An No One Gets Hurt



Harry Pótah


 


-Estudos recentes comprovam que você é um mané.


Escondi meu demo em uma caixa de CD do Sum 41, e o enfiei no meio da minha coleção. Me voltei para Rony.


-Não é estupidez – falei – É ser realista.


-Eu nunca disse que você era estúpido – continuou ele – Mas esse adjetivo também serve.


-Você ao menos sabe o que é um adjetivo?


-Você é a pessoa que desiste mais facilmente no mundo todo – disse ele, me ignorando.


-Eu não desisti – falei, e Rony se aprumou na cadeira – Só estou me preparando psicologicamente para um evidente fracasso!


Ele soltou um muxoxo, impaciente.


-Você nem ao menos tentou!


-Eu falei com Ted, não falei?


-Como se a banda dependesse de Ted! - exclamou – Você faz ideia de quantos guitarristas bons existem dando sopa por aí? Na nossa escola tem uns vinte!


-Ah, é, tipo Draco Malfoy? - revirei os olhos, irritado – Quem iria querer entrar em uma banda com Harry Potter e Rony Weasley?


Rony me olhou, de boca aberta.


-Ah, Rony – comecei, ao ver ele suspirar. O ruivo desviou os olhos e se levantou.


-Tá bom então – disse ele, pegando sua mochila em um canto. Talvez tenha sido minha imaginação, mas acredito que ouvi Rony fungando – A gente se vê amanhã, Harry Potter.


Tentei chamá-lo, mas ele já tinha saído. Brilhante, Potter. Em uma tarde eu tinha conseguido arruinar com a possibilidade de criar uma banda de rock com meu melhor amigo e ainda tinha praticamente declarado que formávamos um grupo de bocós. E muitas pessoas simplesmente não gostam de ser chamados de bocós. Me atirei na cama, me sentindo um completo mané.


-HARRY!


Fechei os olhos de cansaço quando a porta do meu quarto foi escancarada. Preciso me lembrar de comprar um dicionário para meu pai. Talvez assim ele aprenda de vez o significado da palavra “privacidade”.


-Por quê o furacão ruivo passou correndo por nossa sala? - gritou ele, apontando para mim com uma espátula. Havia um avental “BEIJE O ROQUEIRO” pendurado em seu pescoço – Ele nem ao menos quis experimentar minhas panquecas! O que você fez com ele?


Suspirei e contei até três antes de responder.


-Pai, ninguém quer experimentar suas panquecas. Ninguém tem coragem de colocar na boca qualquer coisa que você tenha cozinhado.


-Ahãm, ruim pra ele – resmungou – Porquê sua mãe que fez as panquecas.


-Então porque você está com o avental? - perguntei, me erguendo sobre os ombros e o encarando com uma sobrancelha erguida.


-Porque... Porque... - tentou papai. - Porque esse avental é muito maneiro.


Soltei um muxoxo impaciente e voltei a jogar a cabeça no colchão. O que foi uma péssima ideia, já que ela acertou em cheio o controle do Wii. Esfreguei o cocuruto e senti a cama afundar.


-Tá, e aí? - perguntou papai, sentado ao meu lado – O que diabos aconteceu pra seu amigo sair correndo de casa mais vermelho do que ele normalmente é?


Olhei pra ele com os olho lacrimejantes de dor. Por alguns instantes, me permiti apreciar o fabuloso fato de nós dois sermos exatamente iguais. Tirando os olhos, algumas rugas, e o avental ridículo, James Potter era igual ao filho. Mesma cara, mesmo cabelo, mesmo gosto musical. Mesma inclinação para a música.


Cale a boca, Harry, repreendi a mim mesmo. Ele é um astro do rock. E você? Você é o filho dele, que o único feito excitante de sua existência fora enfiar mostarda no nariz.


-Eu... - comecei, mas um bolo se formou em minha garganta. Quero dizer, como se diz ao pai que quer formar uma banda de rock? Não deveria ter um manual para isso?


 


Manual para aspirantes a astros do rock, página 1 de 1, por Harry Potter:


1.Fale “eu vou criar uma banda de rock”.


2.Crie uma banda de rock.


3.Viaje pelo mundo inspirando manés como você a lutarem pela libertação da sociedade alienada e blá blá blá toque rock com toda sua show de bolisse.


4.Quebre um quarto de hotel.


5.Coma donuts com queijo.


6.Seja assassinado por um fã maluco e entre pra história.”


 


-Nada não – falei. - Não aconteceu nada.


 


Ted Lupin


 


Dorcas me observava do outro lado da mesa, de olhos apertados. Engoli em seco.


Depois de duas semanas e de várias brigas “familiares”, eu finalmente aceitara jantar com meu pai e com sua esposa, na mesa, como se fossemos normais. Mas não éramos normais. Esse momento esquisito e vergonhoso só fora aceito por minha parte porque eu sabia que não tinha saída. Dorcas praticamente me ameaçara. Ou eu contava para meu pai que tinha feito uma tatuagem, ou ela contava.


Dorcas pigarreou, e meu sangue gelou.


-Como é que foi o teste lá na gravadora, Remus? - perguntou ela, e eu tive um momento glorioso de alívio. Remus suspirou.


-Foi cansativo – disse ele – Sirius queria dar uma chance aos garotos, mas eu sabia que eles não tinham chances. Quero dizer, o baixista tocava banjo!


Dorcas riu, e eu não consegui reprimir um sorrisinho.


-Qual era o nome da banda? - perguntei.


-The Boys and The Banjo – respondeu Remus, pensativo.


-Você devia ter previsto isso – brincou Dorcas.


-Oh, claro, porque todos os nomes de banda tem que ser levados ao pé da letra – ironizei, agressivo, antes que ele pudesse responder – Porque Nirvana era mesmo formado por seguidores do Budismo.


Dorcas não respondeu. Os dois ficaram apenas me olhando em silêncio. Abaixei o rosto para meu prato e nada disse. Pude ouvir alguns resquícios de conversa alguns segundos depois, mas não era nada pelo que eu me interessava, então fiquei na minha.


Até jogarem um pãozinho na minha testa.


-Quê! - exclamei, tirando gergelim do meu cabelo.


-Ted, tem alguma coisa que você queira contar para seu pai? - perguntou Dorcas, em um tom sério. Mentalmente me perguntei para onde fora aquela jovem retardada e risonha das antigas fotografias.


-Ahn... Eu dessequei um sapo hoje – falei, com um sorrisinho amarelo. Remus ergueu as sobrancelhas.


-Para qual aula?


-Nenhuma.


-Ted – chamou Dorcas, com um olhar significativo. Suspirei.


-Tá, tá – resmunguei, largando o garfo e me encostando para trás – Tenho que admitir. Eu... O cachorro comeu meu dever.


-Pelo amor de Deus! - gritou Dorcas, exaltada – Custa falar a verdade?


-Maggie comeu meu dever! - gritei.


-Como você pode ser assim? É uma coisa importante, Ted! Você tem que contar para seu pai! - continuou Dorcas, seu rosto ficando vermelho de raiva. Remus só observava, com as sobrancelhas erguidas.


-É uma coisa séria! - exclamei – Mas não tem nada a ver com você!


-Alguém pode me explicar o que está acontecendo? - perguntou Remus, alto.


-Seu filho fez uma tatuagem! - soltou Dorcas. Me ergui da cadeira, batendo os punhos com força na mesa. Ela me encarou confiante.


-Você o quê? - meu pai se ergueu também, ficando mais alto do que eu. De repente eu não parecia tão poderoso assim. - Quando? Como? Sua mãe deixou?


-Eu posso cuidar de mim mesmo! - gritei – Não preciso pedir!


-Você é apenas uma criança!


-Eu já tenho 17 anos! - falei. Criança? Francamente! - E isso é a maioridade!


-Na Polônia! - exclamou Dorcas, revirando os olhos.


-Ok, chega – disse Remus – Vou ligar para sua mãe.


Ele saiu da cozinha em passos firmes. Me virei para Dorcas.


-Muito obrigado – disse, irônico – Por afundar ainda mais minha relação com meu pai! - ela abriu a boca para falar – É tudo sua culpa.


Chutando minha cadeira para o lado, deixei ela sozinha. Ao passar pela sala, tive um vislumbre de meu pai gritando ao telefone.


 


 


Ginny Weasley


 


-Mãe, você viu o Rony?


Mal eu terminei a frase o garoto passou pela sala, bufando.


-Acho que vi, sim – disse mamãe, tricotando alguma coisa que parecia um poodle amarelo. Ouvimos os bufos de Rony até a cozinha, e, depois de alguns segundos de silêncio, ele voltou à sala, segurando um copo de suco de abacate, bufando.


-Olha quem veio dar o ar de sua graça – disse Fred, escorado no portal da porta da cozinha, atrás dele – Achamos que – ele ficou em silêncio. - Achamos que... - silêncio de novo. Ele fez uma careta, bateu o pé e se voltou para as escadas – GEORGE! VOCÊ TEM QUE ESTAR AQUI PARA COMPLETAR A PIADA!


-NÃO TENHO NÃO! - ouviu-se a voz abafada de George, do segundo andar.


-QUE GRAÇA TEM TER UM GÊMEO IDÊNTICO SE ELE NÃO ESTÁ AQUI PARA COMPLETAR MINHAS PIADAS?


-SE VOCÊ PARASSE DE USAR ROUPAS IGUAIS A MIM, TALVEZ EU ANDARIA COM VOCÊ!


-E QUAL É O SIGNIFICADO DE IDÊNTICO PARA VOCÊ?


-Fred, por favor – suspirou mamãe, ainda voltada para seu poodle de lã.


-Eu não sou o Fred! - exclamou Fred.


-Isso costumava ter graça – falei para Victoire, que observava tudo de um canto, quando me lembrei que eu odeio ela.


-Ele não é o Fred! - disse George, aparecendo ao lado do irmão – Eu sou o Fred!


-Você não estava lá em cima? - perguntei.


-Mas você não era o George? - perguntou Fred, olhando para o outro como se ele fosse retardado.


-Você está contradizendo a si mesmo – disse George – Você não era o George?


-Não hoje!


-Meninos – chamou mamãe, e os dois olharam para ela – Vão catar coquinho, vão.


Com um suspiro cansado, percebi que Rony não estava mais na sala, e eu não estava nem um pouco afim de entrar no covil do mal que é o seu quarto. Deixei a sala, com mamãe costurando seu poodle, com Victoire lendo algo que provavelmente era romance de vampiros, e com meus irmãos em uma firme discussão para descobrirem quem é quem e me dirigi à saída.


Harry quase deixou seu vidro de picles cair quando me viu na sua porta. Porque ele carregava um vidro de picles? Isso eu queria saber.


-Ginny? - ele abraçou o vidro, e me olhou assustado – São, tipo, dez da noite.


-Me dê o picles e ninguém se machuca.


-Quê?!


-Francamente, você não tem senso de humor? - perguntei, sorrindo – Eu só queria conversar.


-Ahn, tá – disse ele, e pareceu pensar por alguns segundos – Meus pais estão em casa – Harry falou, como se fosse a pior coisa do mundo.


-Tá... - franzi o cenho – Você pode conversar ou não?


De repente ele pareceu perceber que eu estava do lado de fora.


-Sobre lá pro quarto – disse, abrindo espaço para eu passar – Eu já vou.


Subi as escadas, ouvindo o barulho de pratos e risadas na cozinha, junto com algo que parecia uma imitação bem ruinzinha de Elvis Presley.


O quarto de Harry estava a mesma coisa de sempre. Tirei os CDs do bolso do meu moletom e os coloquei na prateleira cuidadosamente, passando a observar o resto. Peguei quatro aleatórios. Pulei de susto quando a porta abriu.


-Cara, você tá dando uma de 007, é isso? - perguntei, ao ver ele escorado na porta, vermelho.


-Tipo isso – disse ele, e se aproximou – Aconteceu alguma coisa? Você disse que queria conversar.


-Ah, sei lá – falei, colocando os CDs no bolso – A vida é complicada, não é?


-Pois é.


-Parece que o mundo conspira contra a gente.


-É o que eu diga...


-E que tudo ao nosso redor está uma total e imensa bosta.


-Deprimente.


-Isso é normal para quem escuta rock?


-Totalmente.


Ficamos nos encarando por alguns segundos, até ouvirmos um estrondo do andar de baixo.


-Acho que o meu pai descobriu onde guardamos os doces – sussurrou Harry, como que por medo de ser ouvido.


-Eu vou pra casa.


Não sou estúpida. Sei quando minha companhia não é agradável. Fato que foi confirmado quando Harry não me impediu de sair porta afora. Ignorei as conversas vinda da cozinha e me voltei para a escuridão da noite no lado de fora. Ao chegar na calçada, tirei os CDs do bolso.


School Of Rock. School Of Rock. My Chemical Romance. Sum 41.


Suspirei.


Ia ser uma longa noite.

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Comentários (1)

  • Lana Silva

    KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK Morri com tudo, mas Fred e Jorge foram os melhores do capitulo...Quase chorei de rir aqui com o capitulo. Bem acho que a Gina vai finalmente ouvir a voz do Harry no demo...E espero que ela goste e os faça fazer a banda kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk e espero que o Ron não fique grilado por muito tempo com o Harry...Beijoos! 

    2013-06-03
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