Capítulo 44
44. Capítulo 44
Narcisa Malfoy
Olhava seu reflexo pela enorme janela de Whitehall. A noite escura do lado de fora permitia que fosse quase um reflexo perfeito. Todo e qualquer espelho fora tirado de seu alcance quando perceberam que ela conseguia se comunicar com o filho e a nora através deles. Ah, como ela sentia falta. Sentia falta de seu filho, sentia falta de seus netos. Sentia falta de Hermione. Sentia falta de fazer parte deles, da família deles, daquele ninho de conforto, confiança e afeto, por mais que ainda estivesse bem debaixo da disciplina Malfoy.
Ela vestia seu conjunto preto. Sempre se vestia de preto agora. Estava de luto pela perda de todos os privilégios que Voldemort vinha a tirando. Estava de luto também por ter perdido a irmã. Bellatrix podia ser o monstro que fosse, não deixava de ser sua irmã. E ainda tinha certeza de que se ela estivesse viva, Narcisa não estaria presa agora em Whitehall.
Podia dizer que estava sobrevivendo aos custos de sua influência como uma Malfoy, porque perdera acesso aos seus bens. Draco havia sido cruel ao lhe cortar acesso ao cofre Malfoy, mas fizera o que tinha que ser feito. Tinha seu café da manhã e sua janta a custos da Catedral, como uma prisioneira de luxo. Pouquíssimos leais amigos lhe faziam favores, como Astoria fizera ao montar para ela seu guarda-roupa de luto. O que mais lhe doía na verdade, era saber que Lucio estava sozinho. St. Mungus havia abandonado a estação que fizera em sua mansão por falta de fundos. Lucio não podia mais pagá-los. Ela não conseguia nem entender o que poderia estar se passando pela cabeça dele naquele momento se estivesse lúcido. Seu marido, o que ela abandonara também, mal tinha seus momentos de lucidez. Ele era completamente incapaz de tomar conta de si mesmo.
Fechou os olhos sentindo o amargo no fundo de sua garganta. Ainda se recusava a dizer que estava no fundo do poço, primeiro porque era uma Malfoy, segundo porque Draco e Hermione iriam acabar com tudo aquilo logo. Jamais havia imaginado que aquele fim estaria na mão deles, mas mesmo que estivesse agora, confiava no que estava por vir. Estava passando pelo que estava passando porque esse era o sacrifício que tinha que fazer. Todos daquela família tinham o seu próprio sacrifício a fazer.
Mas por mais que estivesse presa, ela ainda assim se levantava todas as manhas, colocava sua melhor roupa, seu salto, fazia sua melhor maquiagem e ajeitava seu cabelo como uma digna Malfoy. Mesmo que muito de seus dias se resumissem a observar a vida desenrolar em Brampton Fort por aquela enorme janela. As vezes escutava os discursos patético de Theodoro pela manhã. Ele definitivamente não tinha o tom confiante de um líder. Ele estava com raiva. Era tudo que ela conseguia entender do tom que ele usava para se dirigir ao remanescente do exército que fora tão forte e tão completo a pouco tempo atrás.
Agora, no entanto, observando a paisagem do lado de fora, tudo que ela conseguia ver era o quanto aquele forte estava quieto. Tudo estava muito quieto. As últimas ordens de Voldemort foram claras. Ninguém sai, ninguém entra. Ele estava espalhando medo. As pessoas estavam comprando. Todas pareciam reclusas dentro da proteção de quatro paredes. O que conseguia ver do Centro, era vazio. Medo. Era exatamente o que Draco também gostava de usar a seu favor, porque tinha certeza que agora sim as pessoas olhavam para a Marca-Negra estampada no braço e viam que não podiam pular para fora do barco.
Apreciou o silêncio. Ele sempre vinha seguido do caos e ela queria o caos. Queria que algo acontecesse porque aquela vida tediosa estava a matando. Ela sempre se sentira sozinha desde que se casara com Lucio, mas nada se comparava ao que sentia agora. Ali. Sem ninguém.
Estava preocupada com Scorpius. Sabia que precisava cuidar dele, estar por perto. Ser a figura Malfoy que a mãe e o pai não podiam ser naquele momento. Devia isso a Draco e a Hermione. Era o que eles estavam esperando dela. Mas era pedir demais com a opressão que estavam fazendo ela passar. Sabia que se Lucio estivesse de pé, a situação seria completamente diferente. Ele sabia barganhar sujo com Voldemort, algo que Draco não estava disposto a fazer. Draco queria o fim de Voldemort para ontem e não estava disposto a sacrificar o tanto que Lucio estaria. Draco não estava disposto a sacrificar os sonhos em família que ele e Hermione tinham. Isso era algo que Lucio jamais tivera com ela.
O chão tremeu sob seus pés repentinamente. Como em um rápido tremor de terra. Narcisa se viu sem apoio, mas o tremor foi embora rapidamente. Aquilo sempre acelerava seu coração. Soltou o ar convencendo-se de que havia passado e que tudo estava bem e então um pedaço do teto num dos quantos do quarto desmoronou fazendo com que ela saltasse num susto bastante expressivo.
Estava começando. Aquele lugar não via um Dementador fazia um tempo considerável e a maldição das terras de Brampton estava começando a se tornar cada vez mais real com o passar dos dias. Ela já conseguia ver aquele lugar deteriorar com terremotos cada vez mais longos e mais intensos. Já estava começando a reparar em rachaduras que não existiam antes e não se surpreendia que depois de tantos pequenos tremores aqui e ali, aquela Catedral já estava dando sinais de que suas estruturas estavam enfraquecendo.
Bateram em sua porta e ela foi atender. Como se fosse sua casa e não sua cela. Era um dos guardas de sua porta perguntando se ela estava bem. Narcisa pediu para que o buraco em seu teto fosse concertado e o homem rapidamente empunhou sua varinha e restaurou o estrago.
— Quando Nott irá trazer de volta os Dementadores? – Perguntou esperançosamente, pensando que poderia receber de volta alguma informação sobre como os conflitos fora de Whitehall estavam andando.
— Pergunte isso ao seu filho, senhora. Porque ele não parece estar se importando de que o filho, a mãe e o pai dele ainda estão por aqui. – Alfinetou o soldado que logo depois pediu licença educadamente e se retirou.
Narcisa soltou o ar cansada e encarou a noite do lado de fora. Draco e Hermione tinham que se apressar. Ela não conseguia entender o porque eles pareciam agir como se nada estivesse em risco. Será que eles não temiam pelo que poderia ser de Scorpius? Ou até mesmo dela? Não se importava muito consigo mesma, mas céus, ela se sentia tão responsável pelo neto quanto sabia que Draco e Hermione se sentiam. Ela havia estado ao lado dos dois durante os primeiros meses dos pequenos gêmeos Malfoy onde toda ajuda era bem-vinda. Havia estado lá com eles, com Hermione, quando ela se sentia perdida em seu novo papel de mãe, quando havia precisado de descanso e ajuda para se recuperar. Havia revezado turnos da noite com ela quando Draco não podia estar perto. Havia estado lá, o tempo todo.
Aquelas crianças eram preciosas demais para que Narcisa não sentisse que eram quase seus filhos também. Havia esperado tanto tempo por aqueles pequenos. Havia esperado tanto tempo pela esperança de poder sentir que poderia preencher ainda mais os espaços vazios em seu coração. Ela queria ter tido mais filhos. Nem que fosse mais um apenas. Lúcio negara. Ele sempre insistia em acabar com todas as chances que ela poderia ter de dividir afeto. Era como se ele quisesse que o coração dela só pudesse amar a ele e a Draco, e ainda assim, não se agradava quando Draco tinha mais de sua atenção do que ele. Ela mal conseguia imaginar o que seu marido poderia estar passando naquele momento. Sozinho. Queria estar junto dele, mas sabia que não devia. Não devia para o seu próprio bem. Estava cansada de viver escrava dos seus sentimentos por ele.
Bateram na porta mais uma vez.
Narcisa surpreendeu-se devido a hora. Já era tarde. Mas mesmo assim ela foi novamente até a porta e a atendeu. Astoria Bennett apareceu do outro lado. Ela estava muito bem arrumada, como sempre e em seu rosto estava estampado a expressão do medo. Ela deveria ter implorado a Theodoro permissão para vê-la. Deixou que a mulher passasse para o lado de dentro e fechou a porta para poder observá-la mover-se nervosamente pelo quarto.
— Não deveria estar vindo até aqui. – Alertou Narcisa, mesmo sabendo que deveria estar assustada por saber que Voldemort acabara de proibir a entrada e saída de Brampton Fort e Astoria estava ali. Presa.
— Eu sei. Preciso me desassociar dos Malfoy. Estou cansada de escutar isso, mesmo que estar se associando com os Malfoy é o que todo mundo queria estar podendo fazer agora, se não fosse por essa maldita Marca Negra. – Astoria raramente se permitia sair de sua boa maneira ao falar.
— Onde estão suas meninas? – Narcisa não sabia se preferia que as meninas estivessem com ela, ou longe de Brampton Fort.
Astoria soltou o ar e seus olhos brilharam imediatamente cheios de tristeza.
— Elise e Eva estão em casa. – Espremeu os lábios. – Em Londres. – Acrescentou e Narcisa conseguiu entender o desespero da mulher. – E eu não sei se deveria estar entrando em pânico ou se deveria estar agradecida de que elas não estão aqui. Brampton Fort está fadada a cair. Mas quanto tempo vai levar? Eu não quero ter que ficar presa aqui longe delas! Isaac havia implorado para que eu não trouxesse mais as meninas quando precisasse vir porque ele sabia que o Lorde estava nos monitorando de perto e queria evitar que nossas filhas acabassem entrando no meio. – Ela limpou o suor das mãos em sua fina jaqueta de linho. – Eu sabia que ficar vindo aqui era arriscado, mas o que eu poderia fazer, Cissa? Eu não poderia ignorar todos os convites. Ficaria óbvio que Isaac me pedia para tomar cuidado e me afastar! O Lorde teria muito mais para desconfiar. - Ela usava um tom de voz baixo. Como se temesse que as paredes pudessem estar escutando. – Finalmente consigo começar a entender o que Hermione pode estar sentindo estando tão longe do filho.
— Você jamais chegará perto do que Hermione está passando, Astória. – Aproximou-se da mulher. – Por favor, me diga o que está acontecendo pela cidade, o que estão comentando, o que os jornais estão imprimindo.
Astória sentou-se numa das poltronas perto da lareira. Narcisa a acompanhou.
— O Lorde tem tentando controlar o que os jornais andam propagando, mas está bem óbvio que mesmo assim estão encontrando formas de protestar contra Theodoro no posto de general. – Ela começou. - As pessoas estão com medo e Theodoro Nott não tem conseguido muito avanço. Os Dementadores ainda não voltaram, as entradas para o exército caíram absurdamente, há rumores de que muitos do exército ainda estão em dúvida se deveriam ter ido com Draco ou não. Os outros fortes estão extremamente fragilizados. Isaac me disse que eles serão tomados mais cedo do que eu imagino que serão. No Ministério, a maioria já está considerando um governo longe do poder do Lorde. Tratos e contratos tem sido feito pelas sombras. Isaac tem permitido que fiquem debaixo dos panos, mesmo impondo sua lealdade ao mestre e lançando programas para abolir conspirações contra a ditadura. Mas em geral, as pessoas estão com medo. A marca do mestre está espalhada em muita gente para que eles possam apoiar completamente qualquer movimento que seja contra o poder dele. O Lorde está organizando uma audiência aberta. Uma das grandes. As pessoas estão com medo de que tudo volte a ser exatamente como era no início da guerra. Ninguém quer aquele ditador de volta. Era muito medo, muito sangue, muita morte, muitos tachados de traidores, muita perseguição e nenhum senso de liberdade. Se isso acontecer, Cissa, o mundo vai ter mais o que odiar sobre Draco e Hermione do que amar.
— Eu não acredito que isso vai chegar a acontecer. – Torceu Narcisa.
— Tem certeza? Porque não acreditava que sequer chegaríamos onde estamos. – Retrucou Astoria. – Isaac me disse que talvez Draco não estava prevendo que as coisas poderiam tomar o rumo que tomaram.
— Certamente não. – Narcisa foi obrigada a concordar. – Mas Draco sempre se prepara para o pior. Ele conseguiu o melhor que poderia ter conseguido da situação em que se colocou. Nem ele nem Hermione estavam dispostos a entregar o filho nas mãos do mestre, portanto eles empurraram o limite até o momento em que ele estourou. Ninguém poderia ter previsto.
Astoria assentiu. Ficou calada brincando com os dedos nervosamente. Narcisa percebeu que ela segurava muitas palavras. Ficou nervosa pela mulher.
— Apenas diga o que tem para dizer, Astoria. – Foi direta.
A mulher puxou o ar uma ou duas vezes. Como se não soubesse por onde começar.
— Cissa... – ela negou com a cabeça. – Não posso. Ela é sua nora. É sua família. Você a acolheu como uma filha quando o mundo pensou que fosse rejeitá-la.
Narcisa franziu o cenho confusa com o que ela estava dizendo. Mas então, ao levar mais alguns segundos avaliando as palavras dela, percebeu que estava se referindo a Hermione. O que infernos poderia estar se passando pela cabeça dela sobre Hermione?
— O que você poderia estão se questionando sobre Hermione? – perguntou um tanto perdida.
Astoria mostrou-se em seu impasse novamente. Olhou de um lado para o outro talvez lutando se deveria ou não trazer à tona o que tinha para dizer.
— Você acha que ela é perigosa? – perguntou de uma vez.
Narcisa logo puxou o ar. Claro. Quem não se questionava sobre Hermione? Sobre seu infame sangue precioso?
— Com quem você tem conversado? – ela não queria entrar naquele assunto.
— Pansy e Gina. E eu sei, eu sei, que não deveria estar as escutando porque eu sei bem que Pansy é, e sempre será, doente por Draco e Gina não parece estar em um estado mental muito saudável, mas... – ela puxou e soltou o ar criando coragem. – Ela já se prova ser capaz de ser perigosa quando precisa. Tem que concordar, Narcisa.
— Ela está em guerra contra um terrível ditador. Sempre esteve. É óbvio que ela precisa se impor. – Narcisa detestava ter que estar tocando naquele assunto. Absolutamente detestava. – Você mesma está aprendendo o que isso significa agora.
— Eu sei. – Assentiu a mulher. Mas aquilo não pareceu ser suficiente. – Mas... Preciso confessar que é estranho para o mundo, observar sua família aceitar Hermione como se não existisse nenhum passado que ligasse a linhagem dos dois. Quero dizer, Hermione sendo descendente de Morgana reescreve toda a história. Todos sabem que o passado da sua família que foi responsável por se certificar que ninguém da linhagem dela voltasse a existir e Hermione põe a prova esse passado.
Narcisa precisou respirar profundamente para lidar com aquilo de uma maneira muito sutil. Sentia-se lidando com a mídia novamente. Era o mesmo tipo de questionamento que a mídia costumava lhe fazer toda hora quando Voldemort tornara pública a identidade de Hermione.
— Foi uma surpresa para nós tanto quanto para o resto do mundo. – Mentiu. – Foi uma surpresa para a própria Hermione. Severo foi quem a estudou por muito tempo. Ele disse que Minerva tinha várias suspeitas sobre ela, mas que a improbabilidade era tão grande que ninguém nunca chegou a levar realmente a sério que pudessem estar certos sobre sua procedência. Mas Severo vasculhou o passado dela e as peças foram se encaixando até que ele teve finalmente a chance de colocar as mãos no sangue dela para fechar o quebra-cabeça. Por que acha que o mestre aceitou Hermione e a glorificou tanto quando ela pisou os pés em Brampton Fort? Lembra-se? A joia preciosa que ele estava presenteando Draco. Nós não sabíamos. – Continuou a mentir. – Nós a aceitamos como a mulher por quem Draco se apaixonou. Pensávamos que a maior barreira que iriamos precisar quebrar era a do sangue trouxa que acreditávamos que ela carregava. Nós a aceitamos porque Draco fez questão de deixar claro que iria até o fim do mundo para se certificar de que nenhuma outra mulher ocupasse o posto de Sra. Malfoy que não fosse ela. – Ah, como ela detestava a história que precisava carregar com a mídia. Ocultava muito da beleza que havia sido a história real de seu filho com sua nora. Ela queria muito que o mundo pudesse entender o afeto que os dois haviam feito criar quando desceram do pedestal do orgulho, do preconceito e do ódio, para formarem uma família, ainda que fosse imperfeita. Ela queria que o mundo soubesse de onde seu filho havia saído para o que havia encontrado com Hermione. Queria que Lúcio pudesse ver e entender. Talvez assim ele desapegasse do seu grande propósito por trás de juntar Draco e Hermione.
Astória ainda se mostrou preocupada.
— Hermione tem uma personalidade forte.
Foi tudo que ela precisou dizer para que Narcisa entendesse que não adiantava advogar por Hermione ali.
— O que é que tem escutado, Astória? – perguntou de uma vez. Queria mesmo era poder escapar de ter que estar falando sobre sua Nora.
A mulher mexeu-se inquieta.
— Não pense que eu confio em Gina Weasley, porque definitivamente não confio. Ela tem mostrado um evidente desequilíbrio e é bastante óbvio que o noivado dela com Theodoro é uma jogada em que ela aceitou entrar para se livrar da morte, o que para muitos ainda é incompreensível que o Mestre esteja permitindo essa farsa. – Ela soltou o ar. – Mas a convicção com a qual ela se refere as duvidosas habilidades que Hermione pode carregar parece ter o poder de levantar um alerta sobre todo o ar especulativo que ronda a linhagem dela.
— Acaso já se passou pela sua cabeça que isso é exatamente o que o Lorde quer espalhar pela Catedral e por todo o Forte? Acaso se passou pela sua cabeça que esse é o exato motivo do porque o Lorde esteja permitindo deixar que Weasley seja elevada ao patamar da influência de Nott. Gina Weasley tem crédito para falar de Hermione porque cresceu com ela e o Lorde precisa destruir a imagem de Draco e Hermione o máximo que ele conseguir. Draco e Hermione montaram uma imagem perante a mídia difícil de ser desconstruída porque o povo a comprou com muita facilidade, como se precisassem de uma liderança com a qual pudessem se identificar, uma que não tivesse o rosto cruel de alguém como Lorde Voldemort. Alguém com crédito para pintar um lado completamente obscuro do bonito rosto de Hermione é exatamente o que ele precisa. O Lorde se deu conta de que se esconder por tanto tempo e ser apenas uma voz na boca de seus representantes tiraram mais do seu poder do que gostaria. Tentar difamá-los agora também não é uma estratégia muito inteligente.
Astoria pareceu considerar aquilo com um outro olhar.
— Alguns dizem que seu marido planejou tudo isso. Draco está apenas seguindo as migalhas que ele jogou pelo caminho. – Ela comentou.
Narcisa teve que sorrir diante daquilo.
— Outros dizem que se Lúcio estivesse de pé, a lealdade dos Malfoy não estaria nem ao menos sendo questionada.
— E como você acha que as coisas estariam se o Lúcio estivesse de pé? – perguntou ela.
Ah. Aquela pergunta. Sim, aquela pergunta a perseguia as vezes. Teve que desviar o olhar e desfazer seu sorriso. As coisas estariam muito diferentes se Lúcio estivesse de pé. Ela sabia que estaria muito longe de ser uma prisioneira em Whitehall, Draco ainda teria bastante tempo para construir seu nome e colocá-lo muito mais acima do de Voldemort do que agora, Scorpius estaria sendo cuidado e educado na Catedral sobre sua linhagem nobre e sobre sua posição como príncipe do Império, e quanto a Hermione e Hera, ela não poderia nem mesmo pensar sobre o destino das duas. Hera nunca havia sido uma opção nas jogadas de Lúcio, portanto, permitir que ela fosse um peão existente em seu xadrez era uma peça a mais com a qual ele teria mais preocupação do que vantagens. Lúcio havia se livrado da primeira filha de Draco e Hermione. Era estúpido acreditar que ele não encontraria uma forma sutil de se livrar de Hera. E quanto a Hermione... Ela não queria nem pensar. E Draco estaria definitivamente vivendo um inferno por ser obrigado a se submeter a autoridade do pai, e por mais que conhecesse a família que ele havia construído com Hermione, sabia que seu instinto racional e a criação que carregava acabaria comprando dolorosamente a razão que Lúcio o forçaria a engolir. Draco compraria a razão de Lúcio sim, por mais doloroso que fosse, porque se ele ainda se dividia entre a dúvida e Hermione na altura do relacionamento que tinham, se Lúcio estivesse de pé, ele encontraria uma forma de entrar na cabeça do filho para alinhar suas prioridades e colocá-lo novamente no papel de perfeito Malfoy.
Ela não sabia que realidade gostaria de estar vivendo, e doía saber que a lavagem que Lúcio fizera na cabeça de Draco ainda poderia acabar fazendo com que ele comprasse os ideais do pai sem que ele sequer precisasse estar de pé. Quantas barreiras Draco teria que quebrar para se livrar dos princípios e valores que Lúcio construíra no filho? Narcisa se sentia impotente em seu papel. Mas era fiel a ele. Sempre seria. Nascera para ser a Sra. Malfoy. Mesmo que isso significasse observar seu filho se afundar. E ela o via no meio da tempestade...
Ele cobria o rosto com as mãos derrotado e irritado ao mesmo tempo. Narcisa sabia que era sua culpa que ele estivesse mergulhando em tudo aquilo mesmo que não quisesse. No cofre de sua família havia várias informações sobre a história da perseguição aos descendentes de Morgana, coisas que não se encontrava facilmente na biblioteca de suas mansões, mas nada comparado ao que havia na escondida e bem selada área restrita do cofre, uma que Draco tinha pouco conhecimento sobre, uma que escondia os segredos mais centenários do passado Malfoy.
— Detesto aquele lugar. – Draco comentou. Aquela parte do cofre nunca havia sido o espaço favorito de Draco, Narcisa não tivera conhecimento sobre aquele lugar durante boa parte de sua vida como Sra. Malfoy. Lúcio, no entanto, sempre insistira que Draco deveria ter conhecimento sobre certas coisas quanto atingiu uma certa idade, mas seu marido sempre fora cauteloso sobre quando e sobre o que deveria soltar na mão do filho. Ele havia dito a ela que aprender sobre os segredos de sua família era um processo longo que podia durar uma vida inteira de dedicação. O nome Malfoy descendia de Merlin. Havia muita história e muito segredo para se guardar. Lúcio era o tutor de Draco e a guerra acabou por atrasar muito do processo que o seu marido tinha em ensinar Draco ao menos o básico do que poderia chegar a ser importante. – Por que dá ouvidos ao meu pai? Por que é tão necessário seguir o que ele quer?
— Eu precisava te dar a chave de qualquer maneira. – Ela se referiu a chave que dava acesso a área restrita do cofre. – Não é sobre o que o seu pai quer ou não, Draco. A coroa Malfoy está na sua cabeça agora. Seu pai nunca pensou que isso fosse acontecer tão cedo. Ele pensou que fosse ter tempo o suficiente para ser seu tutor, para te preparar.
— Não é só sobre os segredos da família, mãe. Você foi muito específica quando me deu aquela chave. Queria que eu olhasse o passado de Hermione e eu espero não acreditar que tinha esperanças que eu pudesse chegar a mesma conclusão que meu pai. – Ele ergueu os olhos para ela.
Narcisa ajeitou sua postura perfeita sentada a beira de uma poltrona um tanto quanto incomodada. Suas mãos estavam úmidas equilibrando a xícara de chá e o pratinho sobre seus joelhos unidos.
— Seu pai tinha um objetivo muito claro quando acordou em unir você com Hermione e precisamos concordar que ele tem muito mais conhecimento e experiência do que você. Você passou muito de seu tempo se dedicando a uma guerra e um exército enquanto seu pai regia o legado dessa família. Sabe mais do que ninguém que qualquer motivação que seja do seu pai sempre tem e sempre terá o nome Malfoy como prioridade.
Viu Draco apertar os dentes com desgosto.
— Diz isso, mas eu duvido que queira Hermione morta, mãe.
Narcisa puxou o ar. Aquilo lhe trazia muita ansiedade. Ela não gostava de estar ali discutindo aquilo, mas precisava cumprir seu papel como Sra. Malfoy. Precisava. Era seu dever.
— Eu não quis muitas coisas durante todos esses anos ao lado do seu pai. Mas sempre confiei nele. Deveria fazer o mesmo.
Draco mostrou-se inconformado rapidamente.
— Por que infernos diz essas coisas quando sei que não quer dizê-las? Será que poderia ser mais minha mãe e menos Sra. Malfoy?
— Eu não posso ser sua mãe quando sei que sou responsável por não deixar a coroa em sua cabeça cair! Tenho uma obrigação com o nosso sobrenome. Você também tem. Seu pai nunca teria deixado que Hermione ou quem fosse estivesse a frente disso.
— Você a quer morta? – ele exaltou-se.
— É óbvio que não! – retrucou. – Sabe disso! E você sabe muito bem que o que eu quero e o que você quer nunca deve estar sendo motivação para construir o seu lado do legado dessa família. Nosso nome é maior do que nós mesmos, Draco. Cresceu sabendo disso. Gerações atrás de gerações de Malfoys cresceram sabendo disso e cada uma delas cumpriu o seu crucial papel em fazer com que esse nome seja cada vez maior. Eu tenho um dever. Você também tem um. Eu não deveria estar te lembrando disso. Engula um pouco da sua fragilidade e seja racional. Encontre o seu ceticismo. Eu sei o que sente por Hermione, eu defendo o que sente por ela, mas lembre-se de que o nosso sobrenome sempre vem em primeiro lugar.
Draco levantou-se ainda inconformado. Negava com a cabeça. Passou a andar de um lado para o outro pensativo.
— Não é só o que eu sinto por ela. – Ele soltou. – É bem mais do que só o que eu sinto por ela. Existem laços que me unem a Hermione muito maiores do que só o que eu sinto, mãe. O que Hera e Scorpius pensariam? Onde eu devo colocar minha história com ela?
Seu coração se partia ao ver seu filho ali, carregando o fardo que carregava, com as responsabilidades que tinha, com as pesadas informações que adquirira, debaixo do autoritarismo de Voldemort, vivendo a bela família que tinha com Hermione. Ele estava sendo puxado de todos os lados e não estava preparado. Ele não conseguia segurar tanto.
Apenas o observou quando ele se encostou na enorme janela de seu escritório para observar Hermione no jardim de fundos de sua casa com Hera e Scorpius, na companhia de Astória, suas meninas e as babás. Por que? Ela se perguntava muitas vezes. Por que se sentia na obrigação de tornar tudo sempre tão complicado? Levantou-se e foi até o filho deixando seu chá de lado.
— Filho. – Parou próximo a ele. Draco não desviou sua atenção de Hermione. – Eu não estou dizendo que deve fazer o que o seu pai acredita que deve ser feito. Quem está no papel de regente é você agora, não ele. Mas devo alertá-lo sobre estabelecer suas prioridades e me sinto na obrigação de direcioná-lo para o que herdou do seu pai, não só porque ele tem me lembrando de fazer isso quando tem seus momentos de lucidez, mas porque eu sei que estou dentro do barco que você está conduzindo e não quero afundar. Seu pai sempre colocou o nome da família em primeiro lugar e nunca falhou. Ele sabe mais do que você. Ele tem mais experiência que você. Ele sempre jogou do lado mais seguro, mesmo que isso significasse ações extremas. Eu não deveria estar te convencendo de que considerá-lo é um caminho lógico porque você já deveria saber disso.
Draco não disse nada. Apenas assentiu concordando. O silêncio que se seguiu foi pesado. Por algum acaso Hermione ergueu os olhos para a janela do escritório onde estavam e encarou a figura do marido a observando. Sorriu. Ela logo chamou a atenção do filho no colo e apontou para a direção da janela encorajando Scorpius a acenar um ‘oi’ para o pai. Um sorriso pequeno apareceu no rosto de Draco, como se todos os seus problemas e questionamentos fossem varridos de sua cabeça num estalar de dedo. Ele ergueu a mão para um curto aceno de volta. Ali, Narcisa soube que estavam perdidos. Draco seria incapaz de colocar qualquer coisa a frente de sua família com Hermione. Salvar seus filhos era uma prioridade e aquilo o unia cada vez mais a Hermione.
— Também sempre jogo do lado mais seguro. – Ele comentou. Hermione, de longe notou que ele não estava sorrindo para o filho como normalmente fazia. O sorriso dela perdeu boa parte de seu brilho e desviou o olhar para longe beijando a cabeça do filho, protegendo-o da rajada de vento que cortou por entre eles. – Que loucura é pensar que eu preferiria afundar em um barco com ela do que jogá-la para fora para salvar o que fosse. – Ele olhou para a mãe. Narcisa viu o quanto ele estava perdido. – Isso é errado, não é? Vai contra tudo que conheço como certo. – Voltou a encará-la pela janela. – E ainda assim, me nego a ver perigo algum nisso.
— Você a ama. – Draco tinha que dar nome aquilo.
— Não acho que o amor é idiota. – Ele virou a carta.
— Idiota? – Narcisa não entendeu.
— Quer algo mais idiota do que preferir ver tudo pelo que eu sempre prezei valor ser destruído só para não abrir mão dela? - Ele soltou o ar irritado. – Por que com ela tudo tem que ser tão complicado? Por que eu sempre tenho que tomar as decisões mais difíceis quando se diz respeito a ela? Costumava pensar antes que tudo teria sido fácil se Voldemort tivesse apenas a matado, exatamente como eu queria quando a trouxe, mas não consigo ao menos me lembrar de quando, no tempo, pensar que isso pudesse ter acontecido fez com que meu estomago embrulhasse. – Soltou o ar e massageou a ponte do nariz com os dedos. - Mas ao mesmo tempo... – resmungou baixo. – As coisas que tenho lido. O que tenho aprendido. Por mais que eu ainda não veja uma prova concreta... – saiu da janela e jogou-se em sua cadeira. – Hermione não sabe o perigo que ela pode ser.
— Não. Ela não sabe. – Narcisa complementou.
— E eu tento ignorar. – Ele continuou. – Tento fechar os olhos para isso. Eu tento e é tão fácil, mãe. É tão fácil quando estou com ela, com as crianças. É tão fácil. E é tão errado. Acha que se ela soubesse talvez ela concordasse comigo?
— Diz isso, mas você sabe que não é tão fácil assim simplesmente por ser quem é. – Narcisa conhecia o filho muito bem. – Hermione tem comentado que te sente distante mesmo estando tão próximo.
Draco soltou o ar cansado. Ele reconhecia as observações de Hermione, mas tentava ignorar. Era algo típico do filho. Teimosia.
— Penso nos planos do meu pai com frequência. – Ele soltou. – O que ele queria quando trouxe Hermione para dentro dessa família. O que ele queria com um herdeiro que fosse a mistura do nosso sangue com o dela. – Fez uma careta. – É doentio. – disse com desgosto. – O que ele fez foi algo que nenhum outro Malfoy pensou antes por uma razão muito óbvia.
— Sim. É ousado. – Teve que concordar.
— Não, mãe. Ousado não é a palavra certa. – Ele a repreendeu. – Ele mudou quem nós somos. Nada vai ser mais como costumava antes. Os Malfoys. Scorpius e Hera. Eles são diferentes. Nossa linhagem daqui para frente vai ser diferente. Nossa história vai ser diferente.
— Você sabe bem que os Malfoy sempre se exaltaram por virem da linhagem de Merlin. Preservaram um sangue perfeito e puro, mas seu pai percebeu que ainda somos como o restante dos outros bruxos.
— Não. Nós não somos. Não foi isso que vocês dois me ensinaram desde sempre? – retrucou ele. – Preservamos nosso sangue. Conseguimos tornar nosso gene forte. Olhe para mim, para o meu pai, as fotos do meu avô e daqueles que vieram antes de nós. As pessoas nos reconhecem! Elas vêm nos reconhecendo há gerações.
— Mas você sabe que não é o suficiente.
— Não é suficiente para o meu pai! Apenas para ele!
Narcisa moveu-se desconfortável.
— Draco...
— Não! – ele a cortou. – Não o defenda! Ele trouxe a maldição de Morgana para a nossa família. E você concordou com isso!
— Pensei que não acreditasse na maldição.
— Tenho tentando encontrar formas de não acreditar nela. Não significa que eu possa estar errado.
Ela respirou fundo.
— Ninguém sabe o que a maldição realmente é.
— Não interessa. O nome é maldição. Não é algo que alguém escolha carregar.
— O gene Malfoy é forte, Draco. Especialmente porque vem de Merlin. A maldição, seja qual for, não ultrapassaria as barreiras de proteção que o aperfeiçoamento da nossa linhagem foi capaz de construir. Não misturaria com o...
— Não tente usar os mesmos argumentos que meu pai usou para te convencer de que isso era uma boa ideia! Que prova meu pai poderia ter de que Scorpius e Hera poderiam não herdar o que quer que seja que Hermione carrega? – Perguntou. Narcisa puxou o ar. Draco havia perguntado pensando que ela não teria resposta para aquela pergunta, mas quando viu que ela tinha uma resposta, ele endireitou-se e inclinou-se para frente direcionando todo o seu foco para ela. – Que prova meu pai tem, mãe? Não tem nenhuma na ala restrita do cofre.
Narcisa hesitou. Sabia que Lúcio faria aquilo muito melhor do que ela estava fazendo naquele momento. Não era assim que as coisas deveriam estar acontecendo.
— Severo. – Ela respondeu. – Ele sabe mais sobre Hermione do que qualquer outra pessoa. Ele quem tem feito as poções para o mestre usando as propriedades mágicas do sangue do seu filho. Ele quem apresentou para o seu pai as provas que ele precisava. Hermione foi uma candidata ao cargo de Sra. Malfoy por muito mais tempo do que você imagina, Draco. Seu pai aproveitou-se da chance única que teve quando você a trouxe. Os Malfoy têm um sangue muito mais forte agora, seus filhos podem ter herdade o que for de Hermione, mas o nosso gene é mais forte. O de Hermione, no entanto... – suspirou. - A maldição pode ser maior do que ela.
Draco pareceu congelado por um bom tempo. Soltou o ar depois de parecer ter gastado todos os seus neurônios pensando incansavelmente. Escondeu o rosto nas mãos mais uma vez.
— Por que ele não me falou? – perguntou depois de muito silêncio. – Por que ele não me deixou saber desde o início?
— Ele queria que fosse uma lição. Uma boa lição sobre como tomar a responsabilidade de ser um herdeiro Malfoy. – Aquilo Lúcio não havia lhe dito, mas Narcisa conhecia o marido o suficiente para saber como ele gostava de educar o filho a respeito do sobrenome que dividiam. - Seu pai sabia que você se envolveria com ela. Ele queria que você se envolvesse com ela. Ele queria que você criasse laços, criasse sentimentos, se apegasse, ele torcia para que conseguisse, mesmo sendo quem é. Seu pai sempre foi um bom observador e sempre notou o quanto dava atenção a Hermione, desde que a conheceu. Diferente de todas as outras ao seu redor, ela era a única com a qual você sempre tinha uma opinião a respeito. Qualquer outra não cheirava nem fedia, exceto Hermione. Seu pai sabia que se havia alguém que poderia te conquistar, tinha que ser Hermione, e se ela fosse realmente a mulher por quem você fosse se apaixonar, ele apostava que seria intenso. E ele queria isso, ele queria que fosse difícil. Só assim você saberia o valor do sacrifício de dar as costas para isso quando fosse dado as provas de que deveria. Talvez assim você o entendesse. Entendesse que não é tão fácil quanto parece quando ele precisa colocar o sobrenome Malfoy acima de você e eu. Talvez assim você entendesse mais o porque ele foge tanto de nós dois. - Suspirou. – Draco, eu sei que é difícil entender, mas seu pai te ama. Dói nele ver o quanto de rancor você tem guardado por ele, mas mesmo assim, entenda que ele nunca vai colocar o nome Malfoy em segundo lugar. A única chance que ele tem de te fazer enxergar é colocando-o para andar o mesmo caminho que ele andou. Colocando-o para se deparar com decisões que ele também teve que tomar. Essa é a forma dele te preparar para ser o herdeiro Malfoy que você nasceu para ser.
— Sacrificar minha família da mesma forma como ele fez com a dele? – Draco soltou cheio de desgosto. – Meu pai quer o filho que eu era quando criança, o filho que sonhava em ser exatamente como ele. Desde que eu passei a detestar a pessoa que ele é, ele tem me forçado e me colocado para andar caminhos que milagrosamente me farão entender o porque ele é quem ele é e porque eu devo ser exatamente como ele. Não tem sido a melhor das estratégias.
— Tudo bem. – Lucio aceitava aquilo também. – Seu pai costumava dizer que levaria tempo. Ele tinha toda a paciência do mundo com essa jornada, Draco, simplesmente porque ele também passou por ela. Você não conhece muito sobre a relação que seu pai tinha com seu avô, ou nem mesmo quem seu pai era quando eu e ele nos casamos. Seu pai sempre esteve muito confiante de que todo herdeiro Malfoy encontra o caminho em que deve andar eventualmente.
Draco forçou um sorriso fraco.
— Por que que tudo isso soa tão patético? – Indagou ele. Narcisa sabia que aquela pergunta havia sido feita, porque em qualquer outra situação Draco teria muito orgulho em concordar que as tradições, princípios e seja lá o que for dos Malfoy sempre era algo com o qual ele se orgulhava e dava importância. – Aposto que teria concordado com meu pai se ele tivesse me exposto tudo que tinha para ser exposto antes de me unir a Hermione. Talvez eu tivesse até concordado que seria uma boa ideia. Eu a queria bem morta quando a trouxe para o Lorde.
— Acha que isso tornaria tudo mais fácil agora? Pensa mesmo que saber de tudo teria mudado o que sente por Hermione? Tentou fugir dela antes. Sabe que não é tão simples assim. Ter conhecimento dos planos do seu pai, concordando com ele ou não, só tornaria as coisas ainda mais difíceis para você. Eu sabia e mesmo assim a acolhi. Eu sei que ela não tem culpa. Você estaria com Hermione exatamente onde estão agora, independente de quando tomou conhecimento de que precisa dar um fim a ela.
Comprimiu os lábios visivelmente irritado.
— Eu ainda não cheguei aí, mãe. Não use esse tipo de vocabulário. – Ele a repreendeu.
— Você está tentando fugir disso, Draco, mas eu te conheço. Sua razão não vai te fazer esquecer do que sabe. Pode fingir que não sabe sobre Severo Snape. Pode fingir que não quer visitar a ala restrita do cofre. Pode fingir que consegue ignorar. Que não é importante. Que seu pai é doente. Que existem outras soluções ou que tudo é uma mentira. Que Hermione é diferente. Mas sabe bem que sua cabeça não vai parar de te alertar. – Ela disse. Ele não falou nada em resposta. – Vá atrás de Severo.
— Eu não me associo com Snape. Não o procuro. Não troco palavras com ele. – Foi decisivo.
— Severo sabe o que...
— Snape é a pessoa alimentando o sangue do meu filho a Voldemort. O dia que eu o procurar será para acabar com a vida dele.
— Draco...
— Não me faça ter que repetir isso! – findou ele.
Narcisa soltou o ar aceitando a teimosia dele. Ainda era fácil para Draco colocar tudo aquilo em uma caixa e empurrar para debaixo de uma sombra porque a vida que vivia com Hermione era uma fantasia. Mas ela sabia que aquilo não duraria. O filho não conseguiria manter tudo aquilo guardado em algum canto de sua mente quando as coisas mudassem e ela sabia que mudariam. E sabia que não seria bom, não seria seguro, não seria como queria que fosse porque Draco não estava preparado para ser o Malfoy que todo Malfoy precisava ser. Ele estava preso a fantasia que tinha com Hermione. Ele queria aquela fantasia, aquilo que o motivava e ele sabia que estava errado, mas mesmo assim, se agarrava aquilo. Estava colocando todos em risco.
— Sei que está dando o seu melhor, filho. – Ela estava preocupada. – Sei que tem carregado peso demais. – Lamentava pelo filho. - Mas seu pai não está aqui e ele estaria fazendo o papel de te lembrar de que essa não é nossa história. O legado Malfoy é maior do que nós. – Draco entendia que ela não o repreendia pelo que havia encontrado com Hermione. Na verdade, Narcisa ficava muito feliz pelo filho ter encontrado o que encontrara com ela. Seu coração se acalmava por saber que seu filho tinha um lado humano, de que ele conseguia encontrar propósito além da ambição. Aquilo era o que o diferenciava de Voldemort. Mas nada daquilo tornava a vida fácil para ele. – Eventualmente, sei que irá fazer seu caminho até Severo. Por enquanto, viva a frágil fantasia que tem com sua mulher e filhos enquanto puder. Serei parte dela enquanto me fizer ser. Você quem tem as rédeas, é você quem está conduzindo tudo isso agora que seu pai não pode mais. – Concluiu.
Eles entraram num silêncio vazio. Draco vagou pensativo por um bom tempo, até que finalmente, depois de desistir do que quer que estivesse se passando por sua mente, levantou-se.
— Está perto da hora do cochilo das crianças. Eu e Hermione estamos tentando uma nova rotina. Talvez os ajude a não acordarem tanto durante e noite. – Foi até a mãe e inclinou-se para depositar um beijo em sua têmpora. – Seria bom se pudesse entreter Astória enquanto colocamos as crianças para dormir. – Disse e deixou o escritório num estado pior do que havia entrado.
Narcisa respirou fundo. Encarou Hermione no jardim sendo a maravilhosa mãe que era. Seu coração apertou. Ela não merecia nada daquilo. Mas a vida era absurdamente injusta. Queria que a história dela fosse diferente. Soltou o ar. Ela não podia saber. Se soubesse faria o mesmo que todos antes dela haviam feito. Ou talvez fugisse como sua mãe biológica fizera. Era absurdo como o tipo dela conseguia se transformar tão facilmente naquilo que ninguém esperava que pudesse. Os relatos comprovavam. Narcisa finalmente havia dado acesso a Draco para que ele pudesse ler todos eles, e sabia que o filho havia lido com cuidado, um por um.
Draco Malfoy
Estava em Azkaban. Os homens e mulheres das melhores zonas de seu exército estavam alinhados no sombrio e gigantesco pátio central da prisão. Eles estavam prontos para seguir suas ordens. Isaac fizera seu caminho de volta ao Ministério para se apresentar aos pedidos urgentes de reforço liberados por Theodoro Nott durante a madrugada. As coisas estavam correndo exatamente como deveriam, exceto por uma. Uma que ele não havia previsto, sequer considerado ou algum dia imaginado.
Hermione. O que ela estava pensando? O que infernos se passava pela cabeça dela. Por que logo agora? O que ela queria com tudo aquilo? Ele não conseguia raciocinar, não conseguia ligar a lógica, não conseguia traçar a linha de pensamento dela. Por que havia desaparecido?
— Estamos apenas esperando as ordens, senhor. – Devon fez questão de lembra-lo.
Draco assentiu, mas não soltou ordem alguma. Apenas observou as cabeças de seus aliados se movimentando no andar de baixo do mezanino onde estava.
— Draco, não podemos esperar mais. Já é quase dia. – Devon aproximou-se dele para poder insistir usando um tom discreto.
— Sei que horas são. – Retrucou Draco e Devon afastou-se mostrando sua aparente ansiedade.
O silêncio entre eles continuou a existir. Era óbvio que todos estavam irritados com o atraso de Draco, mas nenhum deles entendia que talvez Hermione ter desaparecido poderia ser um sinal de alerta para ele. Ela não queria fazer parte daquela ação. Por que? Achava que era tudo que ela mais havia esperado desde que saíram de Brampton Fort. Ou talvez ela estivesse se entregando a loucura. Ou talvez devesse parar de acreditar nela.
— Se avançarmos talvez iremos acabar nos deparando com quem pegou sua esposa. – Denna comentou receosa.
Ninguém havia pegado sua esposa.
— Ninguém pegou Hermione, Denna. – Fox pronunciou-se, usando o primeiro nome de sua mulher, o que um tanto quanto incomodava Draco. – Todos sabemos que tipo de mulher ela é. Ninguém cruza o caminho dela dessa forma.
— Não deveríamos estar discutindo isso. O tempo está correndo. – Devon continuou a insistir no tempo. – Precisamos de ordens.
— Ela está tentando dizer algo. – Draco ponderou mais consigo mesmo do que com os outros.
— Ela não poderia ter realmente te dito antes? – Denna mostrou-se irritada.
Fox pediu para que Denna engolisse sua ignorância e Devon aproximou-se de Draco.
— Acha que ela tentou te avisar sobre algo que não escutou? – Questionou ele.
Draco balançou com a cabeça sem saber se deveria concordar ou discordar.
— Eu conheço bem a teimosia da minha mulher. Ela não estava satisfeita com meu plano. Eu não escutei os sinais dela. – Ele soltou o ar frustrado e irritado. – Ela vai querer fazer com que seja do jeito dela.
Havia dado ordens de busca para encontrar Hermione num surto espontâneo de preocupação, mas recuou logo que a lógica falou mais alto do que o instinto protetor que tinha com relação a ela. Não queria que a notícia espalhasse nem queria causar alarmismo. Hermione também não era nenhuma donzela em perigo. Ela havia tomado uma decisão e tudo que havia restado para ele era jogar as mãos para baixo e encarar o enorme ponto de interrogação que ela colocara na cabeça dele. E que infernos que era estar lidando com aquele questionamento.
Estava no meio de uma operação, não podia estar se dando o trabalho de dar atenção aquilo. Ela não podia estar fazendo aquilo agora, não agora, e o fato de que estava era uma gigante bandeira de traição. Não queria enxergar daquela forma, mas sua raiva só o fazia ver aquilo. Tudo porque ela decidira agir as suas costas. Decidira vendá-lo e seguir sozinha o que quer que fosse que tivesse em mente, e ele seria obrigado a ajustar-se ao que quer que fosse o objetivo dela. E era exatamente isso que o preocupava. Ela tinha um plano, e ele não fazia a menor ideia de qual plano era. Não sabia se deveria tentar desvendar que plano era esse, não sabia se devia confiar nela. A verdade é que sabia que não deveria. Hermione decidira ir solo por uma razão, e ele tinha certeza que essa razão era uma que ele desaprovaria. Não fazia sentindo que ela decidira dar as costas a ele. Tinha a sensação de que voltara no tempo e estava lidando com Hermione jogando do lado oposto daquela guerra novamente. Tinha a sensação de que ela era novamente uma inimiga e isso o incomodava de um tanto que fazia sua cabeça dar voltas.
Era um perigo. Um grande perigo. Pela milionésima vez, ele estava se deparando com o fato de que a tinha fora de controle, fora de alcance e isso era terrivelmente assustador. Ela havia escapado por entre seus dedos. A ideia de que eles se pertenciam, de que ele pertencia a ela e de que ela pertencia a ele e que os dois eram um time voou para longe num piscar de olhos. Ela não era seu pertence, ele não a controlava e ela tinha vida própria.
Precisava começar a usar sua lógica, ser cético, neutro. Precisava de tempo para pensar e digerir tudo aquilo e colocar sua cabeça no lugar. Sabia que não estava agindo de forma correta. O fato dela ter sumido estava o distraindo de tal forma que mal conseguia se focar na enorme ação que conduzia naquele exato momento. Ele estava extremamente irritado e sabia que não poderia estar. Precisava encontrar um equilíbrio. Aquele momento era o que ele mais precisava de equilíbrio.
— Devon. – Draco chamou sua atenção. Devon logo mostrou estar pronto para receber alguma ordem sobre mover a ação. – Certifique-se de que ninguém vá a lugar algum sem minhas ordens. – disse e deu as costas.
Houve um pequeno e quase silencioso surto de indignação.
— Todos sabem o que vem em seguida, general. Todos estão esperando uma ordem! – Fox tomou a frente. – Não pode dar as costas agora! Lorde Voldemort irá tomar o comando de Nott assim que se der conta de que a situação está fora de qualquer possível controle. Os fortes estão caindo. Um por um. Não podemos ficar esperando isso acontecer. Isso não é parte da ação.
Draco parou para encará-lo. Fox nunca havia questionado uma ordem sua.
— Não estou fugindo. O que pensa que eu estou fazendo? – estava visivelmente irritado. – Quero que isso seja o fim tanto quanto você! Tanto quanto todos vocês. – Enfatizou quando notou o olhar receoso dos demais. – Conheço Nott, conheço Voldemort e aqueles que tem o poder de cochichar nos ouvidos dele. Cheguei até aqui usando mais do meu cérebro do que um exército. Preciso me certificar de que ainda estou usando minha cabeça tendo toda a força que tenho contra ele agora. Não estamos lutando mais contra rebeldes.
Ninguém ousou questioná-lo dessa vez. Fox ficou quieto. Devon assentiu. E então Draco deu as costas e seguiu de volta para a sala reservada de Azkaban. Haviam acabado de sair dali. Os documentos de estratégias ainda estavam todos esparramados sobre a mesa. Draco os encarou por um bom minuto enquanto sentava numa das cadeiras.
Deu tempo para que seu cérebro trabalhasse.
Tudo estava seguindo conforme o planejado até o momento. Claro que haviam alguns deslizes aqui e ali, mas tudo dentro de uma margem de segurança que ele havia previsto. Isso significava que Hermione, onde quer que estivesse, não deveria estar intervindo. Ele temia pelo momento que ela fosse. Sabia que ela iria. Tinha sua certeza. Temia pelo que seria.
Acabou por fechar os olhos e afundar o rosto nas mãos quando percebeu o tanto que seu sangue corria quente. Era ótimo em manter uma boa postura quando precisava. Seu controle emocional era bem desenvolvido. Mas seu sangue fervia. Não conseguia se lembrar da última vez em que odiara Hermione com tanta força. O que ela pensava que estava fazendo? Por que ela tinha que esfregar tanto na cara dele que era uma mulher tão infernalmente imprevisível. Por que? Logo agora que ele estava juntando provas que bem queria fingir que não existiam.
Céus.
Ele precisava de seu pai. Seu pai saberia o que fazer. Qualquer que fosse a solução que ele daria, seria cruel. Cruel, suja, difícil de encarar. Mas seria indiscutivelmente a solução mais correta. Por que ele não poderia ser igual o seu pai? Por que não conseguia ser completamente cético e frio para poder encarar aquilo e tomar a decisão que fosse sem hesitar, por mais dolorosa que pudesse ser.
Seu pai estava certo. Sempre estivera certo. Draco quem havia descreditado ele. Em sua bem apurada mania de rebeldia contra as atitudes de seu pai, acabara por se permitir condená-lo pelo que fizera de sua família, de seu relacionamento com sua mãe, da própria criação que tivera, acabara por decidir doar-se aos sentimentos que tinha por Hermione por medo de tornar-se como ele. E agora se via incapaz de usar sua própria lógica contra a onda de raízes e sentimentos que criara com uma mulher que estava destinada a ter um fim que ele era responsável por ditar.
E ele tinha que ditar aquele fim. Quanto mais fugia daquilo, mas parecia que aquilo o perseguia. Mesmo que estivesse decidido a desacreditar no passado que todos os outros Malfoys antes dele haviam acreditado. Parecia que quanto mais tentava se convencer de que estava sendo sensato em sua decisão, mais o universo lhe dava provas para alertá-lo da besteira que estava fazendo.
Céus. Onde estava seu pai?
Infernos!
Por que isso era a única coisa que ele conseguia pensar naquele momento? Estava comandando uma ação. Precisava focar-se em usar seu cérebro para atingir ao menos o objetivo de derrubar Voldemort. Tinha muito a perder. Estava jogando pesado. Aquele era o legado Malfoy. A história lembraria daquele momento para sempre. Ele não podia falhar. Não agora.
Certo. Sabia que Nott estava carregando demais nas mãos naquele momento. Em seu lugar, Draco estaria agindo em estado de urgência, e olha que tinha bastante experiência. Quando Draco assumira sua alta posição, os fortes não estavam tão estáveis, mas nada como o que estava acontecendo agora. Voldemort certamente estava se coçando para tomar as rédeas, mas Severo, como o bom conselheiro político que era, ainda deveria estar o convencendo a não descer de seu trono de Imperador, porque no momento que fizesse isso, o pânico seria instalado, o estado de calamidade seria oficialmente declarado. Era importante que Voldemort tentasse passar a imagem de que não precisava sujar suas mãos para montar seu próprio Império ou para garantir que ele se mantivesse estável. Severo Snape deveria estar nesse exato momento lembrando-o daquilo.
Draco precisava manter isso em mente. Precisava garantir que as coisas continuassem nas mãos de Nott. Talvez fosse um erro ir com toda força contra o Império. Talvez se mandasse uma nota de aviso e pausasse ali sua ação, como se estivesse passando a ideia de que era só um ataque, só uma batalha vencida naquela guerra. Céus, onde estava Hermione. Precisava do cérebro dela. Eles trabalhavam bem juntos.
Quis soltar um palavrão.
Por que seu cérebro sempre tinha que o levar de volta para Hermione? Quando foi que se tornara tão dependente dela? Por que infernos se sentia tão estúpido? Por motivos muito óbvios, tudo que ele conseguia lembrar agora era de todas as vezes em que se questionara se Hermione realmente sentia por ele o que ele sentia por ela, ou se ele representava apenas um remédio de alívio para a terrível vida que era obrigada a levar. Um que talvez ela não precisaria mais quando se livrasse da prisão que Voldemort a colocara.
Mesmo quando refletia a evolução que haviam tido desde o estranho começo, onde somente sexo era tudo que queriam, não conseguia chegar a nada consistente. A forma como se relacionavam, em todos os aspectos, era frágil. Tudo era sobre como se sentiam no momento. Nunca haviam criado o hábito de se afirmarem verbalmente, constantemente. Draco sabia que podia ser uma pessoa fria. Sabia que se limitava a uma rotina onde se permitia ser mais aberto em apenas momentos específicos para que pudesse se manter concentrado na vida que levava na Catedral. Sabia também que acabava se distanciando quando se via confrontado pelas responsabilidades do passado de sua família que agora estava em suas mãos e pelo fato de Hermione ser quem era, mas mesmo quando acabava se jogando nos braços dela, exausto de lutar com sua lógica, sentia que ela sempre segurava um pé atrás.
Era como se aquele acordo de entregarem o coração um para o outro estivesse num passado distante, mesmo que se doassem tanto, mesmo que se doassem para a família que tinha, os filhos que criavam, ainda assim, não eram completamente honestos um com o outro. Podia culpar as ameaças que sofriam estando debaixo de Voldemort. O passado que carregavam talvez. Ou até mesmo suas personalidades orgulhosas, teimosas, difíceis. Mas mesmo com todas as justificativas do mundo não encontrava a raiz da causa.
Mas não importava. Não importava porque ela já havia o abandonado. Deus! Como doía! Ele queria poder voltar no tempo e concertar as decisões erradas. Mas não podia, e mesmo que pudesse, teria que fazer tudo do mesmo jeito novamente, simplesmente porque o que queria não era o que podia. Eles tinham um gigante para destruir e concentrar-se nele era muito mais importante do que se concentrar no relacionamento que tinham porque não podiam perder os filhos. Scorpius e Hera eram sua maior herança. Parecia que o universo queria usar de tudo para mostrar que não eram compatíveis, que não adiantava correr contra a corrente. Nunca deveriam ter se apaixonado, nunca deveriam ter se casado, nunca deveriam ter tido filhos, nunca deveriam ter criado laços, raízes, nunca deveriam ter se familiarizado um com o outro. Hermione não era para ele e ele não era para Hermione. Não eram um para o outro. Nunca haviam sido. Não havia nenhuma forma de fazer com que fossem.
Sentiu a garganta arder. Seu peito queimou. Seu sangue ainda fervia. Tudo nele queria acabar com ela, mas tudo nele morreria no momento que o fizesse. Ele estava condenado. Estava, definitivamente, condenado. Era como se estivesse vivendo Dumbledore novamente, mas muito, muito pior. Corromper sua alma matando Dumbledore, fora a tarefa mais difícil que cumprira em sua adolescência. Aquilo o transformou. Teve que aprender a se aceitar de outra forma, se enxergar de outra forma, encarar outras perspectivas, defender outros ideais. Teve que mudar. E fora extremamente difícil. Era impossível pensar o que seria dele se acabasse com ela da forma como sentia que queria naquele momento e da forma que sabia que deveria.
Ele se contorceu por dentro. Sua memória o levou para o sorriso dela, para quando se abraçavam com a única pretensão de se sentirem perto um do outro, para quando pensavam uma solução juntos, quando lamentavam um para o outro a saudade que tinham dos filhos depois de um longo dia na Catedral, quando dividiam uma garrafa de vinho, quando se ajudavam com a difícil tarefa de serem pais, ou.... Céus. Ele tinha que parar! Será que estava se tornando Harry Potter? Tinha que se focar. Sua guerra era com Voldemort naquele momento. Estava em uma missão!
Encarou a lista de estratégias expostas naquela mesa. Tirou alguns minutos para limpar sua mente, mesmo que estivesse correndo contra o tempo. Precisava dar logo uma ordem, mas tinha que ter certeza de seu próximo passo primeiro e ele estava incerto. Principalmente com Hermione longe. Deveriam estar fazendo aquilo juntos!
Escutou alguém bater na posta e logo depois Fox mostrou-se sem pedir permissão ou desculpar-se por estar invadindo o espaço que ele ordenara ter por alguns minutos. Draco apenas ergueu o olhar para ele cansado de ter que mostrar-se irritado já.
— Precisa escutar isso. - Foi o que Fox escolheu dizer para lutar por atenção e evitar ser enxotado.
Draco soube que pelo tom que ele usava, vinha carregando notícias. Não parecia pretender implorar por ordens.
— Vá em frente. - Foi tudo que teve paciência para dizer.
Fox mostrou-se cuidadoso logo em seguida e Draco soube que deveria começar a se preparar para o que quer que fosse escutar da boca do homem.
— Sua mulher, senhor. - Fox anunciou.
Draco apurou os ouvidos e irritou-se com a demora.
— Não tenho tempo para suspense, Fox.
Fox parecia receoso.
— Ela está no Ministério. - Ele anunciou. - De acordo com o patrono de Bennett, está fazendo com que a equipe de guarda do sistema de conexão com os fortes abra um portal para Brampton Fort. Ele lançou ordens para detê-la agindo em nome do mestre, mas ninguém está sendo capaz de pará-la.
Draco soltou o ar com calma e fechou os olhos decepcionado. Claro, poderia ter esperado algo como aquilo vindo dela. Esfregou a testa com a ponta dos dedos percebendo uma constante dor de cabeça que não ia embora.
— Isso é tudo? - foi o que perguntou quando Fox não acrescentou mais nada.
— Bennett está confuso. Está agindo em nome do mestre com o propósito de manter seu disfarce. Ele está sem entender. Você havia deixado claro que não iria comprometer o Ministério para não piorar a situação dele com o mestre e para que continuasse o trabalho de preparar o Ministério para o momento em que o Lorde cair. Ela está colocando a corda no pescoço de toda a corja política que te apoia, mas mantêm isso em segredo no Ministério!
Draco apenas balançou a cabeça. Estava cansado. Deveria estar envelhecendo dez anos a cada meia hora que se passava.
— Deixe que ela faça o que achar necessário. - Soltou. Teimar contra Hermione era uma causa perdida.
Fox pareceu imediatamente surpreso.
— Draco, ela está indo atrás de Voldemort. - O fato de ter usado seu primeiro nome mostrou que Fox não queria que aquela conversa fosse entre um general e um soldado. Fox era um aliado e havia estado ao lado dele por muito tempo.
— Eu sei que ela está.
— Ela está comprometendo o nosso lado! - insistiu Fox.
— Sim. Ela está. - Encarou o velho companheiro. - Do que está tentando me convencer me passando informações que já conheço?
— Deve pará-la! - soltou o homem como se não fosse óbvio. - Temos que pará-la.
Draco suspirou cansado. Não. Não iria se submeter a humilhação de tentar colocar Hermione em uma coleira.
— Voldemort irá pará-la. - Levantou-se. Fox pareceu indignar-se. – Vamos estar lá quando isso acontecer.
— Ela irá matá-lo! - ele quase aumentou o tom de sua voz.
— Precisaria vê-la tentar. - Porque se ela ao menos tentasse, ela estaria o obrigando a esquecer que ela era a mulher com quem ele dividia a vida e isso o assustava de tal forma que sentia uma dor quase que em seus ossos só de pensar no momento em que tivesse que encarar esse cenário. Se ela estava definitivamente disposta a comprometer Potter, o homem por quem ela chegou a quase dar a vida, ele seria obrigado a acreditar que nada para ela tinha valor demais para não ser barganhado.
Fox mostrou-se confuso.
— Você sabe quem ela é. - ele foi apelativo, como se quisesse que seu tom denunciasse sobre o que ele realmente estava falando. - Já perdi as contas de quantas vezes comecei a descrevê-la em minha cabeça e me deparei com Morgana.
Draco encarou o homem novamente. Ele estava passando a linha do limite. Não esperava que ele fosse ousar tentar conectar-se com Draco daquela maneira. Tinha conhecimento da atenção que Fox tinha por Hermione e aceitava que ele não era o único no mundo que a desejava de alguma forma. Mas Fox parecia quase tão atento aos detalhes quanto ele, como se fosse encantado por ela e estivesse começando a ficar aterrorizado por isso.
— Fox, o mundo não sabe que quando ela se mostrava mais forte, é quando está mais frágil. - Foi tudo que optou por dizer e passou por ele.
Estava a meio caminho da sala quando Fox o parou:
— Não a teme? - perguntou como se estivesse tentando fazê-lo enxergar algo.
Draco tinha pena que as batalhas de Fox fossem tão superficiais. Talvez deveria ter inveja. Queria enxergar Hermione como ele enxergava. Seria muito mais fácil tomar suas decisões se apenas a enxergasse como uma mulher indomável atrás de poder e vingança.
— Sim. - respondeu. Ele a temia. Ela era sim terrivelmente temível e a insegurança daquele sentimento tão instável que destruía o equilíbrio que ele tentava encontrar em tudo que sentia por ela. - Mas ela é minha família. Acaso não esteve por perto para ver o que eu construí com ela, Fox? - o encarou mais uma vez. - Não esteve presente no meu casamento? Não viu quando eu e ela trabalhamos juntos dentro da Catedral? Não viu o que conquistamos? Não viu quando meus filhos nasceram? Quantas vezes você já não esteve em minha casa? - ele conhecia a família que eram, por mais reservados que fossem. - Qualquer batalha que você tem com ela, não chega perto da que eu carrego.
Eles se encararam por alguns segundos. Draco percebeu que eles estavam se conectando de uma forma diferente ali. Fox avançou cuidadosamente aproximando-se mais. Parou bem a frente dele.
— Preciso que entenda que sempre serei leal a sua causa. Não porque acredito na sua filosofia, mas porque foi você quem me fez. - Fox anunciou calmamente. - Me ensinou tudo que sei. Eu cresci quando você cresceu. Lembre-se que chegou até aqui porque nunca hesitou tratar como inimigo quem agiu como inimigo. Não coloque exceções na mesa agora.
Draco sentiu a urgência de querer exercer sua superioridade ao ver Fox cruzando aquela linha. Quem ele pensava que era? Algum tipo de tutor? Não recebia lições de seus subordinados. Mas ao mesmo tempo que sentia seu ego irritado, era crítico o suficiente para entender que Fox não estava tentando infringir seu status, estava apenas alertando-o. Algo que nunca precisara fazer antes. Era inteligente o suficiente para saber que estava dando carta branca a Hermione quando no passado jamais teria dado. Estava arriscando e Fox estava o alertando de que todos estavam vendo aquilo. Draco não tomava riscos.
Assentiu.
— Continue a confiar em mim, então. - disse.
O homem pareceu ter muito mais a dizer em contrário a afirmação decisiva de Draco, mas como reconhecia que já cruzara demais a linha. Apenas assentiu em respeito.
— Sim, general. - Finalizou, passou por ele e foi embora.
Talvez Fox aceitasse que ele estava em partes certo sobre aquilo. Draco apenas puxou o ar e o seguiu para encontrar-se novamente com as cabeças que deixara atordoadas alguns minutos mais cedo.
— Devon. - Começou por chamar seu representante. - Assim que todos os fortes estiverem tomados, pause atividades por período indeterminado, mas mantenha o exército em alerta. – Não queria jogar o jogo de Hermione.
— O que? - Denna foi a primeira a externar com indignação. - A que custo todos nós...
— Quer tomar o meu lugar, Denna?! - Draco a calou irritado. Já perdera a paciência a muito tempo. - Diga que quer, porque sei que é exatamente isso que quer. Quer dar as ordens, quer seguir com seus planos, quer a minha guerra! Vá em frente se é isso que quer! Pensei que estivesse ao meu lado e não contra mim! - a desafiou. Donna calou-se irritada. Draco passou os olhos pelo resto. Não precisava se justificar, mas aquela era a zona sete. Aquela zona crescera com ele. - Não posso avançar com força total contra Voldemort. Ele se sentiria ameaçado demais na posição em que está para acabar tomando as rédeas de Nott. Preciso de Vodemort em seu trono achando que pode tomar o controle da situação apenas delegando que seu trabalho sujo seja feito por outros. Sei bem que Severo está o convencendo a não descer de seu pedestal, de não sujar as próprias mãos. Severo lutou demais para embelezar e construir o ego dele de imperador para ser a voz o convencendo que deve abandonar isso agora. Voldemort escuta Severo. - Os outros o olhavam sem dizer nada. - E eu sei como ele delega tarefas a um general em momentos de crise. Se pausarmos, Voldemort dará um prazo a Nott. Será um prazo curto e quase impossível de administrar. E sei que o que ele irá exigir será pelo menos um dos fortes de volta ou o cargo de general será passado para outro. - Era sempre assim que funcionava. Fora assim que Voldemort trabalhara com ele. Tarefas impossíveis em prazos impossíveis. Sabia que no momento em que falhasse seria trocado por outro. Fora difícil alcançar o título de general prodígio, brilhante, infalível. - Nott irá focar toda a sua força em um dos fortes, não prestará muita atenção em Brampton Fort e quando nós soubermos exatamente os pontos frágeis da cidade de Brampton, nós iremos agir. - Expos o caso. - Claro?
— Como água. - respondeu Fox.
Draco colocou seus olhos sobre ele. Assentiu sabendo que ele estava do seu lado. Todo o resto assentiu concordando, inclusive Donna, que agora parecia muito mais conformada.
— Agora. - Continuou Draco. - Fox. - Chamou por ele. - Junte foças para ir ao Ministério o mais rápido que puder, encontre o chefe da guarda, ela está do nosso lado.
O homem assentiu imediatamente.
— Com que pretensão? - Perguntou ele e ambos trocaram um longo olhar significativo, como se estivessem se entendendo no silêncio.
Draco foi presenteado com uma breve visão de uma das memórias que tinha com sua bela mulher. Manhã, os quatro sobre a cama bagunçada, o sorriso dela estampado pelo rosto enquanto incentivava Scorpius a executar sua nova habilidade de bater palmas. Lembrava-se de ter se perguntado se havia no mundo uma mãe que pudesse ser tão linda quanto ela.
— Parar Hermione. - Essa era sua pretensão. Porque o mundo precisava saber que ela não podia ser uma exceção. Mesmo sabendo que não iria ser capaz de pará-la.
— A qualquer custo? – Ele perguntou receoso.
— Se matar minha mulher, é um homem morto, Fox. – Foi tudo que precisou responder. Se alguém tivesse que matar Hermione, esse alguém seria ele.
**
Desceu em Londres depois de receber um aviso da equipe de Fox que os encantamentos de segurança do Ministério estavam completamente desfeitos e que Hermione, sozinha, conseguia permear e transitar pela instituição sem qualquer barreira, enfrentando com pouca dificuldade a equipe escalada para fazer a guarda de segurança daquela semana.
Nunca havia sido tão fácil entrar no Ministério. Sem segurança alguma, passar pelo que antes haviam sido barreiras fora tranquilo e com toda a equipe de segurança focado em Hermione, encontrar-se com Fox num dos mezaninos do salão de entrada fora razoavelmente fácil. Era fim de madrugada e com os acontecimentos da noite, ninguém ousaria pisar o pé ali. A batalha se resumia a pequena força de Fox, a guarda de segurança e Hermione. Draco estava bem consciente que Isaac monitorava de longe porque precisaria se reportar a Voldemort.
— Ela está tentando abrir o portal para Brampton Fort por ela mesma. - Fox deu o parecer assim que se encontraram. - Está sem qualquer ajuda então não é como se pudesse ficar na área de chegadas e partidas como se fosse seu escritório trabalhando para fazer conexão com um dos portões de Brampton Fort sendo que eles estão todos fechados por ordem do Lorde.
— Ela zerou a segurança do Ministério. - Comentou Draco. - Existem feitiços de proteção que não são desfeitos desde a fundação da instituição. Ela não vai precisar de muito mais tempo para abrir uma chave de portal com um dos portões de Brampton Fort.
Inicialmente, Draco não pretendia descer até o Ministério. Não confiava que Fox fosse conseguir parar Hermione, nem exigia que ele conseguisse, sua ordem havia sido uma mera formalidade. Mandar uma equipe atrás dela para prendê-la era no mínimo uma atitude para satisfazer sua necessidade de ser consistente no modo como conduzia aquela guerra. Fox havia o lembrado de que nunca antes hesitara em tratar como inimigo quem agia como inimigo. Hermione não podia ser uma exceção. Além disso, Hermione era tomada como sua aliada e trazer uma força sua ao Ministério poderia ser interpretado como uma ação prevista. Independente de como tudo aquilo fosse acabar, ele precisava construir todo o tipo de narrativa que fosse.
Acabara por ir até lá pelo suspeitoso modo como Fox vinha reportando suas tentativas de encurralar Hermione. Não porque Fox estava fazendo um trabalho fraco, mas porque enxergara um padrão no mínimo curioso.
— Conseguiu contado com o chefe da guarda? - precisava saber primeiro o exército que estaria enfrentando, além de Hermione.
— Gwendoline? – Fox disse. – Sem sucesso. Ela está mantendo seu papel.
Perfeito. Construía sua narrativa ainda mais. Draco conhecia bem as táticas de organização dela perante a emergências. Havia a treinado.
— Suponho que ela esteja mantendo o máximo de força na área de chegadas e partidas para impedir que Hermione passe pela segurança ou consiga abrir qualquer portal. - disse por alto. Fox assentiu. - E evidentemente tem pedido reforços por estar com o Ministério em total abertura sem os feitiços de proteção. Theodoro Nott não tem gente o suficiente para mandar para os outros fortes e o Ministério ao mesmo tempo. Ou seja, Gwendoline está com pouca força para tomar conta de todo o Ministério. – Hermione havia previsto aquilo, ele sabia.
— Eles estão com menos cabeças do que o normal. Presumo que Nott tenha sacrificado gente da guarda do Ministério mais cedo para mandar para os outros fortes quando eles começaram o movimento de rebelião. – Complementou Fox. Hermione certamente pensara no mesmo. Nott não contaria que qualquer bruxo no mundo tivesse poder o suficiente para zerar as magias de proteção do Ministério.
Draco poderia rir se não estivesse tenso. Nott era mesmo um idiota. A guarda do Ministério jamais poderia ser sacrificada, em momento algum, independente do que fosse. Quem garantia que Draco não tivesse planos de invadir o Ministério? Certo que ele realmente não tinha, mas Nott deveria jogar seguro ao mover tropas. Era um patético amador.
— Aposto que Gwendoline deve estar bem contente com Nott por estar lidando com essa situação agora tendo sua guarda comprometida.
Fox assentiu.
— O Ministério está vazio, a maioria dos departamentos estão com livre acesso e todas as forças estão concentradas na zona de chaves de portal. Cruzei com Gwendoline e não deixei que ela notasse que estamos atrás de Hermione também. - Reportou Fox. Ótimo. Precisava preservar Hermione como sua aliada. - A verdade é que é como se sua mulher estivesse tentando segurar a barreiras de proteção do Ministério, como se estivesse se esforçando para que elas continuem zeradas ao mesmo tempo em que tenta abrir uma chave de portal para Brampton Fort. A guarda de Gwendoline tem segurado bem a passagem dela para a área de chaves de portal, mas Hermione nunca ataca por muito tempo. Ela não consegue fazer muito progresso porque sempre aparata para outro lugar. O único lugar plausível é o andar técnico onde as fontes de magia de proteção estão concentradas. É o único lugar que ninguém tem conseguido entrar. Ela só pode ir para lá numa tentativa de manter a magia baixa. Gwendoline quer deixa-la passar, mas não tem tido tempo o suficiente para ao menos cumprir o papel de que tentou impedi-la.
Draco pensou por um tempo.
— Suposições. - Observou ele. - Ela tem aparatado de um lugar para o outro aqui dentro, assim como todo o resto, e o único lugar em que é vista é quando faz tentativas para avançar na zona de portais. - Certo, Draco precisava ver aquilo com seus olhos. - Não gaste forças com o andar técnico. Tire quem estiver por lá e desça para a área de chaves de portais. Vamos segurá-la lá.
Fox assentiu com certo tédio e seguiu para cumprir a tarefa. Claro que Draco sabia que ele já havia tentado aquilo. O que Fox não estava entendendo era que Hermione não era idiota de não contar com isso. Draco esperava que ela fosse indomável. Não esperava que ninguém fosse segurá-la.
Seus homens não usavam mais máscaras de comensais. Era fácil identificá-los no meio do tumulto quando chegou a área de chaves de portais. A guarda estava se reorganizando ao comando de Gwendoline. Não havia nenhum sinal de Hermione e a única batalha que via era a da guarda em tentar manter a ação de Fox fora dos perímetros. Por mais que detestasse a ideia de precisar se juntar a guarda, era necessário que não tivesse que lutar conta ela e contra Hermione. Era idiota ter dois grupos brigando sendo que ambos tinham o mesmo objetivo. Mas ele ainda precisava de sua narrativa.
As ordens que começou a dar foram altas e claras. Reorganizou seus aliados tomando o comando de Fox. Chamou o máximo de atenção que pode. A guarda reagiu rapidamente apesar de claramente se mostrar confusa por ter o antigo general se envolvendo no meio da massa. O efeito que Draco queria causar logo teve resultado quando Gwendoline tomou a frente tirando sua máscara.
— Uma surpresa te ter aqui, general! - Proferiu a mulher do outro lado do salão de chegada, claramente sendo indireta. Ela queria saber o que estava acontecendo. Bennett certamente havia a informado de que o Ministério estava fora da rota de tomada dos Malfoy.
— Não acredito ser mais o seu general, Gwendoline. - Retrucou e ordenou que seus homens mantivessem a linha ao ver que muitos deles queriam responder o ataque da guarda. Pediu pela barreira de proteção e os aliados ergueram a varinha criando a barreira e impedindo qualquer troca de duelos. – É uma surpresa para mim ver que Theodoro a deixou sozinha para cuidar do Ministério nesse estado com metade da guarda que eu estipulei mínima no meu comando.
— Nada disso estaria acontecendo se você não tivesse traído o Império! - um dos soldados da guarda exclamou por cima dos curtos insultos que estavam acontecendo entre a guarda e seus aliados.
Ótimo. Por causa disso que ele sabia que mesmo que Voldemort caísse, seria uma longa caminhada para limpar o mundo bruxo e dar voz novamente a liberdade.
— Gwendoline, é sempre um prazer surpreender o oponente. - ignorou Draco. – Para mim, se apenas continuar a fazer o seu trabalho, Brampton Fort cairá. – Foi a forma mais discreta de passar para ela que continuasse cumprindo seu papel.
As piadas começaram. Uma ofensa seguida da outra. Draco se manteve quieto enquanto escutava os dois grupos se atacarem verbalmente. Uma briga interna do outro lado pareceu tomar mais corpo quando a comandante pediu para que aquietassem e abaixassem as varinhas. Talvez ela não havia entendido o recado que Draco havia passado.
Quando Fox aparatou com o grupo que trouxera do andar técnico a tensão se intensificou ainda mais. Draco apenas continuou a ordenar que a linha fosse mantida e o barreira erguida.
O salão precisa ser fechado. - Draco pensou alto apenas para Fox. - Se erguerem barreiras físicas em volta das partes aberta do salão será mais fácil confinar um feitiço básico de antiaparatação. Irá contê-la por um tempo a mais.
— A guarda irá precisar fazer o mesmo do lado dela. - Fox disse parecendo duvidar que eles fossem considerar contribuir. – Irão notar que estamos com o mesmo objetivo. Não irá fazer sentido estar contra nós mesmos.
Draco precisou pensar. Não queria que fosse hora de Brampton Fort ainda, mas deixar que Hermione seguisse com o que quer que tinha em mente, soava como a melhor rota. Ele não iria querer gastar energia e força teimando com ela e Hermione certamente estava contando com o mesmo.
— Eles têm mais a ganhar capturando Hermione. - Foi tudo que disse, embora duvidasse muito que tantos seus aliados quanto a guarda fossem sequer conseguir pará-la.
Ele começou a pensar em dar a ordem de recuar, mas Hermione apareceu antes mesmo que ele tivesse a chance de lançar qualquer ordem. O caos se instalou com muita rapidez. Draco teve que gritar alto para que a linha fosse mantida e que eles recuassem. Avançou com sua varinha abrindo caminho por entre o esforço de seus aliados.
Os cabelos dela balançavam ferozmente enquanto tentava se proteger e abrir caminho para dentro da zona de chaves de portais protegida pela guarda. Draco apenas observou quando um alerta acendeu imediatamente em sua cabeça.
Queria chegar até ela. Era só isso que queria. Queria olhar nos olhos dela. Mesmo que fosse por apenas um segundo. Era apenas isso que ele precisava. Suou com toda a sua habilidade ao cruzar o campo minado que se instalara naquele salão e mesmo não conseguindo estar tão perto quando queria, numa das tentativas de se proteger do ataque da guarda, Hermione colocou os olhos sobre ele. Foi rápido. O que Draco esperou foi que ela hesitasse, que ela o reconhecesse, que ela reagisse. Mas nada daquilo veio. Os olhos dela passaram por ele como passaram por todos os outros. Era como se fosse um completo desconhecido. Ela agia como um robô. Lutava sozinha usando uma bolha de proteção que parecia quase impenetrável.
Draco parou. Foi como uma facada em seu estômago. Nada fez sentido em sua cabeça por um bom tempo e ele só reagiu porque não cederia a guarda.
Recuou.
Sentiu quase que uma dor física ao engolir a indiferença dela. Observou o caos se desenrolar. Hermione sabia duelar como ninguém. Sua cabeça esvaziou ao observar aquilo não querendo lidar com a frustração de sua expectativa.
Foi quando percebeu que Hermione não estava realmente duelando. Sim, ela resistia aos ataques, mas era evidente que só não estava fracassando terrivelmente porque parecia coberta por algum tipo de proteção impossível de se desfazer. Aquele alerta em sua cabeça começou a fazer mais sentindo, principalmente quando ele notava o modo como ela se movia, se portava, se apresentava.
Procurou por Fox. Ele tentava administrar os bruxos proferindo magias para controlar o campo que separava a guarda dos aliados. Gritou a ordem para que seus homens se organizassem na clássica formação de recuo. A guarda respondeu quando Gwendoline gritou uma ação de ataque, dividindo o grupo já pequeno entre Hermione e os aliados de Draco.
— Fox! - Pegou a atenção do homem. - Ela não está duelando. - Observou.
Fox focou-se no olho do furacão.
— Sim, ela está. - Retrucou ele não entendendo o comentário.
— Não, Fox. Ela não está. Hermione esteve em linha de frente da Ordem por anos contra nós. Observe o que ela está fazendo agora.
Fox prestou mais atenção.
— Ela não está sendo tão incisiva. Talvez esteja guardando energia. Precisa de mais espaço para elaborar uma estratégia para passar a guarda e conseguir abrir um portal.
— Não. - O cérebro de Draco trabalhava mais rápido do que ele conseguia verbalizar ou até mesmo acompanhar. - Hermione está sendo bem idiota no que está fazendo. Ela nunca irá passar a guarda sozinha assim. É impossível abrir uma chave de portal no caos que esse salão está e ela não está duelando para acabar com ninguém. Ela mais procura se proteger do que atacar. - Fox o encarou com um grande ponto de interrogação estampado em sua expressão. - Hermione não é burra! - será que ele não via?
— Sei disso. - Foi tudo que o homem disse.
— Fox! Não é ela! - não era possível que ele não havia enxergado isso. Fox mostrou-se imediatamente em alerta. Com um apurado senso crítico ele observou. - Ela está se protegendo. Atacando para se manter de pé. Quando some é para se recuperar. E veja só a performance que está dando. É automática, impulsiva, pouco calculada, reflexiva. É como se estivesse....
— Sobre a maldição Imperius. - Concluiu Fox. Mostrou-se rapidamente inquieto. – E alguma forte magia de reflexão de imagem ou distração. – Era inegável que não se parecesse com Hermione. - Precisamos juntar as forças. Se conseguirmos passar a barreira de proteção sobre ela podemos revelar quem é.
— Não. - Draco o repreendeu rapidamente. - Não vamos revelar quem é. Ela está ganhando tempo fazendo todos acreditarem que está aqui tentando abrir um portal para Brampton Fort pela zona de chaves de portais. - Ele sabia que Hermione não era burra. Ela era estupidamente inteligente. Tinha que fingir jogar o jogo dela. - Passe o comando. Coloco nossos homens para tentarem abrir espaço para Hermione. Isso vai garantir a guarda de que ela não está agindo de modo independente. Você vai descer comigo até o Departamento de Mistérios.
Fox tratou de seguir as ordens. Passou o comando e seguiu Draco. No caminho a única janela que mostrava a vista de Londres dezenas de andares acima de suas cabeças dava sinais de que a manhã raiaria em algumas poucas horas.
A força concentrada no salão das chaves de portais deu quase um caminho livre para o Departamento de Mistérios. A entrada estava guardada por um grupo de comensais mascarados que se mostraram claramente sob a maldição Imperius. Deixaram que Draco e Fox passassem sem maiores complicações. Mais um sinal de que aquilo era obra de Hermione.
Draco já havia elaborado o sistema de segurança para o local com a ajuda de inomináveis há anos atrás. Conhecia bem a disposição das salas embora a existência delas fossem sempre uma grande questão, até mesmo para os inomináveis. Sabia exatamente onde queria ir e tomou o caminho para descer até onde a véu falsificado estava. Encontrou-o como deveria estar onde deveria estar, porém logo atrás, a gigantesca e cavernosa parede parecia terrivelmente distorcida e deformada. Aproximou-se com cuidado e quase que com receio, depois de demorar um tempo analisando, ergueu as duas mãos para tocá-la. Como o esperado, suas mãos passaram a parede, que se mostrou permeável como água. No momento em que sua mão vez movimentos tentando avaliar a extensão do portal, o caminho que sua mão fez abriu uma vista para o centro de Brampton Fort que logo se dissipou novamente mostrando a parede. Fez um movimento mais brusco e dessa vez teve uma visão maior.
Quase riu.
— Hermione o deixou aberto. - disse.
— O que isso significa? - Fox perguntou.
— Significa que ela está esperando por nós lá. O portal está aberto pra passarmos. Espaço o suficiente para o exército inteiro. - Soltou o ar querendo passar a mão pelo rosto e puxar os próprios cabelos. - Ela usou a magia remanescente do arco impregnadas no ar e nas paredes desse espaço para abrir um daqueles portais que a Ordem usou por um bom tempo, especialmente no episódio de York. Trancou o andar técnico para que ninguém reativasse a segurança do Ministério e o portal fosse fechado. Lançou a maldição Imperius sobre um dos soltados da guarda revestindo o reflexo dela nele para convencer de que está tentando abrir espaço entre as chaves de portais para chegar a Brampton Fort quando na verdade ela já estava lá. E talvez já deva estar faz um bom tempo.
Fox soltou um palavrão. O silêncio se estendeu por alguns segundos.
— E quais são as ordens? – Fox o quebrou.
Draco ainda não queria acreditar.
— Ela nos comprometeu. - disse. - Sabe o que isso significa.
Fox pareceu hesitar.
— Vamos atacar Brampton Fort hoje. - Era o que significava.
Draco soltou o ar. Definitivamente não queria aquilo. Mas assentiu.
— Junte as forças. - Ordenou. - Todas.
Hermione Malfoy
Era alto na madrugada quando finalmente fez seus saltos pisarem o piso de pedras ladrilhadas do centro de Brampton Fort. Todos estavam dormindo. Estava escuro. A manhã estava longe de se mostrar. Não havia quase nenhuma guarda na rua. Exatamente como ela previa. Com os ataques nos Fortes, Theodoro usaria de todas as forças disponíveis para agir, ainda mais tendo uma demanda tão escassa de exército.
Havia sido difícil driblar a guarda do Ministério sem sair das sombras. Gastou um bom tempo para conseguir zerar toda a segurança e arrumar um jeito de manter o andar técnico inacessível. Mas quanto mais ela quebrava os limites de sua própria habilidade, mais fácil era vencer o próximo desafio e mais claro enxergava seus objetivos.
Encarou a imagem da Catedral logo no fim da avenida do centro. Imponente. Medonha. E completamente frágil. Seus membros quase formigavam com a vontade de encontrar uma forma de fazer aquele lugar explodir. Era incrível como tudo em sua mente parecia possível agora. Sabia que tinha suas limitações, mas era como se tivesse algo dentro dela discursando de que era capaz de romper suas limitações. Estudara meses para conseguir produzir a magia que colocara em volta da casa dos pais de Harry anos atrás, por muito tempo considerara aquilo um dos seus grandes feitos. Se aquela Hermione visse a que acabara de desligar todo o sistema de proteção do Ministério, conseguira refletir sua imagem sobre um dos soltados da guarda, extraíra a poderosa magia remanescente de um objeto que não se fazia mais material para abrir um portal e agora pisava em território inimigo revestida de magia de distração para não ser reconhecida, certamente aquela Hermione iria rir por achar que era tudo uma grande encenação.
Fechou a longa capa que pegara de um dos guardas do Ministério e cobriu-se com o capuz avançando pela rua vazia, escura e silenciosa camuflando-se no escuro da noite. Seu coração estava cheio de ódio por estar naquele lugar novamente. Embora tivesse criado uma história ali e aprendido a enxergar um lar nas terras de Brampton, era como se houvesse um filtro em seus olhos e ela só conseguisse enxergar vingança. Não precisava de uma profecia. Não estava presa a uma. Tinha nela o sangue de Morgana. Se era capaz de ser metade da bruxa que Morgana havia sido, não precisava de ninguém além dela mesma para derrubar Voldemort, derrubar aquela ditadura, destruir seus inimigos e aqueles que entrassem em seu caminho. Ela já havia comprometido demais, esperado demais, sido manipulada demais, colocado demais em jogo, perdido demais, sofrido demais.
Se Voldemort tivesse um dia pensado que seria capaz de fazê-la de fantoche pra sempre, ele estava enganado. Se um dia tivesse pensado que poderia simplesmente usar seu filho para manipula-la para tê-la por perto como um perigoso inimigo bem domado, ele estava muito iludido. Não ousava dizer que não havia sido uma boa estratégia e que a fizera jogar o jogo dele por muito tempo, mas ninguém nunca mais teria o poder de manipulá-la daquela forma. Nunca mais. Iria certificar-se que nunca mais sequer alguém ousasse. Tinha muito mais força do que o mundo bruxo inteiro unido. Seus filhos tinham. Scorpius tinha. Muito mais que ela ainda. Escutava tudo aquilo como se fosse um sussurro constante em seu ouvido.
Quando seus pés pisaram no pátio principal da Catedral ela entendeu o impacto do que Draco estava fazendo com os outros fortes. Haviam somente dois guardas. Dois! A equipe que revezava guardando a entrada principal era um time de mais de quarenta comensais. Dez era o mínimo que sempre deveria estar em posto.
Não foi reconhecida quando passou para o lado de dentro. Assentiu para os dois guardas quando passou por eles e apenas recebeu de volta um estranho olhar e uma confirmação confusa. Exatamente como faria se nada tivesse acontecido. Ela era boa com magia. Era muito boa com magia.
Sabia onde Narcisa estava, sabia onde Scorpius estava. Mas ele seria o seu prêmio quando vencesse primeiro o seu desafio. Não estava ali para pegar seu filho de volta apenas. Estava ali para destruir a ameaça. Uma que só ela podia destruir. Uma que só ela merecia destruir. Ela queria se deliciar com o sabor de ver o fim de tudo aquilo vir pelas suas mãos.
Seus pés a levaram exatamente para a sua primeira parada. A torre de Lorde Voldemort ficava em uma ala muito restrita, muito bem protegida e muito bem elitizada. Toda a corja que sentava nos altos patamares do trono tinham apartamentos por ali. A catedral havia sido a primeira locação protegida de Voldemort em Brampton Fort. Seus principais aliados haviam saído dali a medida que a cidade foi se fazendo e expandindo.
Hermione nunca visitara os aposentos oficiais dos Malfoy ali, mas conhecia bem a disposição e onde ficava o que. Não estava procurando pelos apartamentos da família de seu marido. Sua primeira parada ficava próxima a subida para a torre de Voldemort, quase ao lado dos aposentos Malfoy. Tinha um sobrenome que incitava o ódio e o desprezo. Severo Snape. O homem que havia se tornado tão ruim quanto Voldemort.
Foi extremamente cuidadosa ao movimentar-se pela Catedral. Por mais que estivesse revestida em distração, era suspeito ter alguém perambulando no meio da noite provocando confusos olhares. Por mais que a guarda estivesse ridiculamente baixa, ela ainda era cuidadosa. Não precisava que alguém a reconhecesse para terem a iniciativa de pará-la. Assim que chegou perto da torre de Voldemort, começou a se esquivar procurando as sombras que as tochas nas paredes não eram capazes de iluminar. Tudo parecia muito vazio, abandonado. Ela conseguia sentir a tensão na cidade em todo o lugar. E quando tentava respirar fundo e concentrar-se na concentração de magia de todo o espaço, ela conseguia sentir o quanto as terras de Brampton estavam fragilizadas pela falta dos Dementadores. Era sensível ao peso da maldição naquele lugar como nunca antes fora. Seus sentidos estavam extremamente aguçados.
Avançou com cuidado, mas precisou se jogar rapidamente nas sombras quando escutou de longe uma troca de argumentos. Hermione não se arriscaria aproximar-se, mas fechou os olhos, concentrou-se e por baixo de sua respiração pronunciou um feitiço para expandir sua audição. Precisou se concentrar ainda mais quando reconheceu a voz de Snape.
— ...Draco não iria avançar com toda força contra o Império de uma vez, Mestre. Tenho estudado a estratégia dele por anos! Confie em mim. Tenho sido os seus olhos por muito tempo. Não errei quando disse que Hermione seria a única mulher por quem Draco poderia ter alguma chance de se apaixonar. Não errei quanto a descendência dela. Não errei quanto aos benefícios que isso poderia trazer para o seu império. Não errei quando disse que Lúcio iria encher os olhos com a chance de fazer a linhagem dele ser mais do que já era. Não errei. - Snape era incisivo.
— Errou quanto as ambições de Draco! Errou quando duvidou da traição dele. - Voldemort não carregava um tom irritado, mas extremamente ameaçador.
— Não podia ter contado com a queda de Lúcio, mestre. Teria sido diferente com Lúcio de pé! - Snape justificou-se. - Mas posso certifica-lo que os Malfoy ainda são maleáveis e domináveis enquanto oferecidos poder.
— O que tem te faltado enxergar é que os Malfoy não querem poder, Severo. Conheço ambição melhor do que qualquer um. Os Malfoy querem ser o poder, querem estar acima dele, querem dominá-lo, não querem apenas possuí-lo. Eles vêm tramando a ascensão da família por mais tempo do que imagina e a rebelião de Draco é um exemplo de que vão se aproveitar do meu Império para isso e não duvido que isso tenha estado na pauta da família desde quando juraram lealdade a mim pela primeira vez.
— Do que interessa realmente? Conseguiu usá-los tempo o suficiente para montar seu Império. Acredite, Draco irá recuar mais cedo ou mais tarde com medo de que a sua figura assuma a linha de frente do exército. Ele não quer que faça isso. O mundo sabe que no momento em que tomar a posição de Theodoro, até mesmo aqueles que se aliaram a rebelião dele vão entrar em dúvida. O mundo teme que tome a frente novamente. Todos eles se lembram dos primeiros anos de guerra. E deve se lembrar de que ele está tentando assustá-lo. Mostrar que não se importa, que não tem medo, que sabe lidar com as ameaças, mas a verdade é que ele pode derrubar o Império mas você ainda terá nas mãos a única chance do nome Malfoy sobreviver as próximas gerações. Você ainda tem a mãe dele. O pai. Sobretudo, o filho! Tudo que ele tem é a mestiça que carrega a maldição de Morgana e a menina que não vale de nada para a linhagem dele. As duas são um peso. Deve confiar que ele irá pensar mais como um Malfoy e com as responsabilidades que vem com isso do que como o pai de família que ele pensa que quer ou que pode ser. Ele não vai sacrificar o filho sabendo Hermione Malfoy não pode produzir mais nenhum outro para ele.
— Ele não é idiota, Severo. Ele tem uma estratégia!
— Ele também tem limitações. Sabe que não está acima de você, Lorde, mesmo tendo o exército que for. Aquela poção é incerta, pouco aperfeiçoada, não tem longa duração. Draco está improvisando mais do que ele queria poder estar. Deixe Theodoro ter tempo de tomar o controle dos fortes. Brampton Fort ainda segurará por tempo o suficiente. O mundo precisa saber que confia na autossuficiência do sistema que criou. Isso é só mais uma prova, mestre.
— Brampton Fort está fraca. Sem os Dementadores por tanto tempo a locação já deixou de ser impenetrável e invisível. A maldição já está dando seus sinais faz um bom tempo e nós todos vamos ser engolidos.
— Brampton Fort irá segurar. A maldição não tocaria um líder a sua altura. O movimento de Draco irá morrer. Hermione Malfoy irá encontrar sua instabilidade mais cedo ou mais tarde. Quando ele fracassar, poderá fazer com ele o que bem entender. O terá em suas mãos como nunca e os Malfoy irão se refugiar novamente na fortuna que possuem para garantir que você não os destrua. Terá todo o poder dos cofres deles, inclusive da pedra de Merlin. Sempre quis isso, mestre.
— Admiro o seu cérebro, Severo. Mas devo lembrá-lo de que também serve de uma boa refeição para Nagini. Espero que nem mesmo cogite imaginar a punição que receberá se um dia ele me falhar.
— Mestre. Sabe que sou o mais fiel de todos. Me importo com seus interesses mais do que qualquer outro de seus servos. O dia em que meu cérebro falhar, irei ser o primeiro a me punir antes que permita que dê a mim o fim que merecerei pelas suas mãos.
— Não acredito em nenhum desses discursos. Nagini descerá para lhe fazer companhia quando eu julgar que sua mente precisa ser refrescada.
— Sim, mestre. - Snape respondeu.
Hermione escutou uma porta bater não muito tempo depois. Considerou que Voldemort havia acabado de prestar uma visita a Severo Snape. Ainda com sua audição em expansão, monitorou os passos de Voldemort e os rastros de sua cobra subindo para sua gloriosa torre. Torceu para que Voldemort não voltasse a pensar em Snape pelo resto daquela madrugada.
Recuou com sua audição e seguiu seu caminho, a porta bem ornada dos aposentos de Severo Snape não estava muito longe e assim que conseguiu ficar de frente para ela, seu coração ardeu com a vontade do que estava por vir. Ela saberia se deliciar. Tinha sede de poder se deliciar com o que estava por vir. Sussurrou o feitiço certo para destravar a porta dele e ela abriu devagar e silenciosa diante de seus olhos. Fácil.
Passou para o lado de dentro preparada para receber a reação dele, mas Snape estava de costas organizando o que parecia ser sua estante de amostras numa antessala que se abria logo que se entrava em sua locação na Catedral. Ela aproveitou que ele não a notara como intrusa e levantou uma magia de confinamento no perímetro para que nem a voz dela nem a dele por mais alta que fossem escapasse as paredes daquele espaço.
Irritou-se com a demora dele em sequer desconfiar que seus aposentos não poderiam ser uma fortaleza que ela acabou por segurar a porta atrás dela e batê-la para chamar atenção.
Snape virou-se sacando sua varinha e deixando algum de seus frascos irem ao chão. Hermione conseguiu ordenar que a varinha dele voasse para longe sem nem mesmo precisar empunhar a sua. Despiu-se do capuz e ele ficou extremamente confuso. Ela precisou apenas usar a boca para proferir os feitiços certos fazendo as mãos dele grudarem abertas sobre a mesa que havia entre eles. Snape tentou movê-las, mas estavam longe de seu controle. Hermione ordenou que uma cadeira fosse puxada por trás dele o obrigando a sentar-se. Logo também imobilizou os pés dele prendendo-os ao chão. Ele não tinha para onde ir.
Céus, já estava se deliciando.
— O que foi, professor? Nunca viu uma magia de distração com esse nível de complexidade? - fez sua voz soar.
O olhar dele mostrou como sua mente conseguira clarear ao ouvir a voz dela.
— É você. - Reconheceu ele. - Demorou mais do que eu imaginei para me prestar uma visita. - Usou aquela voz que não demonstrava qualquer emoção embora soubesse que ele estava receoso.
Hermione desfez a magia de distração que a envolvia. Puxou uma cadeira e sentou-se do outro lado da mesa. Civilizadamente, cruzou as pernas mantendo sua perfeita postura.
— Estou desapontada que nem mesmo medo sou capaz de encarar nos seus olhos. Não o surpreende que eu esteja aqui e você não esteja ouvindo os disparos dos canhões alertando intrusos?
— Não tenho dúvidas sobre suas habilidades. - Foi tudo que ele respondeu assumindo sua comum inexpressividade tediosa. - Ainda mais agora que sabe do que pode ser capaz. Consegue se conectar com muito mais clareza, não é mesmo?
Hermione teve ainda mais raiva e nojo da forma como ele queria se mostrar inabalado, mesmo estando imóvel como estava.
— Gostaria de saber o que está se passando pela sua cabeça ao me ver aqui. Porque honestamente, se está tentando se mostrar indiferente com a minha presença, certamente tem me surpreendido.
— Quer respostas. Sempre imaginei que um dia bateria em minha porta pedindo por elas. Demorou mais do que eu esperava. E devo confessar que não pensei que pudesse ser nessas circunstâncias. Se acha que tenho medo por estar sendo agressiva, sim eu tenho, mas sei que tenho suas respostas e sei que as quer, então não estamos longe do desequilíbrio. Estou apenas esperando que faça as perguntas certa.
Hermione forçou um sorriso. Ele estava sendo bastante ingênuo.
— Você só pode estar se fazendo de idiota, professor. Não deve estar mesmo pensando que isso aqui será uma entrevista civilizada tendo plena consciência de que o buraco em que estou agora é resultado da sua língua venenosa nos ouvidos de Voldemort. - Ela se levantou e caminhou calmamente para trás do homem enquanto continuava seu discurso. - Vendeu o meu sangue como se fosse seu. Negociou o meu e o do meu filho. Eu teria aceitado a morte mais facilmente do que aceitei me casar com Draco, fazer um filho com ele e dá-lo nas mãos de Voldemort. Sua língua venenosa me colocou dentro de uma família que pretendia acabar comigo depois de ter sua linhagem modificada as minhas custas. Me colocou numa família que não pode me aceitar. Numa família cujo o artefato mais importante, o que mais os representa, e o é reconhecido por protege-los, rejeita o meu sangue. Acaso sabia que não posso pegar a pedra dos Malfoy? - abaixou-se levemente trazendo sua boca ao nível do ouvido dele enquanto esticava a mão e pegava o afiado abridor de cartas pousado sobre um livro na organização metódica daquela mesa. Severo começou a se mostrar inquieto, exatamente como ela queria. - De quem acha que eu me lembrava quando via todo mês uma equipe do St. Mungus chegar em minha casa a mando da Catedral para furar o meu minúsculo e indefenso recém-nascido para lhe tirar mais litros de sangue que seu corpinho podia segurar? - ela sentiu seus dentes quererem ranger ao se lembrar de todas as vezes em que se sentira inútil ao assistir seu filho chorar, gritar e soluçar inconsolável durante aquelas longas sessões. Ela queria ver Severo sofrer pior. - Eu sei que todas aquelas exageradas amostras eram mandadas direto para o seu estoque onde podiam ser cozinhadas com o uso da magia mais ilícita possível pelas suas preciosas mãozinhas! - desceu o afiado abridor de carta contra uma das mãos dele colada à mesa. O grito do Homem foi alto e choroso quando ele se contorceu em sua cadeira impossibilitado de mover-se mais. Hermione apenas aumentou seu tom de voz. - Não pense também que não sei que é o responsável pela criação das maldições que fazem de mim incapaz de produzir mais filhos. O responsável por ter colocado em minha comida o veneno que matou minha primeira filha. O que tem convencido Voldemort a matar a irmã de Scorpius. E o que o incentiva a me eliminar por ser uma demasiada ameaça ao controle dele. Acredita mesmo que não sei ligar os pontos? Pode gritar o quanto quiser. Ninguém irá escutá-lo.
— Você não ousaria me matar! - Snape quase gritou, quase urrou, quase rangeu em sua tentativa de dizer aquilo por entre seu sofrimento.
— A morte é banal demais para o que você merece. - Ela segurou novamente a ponta do abridor de cartas e puxou para fora da mão de Snape fazendo com que mais sangue escorresse e pingasse. O homem urrou mais arqueando-se em extrema dor. - Tenho bastante consciência que pode me responder várias perguntas que carrego. Mas não pense que irá respondê-las desfrutando de todo o conforto dos seus aposentos. - brincou Hermione saboreando-se da dor dele. Voltou-se para a estante atrás dela. Procurou por Veritaserum. - Estou certa de que pode se acostumar o suficiente com a dor para poder mantermos um diálogo.
— Acredite, não é um bom negócio por em prática as habilidades de tortura que aprendeu com seu marido trabalhando no departamento dele esses últimos anos. - Severo sofreu para dizer.
Hermione riu. Deu a volta na mesa, sentou-se do outro lado exatamente como antes, cruzou a perna e colocou a pequena amostra de Veritaserum sobre a mesa entre eles.
— De que forma você se acha válido para mim? De que modo espera que eu prefira não acabar com sua vida hoje? - perguntou curiosa.
— Eu sempre sou aliado de quem tem mais poder. Lúcio saberia o valor que eu poderia ter para a família Malfoy.
— Não sou Lúcio Malfoy. E de que habilidades está falando? Só porque consegue ser um dos maiores mestres de poções da última década não significa nada. Ou acaso está se referindo a suas habilidades manipuladoras? Até mesmo Voldemort, que lhe dá ouvidos, reconhece o veneno que pode ser para o Império dele. Deve me desculpar, professor, mas para mim, vê-lo morto tem mais valor do que o que quer que possa me convencer de que é útil.
— Eu posso te ensinar.... - Ele sofria. - Te ensinar a controlar a alma de Morgana em você.
Hermione se calou ao processar aquilo. Sim. Ela queria coletar aquele tipo de informação. Empurrou o vidro de poção para ele e fez com que sua mão saudável o segurasse.
— Beba. - Ordenou.
— Sabe que Veritaserum pode ser manipulável, não sabe? - Ele jogou.
— Confie em mim. Tem uma distração maior para lidar agora do que vencer os efeitos da poção. - Ela se referiu a mão ferida e ensanguentada sobre a mesa.
Sabia sim que Veritaserum poderia ser resistida, principalmente quando a vítima tinha consciência de que estava a ingerindo. Mas mesmo assim, Hermione conhecia as propriedades da poção e o poder da indução a verdade a ajudaria, além do mais, sabia que a dor na mão ferida dele roubaria muito de sua atenção ao tentar resistir a poção. O que ela precisava mesmo era de uma ajuda extra para controlar a língua manipuladora de Severo Snape.
— Sei resistir bem a essa poção...
— Não tire mais da minha paciência, professor. Fiquei tempo o suficiente no Departamento de Draco para saber como fazer alguém beber uma poção contra a própria vontade. Não me faça ter que usar de uma dessas técnicas em você.
Severo Snape mostrou-se inconformado. Mal parecia estar se aguentando. Entre suas respirações pesadas e gemidos, arrancou a rolha do frasco com os dentes e bebeu o líquido.
— Terá que me dar algo para dor. Não posso pensar nesse estado. - Seu rosto mostrava ódio agora.
Hermione mostrou o frasco que estava em sua outra mão. Não era nenhuma poção que acabaria com o sofrimento dele, mas era uma erva que certamente iria o trazer algum tipo de alívio para aguentar o estado em que ela deixara a mão dele.
— Primeiro terá que provar que merece essa ajuda. - Tornou a esconder a frasco em sua mão. Ajeitou sua postura. - De que modo desconfiou que eu poderia ser descendente de Morgana quando ainda era sua aluna em Hogwarts? - começou seu interrogatório.
— De que modo você não desconfiou de que era uma? - ele rebateu. - Para alguém que gostava de exibir o talento que tem e também a brilhante mente sabe-tudo, me surpreendia que você não desconfiasse de si mesma.
— Eu era uma bruxa. Todas as minhas desconfianças sobre mim mesma foram sanadas quando Minerva bateu na porta dos meus pais quando completei onze anos. Sempre perguntei a ela durante anos o por que a magia parecia vir a mim com mais facilidade e ela sempre me respondeu com um bonito discurso de que eu me empenhava para dominá-la. Sempre fui dedicada, esforçada, curiosa. O discurso de Minerva era de que magia pressentia o respeito que eu tinha por ela, dessa forma fluía por mim com mais liberdade. - Hermione mal conseguia acreditar que vivera por tanto tempo em um mundo de flores e primavera, e que aquele discurso um dia para ela lhe fizera todo o sentido.
— Minerva sabia quem você era. - Ele sofreu para dizer. - Ela foi quem me procurou nos seus primeiros anos de escola para expor a desconfiança de sua linhagem.
Hermione ficou em silêncio ao sentir um amargo no fundo da garganta por nunca ter ouvido de Minerva qualquer mínimo detalhe sobre quem verdadeiramente era. Sobre seu passado. Sobre aqueles que vieram antes dela. Tivera o maior respeito e admiração pela professora por anos.
Irritou-se com o modo como Snape audivelmente expressava a dor em sua mão. Soltou o frasco de vidro sobre a mesa permitiu que ele o pegasse. Snape rapidamente bebeu da poção com sede por alívio, por mais mínimo que fosse.
— Continue. - Ela exigiu assim que o efeito da poção o ajudou a conseguir controlar mais sua respiração.
Snape tomou mais algum tempo para se recompor e depois continuou:
— Ninguém como você passou por Hogwarts antes. Todos os professores desconfiavam do seu talento, mas depois que o burburinho entre os professores começou a ficar sério, Minerva logo escondeu sua figura atrás de como você se dedicava de um modo que nenhum outro aluno havia se dedicado antes. Fui curioso mais do que os outros, porque percebi que Minerva estava te escondendo por ter descoberto algo. Ela quem fez todo o trabalho de ir atrás de seus pais, de perceber que a memória dos dois haviam sido alteradas para acreditarem que você era filha deles, no lugar da morta que haviam perdido no hospital. Foi ela quem conseguiu rastrear como você foi parar nas mãos de quem a criou. Isso a levou até os Malfoy, justamente porque sua mãe verdadeira estava fugindo deles antes de te entregar. Ela logo percebeu o perigo que isso representava para você. Mas porque ela foi atrás dos Malfoy cavando sua história, eles souberam da sua existência muito cedo. O diário amaldiçoado que abriu a câmara de Slytherin no seu segundo ano deveria ter ido parar no seu caldeirão, não no de Gina Weasley. Lúcio queria vê-la reagindo a maldição do diário para que pudesse confirmar suas suspeitas. Ele preocupou-se com a atenção que Draco te deu desde cedo educando-o a olhá-la com preconceitos. Preocupou-se com a sua aliança a Harry Potter. Mas por muito tempo você foi só uma desconfiança dele. Até que quando o Lorde das Trevas voltou, ele revelou que através da maldição do diário, recebeu a mensagem do Basílisco sobre uma mestiça de sangue superior. Apenas liguei a informação dele a você. Nessa altura eu já havia sido seu professor por tempo o suficiente para ter certeza de que nenhum bruxo, por mais estudioso e dedicado que fosse, podia ser capaz de dominar magia como você era capaz. Lúcio entregou a peça que faltava para montar o quebra-cabeça e a partir daí eu fui quem soube salvar seu pescoço se quer mesmo saber. Por que fui eu quem te estudou, eu quem soube convencer Voldemort que a ameaça que você era podia ser controlada e explorada. Eu quem convenci Lúcio de que seu sangue poderia transformar a linhagem dele, sem os custos tão sérios que ele imaginava. Portanto, se está viva hoje, deve isso a mim. - Findou ele.
Ela estreitou os olhos.
— Eu tenho vivido um inferno por sua causa e ainda espera que eu seja grata por isso? - Ainda não conseguia acreditar que dificilmente ele poderia estar tentando manipulá-la com aquele discurso.
— Te estudar foi uma das coisas mais fascinantes que fiz. Eu sei o que é, sei o que pode ser. Sei exatamente os estímulos que precisava para conseguir potencializar toda a capacidade que carrega no sangue. Eu tirei a corda de seu pescoço e te coloquei num lugar de acessão. Você nunca almejou poder, e eu sei que agora mais do que nunca, isso é tudo pelo qual mais almeja. Não estou certo?
Sim, ele estava. Ela queria todo o poder do mundo para acabar com pessoas como ele, como Voldemort, como o Império. Queria todo o poder do mundo para que ninguém nunca mais pisasse nela como haviam pisado.
— Não me diga que estava esperando que eu destruísse Voldemort, assumisse o Império e te agradecesse no final, estava?
— Bem. Não precisa necessariamente me agradecer.
Ela teve que rir.
— Você é mesmo inacreditável. - Teve que dizer.
— Não minta para você mesma. - Ele se irritou. - Você sabe que existe uma parte sua que quer o lugar do Lorde. Uma parte sua sabe que ocuparia o lugar dele melhor do que ele. É o que Morgana iria querer e você está cada vez mais se conectando a ela! Uma parte sua considera estar acima de tudo e de todos. Seria uma posição que qualquer um que a desejasse, pensaria mais de mil vezes antes de ir contra você. Você sabe que é poderosa. Consegue sentir isso nas suas veias cada vez mais forte, mais apurado. Sabe que está acima do Lorde das Trevas. Se sente cada vez mais forte. Quanto mais se reconhece como quem é, mais forte fica, mais fácil consegue manipular magia, mais rápido consegue agir, desafiar limites, vencer desafios. Consegue ouvir a voz dentro de você, como um instinto, te direcionando para assumir aquilo que está destinada a ser. Não fuja.
Como ele sabia de tudo aquilo?
— Eu apenas quero aqueles que me ameaçam mortos. - Soltou com os dentes travados.
— Não seja hipócrita. Sabe que não é só isso que quer.
— Não sabe nada sobre mim.
— Sei muito sobre você. Sei sobre a Hermione Granger. Metida a sabe-tudo, orgulhosa, prepotente. Desde cedo sempre soube que era melhor do que os que estavam ao seu redor. Sei sobre a Hermione Malfoy. Ainda mais orgulhosa, mais severa, firme, impenetrável. E sei muito sobre Morgana. Assustadoramente poderosa. Inatingível. Ambiciosa. Eu sei que o que está destinada a ser.
— Como pode ter tanta certeza daquilo que realmente quero?
— Porque um pedaço da alma de Morgana tem passado de descendente em descendente até você. Morgana foi a única bruxa que ao se ver derrotada, conseguiu dividir sua alma antes do fim para poder viver naqueles que carregavam seu sangue e um dia poder se vingar. - Ele disse e Hermione sentiu seu estomago pesar. - Sua linhagem mal sobreviveu. Se esconderam. Nenhum deles foram parar em Hogwarts, alguns se fizeram de aborto. Se misturaram entre os trouxas. Fugiram da caçada dos Malfoy por anos. Deram as costas a magia. Aprenderam que quanto menos tivessem conhecimento sobre tudo que envolvesse magia, melhor. Você é a última deles. Sua mãe morreu pelas mãos de Lúcio mal sabendo verdadeiramente o que era, quem era, do que era capaz.
— Está tentando me convencer de que sou uma Horcrux?
— Não preciso te convencer de nada. Sabe melhor do que eu sobre o instinto dentro de você.
— Nenhum bruxo jamais conseguiu dividir sua alma. A possibilidade de produzir Horcruxes sempre foi mais um mito do que uma realidade. – Ela mesma sabia que Voldemort tentava fazer o mesmo desde a adolescência e era a prova viva de que Horcrux era uma lenda. As tentativas incessantes e frustradas mostravam-se aparente na desgastável figura ofídica que verdadeiramente era. Se as habilidades dele não eram suficientes, se os sacrifícios do empenho dele não eram, talvez a de nenhum bruxo fosse.
— Morgana conseguiu. E fez tão bem e com tanta destreza que colocou sua alma no gene de sua herdeira, de modo que fosse passado de um para o outro. Multiplicando-se. Uma pena que os Malfoy tenham feito um trabalho tão bom em caçar cada um deles através dos anos que você tenha sido a única de pé. – Ele anunciou.
Hermione calou-se. Precisou de tempo para digerir aquilo. Sabia o que eram Horcruxes, sabia o que significavam. Era assustador pensar nas consequências de ter o conhecimento daquilo. Poderia até mesmo chorar ao ver o quanto sua própria alma estava comprometida. O problema é que nela já não havia mais nenhuma lágrima. Tudo era deserto.
— Estavam destruindo o reino dela quando a mataram. O império que ela construíra. – Hermione pensou alto. – Dividiu sua alma e colocou um pedaço em busca de vingança em cada um daqueles que vieram depois dela carregando seu sangue. – Era incrível como a aquela lógica fluía de dentro dela, e não da boca de Snape tentando esclarecer sua procedência. – É por isso que dar espaço ao meu espírito vingativo me faz querer poder? Me ajuda a produzir magia avançada com facilidade? Quanto mais eu der espaço a alma dela que há em mim mais ela irá se fortalecer.
Severo Snape assentiu.
— Entenda que ela precisa mais de você do que você dela. Portanto, quando mais ela se fortalecer, mais espaço você terá para ser ainda maior.
— Uma pena que eu esteja atrás da minha vingança, não da dela. – Só porque carregava um pedaço da alma de Morgana, isso não fazia dela uma missionária de quem a bruxa havia sido, ou um recipiente por onde ela agora podia agir.
— Engana-se por pensar assim. – Snape disse. – Quanto mais espaço der a ela, mais irá se sentir inclinada a tornar-se como ela. É como uma maldição. Você a carrega. Quanto mais consciente se tornar disso, mais irá sentir-se atraída em assumir seu gene. Tende a piorar, se quer ver por esse lado. – explicou ele. – Se quiser ver pelo meu, seu potencial pode ser infinito, mesmo tendo um sangue mais mestiço do que bruxo. É um território desconhecido, mas se Morgana fez essa magia tão bem quanto eu espero que tenha, é possível que possa quebrar as limitações do seu sangue fraco se tentar conectar-se e entrar em sintonia com a parte dela que carrega em você. E tenho certeza que sabe o caminho para isso, porque sei que não chegou até aqui proferindo magias conhecidas ou até mesmo executando feitiços que aprendeu em livros didáticos. – Um longo silêncio percorreu entre eles. Snape se mostrava fraco já. Estava ainda perdendo sangue. – O Império está pronto se o tomar. Tem uma boa estrutura. E aposto que conhece os pontos fracos já que os explorou para fazer o estrago que fez. Você sabe que faria um governo melhor do que o do Lorde das Trevas. – Ele pareceu findar. Hermione ficou calada. Encarava Snape e absorvia as palavras dele par dentro de seu sistema. O amargo delas passava pela sua garganta e se assentava em suas entranhas com uma certa chama de anseio. Era estranho porque sabia que era loucura tudo que ele dizia, mas ao mesmo tempo uma parte de si parecia querer assumir aquelas palavras como se fosse algo natural, como se tivesse esperado por muito tempo para ter a chance de finalmente estar acima de todos. – Você foi feita para isso. – Retomou Snape. – Pense em toda a sua jornada. No fundo, tudo o que sempre quis, mesmo quando se via limitada ao corpo de uma nascida-trouxa, era ter poder o suficiente para vencer suas ameaças e garantir que ficaria por cima de todas as outras possíveis que surgissem. Morgana foi uma rainha. É natural que quanto mais se conectar com ela, mais irá rejeitar qualquer posição que esteja abaixo ao de uma rainha como a que ela foi. Autoritária, poderosa, grande.
Hermione continuou calada. Ela não pensava na posição de Voldemort. Jamais havia. Nem agora, depois do que ouvira, considerava. Mas sentia uma repulsa por uma parte de si estar simpatizando com a ideia de soberania era no mínimo surpreendente e assustador. Draco havia a acusado de estar procurando o mesmo. Será que ele já havia enxergado através do que ela mesma procurava não aceitar, ou ela já aceitara e ele apenas havia a lido. Ela já estava dançando com a ideia de superioridade ao se aprofundar em suas habilidades fazia um tempo.
— E quanto aos meus filhos? – ela quebrou o silêncio.
— O que? – ele pediu por algo mais específico.
— Carregam o mesmo que eu? São Horcruxes tanto quanto eu? – perguntou.
— Sim e não. – respondeu Snape. – O gene de Morgana definitivamente está neles, mas o sangue Malfoy é protegido. Merlin conseguiu de algum modo abençoar o sangue Malfoy com características que só foram provadas pelo tempo. Malfoys foram capazes de manter a linhagem extremamente pura, fortificando ainda mais o gene, tanto que as características físicas de um Malfoy são distinguíveis dos demais. Otimizando ao máximo a proteção de Merlin eles foram capazes de tornar isso visível no campo físico. Teria sido ainda melhor se tivessem se reproduzido entre si, mas não foram capazes de manterem-se tão puros assim. Mas ainda assim, o mundo é capaz de reconhecer os traços Malfoy. Eles tornaram o sangue tão forte que mesmo cruzando com o seu, os dele prevaleceram, algo que talvez algumas gerações passadas não teriam conseguido. O sangue Malfoy agora está mais forte do que nunca. É notável nos seus filhos. Os traços Malfoy são fortes. É possível que a pedra dos Malfoy também esteja jogando de algum modo em tudo isso, porque ela definitivamente vem protegendo a família há anos e certamente tem criado uma barreira impedindo que a maldição de Morgana se manifeste neles. É óbvio que terão dotes diferente dos demais, afinal eles herdaram o sangue de Morgana e o de Merlin, ninguém na história do mundo bruxo teve um sangue tão poderoso, tão forte. Tanto que fui capaz de usá-lo no Lorde. O gene forte dos Malfoy e a pedra apenas os protege da maldição.
— Como pode saber tudo isso? – sentia-se perdida.
— Sabe que sangue fala muito em um bruxo, é por onde nossa magia fluí. Sabe muito bem. Tanto que ser chamado de “sangue-ruim” ou “mestiço” é uma das piores ofensas para um bruxo. Eu tenho amostras do seu e dos seus filhos. Já os estudei de todas as formas possíveis. Sei do que estou falando.
Hermione levou um tempo para digerir aquilo. Permitiu-se levar aquele tempo. Assim que percebeu que não teria opção além da de ter que lidar com aquilo, levantou-se e caminhou calmamente para trás de Severo Snape novamente. Aquele amargo em sua garganta não ia embora.
— Então, sabendo do meu potencial, tomou como plano me juntar a Draco. Convenceu Lúcio de que a linguagem dele não seria comprometida e sim aprimorada e a Voldemort que poderia abusar do sangue poderoso dos meus filhos para os benefícios de se segurar no poder. Mas a verdade era que esperava pelo momento em que o abuso em cima de mim me fizesse acordar para chance que eu tinha de tomar o lugar de Voldemort e ser alguém dez vezes mais poderoso do que ele. – Parou logo atrás dele. – Será que devo agradecê-lo pela oportunidade? Esperava ocupar a posição de conselheiro no meu reinado? – Sabia que Snape não era idiota aquele ponto. Ele a tinha visto morta muito antes.
— Honestamente, reconheço poder quando o vejo. – Justificou Snape e Hermione teve nojo da insistência naquele discurso. – Me juntei ao Lorde quando vi seu potencial. Me juntei a você quando reconheci que pode ser maior do que ele. Precisou de um empurrão significativo. Sei que não seria convencida disso com facilidade. Eu preparei o terreno para que pudesse finalmente enxergar quem é, quem pode se tornar.
— Hum... – Hermione recuperou o abridor de carta que deixara sobre a estante. Avaliou se estava bem afiada e inclinou-se para perto do ouvido de Snape. – Me diga, professor. Se eu o tornar meu conselheiro quando tomar o lugar de Voldemort. Qual seria sua primeira recomendação? – Brincou com o jogo dele.
Snape pareceu tomar seu tempo, mostrando-se claramente receoso pela proximidade. Hermione se divertiu. Ele poderia ter feito um trabalho mais elaborado de convencimento se não estivesse tentando vencer a poção da verdade e a dor em sua mão pingando sangue.
— Certifique-se de que morra aquele que não se ajoelhar. – Ele respondeu mostrando-se inquieto.
Ela endireitou-se.
— Ótimo. Obrigada. É um ótimo conselho. – Puxou a cabeça dele pelos cabelos sebosos expondo abertamente sua garganta onde ela dessa vez enfiou fundo a adaga não tão bem afiada usada para abrir cartas.
Severo Snape agonizou incapaz de gritar enquanto o sangue espirrava e jorrava numa quantidade incontrolável. Hermione apenas alinhou-se, refez seu feitiço de distração, tornou a vestir o capuz. Deu a volta na mesa e saiu do quarto deixando que ele morresse ali, apenas na companhia de suas próprias ideias e sua língua venenosa que já não podia mais causar efeito em ninguém. Não precisava de Snape, encontraria suas respostas ela mesma.
**
Bateu na porta de Whitehall depois que eliminou os dois únicos guardas que guardavam o corredor e a porta.
Nenhuma resposta veio.
Ela tornou a bater mais insistentemente e com mais força e depois de repetir o processo mais uma vez, a porta finalmente se abriu. Narcisa apareceu do outro lado apertando seu robe, claramente mostrando ter sido tirada do sono. Hermione já havia desfeito seu feitiço de distração, portanto a cara da mulher ao vê-la foi absurdamente confusa.
— Hermione?
Hermione abriu espaço para passar para o lado de dentro e fechar a porta.
— Desculpe ter que interromper seu sono, Narcisa, mas tenho uma tarefa extremamente importante para você. – Anunciou Hermione sem tempo a perder.
— Como foi que chegou aqui? Por que os canhões não estão disparando? Onde está Draco? O que pretendem fazer? – Gaguejou Narcisa ainda perdida.
Hermione não respondeu nada. Avançou pelo quarto, lembrando-se bem da disposição de tudo. Ainda sentia uma certa dor ao ver aquele lugar. Tudo havia começado ali para ela.
Chegou ao closet da mulher e procurou por entre as roupas escuras uma longa capa discreta. Assim que a encontrou, jogou-a nos braços de Narcisa, que a acompanhava calada, como se tivesse perdido o poder da fala. Voltou para o quarto e pegou uma das mantas que cobria o espaldar da poltrona ao lado da lareira. Empurrou-o também para os braços de Narcisa. Puxou uma varinha de seu bolso, uma que tomara de um dos guardas do lado de fora e também entregou para a mulher.
— Scorpius está na ala hospitalar. No andar das enfermeiras. Num dos berçários privativos. Estão todos dormindo, inclusive a enfermeira de plantão, se for silenciosa, pode tirar Scorpius de lá sem acordar ninguém. No centro, na altura da antiga loja de ingredientes de sua irmã Bellatrix há um portal aberto. Irá notar a diferença de textura nas paredes de tijolo. O portal dá direto no Ministério, mais especificamente no Departamento de Mistérios. Saiba que zerei a magia de proteção do Ministério então assim que pisar o pé lá, estará livre para aparatar. Use o jardim dos fundos da nova propriedade onde Draco e eu estávamos planejando nos mudar, no pátio do espelho d’água, é onde mantemos aberto o trânsito para apartações. A guarda em vigilância irá recebe-la, mas é importante que você... – parou ao perceber que agora, depois de saber de Snape o que era, estava confusa. Seu cérebro queria alertá-la de que acabaria tomando outro rumo. Debateu consigo mesma por mais alguns segundos até continuar. Incerta, mas continuou. - ...é importante que procure Molly Weasley. Ela vai estar com Hera. Entregue isso a ela. – Estendeu para mulher um cordão pesado com um espelho pequeno no medalhão. – É uma chave de portal. Poderá abri-la assim que ela tiver as duas crianças. Ela precisa ir com Scorpius e Hera. As crianças estão em perigo. – Mentiu. - Precisa tirá-las da casa. Molly deve ir com elas. Entendeu? – Narcisa não respondeu. – Use isso para se cobrir. – Apontou para a capa. – E isso para Scorpius. – Mostrou a manta. – A varinha, use apenas se precisar. A madeira é comum, portanto há grandes chances de te responder com eficiência mesmo não sendo a sua. Não hesite em matar. Entendeu? Preciso que seja rápida. Draco estará chegando ao portal logo e precisa passar por tudo isso antes dele!
Narcisa mostrou-se muda. Extremamente perdida.
— Mas... – Começou a mulher um tanto quanto sem norte. – Agora? Sozinha?
— Escute, Narcisa. Nós todos temos uma tarefa a cumprir, essa será a sua. Por favor, diga que entendeu. – Insistiu Hermione. A mulher puxou o ar ainda perdida.
— Eu... Eu não estava pronta. Não estava esperando... Só isso. – Ela ainda gaguejava.
Hermione soltou o ar com pressa.
— Certo. Deixa que eu te ajude. – Pegou as coisas dos braços dela. A vestiu com a capa, colocou a varinha em sua mão e o medalhão no bolso. Dobrou a manta e estendeu para ela. – Consegue fazer isso. – Encorajou ela. - Não tem quase nenhum guarda na cidade, os Fortes estão em ataque e Theodoro retirou o máximo de força que pode. Colocarei feitiços de distração o suficiente em você para poder agir mais rápido quando alguém te parar. Se alguém te parar.
Narcisa assentiu ainda relutante e pegou a manta.
— E quanto a Lúcio? – ela perguntou.
Hermione pouco se importava com o homem. Para ela, se ele apodrecesse naquele lugar seria ótimo.
— Não pense em Lúcio agora. Precisa tirar Scorpius daqui. Por favor. – Implorou.
Narcisa assentiu mais uma vez.
— Precisa ir. – Apressou Hermione. – Estarei na torre principal esperando para te ver atravessar o pátio para o centro. Vou te dar vinte minutos. É mais do que o necessário. Irei atrás de você caso não a veja nesse tempo e se alguém entrar no seu caminho, use a varinha. Não pense duas vezes antes de matar. Certo? – viu a mulher concordar com a cabeça mais uma vez. – Agora, repita o que deve fazer.
Narcisa começou a discursar ainda gaguejando, passo a passo, o que Hermione havia lhe pedido. Ela entendera tudo que tinha que fazer e Hermione ficou grata que não precisou corrigi-la ou repetir qualquer passo. Ela entendera.
— Por que Molly Weasley e não eu? – ela perguntou parecendo confusa com a parte em que Molly deveria ir embora com Scorpius e Hera.
Porque talvez se fosse ela, Hermione se sentiria tentada em mata-la e por mais que guardasse todo o tipo de rancor por saber de tudo que a mulher havia escondido dela, ainda assim, aquele não era o fim que ela merecia.
— Preciso das crianças em segurança e você também. Pode fazer isso para mim? – Continuou a mentir.
— Ainda não entendo.
— Pode fazer isso para mim? – insistiu Hermione mostrando que não iria explicar.
Narcisa precisou de um tempo e assentiu.
— Scorpius foi marcado, Hermione. – disse a mulher. – A solução não é tirar ele daqui.
— Eu sei. – respondeu. – Ele é mais conectado com o poder que tem agora, pequeno como é, seu corpo saberá se proteger de uma ameaça se o atacar. – Se Hermione havia encontrado uma forma de se proteger, Scorpius também encontraria, ainda mais com a força da magia involuntária na sua idade.
Narcisa pareceu confusa, mas assentiu.
Ótimo.
Hermione terminou de prepara-la. Espiou pelas janelas o movimento da alta madrugada do lado de fora e certificou-se de que o movimento ainda estava baixo. Tudo estava pronto. Colocou sobre ela feitiços de distrações mais simples, para que ela mesma pudesse desfazer, e mesmo revestida de proteção ainda ser reconhecida quando chegasse a Malfoy Manor. Hermione a apressou e Narcisa tentou tomar seu rumo ainda receosa.
Sentiu seu peito queimar.
— Narcisa. – A chamou antes que ela fosse. A mulher parou e voltou para ela. Hermione não queria fazer a pergunta que estava travada em sua garganta. Considerou apenas em desejar boa sorte e força, e deixar que fosse embora. Mas sua língua coçava. Sabia que no momento em que soltasse aquela pergunta, ela viria carregada de ressentimento e quase ódio. Narcisa claramente estranhou o silêncio e a hesitação dela. – Draco sabe o que sou, não sabe?
Oh. A expressão surpresa da mulher veio cheia de um receio evidente. Naquele momento Hermione conseguiu desenhar uma linha entre as duas. Uma linha que já parecia estar lá, mas que havia sido negada pela sua ingênua cabeça por um bom tempo.
— Do que está falando? – ela se fez de idiota.
Hermione soltou o ar sem paciência.
— Sabe do que eu estou falando. Ele sabe, não sabe? – não tinha tempo para aquele jogo.
Narcisa claramente hesitou, como se estivesse procurando uma saída. Uma forma de mostrar que não entendia. Mas foi óbvio que não havia saídas.
— Sim. – Rendeu-se ela. – Faz um tempo que ele sabe.
— E você soube desde sempre. Desde o começo. Porque sei que Lúcio sempre soube e não há segredos entre vocês.
A outra estava evidentemente desconfortável. Não sabia o que dizer.
— Sim. – Foi tudo que ela respondeu.
O silêncio foi extremamente incomodo entre elas. Narcisa estava perdida em suas palavras.
— Certo. – Optou por dizer. Não era hora para levantar aquela discussão. Na verdade, não precisava discutir sobre aquilo. Era óbvio que Narcisa não queria lidar com aquela pauta. Nem Hermione. – Apenas vá. – pediu para que a mulher fosse.
Narcisa não foi.
— D-Draco soube faz apenas um ano. – Ela pareceu tentar justificar-se. Hermione sabia. O comportamento dele era instável fazia mais ou menos o mesmo tempo. – Ele...
— Não quero que se justifique, Narcisa. – Hermione a cortou. – Apenas queria ter a certeza. – Ela sentiu a indignação entalada em sua garganta. A traição. Não segurou. – Qual era o ponto em fazer com que fosse ainda mais difícil para ele? – Porque sabia que o plano de Lúcio havia sido eliminá-la desde o começo. Por que não o deixar saber antes? Por que se dar ao trabalho de ter o filho se apaixonando por ela para depois ouvir que seu dever era mata-la? – Que tipo de mãe você é? Que lição queria ensinar a ele?
— Hermione, Draco não tem a intenção de acabar com a sua...
— Ele sabe que d-e-v-e. Não importa a intenção dele. – Céus, doía tanto estar tocando naquilo. Sentiu seus dentes grudarem um contra o outro. – Qual foi o ponto em dificultar tudo para ele? Qual era a importância em fazer com que ele mergulhasse em uma vida comigo antes de colocá-lo contra a realidade?
Narcisa puxou o ar.
— Lúcio tinha um ponto.
— Seu marido é um doente! – cuspiu ela e sentiu os olhos inundarem. Teve raiva de sua reação. – E você é pior por aceitar submeter seu filho a isso! Por também trair minha confiança tão cinicamente! – ela ajeitou a postura com calma. Esperou que seus olhos secassem sem derrubar nenhuma lágrima. – Quando tinha raiva por ver que Draco se distanciava por saber quem eu era, nunca imaginei que o buraco fosse tão embaixo. – Sua cabeça ainda mal conseguia compreender o tanto que aquilo era profundo. - Minha condenação foi esse sobrenome e eu tentei torná-lo um refúgio. Mas a verdade foi que nem você, nem seu marido, nem mesmo Draco tinham a pretensão de que eu fizesse parte dele por mais tempo do que o necessário. É uma pena que de todas as pessoas no mundo, eu tenha que confiar meu filho a você agora.
Foi a vez dos olhos de Narcisa se inundarem.
— Eu entendo. – Narcisa disse aprumando sua postura. Sua impecável postura Malfoy. Ela não tinha mais nada o que dizer além daquilo. Hermione ainda esperou que ela tivesse uma justificativa que fosse capaz de mudar tudo em sua cabeça, mas ela não tinha. Era óbvio que não tinha. Ela não enxergava nada além do sobrenome Malfoy. Era uma Malfoy antes de ser mãe, antes de ser avó, antes de ser esposa. – Levarei seu filho de volta. – Finalizou a mulher.
Hermione assentiu.
— Obrigada. – respondeu secamente.
Narcisa deu as costas e sumiu. Hermione soltou o ar e fechou os olhos sentindo-se decepcionada, frustrada, traída. Foi difícil engolir aquele nó em sua garganta para poder abrir os olhos novamente. Concentrou-se. Tornou a encarar aquele quarto. O piso. A enorme cama no centro. As cortinas que cobriam a fachada de janelas. A gigantesca estante de livros. Os tirantes que seguravam os caldeirões próximo a lareira. Ela se lembrava da primeira vez que encarara aquele lugar anos atrás. Estava suja, despenteada, com medo. Mal sabia ela o que estava pela frente. Mal sabia ela sobre a vida que teria. Sobre seu casamento, sobre seus filhos, sobre quem realmente era, sobre como tudo mudaria.
Puxou o ar. Sua cabeça dava voltas. Quando deixou Draco, ela estava em um lugar. Estava decidida. Tudo se encaixava, tudo fazia sentido. Agora. Tudo parecia mudar. Seu marido não estava se tornando Lúcio Malfoy, ele não estava finalmente simpatizando com o radicalismo das ideologias no qual havia sido doutrinado como Malfoy. Ele, na verdade, estava sendo exposto a ameaça que ela era. E ele sabia quem ela era, e havia dormido na mesma cama que ela sabendo o que era. Aquilo pesava em seu estômago.
Era uma ameaça.
Seu estômago revirou.
Nunca pensou que realmente fosse. Mesmo sentindo o que sentia, mesmo explorando aquele seu lado tão novo e que vinha a ela tão naturalmente agora que tudo fazia sentido em sua cabeça sobre o que era, quem era. Mas não havia imaginado que carregasse uma magia tão obscura. Estava buscando justiça com as próprias mãos e começava a duvidar se aquela havia sido uma decisão que cresceu dentro de suas entranhas corrompidas. Duvidava de si mesma. Tinha medo. Mas não queria ter. Não podia ter.
Havia tomado uma decisão. Não podia parar.
Tomou o ar novamente e deixou aquele quarto. Independente de tudo, ela já havia começado aquilo. E estava certa sobre o que queria. Precisava continuar com a mesma certeza. Mesmo que recuasse, nada mudaria sobre o que queria. Sabia o que queria.
Subiu para torre principal. Era ridículo o quanto era fácil se locomover pela Catedral sem ver uma alma ou qualquer guarda que fosse. Encarou o enorme relógio da catedral pelos vitrais e saiu para a varanda. Contou vinte minutos embora soubesse que não fosse precisar de tudo isso. Brampton Fort estava numa posição muito mais deplorável do que imaginava. Aquilo facilitava tudo.
Relaxou os músculos. Era seu momento. Fechou os olhos. Respirou fundo e soltou o ar pela boca. Concentrou-se. Precisava sentir a magia nela mesma para depois expandir. Havia sido assim quando conseguira se livrar da marca de Voldemort em seu sangue. Era o único caminho que conhecia e vinha lhe servindo cada vez com mais eficiência.
Sentiu-se tentada a encontrar nela um pedaço que não fosse seu. Assim como sentia Morgana como uma intrusa em seus sonhos. Não encontrou nada que não fosse o usual. Somente sentia nela uma magia que ficava cada vez mais evidente, cada vez mais reconhecível. E ela se deliciava. Era tão natural sentir aquele poder. Era dela. Somente dela. Fazia parte dela. Ninguém mais tinha aquilo. Ativava alguma parte quase sedenta dentro de si. Algum tipo de orgulho. Superioridade. Se perguntava se Voldemort não a invejava pelo que ela era, pelo que tinha, pelo que era capaz.
Expandiu aquela força nela para sentir a pesada magia que Brampton Fort carregava. Queria se comunicar com aquela maldição. Mostrar o tamanho de quem era atrairia aquela magia. A maldição de anos estava furiosa pela falta da presença obscura dos Dementadores. A terrível e extinta família Brampton, responsável por criar aquelas criaturas, fora capaz de manter suas enormes terras fora do mapa por uma maldição ligada aos Dementadores. Agora que a família não existia mais, o bruxo que estivesse disposto a alimentar as criaturas e se mostrasse talentoso o suficiente na arte das trevas, tinha a permissão da maldição para se beneficiar de toda a segurança e comodidade das terras, instalando-se num abrigo difícil de ser encontrado. O que acontecia, era que as terras se tornavam inabitáveis caso as criaturas se recusassem a guardá-la. Durante muito tempo, o Ministério da Magia, incapaz de confirmar a existência da lenda sobre o lugar, manteve-o seguro e completamente fora do mapa, sem o próprio conhecimento, apenas por alimentar Dementadores com a fortaleza de Azkaban lotada de prisioneiros. Até que Voldemort provou seu talento, encontrou o local, teve a permissão da maldição e apareceu para popular novamente e expandir ainda mais do vilarejo abandonado, criando um enorme Forte e a Cidade dos Comensais. A fria e terrível cidade. Fora uma boa estratégia. A maldição dificultava o acesso ao local e mantinha protegido a capital de seu império e aliados.
Era uma magia pesada. Ela sentia. Havia sido elaborada por um bruxo talentoso, reconhecia. Se consolidava pelo aumento da população de Dementadores e habitantes. Uma magia difícil de ser manipulada. Achava difícil que aquelas terras fossem conseguir se livrar da maldição. Mesmo se todos os Dementadores deixassem de existir, haveria poder remanescente ali. Talvez todas aquelas pedras, aquelas edificações, a Catedral, as pequenas vilas, os parques, suas mansões, estivessem condenadas a ruína. Ou talvez uma magia ainda mais forte fosse capaz de preservar a obra da junção dos aliados de Voldemort. Ela não queria que aquele lugar fosse engolido por uma maldição, por mais detestável que fosse.
Permitiu-se ficar ali. Sentindo toda aquela energia, mesmo que não fosse capaz de findá-la. Sentia que se ficasse familiarizada com ela, seria capaz de manipulá-la. Exatamente como fizera no Ministério. Havia notado que magias fortes cediam a ela quando se mostrava capaz de se apresentar digna diante delas. Era estranho, mas era como se a própria magia reconhecesse a oportunidade de florescer em suas mãos. Era como se estivessem sempre esperando por alguém que fosse capaz de se mostrar digno de dominá-las para se entregar. Sentiu que não deveria, mas mesmo assim entrou nas entranhas daquela fonte de poder provando que conseguia alcançar todas as suas dimensões, provando que era digna de segurá-la e senti-la por inteiro. Sentiu-se ser alimentada por ela. Como se pudesse abrir caminho para que fizesse parte e se unisse ao que ela tinha, que era dela, de seu nome, de seu sangue. Perdeu-se deliciando-se com o volume e a intensidade daquela força que conseguia extrair. A maldição se abria para ela. Reconhecia as habilidades dela. Abriu os olhos e perdeu-se na vastidão daquela vista sentindo seu corpo formigar enquanto tinha o vento da madrugada cortando-a. Aquela força a transformava. Céus. O mundo cairia aos seus pés se soubesse que aquilo era possível. Como podia ser tão fácil para ela? Como? Sabia que nem Voldemort, com todo o seu treino e talento podia sentir o que ela conseguia agora.
Voldemort era inteligente em ter uma proteção daquele grau. Mas ele desconhecia a fúria que aquela maldição tinha reservada. Esticou seus dedos e conseguiu concentrar aquela força na palma de sua mão. Fechou os olhos e lentamente moveu seus dedos conectando-se com o poder da revolta daquela magia. O chão sob seus pés tremeu. Hermione manteve o movimento constante no solo daquelas terras. Não era a primeira vez que aquela maldição dava sinais de sua fúria, mas ela sabia que era breve. Manteve. O som dos revestimentos rachando e da poeira dos rebocos se desfazendo ocupou o espaço. Ela continuou a provocar aquela magia mantendo o tremor até ver a figura de Narcisa atravessar o pátio principal. Ela vinha com a varinha em punho e Scorpius no colo. Seus passos apressados acenderam em Hermione um alerta. Todos os seus sentidos pareciam aguçados e a constante fúria daquela maldição carregava nela o mesmo sentimento.
Um Comensal vinha logo atrás dela com a varinha em punho tentando pará-la. Hermione sequer precisou pensar duas vezes quando sentiu a ânsia de usar a força que agora dominava. Moveu seu braço e sua mão rapidamente no ar, como se estivesse pegando aquele homem pelo pescoço. O Comensal imediatamente saiu do chão voou alguns metros e Hermione o largou. Sentiu uma fúria ser alimentada dentro dela. Narcisa não teve tempo de ficar surpresa ou de tentar entender. Ela apenas continuou apressada avançando noite a dentro para a avenida do centro. Hermione precisou apenas murmurar por baixo da respiração um quase silencioso “nox”, para que toda a iluminação se apagasse, permitindo que Narcisa sumisse no escuro. Ninguém além daquele homem parecia tê-la notado, ou talvez Narcisa tivesse apagado mais algumas pessoas pelo caminho. Não interessava Hermione. Interessava apenas que ela estava levando seu filho para longe daquele lugar.
Respirou fundo. Colocou sua cabeça no lugar. Narcisa logo encontraria o portal para o Ministério e em questão de segundos estaria aparatando em casa. Deu tempo suficiente para que ela fizesse aquele caminho e então finalmente apertou os punhos sentindo a inquietação de toda a força que tinha sob seu domínio. Era hora de o circo começar. Sentiu novamente aquela expectativa crescer dentro de si. A mesma que sentira antes de entrar no apartamento de Severo. Estava pronta para se deliciar.
Enquanto cruzava de ala, fortaleceu sua conexão com a maldição daquelas terras. Não podia acabar com ela, mas podia usá-la. Talvez manipulá-la e sentia que fazia tempo que aquela maldição esperava por alguém como ela. Desceu primeiro até o Departamento de Draco, até as salas de treinamento. Sabia onde tudo estava, as senhas, os atalhos, os códigos. Conseguia ainda andar pelas sombras sem ser notada graças ao treinamento que recebera de Draco, o que parecia ter sido anos atrás. Pegou o que precisava ali, tomou o tempo necessário para proferir com cuidado os encantamentos que precisava e depois subiu para o corredor da locação de Theodoro Nott na ala oeste. Ele tinha sua mansão na Vila dos Comensais, mas tinha seu apartamento ali na Catedral como qualquer outro do alto escalão também. Sabia que Theodoro não estava ali, mas não precisava pensar muito para ter certeza de quem ocupara o apartamento dele na Catedral.
Conseguia notar uma certa movimentação na pouca guarda da Catedral já enquanto se movia. Aqueles poucos que cruzavam seu caminho e acabavam indo ao chão antes de poder ter qualquer reação pareciam estar se movendo como se tivessem sido chamados, alertados de algo. Não duvidava que já haviam notado algo estranho com corpos de guardas espalhados por alguns corredores. Ela precisava ser rápida. Portanto, quanto chegou na porta que levava o sobrenome de Nott, a escancarou sem cerimonias.
Precisou atravessar uma pequena saleta antes de poder ver Gina Weasley tentar pular para fora da cama com rapidez para alcançar a varinha sobre a cabeceira ao lado. Hermione foi mais rápida erguendo as mãos para ordenar que os lençóis se movessem de podo a segurar os membros da mulher, arrastando-a para o lado oposto da cama. Gina lutou, mas Hermione conseguiu usar suas habilidades para que a guerra da mulher com os lençóis fosse patética de se assistir até o ponto em que Gina teve um de seus braços amarrado ao dossel ao pé da cama. Parecia uma louca.
— Bom dia, Gina. Vejo que conseguiu subir para um outro padrão de luxo. – Usou sua superioridade intimidadora ao ver o olhar assustado da ruiva de estar de frente para ela. – Espero que Whitehall não tenha te deixado com muitos traumas.
— Como chegou aqui? – Gina parecia perdida e ao mesmo tempo furiosa.
Hermione riu cinicamente.
— Me poupe. Depois de todo o escarcéu que causou para tentar convencer o mundo de que eu era o pior inimigo que ele poderia ter. Depois de ser tão enfática na ameaça que eu represento. Me surpreende que duvide da minha capacidade de ir e vir sem que barreiras me detenham. – Estendeu a mão e convocou que a varinha sobre a cabeceira fosse parar nas mãos dela. Aproximou-se de Gina e colocou a varinha logo a sua frente. – Você não tem psicológico para estar andando com isso por aí. – Guardou a varinha dela.
Gina gritou por socorro. Hermione riu: sua estratégia intimidadora.
— Isso. Preciso que alguém acorde a Catedral para mim. O show está para começar. – Terminou de usar magia para atar o outro braço de Gina com o lençol. – Depois de todo o seu discurso contra mim e também do seu falido atentado, o que eu realmente gostaria de fazer com você, é honestamente, mata-la. O que certamente provaria suas conspirações. Mas a verdade é que preciso ser no mínimo grata pela bala que colocou no peito do meu formidável sogro. E infelizmente você é a filha da mulher que está cuidando da minha agora. Portanto, estou debatendo seriamente se devo ou não ser a medonha criatura que sou em sua cabeça, ou se deveria ser sentada.
Havia assistido Voldemort acabar com a sanidade de Ginevra Weasley de tanto tortura-la. Ele havia feito aquilo como uma forma de ataque a Hermione. Fora obrigada a assistir todas as longas sessões que ele conduzia no salão da Catedral. Hermione se lembrava de chegar em casa passando mal, se lembrava de Draco segurando seu cabelo enquanto ela colocava para fora todo o mal-estar que havia tido que engolir ao ver sua amiga de anos atrás ser torturada, violentada, destruída, sem poder sequer mostrar espanto por um segundo que fosse. Encarava a mulher agora com uma perspectiva completamente diferente e não conseguia se conectar de nenhuma forma que fosse, com a Hermione que queria ter tirado Gina daquela situação, mesmo ela sendo a mulher que tentara mata-la.
— Nós duas sabemos que sua sensatez sempre foi cruel. Vá em frente e me mate. – Cuspiu Gina mesmo mostrando-se com medo.
— Tem razão. - Concordou Hermione. – Minha sensatez sempre foi mais minha lógica do que sensatez. O problema para você é que sempre fazia de tudo para se colocar do pior lado possível da minha lógica. E a verdade é que está fazendo isso agora. Mas depois de passar tanto tempo me ressentindo pelo ódio que criou por mim, cansei de te ver como a boa amiga que perdi. – Ordenou que o lençol envolvesse o pelo pescoço da mulher.
Gina Weasley foi tentar gritar algo, mas Hermione apertou o lençol envolta da garganta dela. Ela rapidamente mostrou seu desespero ao perder o ar. Contorceu-se tentando encontrar uma forma de se livrar. Hermione assistiu. Iria parar. Sua intenção era ainda dizer a ela que se preparasse para passar o resto da vida vendo Hermione ascender a posição de perigo que a ruiva tanto temia.
Mas não parou.
O mesmo sentimento de prazer ao ver o sangue fugir da garganta de Snape revirou seu estômago ao assistir a ruiva lutar desesperada por ar. A medida que ela perdia forças, Hermione sentia mais daquele sabor vitorioso da vingança. Não conseguia mais encontrar o motivo do porque parar. Por que afinal? Por que permitir que alguém que já havia tentado a matar vivesse? Sorriu bastante convencida e apenas deu as costas saindo do quarto e matando logo em seguida o guarda que vinha correndo atender o pedido da mulher. Gina se encontraria com a morte carregando a certeza do monstro que Hermione era.
Voltou a avançar pelos corredores. Era cada vez mais fácil sentir a maldição de Brampton fluir por ela. Concentrou a força novamente no comando de suas mãos e tornou a fazer o chão estremecer, era revigorante sentir aquela fonte. Era mais fácil manipular uma magia uma vez que já havia sido apresentada a ela, uma vez que a própria força se sentia confortável com ela. Estava na hora daquela Catedral acordar. Pegou um dos guardas e o enfeitiçou para correr até o canhão mais próximo.
Começou a cruzar com pessoas que apareciam com um olhar perdido e sonolento saindo de suas locações enroladas em seus robes. Seu problema não era com aqueles aliados protegidos da Catedral, portanto, arguia a varinha somente para aqueles que vinham achando que tinham algum poder ou autoridade para detê-la. Era uma pena que Bellatrix Lestrange já estivesse morta e Theodoro Nott não estivesse ali. Teria que pular direto para Pansy Parkinson, que também merecia provar do amargo de ter sempre se visto superior a ela.
Mas foi quando fez a curva para tomar o caminho da torre dela que teve que parar ao escutar o som alto do canhão anunciando o perigo. Fez um rápido cálculo sabendo que aquilo não havia sido trabalho do guarda que colocara sob Imperius. Não havia se passado o tempo necessário para que ele alcançasse o portão mais próximo. Ela estava errando em alguma coisa. Notou a movimentação de guardas pela janela do corredor que atravessava. Escutou a ordem ser passada para correrem para a avenida central. Talvez ela estivesse subestimando a organização deixada por Nott.
Desviou seu caminho pulando etapas e foi até o a nave principal da Catedral conseguindo desviar bem da movimentação de guardas. Eram muito principiantes. Hermione era muito mais inteligente do que eles e sentia que conhecia mais sobre os atalhos e sombras da Catedral do que a maioria daqueles deixados para fazer a guarda do local.
O grande salão se destacava de todos os outros anexos. O lugar onde ela havia sido apresentada para aquele mundo obscuro, onde havia se casado, onde participara de cerimônias de inverno um ano seguido do outro, onde ficara sabendo sobre sua descendência, onde assistira calada a sessões de torturas horríveis, onde apresentara seus filhos. Sentia que tinha uma ligação com aquele lugar tão forte quanto o que tinha com Hogwarts. E ela ainda sentia que Hogwarts estava tão atrás em seu passado que parecia ter acontecido em uma outra vida sua. Era outra pessoa. Não conseguia encontrar nenhuma conexão com a Hermione daquele passado tão distante. Não agora.
Depois de se sentir orgulhosa por conseguir brincar com a guarda e fazer seu caminho facilmente ao salão sem ser vista, pensou que o encontraria vazio. Mas para a sua surpresa, viu sua inteligência ser diminuída quando encontrou ninguém menos do que Tom Riddle sentado em seu trono, acompanhado de sua cobra. Reed, um dos treinadores do programa de recrutamento estava ao seu lado de pé. Parecia furioso sussurrando no ouvido de seu mestre. Talvez fosse ele que estivesse cuidando da guarda enquanto Nott estava fora.
Hermione puxou sua varinha imediatamente, sabendo que para alguém do nível de Voldemort, ela precisaria da ajuda condutora do objeto mágico. Era boa, mas ainda subestimava suas habilidades quando se via diante do homem que tinha o igual respeito da maldição daquela terra, o homem que sentava no trono de um império, que tinha controle sobre bem mais da metade da população bruxa. Riddle, numa postura confortável em seu trono, ergueu a mão para fazer Reed se calar e o dispensou. Uniu as mãos e a aplaudiu de um modo preguiçoso.
— Bravo. – Ele proferiu. Hermione sentiu seu corpo estremecer com a voz do homem. Ele podia estar perfeitamente apresentável com aquela aparência humana, elegante, mas conhecia bem o ofídico por trás da beleza quase palpável de Tom Riddle. – Diga-me, minha bela joia, qual é o tamanho da sua lista? – Ele mostrou as mãos e se levantou – Não acha que foi com muita fome ao pote ao executar Severo logo de primeira? Não é assim que um prato da vingança deve ser saboreado. Precisa aprender muito ainda.
Deus. Ela já se via fraca pela surpresa de vê-lo ali. Não podia vacilar. Era maior do que ele. Precisava se focar nisso. Ele tinha medo dela. Era uma ameaça, por isso que havia lhe causado tantos traumas, para que ela se visse vulnerável sempre que ele estivesse por perto. Não podia deixar que aquilo a afetasse, procurou sentir mais da energia que fluía dentro dela. A força da maldição, a força de seu sangue, por mais mestiço que fosse.
— Honestamente, pensei que fosse se trancar em sua torre e se recusar a me ver. – Ela encheu de orgulho sua postura. Era boa em mascarar sentimentos, mesmo que esse fosse medo. Precisava mostrar sua superioridade, era isso que ameaçava Voldemort.
— E porque eu faria isso? – Ele se levantou e desceu os degraus do trono.
— Porque me teme. Porque está vulnerável. Porque seu exército está longe. Porque seu império está dividido. – Disse aquilo cheia de confiança.
Ele riu se aproximando com calma, como se soubesse que aquilo fazia cada pedaço do corpo dela querer sucumbir tentando não fugir.
— Já estive em uma floresta, fazendo minha alma sobreviver pulando do corpo de animal em animal. Já precisei me alimentar de sangue de unicórnio para me manter vivo habitando um corpo que não controlava. É realmente ingênua em pensar que estou vulnerável. – Ele pediu para que Nagini parasse de o seguir com um simples gesto. Continuou seu caminho até ela cruzando o salão até ela. – Estou mais forte do que nunca. – Parou quando notou uma certa movimentação as suas costas.
Hermione percebeu que o líder em comando da guarda estava se movimentando, dando ordens, saindo com pressa do salão. Hermione não sentiu qualquer alívio que fosse ao perceber que aquilo estava ligado ao exército de Draco. Ele havia encontrado seu caminho até o forte como ela previra, mas aquilo não diminuía o risco da situação em que estava.
— Vai ver a morte hoje, Lorde Voldemort. – Ela o ameaçou, precisando daquelas palavras para se segurar a sua coragem, para ter a certeza de que Voldemort a subestimava de todas as formas possíveis.
Ele sorriu com calma. A diferença do sorriso amarelado de antes para o de agora, era que vinha de um homem elegante que tinha adoráveis covinhas e uma postura poderosa.
— Ah, minha querida Hermione. Admiro o que está fazendo. – Ele retomou sua jornada até ela. – Vingança é um prato delicioso, mas o seu ainda está morno e não é assim que se saboreia esse prato. Pode tentar destruir meu Forte, pode acabar com minha Catedral, com meu alcance mundial, com tudo que meus aliados conquistaram para mim, mas não pode me destruir. Não pode acabar com o fato de que sou o bruxo mais poderoso dentre todos os outros.
— Acho que está se esquecendo de quem eu sou. – Ela usou de sua varinha para desenhar uma linha de fogo logo a frente dele, avisando-o para parar onde estava e não se aproximar mais.
Voldemort esticou ainda mais seu sorriso e com uma palma simples e alta, fez a parede de chamas desaparecer. Aquilo a abalou. Ele estava fazendo magia sem sua varinha. Como? O sangue de seu Scorpius conseguia passar para ele algo?
— Surpresa? – Indagou ele em toda a sua soberania. – Quer lutar? – Mostrou as mãos. – Podemos passar horas mostrando um ao outro quem tem mais domínio sobre magia. Eu não duvido que pode ser maior do que eu. Definitivamente tem o potencial, mas sei que não tem a alma. – Ele finalmente chegou perigosamente perto. A distancia fazia o coração de Hermione bater como se quisesse quebrar suas costelas. Ela se viu em estado de alerta e quase que nervosamente quis se apressar, mas era como se uma voz a guiasse. – Ou será que tem? Posso estar enganado e não sabe o quanto eu quero estar enganado, minha linda joia. – Passou por ela e se colocou as suas costas. Fechou os olhos sentindo-se desarmada, embora não estivesse, ao escutar a voz dele soar bem ao lado de um dos seus ouvidos. Suava frio. Precisava do momento certo. Apertou a varinha em seu punho concentrando-se na força dentro de si. – Você gosta de poder. Conhecimento. Gosta de estar por cima. De vencer. É forte como nenhuma outra. Pode ter o mundo em suas mãos. E eu sei que o quer. Não minta. Não minta para mim, ou para si mesma. Consegue se tornar consciente dessa vontade quando sente o poder da magia que consegue controlar borbulhar em suas veias. Quando sente o tanto de poder que é capaz de manipular. Isso te alimenta a ser quem nasceu para ser. – A voz dele era quase um sussurro persuasivo em seu ouvido. – Junte-se a mim. – Ela abriu os olhos ao escutar aquilo. – Juntos ninguém poderá nos parar. Nenhum exército. Nenhum governo. Não vamos precisar nos esconder. O mundo será nosso. – Ela quis se sentir miseravelmente frágil, como se quisesse que aquele discurso dele funcionasse, mas apenas o prestando-se a um papel patético. O som de alguma explosão dentro da Catedral fez as paredes e o chão tremerem. – Deixe que o mundo se mate. Nós estamos acima deles. Você e eu. Nosso poder. – As costas da mão dele deslizou pelo seu braço por cima da capa que vestia. – Irá acabar com Draco antes dele acabar com você e não seja ingênua em pensar que ele irá colocar a história de vocês na frente do dever que ele tem em assegurar o mundo de pessoas como você. Ele sabe, Hermione. Ele sabe da ganancia que sente em suas entranhas quando seu poder se manifesta, quando dá espaço para ele vir a superfície. Ele sabe que isso pode te mostrar caminhos diferentes, vontades diferentes. Ele é consciente de que a cada dia que se passa, seu conhecimento sobre o que é capaz, te torna uma bomba-relógio. Não é fácil para ele, mas ele sabe lidar com desafios muito bem e ele cumpre aquilo que é preciso ser cumprido custe o que custar. Draco Malfoy conhece bem sobre sacrifícios e ele já teve que engolir muitos deles. Você seria apenas mais um. Ele não irá falhar em colocar um fim a você porque ninguém antes dele falhou. Malfoys caçam sua linhagem há séculos. Não seja ingênua, porque eu sei que cresceu, sofreu e aprendeu. Acabe com ele antes que ele a destrua. Acabe com a família dele que mentiu para você. Acabe de uma vez com o sobrenome que te caçou e que destruiu todos aqueles que vieram antes de você. Então será só você e eu. – Ele deu a volta e parou logo a frente dela. – Posso te ensinar a ter todos debaixo de seus pés. Posso te ensinar a fazer com que verdadeiramente a temam. Posso te ensinar a ser grande. Você e seu filho. – A mão dele subiu por seu braço e as costas de seus dedos deslizaram pela linha de seu queixo enquanto Hermione mergulhava nos olhos tenebrosos e poderosos do homem tão normal e tão humano a sua frente. Cada centímetro de seu corpo lutava para não desmoronar. Ainda era impossível entender o quanto não conseguia superar o temor por ele. Queria aquele poder. Ninguém ousaria pensar em desafiá-la se a temessem da forma como ela o temia. A movimentação do outro lado das portas do salão estava intensa, mas ela não conseguia prestar atenção naquilo. Só havia ela e Tom Riddle ali. – Eu irei chama-la de minha rainha. – Foi somente quando ele sussurrou aquilo que ela notou que seus rostos estavam assustadoramente próximos.
Seus músculos todos estavam travados e acabaram congelando completamente quando sentiu os lábios frios dele sobre os seus. Seu cérebro quase entrou em branco. Ela deixou. Deixou que suas bocas se tocassem. Deixou que ele se distraísse em ter apenas aquela gota de seu desejo sanado, o desejo que havia levado Bellatrix Lestrange quase a loucura.
Ela deixou, porque foi aquela a oportunidade que teve de deslizar sua mão por debaixo da capa para dentro da fenda de seu vestido. Tirou arma que pegara no antigo departamento de Draco mais cedo e a apontou para o estômago dele. Quase relutante ele deixou a boca dela ao sentir o cano pressionado contra si. Seu rosto se contorceu em desprezo. Ela ativou o gatilho.
— Preferiria morrer.
Atirou.
N/A: To me sentindo quase um meme aparecendo aqui depois de quase dois anos pra postar essa bomba de capítulo. Hahahaha!
Pra quem não segue a página no facebook, tenho a honra de anunciar que Cidade das Pedras está 100% concluída. O próximo capítulo não vai demorar a sair e talvez eu poste alguma prévia na página do facebook pra incitar ainda mais a curiosidade de vocês na jornada de espera que vem pela frente.
Vamos ter mais três capítulos vindo aí, apertem os cintos e preparem-se antecipadamente para dar tchau a Cidade das Pedras. Eu já sinto uma baita falta de escrever essa fanfic. Foram tantos anos convivendo com essa história dentro da minha cabeça. Não sei lidar com o fato de que já está tudo escrito e que eu não preciso mais pensar em como passar isso pro papel.
O lado bom é que vocês vão finalmente saber como tudo acaba. Eu sei que muitos de vocês não estão gostando do rumo que tudo anda tomando e eu entendo completamente. Recomendo que releiam toda a fanfic para se familiarizarem novamente com a jornada de Draco e Hermione e como eles chegaram exatamente aqui. Especialmente a Hermione. E pra quem achava que a Hermione não podia ficar pior, vejam só, não é mesmo! Hahahaha!
Eu fico aqui me contendo para não dar spoilers do que vem pela frente, mas ohhhh boy!!!! É difícil, viu?! Não acho que vocês vão se decepcionar.
Um super obrigada por terem esperado. Um mega obrigada especial a todos vocês que reliam a fanfic sempre pra matar a saudade e deixavam vários comentários! Acho que uma das coisas que mais amo no wattpad é a reação que vocês conseguem deixar em cada parágrafo. É muito bom acompanhar as emoções de vocês nas diferentes partes do capítulo. Obrigada pelo super apoio, pela motivação, pela paciente espera.
Deixem seus comentários sobre o que esperam que vem pela frente. Seus medos, receios, anseios. Comentem sobre o que sentiram enquanto liam o capítulo e o que acharam dele. Falem sobre o que vocês esperam para o final, mesmo com tudo o que vem acontecendo. O que realisticamente acham que vai acontecer.
Vejo vocês no capítulo 45! :)
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Comentários (2)
Eu to chocada que você voltou, SOCORRO já nem esperava mais, to muito felizzzzzzz
2019-09-19Meu Deus, fiquei muito surpresa quando vi o capítulo novo da fic, mas também fiquei muito feliz. A história realmente é muito envolvente e não vejo a hora de saber como vai ser o fim e como a Hermione vai estar. A cada capítulo a ansiedade aumenta.
2019-09-07