Capítulo 1: Chegadas e Partida
Hermione Granger andava se arrastando sobre o caminho de pedras que levava até sua casa, seus passos pesados e sem ânimo. Seu ombro caia, sob o peso de sua bolsa, cheia de livros que trazia pra casa para ler. Ainda estava se acostumando com a árdua carga horária de seu novo trabalho como Chefe do Departamento de Feitiços do Instituto de Academias Mágicas, o melhor centro de pesquisas bruxas do mundo. A posição que ocupava era a que sempre sonhara, na qual ela podia exercer seu interesse em pesquisas até enjoar e praticar lançamento de feitiços quando quisesse, numa atmosfera de estímulo intelectual e de desafios, e ainda assim, após apenas um mês na posição, se sentia quase completamente exausta. Tinha feito para si um horário apertado de seminários, aulas e projetos, e não parecia haver horas suficientes durante o dia para acompanhar tudo. Ela sempre acabava lendo suas anotações na cama, com uma xícara de chá, e hoje ela estava tirando seu atraso com "O Diário da Sociedade Internacional de Lançamentos de Feitiços" e o recém-chegado "Cartas Herbológicas". As possibilidades dela acordar pela manhã com a cara plantada nas páginas de uma dessas publicações acadêmicas eram grandes.
Apesar do cansaço, ver sua casa trouxe um sorriso a seus lábios. Era uma mansão de pedra imponente, coberta por esculturas estranhas e cheia de fendas e rachaduras... mesmo assim seu interior era quente e convidativo. Sempre parecia vir na direção dela enquanto se aproximava e recebê-la com um suspiro aliviado por ter retornado sã e salva. O tamanho era impressionante: quinze quartos, treze banheiros, duas salas de jantar, varandas, gazebos, jardins de vidro internos... qualquer um poderia se perguntar como seis bruxos e bruxas em seus vinte anos tinham dinheiro para tal habitação. Na verdade, eles a conseguiram praticamente de graça. A casa estava abandonada há anos quando ela e seus cinco amigos se juntaram pra comprá-la. A reputação da casa era ruim. Assombrada, diziam... até mesmo amaldiçoada. Eles fizeram todos os feitiços de limpeza que podiam pensar e ainda não tinham visto nada extraordinário.
Ela deixou sua bolsa cair no chão do corredor e pendurou sua capa no cabide, tirando as vestes enquanto entrava na sala, mostrando sua calça jeans e seu casaco de lã. A sala estava escura... Hermione parou um momento e se assustou, uma das mãos indo ao coração ao ver dois pontos brilhantes na escuridão. Suspirou aliviada ao perceber que era apenas Harry Potter, um dos cinco bruxos com quem dividia essa casa fenomenal.
-Harry! Por deus... quase me matou de susto! – exclamou, se largando em sua poltrona favorita. – O que está fazendo aqui sozinho no escuro?
-Apenas ouvindo – Harry respondeu, levantando um lado de seus lábios, num meio sorriso. Ele estava mergulhado na cadeira num canto, sua cabeça apoiada nos ombros, quase coberto por suas vestes e capa pretas. Apenas sua cabeça era visível por cima do tecido pesado, um rosto pálido com um bolo de cabelo bagunçado em cima. Olhos verdes fitavam-na por cima dos óculos sem aro, que estavam na ponta de seu nariz.
Hermione suprimiu um calafrio. Harry era o bruxo mais famoso do mundo e tinha sido aclamado como herói mais vezes do que ela conseguia contar, mas havia momentos, como agora, quando ele parecia quase sinistro. Não que pudesse ser confundido com o tipo gladiador só pela aparência. Ele era alto, magro, e no mínimo bem humilde. Não fazia nada pra chamar atenção para si, mesmo assim, atenção o perseguia em todos os lugares que ia. Era reconhecido em todos os lugares, fosse por seus traços, ou por sua famosa cicatriz em forma de raio, uma lembrança deixada há muito tempo num ataque do bruxo das trevas, Voldemort. Voldemort matara os pais de Harry quando ele era apenas um bebê, e assombrou sua vida durante anos, mas o gênio do mal não existia mais. O feito mais famoso de Harry foi fazer Voldemort desaparecer na véspera da sua formatura na Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts. Um feito pelo qual Hermione, entre outras pessoas, deviam a vida a Harry. Mas ela não dava folga a ele por causa disso. Ela o salvara o suficiente pra considerar o placar empatado.
-Hermione? Você quer jantar? – veio outra voz da cozinha. Jorge Weasley, outro dono da casa. Ele e seu irmão gêmeo Fred, que no momento morava na Rússia com o outro irmão, Gui, eram dois anos mais velhos que Harry. Jorge tinha sido um incansável causador de problemas na escola, mas amadureceu e se transformou, surpreendentemente, num homem responsável que tomava conta da casa, já que ele trabalhava nela, usando o espaçoso quintal como escritório... ele era piloto-teste pra vassouras de bruxo.
-Sim, por favor! – Hermione gritou. –Diga que ainda tem daquela sopa!
-Já esquentei pra você – Hermione olhou rapidamente para Harry, que tinha voltado a olhar pela janela. Às vezes, estar perto de Jorge era doloroso para os dois. Na escola, ela e Harry eram dois terços de um trio imbatível, que era completado pelo irmão mais novo de Jorge, Rony. Mas Rony estava morto. Assassinado por Voldemort em seu sexto ano em Hogwarts depois de ser levado a acreditar que seus amigos estavam em perigo. O rancor de Harry por Voldemort, que já era grande, se tornou uma busca incessante por vingança depois disso, ao ponto de Hermione temer que ele se perdesse nessa vingança. Ela entendia bem o que ele estava sentindo, uma vez que já estava namorando Rony há quase um ano quando ele morreu, mas, por um tempo, a raiva e tristeza transformaram Harry em alguém que ela não conhecia.
Um dia, essa busca quase custou a vida dele e de vários outros alunos... um evento que pareceu despertá-lo do transe em que havia caído meses antes. Porém, ele só teve sua chance de encarar Voldemort no final do sétimo ano, o que foi uma coisa boa. Quando chegou a hora, entrou no confronto de cabeça fria e em completo equilíbrio.
Já fazia quase dez anos desde que ela e Harry, se apoiando desesperados um ao outro, choraram sobre o corpo de Rony depois de receber uma mensagem de Voldemort dizendo onde poderiam encontrar o amigo... mesmo assim, em horas inesperadas, a dor ressurgia, como uma sujeira indesejada que ela vivia esquecendo de limpar. Jorge nunca falou sobre isso, mas a caçula dos Weasley, Gina, uma vez disse a Hermione que nenhum de seus irmãos foi o mesmo depois que Rony morreu. Era de se esperar. O último ano deles em Hogwarts foi um tempo vazio, desafiador. A ausência de Rony e a mudança completa na personalidade de Harry, fizeram do primeiro semestre letivo um inferno na terra.
Hermione balançou a cabeça para se livrar dessas lembranças doloridas. As coisas estavam mais estáveis agora. Todos na casa tinham bons empregos e boas perspectivas. A casa era completamente livre de brigas e conflitos. Na verdade, Hermione várias vezes se perguntava se Harry não tinha feito um feitiço de Harmonia quando não estava olhando. Parecia ser a única maneira que seis pessoas tão diferentes se dessem tão bem. Os outros dois donos da casa, Cho Chang e Justino Finch-Fletchley, também estiveram em Hogwarts na mesma época que eles. Cho, que namorou Harry por quase dois anos enquanto eles estavam na escola, ficava fora por longos períodos de tempo. Ela era artilheira dos Minotauros de Stratford e passava boa parte do tempo na estrada com o time. Justino trabalhava para o Ministério na Divisão de Problemas com Trouxas e geralmente passava seus dias dando ordens ao esquadrão de Feitiços de Memória, para que fossem a uma cidade ou uma vila fazer com o que trouxas esquecessem que viram mágica, mas suas chances de uma promoção eram grandes e ele fazia bem seu trabalho. Hermione achava que ele secretamente desejava fazer parte do esquadrão de Memória. A sexta dona da casa, Laura Chant, era uma bruxa australiana que trabalhava como elo entre a terra de Oz e a Federação Internacional de Bruxos. O trabalho dela muitas vezes a mantinha fora de casa até tarde também.
Quanto a Harry, Hermione não sabia o que exatamente ele fazia, e ele não contava a ninguém. Apesar de magoar o fato dele não poder confiar a ela essa informação, sabia que esse segredo devia ser muito importante, para ele não ter contado a ela. Ele tinha horários bastante irregulares; ficava em casa por dias e depois sumia por uma semana, e muitas vezes voltava machucado. Ela teve que se familiarizar com magia médica porque ele nunca queria ir ao médico. Já tinha perdido as contas de quantos cortes, hematomas e olhos roxos tinha feito desaparecer. Não escondia o quanto se preocupava, mas os lábios dele estavam selados, apesar de ter momentos em que parecia que ia explodir se não contasse a ela.
Ele poderia escolher qualquer trabalho, sem exceção. Todos tentaram contratá-lo. O ministério disse que ele poderia escolher a posição que quisesse, inclusive o comando do esquadrão de combate. Parecia que todos os times de quadribol do mundo praticamente imploravam para ele assinar um contrato, e até mesmo Hogwarts lhe ofereceu a posição de Professor de DCAT, que ele prontamente recusou, o que, na opinião de Hermione, foi uma boa decisão. Sociedades Particulares, Gringottes. Todos queriam ter "o garoto que sobreviveu" como seu funcionário... e ainda assim, ele não parecia ter sido contratado por ninguém. Ela sabia que ele não precisava trabalhar. Ele era independentemente rico graças a um gerenciamento sábio de sua herança, mas ele trabalhava. Ela só não sabia qual "trabalho" no mundo se adequava a seu melhor amigo
Jorge entregou a Hermione um prato com uma grande xícara de sopa e um sanduíche. –Obrigada – ela disse, distraída. Ele voltou para cozinha onde, pelo cheiro, estava fazendo alguma sobremesa. Hermione ficou observando o perfil de Harry enquanto este olhava fixamente pela janela. –Você está bem, Harry? – ela disse.
-Você acredita em mal absoluto? – ele perguntou, do nada. A mão de Hermione parou a caminho da boca, surpresa pela pergunta repentina.
-Claro – respondeu sem hesitar.
-Mas por quê?
Ela largou o sanduíche e colocou o prato sobre os joelhos. Essa não era uma conversa para se ter no meio de uma refeição. – Por que já o vi – disse. – E porque acredito na bondade absoluta. Uma coisa depende da outra. – ele apenas concordou devagar. –O que foi? Por que está tão filosófico?
Ele parou, depois se levantou devagar. –É melhor eu ir experimentar essa vassoura nova.- ele disse, sua voz parecendo distante.
Hermione o observou deixando a sala, mistificada. Dando de ombros, ela voltou à sua sopa, definindo o que se passou como apenas mais uma cena na peça imprevisível e surreal que era a vida com Harry Potter.
******
Jorge não estava na cozinha quando ela foi lavar o prato, mas um cheiro delicioso vinha do forno. Ela deu uma olhada... hmm pudim. Hermione colocou seu prato na lava-louças e foi para varanda dos fundos, onde encontrou Jorge sentado num degrau, olhando para o quintal.
A uns três metros, Harry estava em pé sobre uma vassoura nova no chão. Ele estava testando vários modelos nas ultimas semanas desde que perdera sua querida Firebolt Mark III . Essa era uma história e tanto. Hermione estava na varanda da frente escrevendo em seu caderno quando o portão abriu e Harry apareceu subindo os degraus, parecendo cansado e desanimado depois de um desaparecimento de cinco dias. Ela levantou pra cumprimentá-lo (e checar se ele tinha algum ferimento) mas ele não estava com o humor bom para conversas. Só quando parou bem em sua frente que ela percebeu que segurava os pedaços restantes de sua vassoura. A Firebolt Mark foi um presente de Sirius no vigésimo primeiro aniversário de Harry, e um dos bens que mais prezava. Ele teve várias chances de possuir um modelo melhor mas recusou todas as vezes que Jorge o tentou com alguma nova invenção que estava testando. O que quer que Harry estivesse fazendo dessa vez, a vassoura não teve tanta sorte quanto seu dono. Harry estava relativamente inteiro, mas a Firebolt não tinha chances de conserto. Ele havia simplesmente entregado o que restou da vassoura para Hermione e entrado na casa ser dizer uma palavra.
Desde então, estava tentando escolher outra. Jorge "deixou escapar" para todos os magos produtores de vassouras que Harry Potter estava à procura de uma nova vassoura, e agora qualquer uma que escolhesse, sairia de graça, mas ele se recusou a retribuir com qualquer favor. Harry abominava a exploração de sua fama por qualquer um... incluindo ele mesmo.
Hoje estava testando uma nova que chegara de manhã e até mesmo quem não entendia nada de vassouras como Hermione (que ainda dirigia sua primeira vassoura, uma Nimbus 2000 bem usada) via que essa era especial. Ela sentou-se ao lado de Jorge no degrau de cima da varanda. – Essa parece ser boa –murmurou.
-É um protótipo – Jorge respondeu. –Feito por uma nova companhia de vassouras, é o primeiro modelo deles. Estão desenvolvendo os feitiços e materiais há cinco anos e o resultado é a Coriolis JetStream Modelo 1, a primeira vassoura do mundo totalmente sintética.
-Sintética? –sussurrou, abismada, olhando Harry dar voltas ao redor da vassoura, sua cabeça inclinada enquanto pensava, examinando-a. Realmente parecia diferente. A maioria das vassouras era de madeira, essa claramente não era. O cabo era de um material preto e brilhante, a cauda tinha um prateado diferente, com um material iridescente que ela não reconheceu imediatamente. Harry parou ao pé da vassoura. Estendeu a mão sobre ela e abriu a boca pra dizer "Suba", mas antes que pudesse falar, a vassoura levantou suavemente do chão e rodou para flutuar verticalmente em sua frente. Ele aprovou com a cabeça.
-Bom – esticou sua mão para segurá-la e ela veio até ele. Montou o cabo e a vassoura o levantou facilmente. Flutuou no mesmo lugar alguns metros acima do chão, com os braços cruzados, se equilibrando facilmente com os joelhos. A JetStream flutuou devagar para frente, virando para direita e depois de novo para esquerda, respondendo aos movimentos das coxas de Harry que eram tão discretos que Hermione não conseguia ver.
-Não te disse que respondia bem? – Jorge comentou.
Harry confirmou, sorrindo. – Dá pra suspeitar que estava lendo minha mente. – colocou uma mão sobre o cabo e saiu a toda. Hermione apertou seu casaco com força em suas mãos enquanto ele testava a vassoura ao limite, executando as manobras de apanhador mais difíceis que conhecia. Depois de tudo que ele passou durante esses anos, o peito dela sempre apertava quando ele voava assim. Quantas vezes ela o vira enquanto caia do céu? Em mais de uma vez sobrou pra ela evitar um desastre, e por sorte a pior coisa que havia acontecido foi o incidente do sumiço dos ossos dele. Esse e outros acidentes não pareciam deixá-lo com nenhum pouco de medo de voar, mas todo o medo que ele não tinha pareceu ter sido incorporado por Hermione.
Harry pousou depois de alguns minutos, um sorriso de orelha a orelha. –O que diz então? – Jorge disse se levantando. –O que eu disse? Impressionante, não é?
Harry fez que sim, segurando a vassoura e olhando pra ela satisfeito. – Realmente é. Quando se pensa que não dá pra fazer vassouras melhores, alguém vem e inventa algo novo.
-E aí, vai ficar com essa mesmo?
-Acho que sim.
-Então fique com essa, é sua.
Harry sorriu de novo. – Ótimo, obrigado! Veio em boa hora, vou sair hoje e vou precisar de uma boa vassoura.
-Hoje? Que horas? – Hermione perguntou.
O sorriso dele diminuiu um pouco. –Bem tarde. – ela fez que sim com a cabeça, sem nem tentar perguntar porque ele precisava sair tão tarde, depois virou para entrar na casa.
Ela, Harry e Jorge sentaram na mesa da cozinha... apesar de ser mais formal do que se pode imaginar, a cozinha deles era do tamanho de uma casa pequena e à mesa dava para sentar umas doze pessoas facilmente. A sala de jantar era ainda mais imponente, então o grupo preferia fazer as refeições ali mesmo. Jorge passou os pratos e colocou o pudim na frente deles. –Sinto cheiro de algo delicioso! – veio uma voz animada, com sotaque australiano. A porta da cozinha abriu e Laura e Justino entraram juntos. –Maravilhoso, Jorge. – Os dois se sentaram e pegaram os pratos entusiasmados.
Laura era uma mulher de beleza exótica, com cabelos longos, castanhos e sedosos, pele macia e cor de oliva. Ela era uma bruxa de talento, mas seus poderes eram estranhamente orgânicos, como se ela os tivesse cultivado dentro de si como a muda de uma planta. Hermione uma vez fez esse comentário, e ela havia respondido – Sabe... foi quase isso que fiz.- Hermione ainda não tinha criado coragem para perguntar o que ela quis dizer com isso. Gostava bastante de Laura e tinha ficado próxima a ela durante o ano que se passara desde que começaram a dividir essa casa.
-Como foi no Ministério hoje, Justino?
-Ah, foi fantástico, obrigado por perguntar. Outro dia cheio, no mínimo vinte uma corujas. – Ele se serviu com uma grande poção de pudim e esticou a mão para pegar a colher do molho de melaço. –Hermione, você pode me ajudar com o feitiço de evitar fofocas amanha de noite?
Ela balançou a cabeça, corando um pouco. –Não posso, desculpe. Vou estar ocupada.
Um coro de "Ahas" respondeu esse comentário. –Vai se encontrar com seu namoradinho, hã? – Jorge brincou.
-Terceira vez essa semana – Harry cantou, sorrindo enquanto lambia um pouco de molho de seu dedo, -Está ficando sério.
-Bem, ele tem energia... com a idade que tem – Justino comentou. Hermione revirou os olhos, paciente, suportando a rodada de brincadeiras de seus amigos.
-Quantos anos ele tem mesmo? 20? 19?
-Ele já faz a barba?
-Já está começando a crescer pelos naqueles lugares escondidos?
-Ainda cai da vassoura?
-Está esperando que um dia desses você o ajude a se tornar homem? – Jorge sorriu. Harry começou a gargalhar.
-Parem com isso, vocês. – Hermione disse. –Ele não é tão novo assim. Ele tem... sabe... nossa idade.
-Aham – Harry disse com ar de dúvida. –Nossa idade quantos anos atrás? – isso fez com que Laura caísse na risada novamente.
-Já terminaram? Geraldo é maravilhoso... – mas foi só o que ela conseguiu falar.
-Ah, GER-aldo! GER-aldo! – gritou Jorge. –Nossa, acho que acabei de descobrir o nome dele! GER-aldo!
-E o que tem demais com Geraldo?
-Nada, se você gosta de ser o último a ser escolhido pra jogar futebol – Justino sussurrou.
-Sério Hermione – Harry disse, segurando o riso. –Quantos anos ele tem?
Ela rodou a colher no prato, espalhando o resto de molho. –Vai fazer 22 – eles esperaram. –Daqui a quinze meses.
Laura balançou a cabeça. – É isso aí. Senhora Robinson.
Justino levantou e começou a tirar a mesa. –Você sabe que estamos só brincando, Hermione. Olhe, se eu tivesse um amante de 20 anos, estaria gritando pra todo mundo ouvir.
*********
Hermione estava sentada na cama, com as costas apoiadas, uma manta sobre os ombros, lendo e sentindo suas pálpebras fechando cada vez mais. A porta abriu silenciosamente e Harry enfiou sua cabeça pra dentro. –Posso entrar?
-Claro – ela disse, colocando seus óculos sobre o criado mudo e fechando o livro. –Eu só estava relendo o mesmo parágrafos varias vezes de qualquer forma.
Ele entrou e sentou na ponta da cama. –Você parece distante.
-Só um pouco cansada.
Ele pausou, olhando os próprios dedos. – Eu estou indo.
Hermione acenou com a cabeça. –Tem idéia de quando volta?
Ele olhou pra ela durante um longo momento e balançou a cabeça. –Provavelmente em menos de uma semana.
-Ah céus, Cho não vai gostar de não te ver. Ela deve voltar amanhã e ficar uns dias.
-Posso dizer que nós dois vamos sobreviver sem nos ver – ele disse, num tom sarcástico, diferente do seu. Ficou em silêncio, parecendo esperar que ela dissesse algo.
-Você nunca vai me contar, não é? – ela disse baixinho, desviando o olhar. O rosto de Harry ganhou uma expressão de completa dor, mas ele não respondeu. Claro que ele nunca contaria o que ele fazia. Se pretendesse fazer isso, já teria feito.
-Só não queria ir embora sem meu abraço de boa sorte – ele disse, um sorriso inseguro dançando em seus lábios. Hermione deu uma risadinha ao notar a expressão de garotinho dele, depois esticou os braços e o abraçou.
-Boa sorte.
O dia seguinte era um sábado, mas os moradores da casa estavam ocupados como sempre. A mansão estava num estado de semi-abandono quando eles se mudaram pra lá e apesar da maior parte já ter sido reformada, ainda tinham muito trabalho a fazer nas partes que não estavam usando. Hoje eles estavam tirando o antigo papel de parede de uma sala do primeiro andar. Era um trabalho difícil e sujo... mas uma interrupção bem-vinda chegou quando eles ouviram o motor de uma moto do lado de fora. –Cho chegou – Justino disse, levantando e sacudindo o pó das mãos.
-Que bom – Hermione resmungou. –Talvez agora a gente termine antes de anoitecer.
Eles ouviram passos rápidos subindo as escadas. –Voltei, amigos! – gritou, entrando no quarto. –Ei! Tirando papel de parede! Parece que cheguei bem na hora! –tirou seu casaco e pegou uma lixa pra se juntar ao outros.
-Helluva ganhou de Luxemburgo – Justino disse.
-E não foi? Pensei que meu coração fosse parar de tanto estresse – Hermione não disse nada enquanto eles conversavam sobre quadribol... ela nunca se interessou muito pelo jogo, e todas as experiências de quase-morte que Harry teve jogando a deixaram ainda mais desinteressada. E, como sempre, ela tinha que engolir a antipatia instintiva que tinha por Cho. Academicamente, gostava dela. Em teoria, gostava dela. Cho era animada, viva, extrovertida, uma pessoa amigável com todos. Talvez amigável demais. Todos os homens que a conheciam achavam que ela era a melhor coisa que apareceu, desde a invenção dos sapos de chocolate, mas Hermione suspeitava que ela tinha uma habilidade incrível de perceber coisas nos outros que os homens não notavam. Hermione sempre achou que era a única que pensava assim até que se mudou pra essa mansão e descobriu que Laura sentia a mesma coisa sobre a chinesa. Lembrava-se da conversa que teve na varanda durante uma das viagens de Cho.
-Você não gosta muito da Cho, não é? – Laura perguntara.
-Eu gosto dela normal. Ela é uma pessoa maravilhosa e sempre foi bem legal comigo. – Laura apenas olhou para ela, até que Hermione suspirou e desistiu. –Não, não gosto muito dela.
-Ela e Harry namoraram, certo?
-Certo.
-É por causa disso?
Hermione franziu um pouco a testa. –Não, acho que não... bem, talvez de certa forma, só porque Harry é meu melhor amigo, e acho que sou um tanto protetora. E tinha alguma coisa no jeito dela quando eles estavam passeando juntos...
Laura sorriu. – Sei. O jeito 'olhem quem é meu'.
Hermione estalou os dedos, animada. –Sim! É isso mesmo, exatamente. Como se ele não fosse um namorado e sim um tipo de...
-Troféu?
Hermione fungou. – É tão desprezível.
-Bem, ele é Harry Potter afinal. O famoso destruidor do mal do mundo, sem falar que é super gato. – ela sorriu pra Hermione. –Mas sei o que quer dizer. Ela parece do tipo que gosta de se gabar pra todo mundo. E também, tenho a impressão que ela tem certeza que um dia vai voltar pra ele.
Voltando ao presente, essa conversa passou pela cabeça de Hermione por alguns segundos enquanto Cho raspava o papel de parede com vontade. Ela esperava ter Harry de volta um dia? Hermione deu um risinho. Espere sentada.
*********
Mais tarde naquela noite, Hermione estava sentada na varanda dos fundos, lendo um livro à luz do sol poente quando Cho saiu com dois copos de limonada. –Obrigada,- ela disse, pegando seu copo. Cho se sentou no degrau mais alto.
-Harry viajou, hã?
-Partiu ontem de noite.
-Pena que não o encontrei. Provavelmente já vou ter viajado novamente quando ele voltar.
-Ele disse que talvez fique fora por uma semana.
Cho fez um som de incerteza com a garganta. –Vamos torcer pra ele volte com todos os membros ainda colados.
-Eu não ligo de ter que consertá-los. – disse Hermione. –Só queria saber o que ele faz quando sai assim. –Cho se virou devagar, olhando pra Hermione com uma expressão muito estranha. – Que foi?
-Quer dizer que... você não sabe? – Cho disse, com tom surpreso.
-Sei o que? – Hermione franziu a testa ainda mais.
-O que Harry faz... pra quem ele trabalha.
Uma suposição obscura estava aumentando dentro dela, subindo pela garganta. –Bem, não. Ele nunca me contou. – Por favor não me diga que ele disse a você Cho. Eu posso morrer de vergonha aqui mesmo nessa varanda.
-Hermione... Harry é um espião. Da Federação Internacional de Bruxos.
O queixo dela caiu, não tinha certeza se estava mais chocada com a informação ou pelo simples fato de Cho possuir essa informação. –O... o que? Ele é o que?
-Um espião! Ele sai e caça forças das trevas e quando as encontra, combate! Por que acha que ele apanha tanto, e some por dias seguidos?
Hermione abriu a boca pra responder, mas não conseguiu. Levantou-se em um pulo e entrou quase correndo na casa, pra longe de Cho, a quem nunca odiara tanto na vida... por esse conhecimento que possuía, e acima de tudo, pelo sorriso vitorioso que tentou, sem sucesso, esconder enquanto passava a informação.
Ela escapou para o santuário de seu quarto, respirando com dificuldade. Bem, devia admitir que isso explicava muitas coisas. Mas por que não me contou, Harry? Ela pensou. Por que contou a ela e não a mim?
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