Capítulo 10: Indo Atrás do Bru



Hermione pegou uma mochila e começou a jogar roupas nela: calças jeans, camisas, algumas calcinhas e meias, um casaco. Adicionou seu menor compêndio de feitiços e a lupa que precisava para lê-lo, papel para correio coruja e pena, uma sacola de galeões e sickles.


A porta se abriu e Laura entrou de repente. -Ah, ela te disse - Hermione fez que sim com a cabeça e continuou a arrumar a mala. -O que vai fazer?


-Não tenho idéia - ela disse. -Pensei que só sair daqui seria um bom começo, ia pensar no resto quando estivesse na estrada.


-Isso é loucura.


-Bem, não posso evitar isso. Vou seguir a bússola e torcer pra que o feitiço de Cho resista.


-Acho que você... - foi interrompida por um piado alto. As duas mulheres viraram a tempo de ver Edwiges voar pra dentro do quarto e pousar no ombro de Hermione. Ela tinha um bilhete amarrado em sua perna.


-Harry não está aqui, Edwiges - A coruja branca piou novamente e beliscou a orelha de Hermione.


-Acho que é pra você - Laura disse. Edwiges bateu as asas, animada. Hermione tirou o bilhete da perna e o abriu, franzindo a testa. -É de Harry?


Hermione balançou a cabeça que não; -Não é a letra dele. Só diz "Livros Spellbound"


-Livros Spell - o quê?


-È a editora que Geraldo trabalha. - ela esfregou o queixo com uma mão.


-O que isso significa?


-Não tenho idéia. - ela deu de ombros e colocou o bilhete na mochila. -Mas quem quer tenha mandado, o fez por algum motivo... Edwiges não teria trazido pra mim se fosse de um inimigo. Posso passar por lá antes de ir; não tenho tanta pressão por causa de tempo, ou talvez tenha, quer dizer, não tenho idéia de onde ele esteja ou o que está fazendo e pelo que sei, Allegra já pode tê-lo capturado ou ele pode estar vindo pra casa, mas isso não é muito provável...


Laura ficou olhando Hermione caminhando de um lado pro outro, colocando as coisas em sua mala, palavras saindo de sua boca, uma por cima da outra, como palhaços que saem de um carro, até que ela finalmente parou e respirou fundo. Colocou as mãos na mesa e se inclinou pra frente, deixando a cabeça pender. Laura avançou e colocou uma mão em seu braço. -Vá devagar, certo?


Hermione olhou pra ela, uma expressão nua de incerteza e medo em seu rosto. -É só... Ele é... Eu...


-Eu sei.


-Ele é tudo pra mim - ela fungou e bateu os dedos na mesa. -Hunf. Quando isso aconteceu?


Laura deu sorriso gentil. -Me diga você.


Hermione ficou em pé direito e respirou fundo, deixando seus olhos fecharem. –Ontem de noite? Quinze anos atrás? Dá no mesmo. - ela virou e fechou a mochila, depois falou novamente, ainda de costas para Laura. -Desde que tenho onze anos, ele está presente. Antes de eu ir pra Hogwarts, sempre vivi minha vida pra mim e de acordo com que achava melhor... Mas não ficou desse jeito. Ele está comigo há tanto tempo que mal posso lembrar como era estar sozinha. Minha vida é tão entrelaçada com a dele que não poderia desenrolar mesmo que quisesse.


-E quanto a Rony? - Laura perguntou suavemente. As mãos de Hermione se ocuparam, arrumando os travesseiros da cama.


-Rony era meu amigo. Era muito importante pra mim. - suspirou. -E realmente o amava, sei disso agora. - ela virou pra encarar Laura, seus olhos muito brilhantes. -Mas não teria durado. Nos ajudamos a dar os primeiros passos para a vida adulta, mas quando chegássemos lá, seria a hora de encararmos o mundo como adultos de verdade. Não estava apaixonada por ele. Ele merecia mais, e eu também. Não sei se demoraria tanto pra mim e Harry se Rony ainda estivesse vivo, mas acho... Eu sei... Que teríamos acabado aqui mais cedo ou mais tarde. Não acredito em destino, mas acredito que algumas coisas são inevitáveis. – passou a mão rapidamente nos olhos e pegou a mochila. -Já chega de confissões. Se vou partir, é melhor que vá agora. - deu um passo a frente e abraçou Laura. -Se cuida. Vou dar noticias.


-É melhor que dê mesmo.


Hermione desceu correndo a escada principal e encontrou Justino e Jorge no saguão de entrada. Os dois a abraçaram e lhe desejaram sorte, Jorge entregando um pacote com comida pra que levasse. Quando abriu a porta e olhou pra trás, e viu Cho perto da porta da sala de estudo. Hermione sorriu pra ela, saiu e fechou a porta atrás de si.


Ela hesitou na frente de seu carro, as chaves na mão. Na janela podia ver o reflexo do jipe verde de Harry atrás dela. Ela virou e colocou a mão sobre ele, pensando. De repente, deu a volta até o lado do motorista e entrou, ligando com as chaves que encontrou atrás do painel. Apertou o acelerador e saiu dirigindo, sorrindo com a sensação do vento batendo em seus cabelos, feliz por estar fazendo alguma coisa.




Harry estava deitado de costas na cama do hotel, olhando para as rachaduras no teto. Aquela parece com Tony Blair, ele pensou. Aquela parece um pouco com o litoral da Suécia.


Estava aproveitando algumas horas desesperadas de descanso; tinha corrido sem parar desde que saíra de Balicroft. A primeira parada fora no quartel general da DI para ver Lefty.


Lefty estava sentado na cama, lendo um livro quando ele entrou; como sempre, Harry se lembrou fortemente de Hagrid. Lefty era um homem grande com cabelos cheios e barba crespa, bochechas rosadas que pareciam resultado de muitas bebidas no bar, um peitoral parecendo um barril e braços como pedras voadoras. Combate corpo a corpo com esse homem foi um desafio pra Harry, que tinha a metade de seu tamanho; o dia que conseguiu derrubá-lo sem ajuda foi um verdadeiro motivo de festa.


-Harry! - Lefty disse quando ele entrou. -Bom ver você, garoto. Venha sentar um pouco. - parecia que a perda de uma perna e uma mão não tinha diminuído sua alegria. Harry sentou ao lado da cama de Lefty.


-Como está. Lefty?


Uma expressão de dor cruzou seu rosto, tão rápido que Harry teve que se perguntar se tinha imaginado. -Vou ficar bem, vai ver. Não vá desperdiçar lágrimas de simpatia comigo, ouviu? Vou conseguir uma boa perna de madeira, igual a um pirata... e vou te dizer, sempre tive vontade de ter um gancho perigoso no lugar da mão! - deu um tapa na sua coxa restante, com a mão que sobrou e de uma risada para o teto da enfermaria. Harry se sentia acabado. -Agora, não me olhe assim.


-Isso é tudo minha culpa.


-Olha, olha, se não estamos um pouco egocêntricos?


-Allegra está fazendo isso para me atingir.


-E se não fosse você, seria outra pessoa. Além disso, não me preocuparia muito com o que Allegra faz. Aquela mulher é uma completa lunática.


-Eu queria que ela fosse uma completa lunática. Deixaria as coisas muito mais fáceis.


-Vamos pegá-la. Estamos com a DI inteira atrás dela, não é? Não vá fugir feito um doido, me ouviu, garoto? Não é hora para heroísmo.


Harry ficou conversando com ele mais ou menos meia hora e depois saiu, sem dizer nada sobre seu plano de acabar sozinho com Allegra. Ele parou pra ver Lupin, praticamente recuperado da poção Mata-cão, e falou o menos possível com ele; não era que não confiasse nele, mas quanto menos Lupin soubesse, menor seria a possibilidade dele falar a pessoas que Harry preferia que continuassem ignorantes. Em sua cabeça, sabia que Lefty estava certo. A Divisão inteira estava mobilizada... mas eles não a conheciam como Harry, e não eram os amigos e queridos deles que eram alvos. Essa é minha luta, Harry pensou, deitado naquela pequena cama no quarto que lhe foi dado. Deixou seus olhos fecharem e começou a cochilar.


-Harry!


Harry pulou vários metros no ar e estava fora do colchão antes mesmo de notar que suas costas saíram da cama, tentando olhar pra todos os lados ao mesmo tempo. Flutuando no ar em cima do colchão estava uma Bolha de Babel verde. -Remo?


-O que diabos acha que está fazendo?


-Como tirou sua bolha da DI?


-Não ligue pra isso! Sabia que estou procurando por você desde ontem?


-Lamento, eu... - ele limpou a garganta, ainda esperando que seu coração saísse das alturas. -Tenho que me cuidar.


-Tem certeza que isso é o melhor? É aconselhável que se tome essas decisões racionalmente, não emocionalmente.


Harry se levantou. -Lupin, devia lembrar que sou seu superior.


-Bobagem! Não quando age como um garoto de dezesseis anos!


-Estou tentando salvar vidas! Se eu der a Allegra o que ela quer, vocês vão estar a salvo! - Harry lutou contra a culpa. Não dissera a ninguém da DI sobre a Passagem, apesar de saber que deveria. Não conseguia se livrar da sensação de que quanto menos pessoas soubessem, melhor.


-Você não vai estar a salvo! Não gosto dessa troca.


-O que importa, Remo? Se ela quiser me matar, me torturar, tirar meus testículos e transformá-los em ornamentos para árvore de natal, o que raio importa?


Lupin não disse nada por um momento. -Quem está protegendo, Harry? Quem é tão importante que está disposto a desistir de si mesmo, apesar das conseqüências que isso terá para o resto do mundo, só pra manter Allegra longe? - Harry sentou pesadamente, mas não respondeu. -É Hermione? - Harry desviou o olhar, entrelaçando os dedos com força. -Está apaixonado por ela? - Lupin perguntou baixinho.


Harry fechou os olhos, a pergunta rodopiando em sua cabeça como num fliperama... Mas pelo menos sabia a resposta. -Sim.


-Entendo. - Harry praticamente podia ouvir as coisas se encaixando na mente de Lupin. -Devo informar a Argo onde você está, sabe. Ela está cuspindo fogo de tanta raiva de você. "ilusões de um John Wayne caçador de vampiros adolescente" acho que foi assim que ela chamou... mas não tenho certeza de quem é John Wayne. Algum americano, com certeza.


Harry mal o ouvia, uma esperança crescendo no peito. -Quer dizer... que não disse a ela onde estou?


-Queria falar com você primeiro. Sei um pouco sobre segredos serem um mal necessário. - ele suspirou. -Não acredito que vou fazer isso.


-Preciso de sua ajuda, Remo, posso contar com você?


-Sim.


-Certo. Preciso que me mande Perséfone, ela é a mais confiável. Tenho uma fonte dentro do Círculo e preciso dela pra entrar em contato com ele. E preciso que me mande cópias dos relatórios horários da inteligência.


-Por que?


-Se minhas fontes não podem me dizer onde achar Allegra, vou ter que seguir os rastros dela.


-Ela pode ir atrás de você e lhe poupar o trabalho.


-Não. Ela ainda acha que estou ganhando tempo e esperando a próxima jogada dela. Se tem uma coisa que Allegra tem de sobra é paciência. Quanto mais ela prolongar meus tormentos, melhor. Ela vai esperar que eu vá atrás dela.


-Certo você a conhece melhor que eu. - ele pausou. -Harry... Estou feliz por você.


-Por quê?


-Bem... você sabe...


-Ah! Obrigado.


-Demorou tempo demais, eu acho.


-Também acho. E Remo? Não escreva meu epitáfio ainda. Não sou o garoto de dezenove anos que Allegra conheceu quando trabalho na DI e não planejo simplesmente me deitar e me entregar.


-Bom ouvir isso. Vou mandar Perséfone agora mesmo. - A bolha verde piscou e desapareceu com um "pop". Harry voltou pro colchão, encorajado.


Ele ficou deitado enquanto o sol vagarosamente abaixava no céu, com pensamentos confusos e preocupantes. Estava preocupado com Allegra e com o que ela poderia fazer. Estava preocupado que quando isso tudo acabasse ele poderia não ter mais um emprego. Pensava infinitamente em todas conseqüências perigosas que viriam se Voldemort retomasse o poder novamente. E sentia falta de Hermione com uma dor aguda que puxava no centro de seu peito. Deixou seus olhos fecharem e imaginou o rosto dela, seus olhos, seu sorriso. Lamento, Hermione, pensou. Queria que estivesse aqui comigo.




Hermione parou o jipe no terreno em frente à Spellbound Books SA. Nunca estivera ali antes, mas Geraldo já tinha descrito pra ela. A sede da empresa era mantida numa fazenda no interior, cercada por árvores e jardins podados. A vantagem de ser uma editora mágica era que não precisava de várias máquinas pesadas e prensas pra imprimir... O texto era transferido magicamente para as páginas e enviado diretamente pros comerciantes sem a necessidade de passar por um estoque.


Ela entrou no saguão, tentando reconhecer alguém que tivesse visto na festa que fora com Geraldo. Tinha ficado pouco tempo lá antes de ser chamada por causa do segundo colapso de Harry, mas conhecera alguns dos colegas dele. Não reconheceu a bruxa na recepção. –Posso ajudá-la? – a mulher perguntou.


-Geraldo está aqui? – ela não sabia por quem deveria perguntar. Talvez tivesse a chance de dizer a ele pessoalmente que não era mais sua namorada.


-Geraldo? – a recepcionista perguntou. –Acho que não conheço nenhum Geraldo.


-Ah, mas deve conhecer. Ele é vice-presidente encarregado do Teste e Controle de Qualidade.


A bruxa estava olhando estranho pra ela. –Nossa VP de Teste e Controle de Qualidade se chama Elsa McFarland, senhora. Não sei de ninguém chamado Geraldo que trabalhe aqui.


Hermione estava começando a ter uma sensação muito ruim. –Mas... eu estava namorando um homem chamado Geraldo por quatro meses, e ele me disse que trabalhava aqui... Não entendo...


-Só um momento, por favor. – A jovem se levantou e saiu da sala; voltou alguns momentos depois com um bruxo mais velho, de expressão gentil. –Senhora, este é Gideon Mallory, nosso diretor de relações públicas. Talvez ele possa ajudá-la. – ele apertou a mão de Hermione.


-Soube que está perguntando por um de nossos funcionários?


-Sim – Hermione disse, se esforçando para manter a voz calma e normal. –Nos últimos quatro meses, namorei um homem chamado Geraldo, que me disse que era o VP de Teste e Controle de Qualidade dessa empresa.


Mallory franziu a testa. –Geraldo Van Haven?


-Sim! Você o conhece?


Mallory limpou a garganta e pareceu bastante desconfortável. –Sim, conheço. Geraldo Van Haven era nosso VP da Teste e Controle de Qualidade, nós o contratamos assim que saiu de Hogwarts. Mas... – ele olhou pra recepcionista.


-O que?


-Ele morreu num acidente de carro quase um ano atrás.


As pernas de Hermione ficaram dormentes. Ela passou a mão no espaço atrás dela procurando por uma cadeira que sabia que estava ali; Gideon estendeu as mãos e a ajudou a sentar. –Isso... não é possível... – ela levantou os olhos pra ele. –Você tem uma foto dele?


-Acho que sim... ah, sim, ele jogava no time de Quadribol da empresa. Só um momento. – entrou apressado em outra sala e logo voltou com uma foto de bruxos e bruxas usando vestes de quadribol azuis e prateadas e segurando vassouras. Ele apontou para um bruxo no canto direito. –Esse é Geraldo.


Hermione concordou com a cabeça. –Sim, esse é mesmo homem que conheço. Tem certeza... que ele está mesmo morto?


-Sem dúvidas. Vi o corpo dele, fui a seu funeral. Ele está morto.


Com a mente girando, Hermione levantou, desejando que seus joelhos parassem de tremer. –Muito obrigada. –virou e saiu o mais rápido que pôde, correndo até o carro e pulando no assento onde se deixou balançar e tremer o quanto quisesse. Morto. Morto. Geraldo morreu há um ano. Então quem eu estava namorando? Certamente parecia com o homem da foto.


Ela tinha uma idéia de como isso pode ter acontecido, e era bem preocupante. Se alguém... Allegra talvez... quisesse espioná-la, uma ótima maneira de fazer isso era mandar alguém se infiltrar na casa de alguma maneira inócua. E por que inventar uma identidade completamente nova quando se podia pegar emprestada de um homem morto? A verossimilhança seria muito maior e um feitiço glamour faria a pessoa ficar com a aparência correta. Deveria ser um excelente glamour pra enganar Hermione que ficara, bem, íntima de Geraldo mais de uma vez. Ela estremeceu, imaginando com quem exatamente ficara íntima. Certamente não fora Geraldo.


Quem quer que tenha feito isso, se preocupou muito, ela pensou. Armaram a festa inteira com colegas chatos só por mim. Mas por que? Parece muito trabalho por nada.


Ela tentou tirar isso da cabeça... Sem dúvida, algumas explicações apareceriam mais cedo ou mais tarde. Fixou a bússola no painel do jipe e foi embora novamente.




Harry andava cautelosamente pelos destroços, com cuidado para não perturbar nada enquanto caminhava... Uma capa da invisibilidade não era de muita serventia se você passasse derrubando coisas com o corpo. Lupin fizera exatamente o que pedira com uma eficiência admirável, e Harry sentia que tinha uma vantagem pela primeira vez. Perséfone, uma das corujas mais sorrateiras da DI, chegara pela manhã carregando os primeiros de muitos relatórios da inteligência... Toda hora ela reaparecia trazendo mais notícias. Furtos, assaltos, roubos sem importância, e outras variedades de pequenos crimes cometidos por pessoas comuns... Nenhum tinha assinatura do trabalho de Allegra até esse incêndio.


Quando ele chegou, a cena ainda estava cheia de policiais trouxas e testemunhas que não tinha idéia de que não fora um incêndio acidental comum. Também não tinham encontrado evidências de crime... um bruxo com intenção de atear fogo em algum lugar não deixa rastros de gasolina ou combustíveis. Harry sabia mais. Vasculhou a multidão, procurando o rosto de algum bruxo e se perguntando se reconheceria na hora que visse.


O proprietário desse estabelecimento, até recentemente uma tabacaria, era um dos muitos bruxos que Harry mantinha sob observação semi-regular para própria segurança dele. Recusava entrar pro Círculo há anos, e eles não estavam muito felizes por isso. Era um dos melhores produtores de runas no Ocidente e seus serviços eram altamente premiados. Recentemente vinha emprestando suas habilidades a algumas investigações da DI e agora pagara por isso com sua vida. Seu corpo seria encontrado no meio dos destroços, morto... Claro que ele estava morto antes do fogo começar, morto como aviso aos outros bruxos que poderiam ser tão impertinentes e recusar-se a oferecer seus serviços ao Círculo.


Harry quase podia sentir a presença de Allegra ali, mesmo sem que ela nunca tivesse colocado um pé a quinze quilômetros dessa loja. Uma imagem se formou em sua mente: o bruxo das runas, pacificamente conduzindo seus negócios, foi visitado por um dos seguidores do Círculo, encapuzado e misterioso, que fez mais uma oferta e incentivos que foram recusados. Ele então partiu para ameaças implícitas que chegaram à ouvidos surdos. Finalmente, como ordenado, ele o matara e iniciara o incêndio, saindo do prédio em chamas, tão sorrateiramente quanto chegara.


Harry voltou para frente do prédio, tomando cuidado para manter a capa da invisibilidade a seu redor. A cena estava se acalmando com os policiais trouxas completando seus relatórios e as testemunhas indo embora. Harry passou pela frente do prédio e já ia embora quando alguma coisa lhe chamou a atenção… Um brilho intenso de cabelos dourados. Parou e olhou pro outro lado da rua; Sorry estava na calçada oposta, olhando a cena. Estava vestido com roupas trouxas e não parecia nada mais que um observador. Harry lhe mandara um coruja naquela manhã perguntando se ele tinha alguma dica de onde poderia achar Allegra, mas ainda tinha recebido resposta.


Ele se apressou pro outro lado da rua e parou ao lado dele. –Não olhe a sua volta – ele disse. Sorry deu um pequeno pulo, mas manteve os olhos fixos no prédio incendiado. –Estou bem a seu lado.


-Ia te escrever quando vim pra cá – Sorry disse.


-O que está fazendo aqui?


-Apenas imaginando onde raios eu me meti.


-Bem, vai acabar logo.


-Harry, não posso te dizer onde Allegra está.


-Por que não?


-Porque não sei. Muda todo dia. O Círculo tem um tipo de saída de emergência, mas não sei onde é, nunca estive lá.


-Onde você trabalha, então?


-Onde me mandam. Geralmente recebo uma coruja dizendo onde devo aparecer para festa do dia. A casa de alguém, o trabalho de algum bruxo amigável ou só no meio de uma floresta em algum lugar.


-Então vou ter que encontrá-la do modo antigo... tentar antecipar seu próximo movimento.


-Bem, tem algo acontecendo. Allegra viajou pros Estados Unidos ontem, não sei porque, mas foi bem repentino.


-O que fez com que ela fosse?


-Não sei, mas deve ter sido muito importante. Um outro membro do Círculo apareceu de surpresa e depois que saiu, ela começou a fazer planos pra essa viagem.


-Quem foi esse membro?


-Um homem chamado Lúcio Malfoy. Primeira vez que o vi depois de alguns meses.


-Que inferno – Harry sussurrou.


-Que foi?


-Conheço Lúcio melhor que gostaria. Estudei em Hogwarts com seu filho e Lucio tentou me matar. Ele desapareceu pouco antes de ser mandado para Azkaban. Tentei várias vezes descobri onde estava, mas não tive muito sucesso.


-Não estou surpreso. Ele é um dos mais superiores. Muito bem protegido. Na verdade, ele foi o primeiro membro do Círculo a me abordar pra que trabalhasse com eles.


-Sabe alguma coisa do filho dele, Draco?


-Acho que ele morreu.


Harry se sentiu inesperadamente triste com a noticia. –Mesmo?


-Tenho quase certeza disso. Ele era filho único?


-Sim.


-Sei que Lúcio perdeu um filho anos atrás, num tipo de acidente... Tive a impressão que a incompetência do filho que levou à sua morte e houve muita preocupação com o dano à reputação de Lúcio.


Harry suspirou. –Não desejava isso para Draco. Tivemos mais diferenças que o comum, mas ele melhorou com o tempo.


-O que quer que vá fazer, sugiro que se apresse. Talvez possa atrasá-los por mais uma semana, mas não mais que isso. O que quer que Allegra esteja fazendo no momento, suspeito que tem a ver com a Passagem, ela me disse que talvez tivesse mais informações pra mim em breve. – ele hesitou. –Harry... eles sabem que você se isolou. Não têm ilusões sobre seu plano.


-Sem dúvida. As ações deles foram pra me atrair, não podem ficar surpresos por ter funcionado.


-Se for atrás deles, estarão prontos.


-Obrigado pelo aviso.


-Mas não pretende dar atenção a ele.


-Sorry, aprecio sua preocupação mas esse é meu trabalho. Sei o que estou fazendo.


-Sabe?


-O que quer dizer com isso?


-Apenas que você está agindo emocionalmente, não racionalmente. É Hermione, não é?


Harry revirou os olhos, mas o gesto passou despercebido por Sorry, já que ele não podia vê-lo. –Era mais fácil eu fazer uma tatuagem com "Estou dormindo com Hermione Granger" na minha testa. E não é só por ela. Allegra vai ficar incitando até que consiga uma reação. Quanto mais cedo melhor.


-Se você diz.


-Obrigado pela confiança.


-Sem problemas. – Sorry parou, pensando. –Sabe, me sentiria muito melhor se eu tivesse uma idéia de como planeja enfrentar Allegra e Voldemort sozinho. – Sem resposta. –Sei que fez isso antes, mas sério... não estamos em Hogwarts. – Sem resposta. –Harry? – Sorry esticou a mão e passou pelo lugar de onde vinha a voz de Harry, mas não havia ninguém ali.




Hermione parou na calçada, segurando a bússola a sua frente e recebendo olhares curiosos das pessoas que passavam. Cho fizera um ótimo trabalho com o feitiço; a bússola não apenas apontava a direção em que ela deveria seguir, mas também mudava de cor pra indicar distância. Ela parou o jipe e começou a andar quando mudou pra azul, o que significava que Harry estava a menos de um quilometro. O coração dela batia animado quando a bússola mudou pra verde... isso significava cem metros.


Fumaça subia no céu em algum lugar mais adiante e a rua estava congestionada. Ela olhou a sua volta; carros de polícia e de bombeiros amontoavam a rua a sua frente. Evidentemente houve um incêndio, mas ela não sabia por que Harry estava ali. Talvez o incêndio tivesse relação com Allegra, pensou.


Apressou o passo quando a bússola começou a ficar amarela... Cinqüenta metros. Olhou pra rua, mas não o viu. À frente dela só havia um loiro com... Parou de repente. Era Sorry, parado na calçada e olhando fixamente para o prédio incendiado, com os braços cruzados sobre o peito.


Ela olhou para bússola e deu um passo pra frente, mas foi o único que conseguiu dar. De repente, um braço apareceu de uma porta à esquerda dela, a puxou pelo braço e a tirou bruscamente da calçada, outra mão em cima de sua boca para que não pudesse gritar. A porta da rua foi batida, a escuridão a envolvendo como uma luva, deixando-a sozinha sob domínio de um estranho.

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