Sob O Véu De Mil Estrelas
Eu mantenho-me à porta do dormitório assistindo em silêncio.
Ele dorme em paz esta noite.
Os pesadelos que normalmente assolam o seu descanso estão, por uma vez, ausentes e eu sou grato.
É uma mudança bem-vinda comparado a outras noites, quando ele tem ficado a chorar nos meus braços, após ter testemunhado outro assassinato em massa e destruição.
O ano tem sido difícil para Harry, de muitas formas.
O Ministério, num ato cobarde, recusa-se a acreditar que Lord Voldemort retornou.
Eles só querem saber das suas vidas, do dinheiro e do poder que elas trazem. Eles não têm a coragem de aceitar a possibilidade de sacrificar tudo em face da guerra.
Então eles escolhem,em vez, fazer de uma criança de 15 anos um objecto de escárnio entre a comunidade feiticeira.
As suas ações lembram-me de como os adultos cruéis, e os políticos em particular, podem ser, a fim de obter o que querem.
No entanto, ao mesmo tempo, eu sou forçado a lembrar-me que eu não sou melhor. Na verdade, eu concluo, infelizmente, que sou provavelmente o pior de todos.
Se não é Voldemort, ou Cedric, ou Umbridge que tortura Harry dia e noite, ele tem de enfrentar as repercussões da vida de negligência e solidão a que eu o submeti.
E, no entanto, apesar disso, se for dada a escolha, eu sei que não teria mudado a minha decisão de deixá-lo na proteção dos terríveis muggles todos estes anos atrás.
Às vezes pergunto-me se isso faz de mim um monstro. Gostaria de saber também o que Harry pensa de mim nestes dias.
Eu vi a forma como os alunos que já o adoravam, agora o ameaçam quando ele passa.
O que verdadeiramente me parte o coração, porém, é a maneira como o Harry reage a isso.
É óbvio pelo seu comportamento que ele desistiu de lutar contra eles há muito tempo e escolheu, em vez de aceitar a sua aversão em silêncio, talvez mesmo acreditando ser merecedor dela.
Outro traço que ele carrega da sua vida em Privet Drive.
Mas tanto quanto eu culpo os muggles por isso, eu sei que eu sou muito mais culpado. Lord Voldemort tem um dom especial de destruir seus inimigos, utilizando-os uns contra os outros.
Eu sei que se ele descobriu o nosso vínculo, sem dúvida, tentará usar o Harry como um meio para me espiar, de uma maneira que teria consequências devastadoras para o pobre rapaz.
E assim que eu me distanciei dele, ignorando as suas tentativas de ganhar a minha atenção, e naqueles momentos em que fomos obrigados encontrarmo-nos, eu recusei-me olhar sequer nos olhos dele.
Este pensamento só envia uma onda de esmagamento de culpa pelo meu corpo.
Eu não quero fazer isso ao Harry; Merlin sabe que o pobre menino já sofreu o suficiente.
Mas há alguma verdade no ditado "O caminho certo nem sempre é o mais fácil", e este, por qualquer meio, é fácil.
O meu comportamento para com ele este ano tem sido um mal necessário, algo a ser suportado por ele, a fim de sobreviver.
Mas ultimamente tenho vindo a perceber que ao fazê-lo, eu possa ter ferido Harry muito mais profundamente do que jamais poderia Lord Voldemort.
A memória de uma conversa que ouvi há pouco tempo entre Harry e Hermione vem à superfície da minha mente.
********************FLASHBACK********************
-Harry tu tens que contar a alguém.
-Esquece Hermione, já disse que estou bem!
-Tu não estás bem, Harry! As tuas dores na cicatriz estão a ficar piores, tu andas a comer menos e o Ron diz-me que tu estás a ter problemas para dormir ultimamente.
- Ai sim? Bem, o Ron devia tomar conta da sua vida e deixar a dos outros!
-Eu estou a falar a sério Harry. Tu precisas de falar com alguém. Diz ao Dumbledore.
-Não.
-Por que não?
-... Eu... Eu acho que ele não quer falar comigo Hermione.
-Do que é que que estás a falar? É o Dumbledore! Ele vai ouvir tudo o que tu tens a dizer.
-Não desta vez. A forma como ele tem agido ultimamente... Eu não consigo explicar... é como se ele estivesse desapontado comigo ou algo assim.
-Harry, isso é ridículo.
-Não... tu não entendes. Acho que ele está com raiva de mim, tu sabes... por tudo o que aconteceu com ele desde que o Cedric morreu. Quer dizer, eu acho que é culpa minha que ele foi expulso da Suprema Corte e tudo, porque ele acreditou na minha versão dos acontecimentos.
********************FIM do FLASHBACK********************
Se eu tivesse sido qualquer outra pessoa, eu teria entrado em cena, e aí, teria olhado para Harry nos olhos e feito tudo ao meu alcance para fazê-lo entender que nada disso foi culpa dele. Que a última coisa que eu podia sentir era raiva ou decepção para com ele. Que eu o amava como um pai pode amar o seu filho.
Mas eu não era qualquer pessoa.
Eu era Albus Dumbledore, e amaldiçoei-me por isso. Por ter a força para me distanciar dele, por sacrificar qualquer possibilidade de um relacionamento com ele, a fim de mantê-lo vivo.
É por isso que eu estou aqui esta noite.
Pois só aqui, sob o véu de mil estrelas, é que eu sou livre para mostrar-lhe o tipo de amor e carinho que ele é merecedor.
É a minha única chance de ser um pai para ele, e se eu não posso consolá-lo durante o dia, pelo menos eu posso protegê-lo dos seus pesadelos à noite. Pesadelos que parecem ser re-emergentes.
Harry teve uma breve contração muscular na face e deixou escapar um pequeno gemido, sinais de um pesadelo a aproximar-se rapidamente.
Os meus pés guiaram-me para a frente até que eu estivesse sentado na beira da sua cama. Tornou-se uma rotina. Sentado aqui todas as noites, às vezes a fazer pouco mais do que acariciar o seu cabelo.
Mas de alguma forma isso parecia preencher esse vazio dorido dentro de mim, e no Harry também, eu acho.
Ele deixa escapar outro gemido seguido de um soluço, e eu passo um polegar na testa num movimento suave enquanto escapam algumas lágrimas dos seus olhos.
-Calma, meu pequeno - eu sussurro suavemente, mas Harry está inconsolável.
-Sirius, Sirius desculpa-me! - ele soluçou.
-Harry, acorda, é apenas um sonho meu menino.
-Sirius! Por favor, não me deixes!
-Harry!
Felizmente eu achei melhor colocar um feitiço silenciador em torno da sua cama, ou metade do dormitório já teria acordado até agora.
Eu agarro-o pelos ombros e começo a sacudi-lo com firmeza.
Ele suspirou de repente, os olhos esmeralda imediatamente abertos.
Eu dou-lhe um aperto suave no ombro enquanto os seus olhos voam ao redor da sala escura de medo, mas Harry é alheio a minha atenção, ainda preso em algum lugar entre o mundo dos sonhos e da realidade.
Ele deixa escapar um gemido baixo e enterra a cabeça nas suas mãos.
Eu puxo-o para os meus braços e, desta vez ele não resiste, deixando sua cabeça cair no meu ombro.
-Shhh, já acabou Harry, tu estás completamente seguro aqui.
Harry fica imóvel nos meus braços, e, por um momento estou convencido de que ele voltou a dormir. Mas, depois de alguns minutos, ele fala:
-Professor?
Não é uma pergunta, mas sim a sua própria confirmação tardia da minha presença.
Um silêncio estende-se entre nós, mas não é um incômodo.
Há muito que aprendi que ser capaz de se sentar em silêncio reflete a força de um relacionamento. Somente aqueles que são verdadeiramente confortáveis um com o outro é que são capazes de sentar-se sem falar.
Eventualmente, ele quebra:
-Por que é que está a chorar?
Eu sorrio baixinho enquanto sua mão limpa calmamente uma lágrima solitária a correr pelo meu rosto. Mas a pergunta continua sem resposta, pois não há resposta simples que eu lhe possa dar. As lágrimas são de felicidade indizível e alegria que sempre me enche quando o seguro. Lágrimas de profunda tristeza em saber que sempre terei que deixá-lo antes que o sol nasca. São lágrimas de arrependimento por todas as escolhas que tive de fazer para mantê-lo vivo, e de medo por tudo o que ele terá que passar no futuro.
Eu capturo a mão dele com a minha e aperto delicadamente, assim como ele é superado por um grande bocejo.
Aconchego Harry cuidadosamente contra as almofadas, passando a mão pelo seus cabelos corvo.
-Vai dormir, meu pequeno.
Os seus olhos estão ensonados e mal abrem agora.
-Eu não quero que você se vá embora. - ele sussurra com tal inocência de uma criança, que eu sinto o meu coração apertar em resposta e o curso mais profundo de amor pelas minhas veias.
Eu sou uma pessoa reservada por natureza, mantenho os meus pensamentos e sentimentos muito bem guardados. Mas o Harry tem a capacidade de fazer isto comigo.
A capacidade de liberar este turbilhão de emoções dentro de mim e abrir-me de uma forma completamente diferente de qualquer pessoa que eu já conheci.
Eu inclino-me um pouco para a frente e pressiono um beijo suave sobre a famosa cicatriz, deixando a minha própria testa a descansar contra a dele.
-Eu nunca te vou deixar, Harry. - eu respondo.
Mas, desta vez ele já está a dormir. O peito a subir e a descer suavemente.
Deito-me ao lado dele, puxando-o para os meus braços mais uma vez, e sinto uma onda de afeição como ele inconscientemente se aconchega perto de mim, enterrando a cabeça dentro das dobras generosas do meu manto.
Na maioria das vezes, quando Harry quase não foi acordado, ele não se lembra das minhas visitas de manhã.
Mas em noites como esta, eu tenho que ser cauteloso.
Não posso deixar que o Harry acredite que as nossas interações podem ser mais do que um sonho, por medo do que Voldemort possa fazer.
Assim, com o coração pesado eu tiro a minha varinha de dentro das minhas vestes.
O feitiço não é mais do que uma palavra sussurrada.
Talvez uma parte de mim espera que, ao fazê-lo, o seu efeito será reduzido. Que talvez amanhã a sua mente não será tão completamente apagada desses momentos preciosos em que nós estamos juntos.
Mas eu sei bem que não é assim.
Amanhã ele vai acordar sem se lembrar dos eventos desta noite.
Ele vai continuar com o Quidditch e as aulas, e tudo o que a sua jovem vida implica.
E amanhã eu vou estar aqui novamente. Vou sussurrar as mesmas palavras que sussurrei hoje, as mesmas palavras que sussurrei mil noites antes, e as mesmas palavras irei sussurrar mil noites depois, sob o véu de mil estrelas.
Pois é a minha única redenção deste remorso sem fim.
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Oi!!
Espero que tenham gostado.
Digam-me se gostaram ou não e comentem.
Vejam também a minha outra fic. Deixei o link no menu da fic por isso vao la, leiam e comentem. Deixem um autor feliz :D
H.D.
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