas, blá, blá, blá. Apesar do que posso parecer aos outros, seja como Harry Potter, ou como espião ou até como Mage... No fim, sou apenas um homem e você talvez seja a única pessoa no mundo que realmente me vê desse jeito. Não posso te prometer muita coisa. Não posso prometer uma vida pacifica e sem perigos, ou um futuro feliz sem vilões aparecendo em nossos caminhos. Não posso te oferecer meu amor infinito, porque nós dois sabemos que o amor muda de tempos em tempos e evolui a algo novo a cada dia. Não posso te prometer um lar, ou uma família ou nada das coisas que as pessoas podem esperar. Não posso nem oferecer envelhecer ao seu lado. Tem dias que fico sinceramente impressionado por ainda estar vivo por causa da quantidade de pessoas querendo me mandar viajar mais cedo. – ele se inclinou mais pra perto. –Tudo que posso prometer é meu corpo e alma, pelo tempo que forem meus pra te dar.


Ela sorriu suavemente pra ele. –Diz isso como se não fosse nada, Harry. Ninguém pode prever o futuro. Tudo o que realmente temos, no final das contas, somos nós mesmos. Só você poderia me oferecer tudo o que tem no mundo e pedir desculpas por não ser mais.


Harry ou não podia responder ou não quis. Ao invés disso, ele a puxou da cadeira para seus braços e a beijou com tamanho ardor que a deixou sem fôlego. Ela não estava acostumada com uma paixão tão intensa dele; como amante, Harry era mais do tipo gentil e sensual do que o intenso e quente. Ainda assim, ela não estava reclamando, especialmente porque parecia ser contagioso. Ela respondeu a altura, sentindo o calor subindo até sua pele quando ela puxou a camisa dele pela cabeça. Na mesma hora o nó de seu roupão era desfeito e os braços deles entraram embaixo dele para abraçá-la. Ela começou a se perguntar se ele pretendia fazer amor com ela bem ali na varanda, e antes que ela pudesse perguntar, ele abruptamente a puxou contra ele e levantou com ela em seus braços, suportando o peso dela com as mãos sob seus quadris. Ela enlaçou a cintura dele com as pernas e se perdeu no momento enquanto ele a carregava de volta para suíte.




Era simplesmente impressionante como Florença ficou diferente agora que ela a via ao lado de Harry e não a meio metro de distância dele.


Continuaram a fazer amor naquela manhã tão intensamente quanto começaram e nos poucos momentos que Hermione conseguiu reunir pensamentos racionais, desejou que estivessem num lugar com isolamento acústico, como o Cloister... Mas uma consideração tão prática estava além de suas capacidades no momento, e ela também não conseguiria mostrar a vergonha de uma inglesa diante de alguém que pudesse tê-los escutado. Simplesmente não importava.


Depois de um cochilo de algumas horas (que de repente virou uma necessidade urgente) ela foi para o chuveiro, o que começou normal, mas após uma série de eventos, que é melhor ficarem na imaginação, terminou como uma experiência que ela tinha que classificar como número dois na lista dos cinco momentos mais eróticos de sua vida (o número um ainda era a massagem de corpo inteiro que Harry fizera depois dos exames da DI).


Fora idéia de Harry se vestir e sair pela cidade e vê-la de novo, ou "propriamente", como ele apontara, que ela traduzia como "enquanto não se estava tentando preservar uma trégua emocional". – a princípio, ela não gostou muito da idéia. Ficar deitada no luxo hedônico da suíte o inteiro parecia uma alternativa muito melhor.


Harry riu. –Querida, mais doze horas assim e eu vou ter que ser internado pra tomar soro.


E então eles saíram. Ela tinha que admitir, ele estava certo. De repente, tudo parecia diferente. Ela percebeu que acabara de passar uma semana que, no papel, provavelmente era a mais romântica que duas pessoas poderiam passar juntas e fora completamente perdido para os dois. Ela teve um calafrio ao pensar na viagem para a vinícola no campo e na charmosa vila. O dia inteiro fora um enorme cartão-postal do romantismo idílico, mas pelo que eles aproveitaram, dava no mesmo ter ido passear em fábricas de plantas de submarinos em Minsk.


Eles revisitaram a alguns dos melhores pontos turísticos, notando com diversão a matéria no jornal sobre a captura de uma gangue local de ladrões, encontrados misteriosamente amarrados e incapacitados no meio da praça. Sentaram num café ao ar livre e beberam café forte e doce enquanto Harry contava sobre sua longa recuperação. Andaram de mãos dadas na margem do rio Arno enquanto Hermione lhe contava sobre suas aventuras durante o mês fora.


Eles acabaram em num restaurante escondido, um lugar freqüentado pelos habitantes da cidade, que o instrutor do hotel recomendara. O interior era um tanto amontoado, mas confortável, o cheiro de comida vindo da cozinha fazia a boca de Hermione se encher de água. Harry pediu pelos dois já que ela não podia ler o menu. Ela riu pra ele, surpresa pela própria animação.-Que foi? – ele disse, sorrindo pra ela. –Tem alguma coisa em meu dente?


-Não, mas eu poderia te ouvir falando italiano o dia inteiro. Podia ler o manual do som pra mim e ainda me deixaria de perna bamba.


-Não é minha língua preferida. Acho russo mais sexy, pessoalmente.


-Não fala russo.


-Falo sim. Um pouco. O suficiente pra sobreviver.


-Uau. Quantas são no total?


-O que, línguas? Hã... sem contar o inglês, é claro... quatro fluentemente. Duas ou três mais pra sobreviver. Isso de línguas humanas. Tive que aprender goblin para uma missão... mas isso foi fácil. É uma língua mágica que fixa em seu cérebro instantaneamente na hora que você lê as regras. Uma lida na gramática e você fica fluente pelo resto da vida.


-Se fosse trouxa poderia ser um grande lingüista.


-Bem, a DI tem programas de línguas muito bons e rápidos. Eles têm que ter. Realmente parece que tenho jeito pra coisa. Às vezes me pergunto se está ligado à coisa Mage, tipo uma faceta do Toque da Sabedoria.


-Não é?


-Não, porque ainda consigo fazer isso.


Ela hesitou. –Mas... Você não perdeu todos seus poderes Mage, perdeu?


-Ah não. Só os amplificados na época que eu estava doente. Quando o Guardião me curou, perdi as habilidades melhoradas que estava exibindo, como o Toque da Sabedoria.


-Que ruim.


-Não tenho certeza disso. Preço pequeno a se pagar considerando a bagagem minha metade sinistra trazia consigo. Além disso, prefiro desenvolver minhas habilidades Mage por mim mesmo. Posso recuperar o Toque da Sabedoria se praticar, mas vai levar anos.- ele deu de ombros. –Não acho que vá sentir falta... se bem que seria legal conseguir tocar piano de novo. – ele riu. –Acho que eu poderia fazer umas aulas e aprender como todo mundo faz.


-Você? Fazer alguma coisa como todo mundo? Ah, querido, não dá. Vai ser um escândalo.


-Eu sei, é chocante. – ele ficou sério, segurando a mão dela por cima da mesa. –Tem uma coisa que eu provavelmente devo te dizer, por questão de honestidade


-Ah Deus, o que? Não me diga que teve um caso tórrido de amor enquanto estávamos separados. – uma expressão dolorida passou no rosto dele e Hermione sentiu o estômago revirar um pouco. –Você não teve, não é?


Ele deu um pequeno pulo. –Não! Claro que não!


-Então que foi?


Ele hesitou. –foi... nossa, quase dois meses atrás. Eu tive um... hã... um estranho encontro com uma ex.


-Uma ex? Não a Gina, com certeza.


-Não.


-Se esbarrou em Ronin?


-Não. – uma expressão de receio tomou o rosto dele. Hermione estava apenas intrigada.


-Se você disser que foi Cho eu vou ter que te matar – ela brincou, tentando diminuir o desconforto dele um pouco. Ela não estava preocupada dele ter tido um caso de uma noite, mas ela estava confusa com o que quis dizer com "estranho encontro".


-Não foi Cho também.


Ela franziu a testa. –Mas essas são todas... – ela parou na hora, de boca aberta. Os olhos deles olharam rapidamente pro rosto dela e depois voltaram para mesa. Era toda confirmação que ela precisava. –Harry James Potter, está sentado aí me dizendo que teve um tipo de incidente com Allegra?


-Sim – ele disse direto.


Hermione puxou a mão e enlaçou os dedos sobre a mesa. –Certo – ela suspirou. –Estou calma. Por que não me conta como foi?


Ele contou, descrevendo o encontro inteiro em detalhes. Ela ouviu, tentando entender, imaginando a surpresa dele ao entrar na cozinha e encontrar Allegra sentada lá esperando por ele. Na hora que ele terminou, estava claro pra ela o que acontecera, só não entendia por que. –Esse é, de longe, a coisa mais estranha que já ouvi. – ela disse.


-Não precisa me dizer isso. – ele respondeu. Olhou pra ela. –Não... está com raiva?


-Com raiva? Não. Não de você, pelo menos. Teria que ser bem insegura pra ter ciúmes dela. Como se ela em um milhão de anos pudesse ter uma chance com você agora, ou ela ia querer uma.


Harry suspirou. –Isso é um alívio.


-Mas por que acha que ela fez isso?


-Queria saber. Talvez só pra confundir minha cabeça.


-Talvez ela realmente estivesse tentando, em algum nível, chegar até você. Talvez esteja certo e ela de fato esteja mudando.


-Acho que não. Quando saiu de lá parecia a mesma de sempre. – ele passou a mão pelos cabelos. –Não acredito que a beijei.


-Ela beijou você. Sabe que eu sempre disse que ela ainda tem coisas não resolvidas em relação a você. – ela mordeu o lábio. –Alguma idéia sobre o dilema moral dela?


-Não. O pouco que soube depois, sobre as atividades dela dali em diante não sugere nada incomum. – ele balançou a cabeça. –A coisa toda foi simplesmente perturbadora. – ele sorriu pra ela. –Devo dizer, está aceitando isso bem mais calma do que eu, se estivesse em seu lugar.


Hermione suspirou. –Bem, se lembre... não estou em posição de atirar a primeira pedra. Fui eu quem dormiu com Draco Malfoy durante meses.


-Isso nem de longe é a mesma coisa, e além disso, ele te enganou.


-Allegra te enganou também. Ela é traiçoeira, Harry. Aproveitou seu otimismo de achar que todas pessoas têm um lado bom pra te fazer pensar que ela não era exatamente sua inimiga. Talvez tenha achado que podia te seduzir pra que voltasse pro lado dela. Se esse for o caso, ela não te conhece nem um pouco.


-Só estou... monumentalmente aliviado que não esteja furiosa.


-Não, furiosa não. Na verdade, isso me diverte um pouco. Pense nisso. Na hora que você fica solteiro até sua arquiinimiga se joga a seus pés dizendo "me tome, sou toda sua".


Ele ficou muito vermelho. –Não é como se eu as tivesse expulsando com uma vara.


-Ah, qual é! Elas estavam fazendo fila e você sabe muito bem disso! – ela riu com a expressão irritada dele. –E por que não? Você não entraria no bolo por uma chance de um encontro com Harry Potter?


-Acho que super-estima meu apelo público. E hei, olha quem está falando! Se Lloyd Llewllyn fosse mais óbvio mandaria pra você um pedaço da orelha!


-Ah, pobre Lloyd. Me encontrei com ele um dia pra tomar café. Excruciante.


-Não tão excruciante quanto a dança na festa do dia do Ministério com... qual era o nome dele?


Hermione riu. –Sasha é um cara legal, só não dança tão bem. Sinceramente, por pior que tenha sido na hora, fiquei feliz de você ter interrompido. Se não tivesse, já estava planejando fingir machucar o tornozelo. Mas não vamos mudar de assunto! Estávamos discutindo as escapadas de Harry Potter, o solteiro dançarino de swing.


-Bem, se as mulheres estavam fazendo fila na minha porta, confesso que não notei.


-E quanto a Sandra Sussmayer?


-Trainees sempre tentam chamar atenção dos instrutores, não quer dizer nada.


-Robin Harwood?


-Ela flerta com todo mundo.


-Certo, não vai poder descartar Lindsay Pascal tão fácil. Vi no dia da festa do Ministério, ela estava em cima de você.


-Lindsay Pascal é... hã... muito insistente. – ele gaguejou, ficando ainda mais vermelho. Hermione sorriu, gostando de deixá-lo sem graça.


-Diziam por aí que ela falou bastante em como planejava te fisgar e te ajudar a consertar o coração partido.


-Sério?


-Eu juro, vocês homens não conseguem ver um palmo diante do nariz. Até eu soube disso apesar de todos tentarem esconder de mim.


Harry a olhou firme, uma sobrancelha arqueada. –Hermione, Lindsay Pascal é uma agente inteligente e capaz. Ela realmente fez com que eu soubesse de seu interesse e é uma mulher muito amigável e atraente. Entretanto, ela tem um grave defeito que infelizmente é irreparável.


-E qual é? – Hermione perguntou cruzando os braços.


Harry se inclinou pra frente. –Ela não é você, e então fica completamente desinteressante pra mim – ele sorriu.


Hermione sorriu, derretendo. –Como é que você consegue dizer exatamente a coisa certa quando mais preciso ouvir?


Ele deu os ombros. –Ampla inspiração.




A segunda semana que passaram em Florença não poderia ter um clima mais diferente do que a primeira. Todo desconforto desaparecera, todo constrangimento esquecido.


Várias vezes, um ou outro comentava que quase parecia que estavam em lua-de-mel, tanto que quando a segunda semana estava chegando ao fim, começaram a se referir a essa viagem como "pré lua-de-mel". Tudo tomava um ar mágico, romântico. As coisas que normalmente seriam irritantes ficavam engraçadas, coisas que de outra forma seriam chatas, se tornavam românticas. Eles esbanjavam palavras de amor um com o outro e se tornaram incapazes de estar no mesmo cômodo sem se tocar de alguma forma. Passavam horas conversando sobre tudo e qualquer coisa, mas passavam o mesmo tempo em silêncio, apenas aproveitando a companhia do outro. Hermione perdeu as contas de quantas vezes fizeram amor. Sem nenhuma responsabilidade para interferir e nenhuma obrigação para distraí-los, ficavam livres pra passar muitas horas explorando e redescobrindo um ao outro.


Quando o final da semana se aproximava, o conhecimento de que logo teriam que voltar a vida normal começou a se intrometer no isolamento deles. –A gente realmente devia responder umas dessas – Hermione comentou uma noite, indicando a pilha de corujas pessoais, ainda intocada.


-E pra que? Vamos voltar daqui uns dias.


-Devemos contar a todo mundo que voltamos antes de chegarmos ou esperar até estarmos em casa? – até agora não tinham comunicado a reconciliação a ninguém devido a um acordo não falado. Parecia certo manter só pra eles, quase como se fosse uma extensão desse exílio auto-imposto. De certa forma, Hermione quase sentia que contar a todo mundo estouraria a bolha perfeita em que se encontravam. Ela seria estourada mais cedo ou mais tarde, mas pra que apressar o processo? Estavam se divertindo tanto aqui sozinhos.


Harry olhou da mesa onde estava sentado, escrevendo algumas ordens para sua equipe. Ela viu o brilho maroto nos olhos dele e sentou direito. –Na verdade, tenho umas idéias sobre isso.


-É mesmo?


-Bem, a Operação Wombat passou os últimos dois meses fazendo planos pra gente voltar, certo?


-Certo.


-Então o que me diz da gente ter uma pequena vingança?


Ela sorriu. –O que, me diga, está sugerindo?


-Só que a gente se divirta um pouco com eles.


-Ah, céus. O que está se passando nessa sua mente diabólica?


-Essa é minha idéia: sabe o que vai acontecer este final de semana em Hogwarts?


Ela pensou um momento, mas não sabia resposta. –O quê?


-O Baile Anual de Amigos e Antigos Alunos.


-Um evento do qual tenho belas lembranças.


-Então, o que aconteceria se eu mandasse um coruja, digamos, pra Napoleon e contasse a ele que estou voltando a tempo de ir para o Baile e que vou levar com minha nova e linda namorada.


-Deixando convenientemente de mencionar o fato que sua nova namorada é simplesmente sua antiga namorada.


-Hei. Companheira.


-É claro, erro meu. Então você diz a Napoleon, assegurando assim que na época do Baile todo mundo vai saber disso.


-Você pode escrever pra Laura e dizer que ainda está se recuperando.


-Vai funcionar? Todo mundo não sabe que estávamos juntos aqui?


-Não, na verdade não. Você não contou a Lupin onde ia ficar, contou? Tudo o que sabem é que estamos na mesma cidade. Qualquer coisa poderia acontecer aqui.


-E então quando chegarmos juntos ao Baile... – ela parou. –Não sei, Harry. Parece meio malvado.


Ele levantou a sobrancelha. –Sabe o que os membros da Wombat tinham planejado?


-O que?


-Eles não tiveram chance de ir em frente com esse cenário, mas ouvi que a missão seguinte envolvia fazer nós dois concordarmos em um encontro duplo com Gina e Draco, mas quando chegássemos lá, descobriríamos que era na verdade um encontro triplo... você e seu par, eu e a minha e Gina e Draco.


Hermione contemplou essa idéia horrível. –Certo. Passe a pena. Eles vão cair.




Jones,


Estou escrevendo para que saiba que voltarei pra casa no sábado, a tempo de ir ao baile de Hogwarts. Estou num clima mais festivo esses dias do que estava há muito tempo.


Provavelmente não devia te contar isso, mas tive um desenvolvimento romântico aqui em Florença. Envolvi-me com uma pessoa aqui foi bem inesperado, mas com certeza era exatamente o que eu precisava. Não quero dizer muito, prefiro que seja uma surpresa. Vou levá-la para o Baile, estou ansioso pra que todos a conheçam.


Até breve, Harry.




Querida Laura,


Lamento não estar sendo muito boa para responder suas cartas durante minha ausência. Penso muito em você. Estive muito ocupada com minha recuperação, que fico feliz em informar estar completa. Estou me sentindo bem e sadia e o médico disse que logo poderei voltar ao trabalho.


Ainda estou me recuperando e estou aproveitando pra tirar um tempo pra pensar em tudo que aconteceu. Não tenho certeza de quando voltarei, mas vou tentar te informar.


Com amor, Hermione.




-Bem, aqui estamos – Harry disse olhando os dois bilhetes. –Missão cumprida.


Hermione concordou. –Com certeza leva a falsas conclusões, mas sem mentir de fato.


-Laura pode suspeitar por não ter me mencionado.


-Ela vai supor que eu não te vi, ou que eu te vi, mas que é muito doloroso pra falar ou que é muita coisa pra colocar em um correio coruja.


Mandaram as corujas da varanda. –Espero que sejam entregues a tempo. – ele disse.


-Eles devem receber essa noite ainda. Isso dá um dia inteiro a eles, que é tempo mais que suficiente, acredite. – ela virou e passou os braços em volta da cintura dele, sentindo os dele em volta dela na mesma hora. –Não tenho certeza se quero dar outro espetáculo no Baile.


-Meu amor, com nosso histórico, vai ser um espetáculo independente do que a gente faça. É melhor fazermos nosso próprio espetáculo, do nosso jeito.


-Estou ansiosa pra ver todo mundo.


-Eu também. – ele esticou a mão e tocou o cabelo dela. –Acho que nós dois precisávamos desse tempo sozinhos, longe de tudo e de todos pra reconectar... mas estou pronto pra encarar o mundo de novo.


-Eu também. – ela o beijou. –eu te amo.


-Também te amo.


-Então vamos pra casa.


O Baile de Amigos e Antigos Alunos estava muito mais cheio esse ano do que o normal. Apesar de dizerem que era por causa do tempo agradável, ou da nova banda, ou que a celebridade do quadribol Royce MacLachlan era o anfitrião oficial, todo mundo sabia muito bem que era porque as pessoas queriam ver a nova namorada de Harry.


Os membros da Operação Wombat estavam sentados de mau-humor em um canto. –É impressão minha ou estão todos deprimidos? – Justino perguntou, ele mesmo mais quieto que o normal.


-Não é impressão – Jorge disse. –Se o Casal Real realmente se separou pra sempre, bem... é como descobrir que estão levantando o muro de Berlim novamente pra separar a Alemanha em duas.


-Boa analogia essa, J.


-Ah, vai se danar, Justino.


-Parem vocês dois. – Laura disse. Ela estava sentada, de braços cruzados, uma expressão de pura infelicidade no rosto. Uma longa pausa se seguiu. –Eu já a odeio – ela finalmente disse.


-Não vamos nos apressar aqui – Gina disse. –Ela pode ser perfeitamente legal.


-Não me importa se ela é a Madre Teresa misturada com Princesa Diana, me dou o direito de odiá-la incondicionalmente.


-E Hermione não falou nada sobre isso no bilhete dela?


-Não, ela nem mencionou ter visto Harry. Acho que ela provavelmente ficou na central, ou onde quer que estivesse se recuperando. Não tive a impressão dela pretender voltar para o Baile.


-Acho que é abominável Harry trazer sua nova amiguinha aqui, de todos os lugares. – Napoleon disse. –Ele não a pediu em casamento no Baile do ano passado?


-Sim, pediu – Laura respondeu, seu mau-humor piorando. –Anunciou aqui também – ela suspirou. –È meio insensível da parte dele.


-Caras fica insensíveis quando arrumam novas namoradas. Harry não está imune.


Napoleon balançou a cabeça. –Só não consigo acreditar. Não acredito que ele deixaria Hermione se recuperando sozinha e saiu por aí pra encontrar uma parceira nova. Devia ter visto... – ele se interrompeu. –Claro, não posso discutir nenhum detalhe das atividades confidenciais da DI.


-Já ouvimos este discurso, Jones – Draco satirizou.


-Sinto pena desta pobre mulher – Gina disse. –Ela vai entrar na cova dos leões. Cada pessoa nesse salão está pronta e preparada para odiá-la. Vão ser umas boas vindas e tanto, não é?


-Não tenho pena nenhuma. – Laura disse. –É culpa dela por se envolver com um homem que está claramente destinado a outra pessoa.


-Ela pode ter algum problema com essa suposição.


-Tudo bem, ninguém mais vai ter problema com isso. Provavelmente nem mesmo Harry. Ele só está no rebote, não vai durar. Mas ainda a odeio – ela se apressou pra continuar.


Ainda era cedo na noite, mais um grande encontro com petiscos e bebidas. Laura podia ver Sirius e Cordelia do outro lado do salão, e uma mesa cheia com todos os Weasleys, exceto Jorge que estava com eles. Sirius já fora parado para dar informações sobre Harry, mas ele disse não saber de nada. Até onde todo mundo sabia, Harry só tinha mencionado seu plano de aparecer aqui a Napoleon, que ele sabia que estava tentado a anunciar usando um sonorus.


Um murmúrio começou a crescer na frente do Salão Principal. Stephen, que estava conversando com um antigo colega da escola de direito, veio depressa até a mesa. –Acabei de saber – ele disse ofegante. –Harry acabou de aparecer lá fora em uma carruagem, vindo da estação.


-E? – Laura peruntou. –Quem está com ele?


-Não conseguiram ver, estavam distantes. Uma mulher estava com ele, mas usava capa com capuz levantando, não conseguiram ver o rosto dela. – todos levantaram e se dirigiram até a entrada, que parecia o movimento geral da multidão.


-Viu? – Laura sibilou. –Ela sabe no que está se metendo. Se escondendo atrás da capa, como se isso fosse adiantar muito. Ele provavelmente teve que arrastá-la até aqui.


-Vamos ter que conhecê-la mais cedo ou mais tarde, melhor que seja logo então – Gina disse. O grupo estava se aproximando das grandes portas que levavam para o saguão de entrada. Ninguém fingia não estar inteiramente interessado na chegada de Harry e os sussurros pareciam um urro do oceano.


Laura abriu seu caminho até a frente, arrastando Gina e os outros membros da Wombat com ela. –Quero um lugar na frente – ela disse. –Bem melhor pra olhar feio pra ela.


As portas das escadas de baixo abriram e Harry entrou, guiando uma mulher, de fato de capuz, que parecia relutante. Um murmúrio percorreu a multidão. Harry olhou pra eles, sorrindo. Ele acenou e pegou a mão da mulher, subindo as escadas. –Bem – ele disse enquanto se aproximava. –Que boas-vindas! – eles pararam no topo das escadas, ainda a uma certa distância do Salão Principal. –Olá todos... Sirius, Cordela, Laura, Justino... Todo mundo.


A nova namorada ficou parada como uma estátua, a cabeça baixa, o capuz da capa ainda escondendo seu rosto. Harry puxou sua mão. –Ela é um pouco tímida. – ele disse. –Tem essa idéia boba que pode não ser muito bem-vinda por aqui – ele falou com a mulher. –Todos estão ansiosos pra te conhecer, querida. Não é? – ele perguntou ao grupo. Todos olharam em volta, incertos de como responder. –Vamos, tire essa capa – ele disse.


A mulher virou de costas e abriu a presilha da capa para que Harry pudesse tirar de seus ombros. Ela levantou os braços e ajeitou os cabelos, presos num coque.


Depois de uma breve pausa, ela virou, passando o braço pelo de Harry e sorrindo para os espectadores.


Num curto tempo antes que o pandemônio se instalasse, uma única voz com sotaque neozelandês foi ouvida, dizendo simplesmente:


-Você dois estão acabados.




O Baile ficou diferente depois disso. O clima tenso se dissipou como um sonho ruim sob a luz do sol e os convidados se ocuparam em aproveitar a noite.


Royce MacLachlan distribuiu as honras anuais aos ex-alunos que se destacaram, improvisando um novo e dando o reconhecimento a Harry e Hermione por "Entrada do ano" um prêmio aprovado entusiasmadamente pela multidão.


Especulações sobre detalhes da reconciliação corriam soltas, mas nenhuma das duas pessoas que sabia queria discutir. –É uma longa historia – Hermione disse.


-Pra outra hora – Harry completou. –Hoje só queremos ver nossos amigos e aproveitar a festa.


E foi o que fizeram. Rodaram pela festa, separados e juntos, apertando as mãos e abraçando. Gina observava os dois de seu lugar na mesa jubilante dos Wombat e não conseguia parar de sorrir.


A parte dançante da festa foi muito antecipada, pois esse ano os organizadores contrataram o Dallas Hot Five para tocar. Era uma banda muito famosa do Texas com um conjunto de cinco homens tocando principalmente jazz, apesar da musica não se restringir a esse gênero. Eles estavam a altura de sua reputação e mantinham a pista de dança lotada, apesar de continuar sem os convidados mais esperados.


Harry e Hermione passaram a maior parte dessa fase da festa sentados juntos em um banco perto da pista de dança, conversando muito um com o outro e várias vezes sem falar nada. Gina tinha uma idéia do porque... nas duas vezes que se arriscaram na pista de dança todo mundo imediatamente se afastou pra olhar. Eles concederam duas danças, mas parecia que não queriam mais dar espetáculo essa noite.


-Eles com certeza se vingaram da gente – Laura disse, finalmente voltando à mesa da Wombat depois de uma longa viagem a pista de dança com Justino.


-Vingança? Pelo que?


-Ah, qual é, não é obvio? Eles sabiam da Operação Wombat desde o princípio. Se reconciliaram em Florença e decidiram se vingar da gente então inventaram essa coisa "nova namorada".


Gina franziu a testa. –Você acha?


-E pensar que a achávamos que éramos discretos, como se pudéssemos mesmo enganá-los – Laura riu. –Acho que é melhor a gente deixar a espionagem para os profissionais, hein?


As duas mulheres ficaram sentadas lado a lado, as duas observando Harry e Hermione sentados juntos, sem falar. Viram Harry levantar a mão de Hermione até os lábios e beijar os dedos. Ela sorriu pra ele e disse algo que o fez sorrir. Gina suspirou. –É como os velhos tempos.


Laura balançou a cabeça que não. –Não, é diferente. Eles estão diferentes.


-Como?


-Não vê? Estão... não sei. Mais sérios. Mais eles. Acho que aprenderam algumas coisas em Florença.


-Tipo o que?


-Tipo quanto realmente significam um pro outro. Nada como uma separação para nos levar de volta pra casa, acredite em mim, sei do que estou falando. E que amor não é feito de aço. É flexível, elástico... às vezes quebra e precisa ser consertado. É poderoso, mas também é sensível. Tem que tratá-lo com respeito ou ele se perderá. Acho que eles passaram por tempos difíceis juntos e saíram dele. Alguém já disse que Deus faz os problemas só pra ver o quanto você agüenta. Eles descobriram o que podem agüentar e vão estar melhores no longo prazo. – Laura parou e viu Gina olhando pra ela impressionada. –Desculpe. Acabei fazendo um discurso, não foi?


-Essas foram observações astutas, especialmente considerando que não temos idéia do que aconteceu em Florença.


-Não importa. Eles estão aqui, eles voltaram. Isso é o que importa. E eu não poderia estar mais feliz por eles.


Ficaram em silêncio enquanto o Hot Five tocava "Night and Day", o cantor no tom da letra da antiga canção com um sotaque áspero do Texas na voz. Ficaram olhando enquanto Harry levantou e puxou Hermione para pista de dança. Dessa vez, talvez pela musica calma e letra sentimental, ficaram em paz para dançar juntos, as mãos dadas entre eles, o anel de noivado de Hermione brilhando sob a luz das velas. Os amigos e familiares olhavam de distância discreta, cada um deles sentindo uma satisfação própria de ver um grande erro se acertar.

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