Hatsukoi (primeiro amor)
Fazia uma semana desde o incidente no corujal e Shieru andava muito estranha. Não veio me visitar no intervalo entre as aulas como de costume e ficou inventando desculpas para não estudar comigo na biblioteca. Isso estava me parecendo pirraça e eu detestava pirraça. Eu já estava farta dessa situação e decidida a confrontá-la.
Em um sábado à tarde, depois que terminei meus estudos, olhei pela janela da biblioteca e pude vislumbrar o céu azul ficando levemente avermelhado. Eram quase seis horas do final do verão. Inspirada, eu resolvi dar uma volta pelo campus da escola e refrescar a mente um pouco. O outono finalmente estava chegando, as manhãs, que antes eram quentes e ensolaradas, passaram a ficar mais frias e o céu, cada vez mais avermelhado nos fins de tarde. Uma brisa refrescante tocava levemente meu rosto e brincava com meus cabelos à medida em que eu caminhava pelo gramado. O cheiro da grama e o som que fazia ao ser amassada pelos meus sapatos, o gorgear dos pássaros, tudo elevava minha mente a um estado de tranquilidade. Inconscientemente fui direto para o morro atrás da casa de Hagrid, acho que meu corpo foi para lá num impulso, sabendo que um pôr-do-sol lindo estaria por vir, esperando para ser admirado. Ao chegar lá encontrei Shieru. Fiquei um pouco incomodada, pois lá era o MEU lugar, MEU canto, mas isso passou rápido. De repente eu me dei conta que estava feliz em tê-la ao meu lado em um momento tão belo.
– Shieru! – Chamei quando cheguei mais perto. Ela virou-se para mim, mas não disse nada. Virou o rosto e tentou ir embora, mas eu a segurei pelo ombro.
– O que está acontecendo Shieru? Porque está me evitando? - indaguei irritada. Shieru abaixou a cabeça, cruzou os braços e disse num tom infantil:
– Nada!
– Você mente MUITO mal! - respondi indignada. - Seja sincera! Qual o problema?!
Shieru fez bico e olhou para o lado, como se não quisesse me encarar. Suspirei, pus as mãos sobre os ombros da menina e disse, calmamente:
– Olha, você e eu somos amigas, não é? Se eu fiz algo que a magoou, me conte. Senão nunca vou saber, não sou a professora Trelawney...
– Semana passada – bufou Shieru de repente – você falou que eu deveria ficar longe daquelas meninas da Sonserina, que eu não deveria me meter. Mas você tentou se envolver sozinha, por conta. Tentou ajudar Nana sem me falar. Senti que você não confia nas minhas habilidades, que eu estou sendo um peso. - respondeu sem descruzar os braços.
Fiquei arrasada! Eu jamais pensei que a teria ofendido. Eu jamais pensei nela como um peso...
– Não é nada disso! Eu pedi pra você não se intrometer porque elas são perigosas! – Eu disse exasperada. - Sabe o tal feitiço da 'quebrada-alguma-coisa' que você escutou a loira pronunciar? É uma maldição proibida. Quem usa é mandado direto pra Azkabam! É a maldição da morte! - enfatizei. Os olhos de Shieru se arregalaram e ela levou as mãos à boca, horrorizada.
– Quer dizer então... que ela tentou matar Nana?!
– Sim. Graças a Merlim a companheira dela tem bom senso e impediu que uma tragédia acontecesse! - falei afobada. - Entende agora porquê pedi pra você não se meter com essas meninas? Porque quero que você fique segura! - falei quase suplicante.
– E por acaso não passou pela sua cabeça que eu também não quero você em perigo? - Shieru continuava irritada.
– Bom...eu.. - fiquei sem palavras. – Eu sou boa com feitiços e não me apavoro fácil! Não se preocupe... – Eu respondi finalmente...
-- Eu também sou boa com feitiços... – Shieru respondeu ainda fazendo bico, mas não pareceu muito segura. Ela sabia que não era tão boa assim... – E você se amedronta sim, só disfarça melhor que os outros...
Fiquei quieta. Não ia entrar em uma discussão se estava tentando desfazer outra!
– Sabe, Sarah... - Shieru falou de repente, se dando por vencida, e pareceu meio triste – eu entendo que elas sejam perigosas... não imaginava que a WeissSchal seria capaz de usar aquela maldição em Nana de modo tão casual. Ainda mais... - ela parou e abaixou a cabeça.
– Ainda mais...? - continuei.
Shieru deu dois passos a frente e olhou para aquele céu rubro de fim de tarde com uma expressão melancólica. A luz do fim de tarde iluminou as lágrimas que umideceram o contorno dos olhos dela. A brisa fresca evoluiu para um vento assoviante, soando por entre a grama crescida do morro, esvoaçando nossos cabelos. Ela suspirou e finalmente disse:
– Ainda mais que foi uma maldição proibida que matou minha mãe. - terminou a frase com um sorriso triste. Nesse instante o vento pareceu soar mais forte, como se quisesse levar essas memórias tristes para longe. Eu não sabia o que dizer, queria falar lindas palavras que trouxessem conforto, mas não consegui dizer nada. Fiquei lá parada, olhando Shieru com uma expressão consternada.
– Não precisa me dizer nada. Eu sei que o seu desejo é me trazer conforto, e só de saber isso, já me sinto melhor, mais forte. - Shieru sorria, não era o mesmo sorriso triste, era mais confiante. E continuou - Sarah, eu sempre fui sozinha, nunca tive muitos amigos e a minha única família, foi tirada de mim quando eu ainda era muito jovem. Graças a você estou construindo uma nova família, aqui em Hogwarts. E numa família um cuida do outro, não é? Vamos cuidar de Nana e Guinnevere também. - Shieru respondeu sorrindo, aquele sorriso que só ela consegue fazer.
– Nana e Guinnevere e eu numa mesma família? Meio difícil de imaginar, mas por você... posso pensar no caso. - Respondi com uma piscadela. Passamos aquele fim de tarde juntas, colocando em dia toda conversa que ficou para trás, durante aquela semana perdida.
***
A semana seguinte foi corrida. O professor Binns, de história da magia, fez o favor de adicionar mais três relatórios, um sobre a guerra entre lobisomens e vampiros, outro sobre a Revoada dos Grifos e o terceiro sobre a revolta dos goblins. Este último me chamou particularmente a atenção. Sempre achei que havia algum mistério nessa história... Uma intriga que causou o estopim da revolta. Ter uma semana para me dedicar aquilo seria interessante, Para meu deleite, Delfim pediu para que eu fizesse dupla com ele nessas três tarefas! Aparentemente ele ignorou minha sugestão de não magoar sua colega. A princípio, Camille Grannysmith pareceu levemente surpresa com a notícia, ela obviamente não esperava voltar da enfermidade sem uma dupla para as aulas. Me senti extremamente mal.
Quando Delfim me apresentou Camille me lembrei imediatamente do conto trouxa Cachinhos Dourados, uma menina extremamente delicada, com voz suave, rostinho angelical e olhos verdes. Senti que a qualquer momento uma auréola e asas brancas brotariam de suas costas, Camille parecia um anjo em pessoa e era extremamente educada. Me cumprimentou alegre e disse estar feliz por ver que Delfim fez amizade com outra menina que não o alienasse, mas eu não senti uma sinceridade completa, no fundo, senti que ela queria fazer o trabalho com ele.
Não cabia à mim mudar isso, era a decisão de Delfim e secretamente eu estava feliz. Decidi encontrá-lo na biblioteca quase todos os dias daquela semana para poder terminar os três relatórios até sexta-feira. Logicamente os murmurinhos constantes da outras mesas atrapalhavam um pouco e eu comecei a reparar certa constância de rostos na biblioteca. Sentia como se estivesse sendo seguida... Numa quinta-feira à tarde, quando o último relatório estava quase pronto, perguntei a Delfim:
– Delfim, porque decidiu fazer o trabalho comigo e não com Camille? - Ele pareceu surpreso com a pergunta, fez uma expressão um pouco preocupada e perguntou:
– Você preferia ter feito o trabalho com outra pessoa, Sarah?
– Imagina! De jeito algum! Acho ótimo trabalhar com você! Mas achei que Camille ficou chateada.
-- Você achou? – ele pareceu preocupado. Acho que Delfim era bem altruísta.
- Só estava curiosa, sabe? – me apressei a dizer. Não queria vê-lo preocupado. - Um dia minha curiosidade vai me trazer problemas! – pisquei e tentei parecer descontraída.
– Bom... - Delfim olhou para o lado de leve, sem me encarar, abriu um sorrisinho e continuou – eu gosto da sua curiosidade... Torna você especial!
Meu coração palpitou, mas ele continuou em seguida:
-- Além do mais eu gostei muito de trabalhar com você. Foi a primeira vez que pude relaxar de verdade, em que me senti genuinamente descontraído. - Sorriu.
Esperei meu pulso voltar ao normal depois do sorriso dele para avaliar corretamente o que essas palavras queriam dizer. Não sei porquê, mas fiquei feliz. Sempre senti Delfim tão distante, e pela primeira vez a distância parece que diminuiu um pouco.
– É mesmo? - respondi em voz sussurrada um pouco encabulada. - Espero que a Camille não fique com ciúme. - completei brincando.
– Imagina, eu faço todas as outras matérias com ela. Porquê ela se sentiria assim? Meu relacionamento com ela não é o mesmo com você. Não há comparação. – pela primeira vez ele largou a caneta e me encarou. Pude reparar em cada brilho que a luz fazia no azul dos seus olhos, na tensão que formou em sua boca, mostrando uma seriedade que eu nunca tinha reparado no rosto dele antes - Para ser sincero, me sinto mais a vontade com você, Sarah.
Nesse momento senti o mundo parar um pouco, “como esse garoto é bonito!” pensava. Os cabelos loiros, a franja caída e aquele sorriso deslumbrante, hoje, destinado a mim. Não devia ser nada fácil para ele. Ele não tinha culpa de ser descendente de Veela, mas nós não tínhamos culpa de sucumbir à magia da sua genética tão pouco. Era igualmente difícil para nós. De repente me dei conta que além do torpor e da palpitação no meu peito eu estava sentindo pena. Como saber o que se sente de verdade por uma Veela?
– Sarah...? - Delfim me trouxe de volta ao mundo real. - Acho que essa parte termina com a Revolta dos Goblins, né? Hora de ir embora.
– Ah, sim. O sol está se pondo também. - respondi.
Saímos da biblioteca em direção aos dormitórios, andando vagarosamente, jogando conversa fora, desfrutando da companhia um do outro. Era um cenário que jamais imaginaria! Eu, andando lado a lado desse jovem tão belo, conversando casualmente como se fôssemos velhos amigos e ele sorrindo! Todos aqueles sorrisos direcionados a mim e somente a mim naquele momento. Porém fomos interrompidos por guinchos familiares. Escutamos, em uma das praças de Hogwarts, Nicole WeissSchal entrando em histeria:
– Por quê?! - chiava a menina.
– Como vou saber? Pare de fazer escândalo, Nikki! - retrucava Catherine em seu costumeiro tom esnobe.
– Eu não aguento mais ver esses dois andando juntos! - gritava WeissSchal meio desesperada, quase querendo arrancar os cabelos.
Delfim e eu nos olhamos e fomos para perto da murada. De onde estávamos, em um dos arcos laterais do segundo andar, podíamos ver uma ampla área do pátio norte, próximo à saída para a portaria principal.
– Recomponha-se, Nikki! – vimos Astrid dar um chacoalhão nos ombros da garota histérica - Antes de entrar em pânico, vamos averiguar os fatos..! - Astrid mal acabara de falar quando Ren apareceu, junto de Snape e Guinnevere.
– Oi Ren! - exclamou a loira esbaforida. - Tudo bem? O que faz junto com Daaé? - a menina indagou assertivamente.
– Não que seja de sua conta. - Snape interviu, com sua voz arrastada e levemente esnobe, olhando a menina de cima a baixo – o senhor Oumi e a senhorita Daaé estão me auxiliando em um projeto escolar. Devo lembrá-la de que não aprovo histeria nos corredores da escola? - Snape acrescentou.
– Sim, peço desculpas, Prof Snape. Foi um problema pessoal que fugiu ao meu controle. Isso não vai se repetir. - respondeu a loira respeitosamente.
– Ótimo. Então poderemos seguir em frente... - respondeu com rispidez.
– Professor! Posso ter uma palavra com Ren antes? Não vai demorar. - Pediu WeissSchal. Snape fitou-a por uns instantes com o olhar enojado, mas concordou:
– Iremos na frente, então, senhor Oumi. Não demore.
Guinnevere e Snape se retiraram, ela com sua pose elegante, e ele em seus passos fluidos.
Ren parecia totalmente desinteressado, mas aparentemente não tinha escolha a não ser escutar o que Nicole tinha a dizer.
– Ren, ultimamente você tem andado bastante com a Murasaki e a Guinnevere... - começou a loira.
– Sim. - respondeu o garoto secamente e se silenciou. Não sei se eu estava vendo coisas, mas algo na postura dele quando a garota mencionou o nome de Nana, me disse que ele não gostava do interesse dela em Nana tanto quanto eu.
– Por acaso vocês são amigos? - continuou a menina.
Ele pareceu um pouco incomodado com a situação, um dos primeiros momentos que mostrou reação desde que começou a falar com ela e disse:
– WeissSchal, não sei exatamente onde você quer chegar com essas perguntas. Como o professor Snape mesmo disse, ele está trabalhando em um projeto escolar relacionado a poções e reuniu dois dos melhores alunos em sua matéria, Murasaki e eu, e sua assistente, Daaé. Por favor, se me permite, tenho assuntos a resolver. - e se retirou.
Todos na Sonserina são educados e secos ao mesmo tempo? Pensei. Ele tinha o mesmo andar lacônico de Snape e sempre estava com fones de ouvido. Ele ouvia algo?
– Isso acaba com a sua histeria, Nikki? - perguntou Catherine voltando minha atenção de novo para as duas.
– É, agora fico um pouco mais tranquila. Mas saber que aquela pulguenta está junto dele, me incomoda. - respondeu WeissSchal. A meu ver, pareceu que, embora Nicole desprezasse Nana, obviamente sentia-se ameaçada por ela.
Eu fiquei tão absorta espionando a conversa das snakeheads que acabei deixando Delfim de lado. Quando fui procurá-lo, ele já havia sumido, provavelmente devia ter voltado para seu dormitório. Me senti levemente culpada... Será que ele pensava que eu era enxerida? Contudo não me preocupei muito com isso na hora, estava pensando em Nana e se as snakeheads planejavam mais alguma coisa. Nana parecia ter uma propensão para atrair confusões, mesmo não fazendo nada, mas seu gênio não ajudava a situação em si. Ela precisava de proteção contra ela mesma.
Corri para o dormitório, esperando encontrar Shieru e avisá-la do ocorrido. A encontrei sentada na sala comum da Grifinória, lendo um caderninho rosa com a imagem de um gatinho na capa. Parecia bem absorta no assunto. Demorou um pouco para notar minha presença.
– Shi! Encontrei as snakeheads de novo... Acho que aquela loira gosta do Ren. Definitivamente!
– Ren..? Aquele garoto de olhos dourados? - perguntou Shieru.
– Isso.
– Mas ele é mais novo que ela... – Shieru torceu o nariz
-- Bom, você é mais nova que eu e andamos juntas. Um ano não faz tanta diferença se a mente é madura...
-- Você acha que eu sou madura?! – Shieru pulou do sofá feliz
-- Em alguns casos, mas no momento você está fugindo do assunto... – eu sorri
-- Elas estavam planejando algum ataque? - Shieru continuou tentado se focar novamente.
– Não, acho que não. Mas seria bom ficarmos de olho, a Nicole parecia muito insatisfeita. - falei.
– Não era melhor avisar a Nana então? - sugeriu.
– Acho que não vai adiantar nada. Ela não quer nossa ajuda... - falei desanimada.
– Hummm! Acho que por enquanto só podemos observar. E temos que pensar em alguma maneira de ajudar a Nana ou descobrir porquê ela não avisa o diretor ou a professora Minerva... - completou Shieru.
– Acho que por enquanto não dá pra fazer nada mesmo. Melhor deixar esse assunto para mais tarde. Vamos ficar observando e, sem ela perceber, não vamos perdê-la muito de vista, na medida do possível.
-- Isso! Vamos ser espiãs! – Shieru pulou de novo e sua infantilidade sobrepujou a maturidade. Não consegui não rir...
A mesa de jantar estava farta, havia pernil e peixe assado com ervas. Suco de maracujá, caju e hortelã. Shieru deliciou-se de um pedaço do peixe e arroz selvagem enquanto eu servi-me de uma salada de folhas verdes com grãos diversos e um pedaço do pernil. Os pratos de verão estavam sendo substituidos pelos pratos de outono. O calor estava se dissipando aos poucos e o refeitório ficava mais quente à medida que os alunos entravam. Depois de tanta fartura, resolvemos nos retirar. Não queríamos ouvir os borburinhos das conversas. Saímos do salão e estávamos a caminho do dormitório quando avistamos Ren, ele parecia estar procurando por alguém.
– Aquele é o Ren Oumi, não é? - perguntou Shieru para mim. Nós tínhamos parado no corredor para observá-lo e, por algum motivo que desconheço, Ren virou-se para nós. De imediato ele percebeu que o observávamos e eu me dei conta da nossa indiscrição. Ele se movimentou hesitante até nós e parou à uns cinco passos. Era a primeira vez que nos encarávamos, os olhos longilíneos e dourados do garoto mirando diretamente os meus. Por um instante todas as pessoas ao meu redor, os sons, o murmurinho, desapareceram. Era como se o tempo estivesse focando apenas em mim e nele. Notei que tínhamos a mesma estatura e isso era mais uma razão que tornava difícil desviar os olhos. Os cabelos negros e lisos, a cor da pele, a sua expressão penetrante, parcialmente escondido pela franja caída nos olhos, tudo nesse garoto parecia diferente. Seus olhos dourados não estavam desinteressados ou vazios. Havia uma intensidade que eu não percebera antes enquanto ele falava com as snakeheads. Eu sabia que parte do que me prendia ao seu olhar era seu sangue Veela, mas ainda assim havia algo diferente. Não era como quando eu olhava Delfim...
– Sim? Pois não? - perguntou ele.
– Pois não?! – eu perguntei estranhando sua reação.
-- Não estava olhando para mim agora pouco? – ele esclareceu delicadamente minha confusão.
-- Está procurando alguém? O professor Snape? - retruquei.
– Nã....bom...sim! - respondeu confuso.
– Acho que o vi agora pouco no jantar, provavelmente ainda deve estar por lá. - falei.
– Ah... obrigado. - respondeu rapidamente, fez uma reverência leve e se retirou. Achei engraçado sua reverência, mas a julgar suas feições achei que tinha descendência oriental, o que explicava um pouco seu comportamento educado e distante.
Fiquei observando ele se retirar um pouco confusa, a resposta dele não demonstrava firmeza, tive a impressão de que ele mentiu. Quando olhei para Shieru parecia que estava compenetrada em seus pensamentos, logo imaginei que estaria sendo guiada por sua infalível intuição.
– Shi... o que está pensando?
– Não sei ao certo, mas quando ele mentiu dizendo que procurava por Snape tive uma sensação estranha. Bom, não deve ser nada de mais. - respondeu a menina.
-- Ah, mas agora eu quero saber... – eu disse indignada.
-- Eh , curiosidade! – Shieru riu – Foi assim que acabamos pegando detenção, lembra...
– Essa não! - exclamei – Tinha me esquecido completamente de ir visitar o Hagrid hoje! Vá indo para o dormitório Shi.
– Ah não! Eu vou com você! - insistiu a menina.
– Está bem, mas vamos logo! - concordei.
Corremos em direção a cabana do Hagrid o mais depressa possível, logo iria escurecer e hoje não era dia de ver o por do sol, tínhamos muito a fazer no dia seguinte. Antes de batermos na porta da casa, avistei uma luz na entrada da floresta proibida, estava em movimento e vinha em nossa direção. Shieru imediatamente escondeu-se atrás de mim, já estava escuro e não sabíamos o que podia ser. Sorri! De fato eu disfarçava meu medo meu melhor... Dei um passo para frente e empunhei minha varinha, olhei mais de perto e vi uma pessoa com o feitiço lumos na ponta da própria varinha, na escuridão não pude ver seu rosto apenas seus cabelos esvoaçando com a ventania. Teoricamente eu poderia relaxar, uma vez que era um bruxo, mas depois do que descobri nas últimas semanas eu não testaria o destino. Iluminei minha varinha com lumos. Pouco a pouco a silhueta foi se aproximando até que nos encontramos frente a frente, era Nana!
--O que faz aqui nesse horário? - Perguntei assustada, abaixando minha varinha.
--Vim encontrar uma pessoa... - respondeu Nana e, com escárnio, continuou – Não deveria apontar sua varinha para qualquer um...
-- Você faria o mesmo se tivesse ouvido o que já ouvi – eu ignorei seu escárnio
--Veio encontrar o Firenze? - interrompeu Shieru. Nana olhou para ela espantada, mas respondeu:
--Sim.
--Porque foi encontrar ele? - perguntei espontaneamente e Nana me lançou um olhar incomodado.
--Nada de mais... só queria agradecer ele por ter nos ajudado da outra vez. E... me desculpar pelo modo grosseiro como o tratamos... Vou embora, boa noite. - respondeu enquanto se retirava calmamente.
Shieru e eu demos de ombros. Sabíamos que Nana nunca contava toda a verdade, mas de nada adiantaria nos preocuparmos com isso agora. Nós trocamos olhares cúmplices, reafirmando em silêncio nossa decisão de ficar de olho nela e batemos à porta. Hagrid a abriu de repente e nos cumprimentou. Conversamos por um breve período e discutimos as tarefas da próxima semana, como sempre, serviu um pouco de chá que recusamos cordialmente. Em seguida voltamos para o dormitório.
***
Finalmente o mês estava chegando ao fim. Desde aquela noite em que vimos Nana saindo da floresta após falar com Firenze, não a encontramos mais. Tínhamos certeza que ela, Guinnevere e Ren ficaram ocupados auxiliando professor Snape no misterioso projeto de poções e isso nos despreocupou um pouco quanto à nossa espionagem. O professor não comentou nada a respeito e, sinceramente, nenhum dos alunos parecia muito interessado no assunto.
De qualquer maneira mal tive tempo de pensar nos assuntos que costumavam rondar minha mente, estava ocupada tentando me livrar dos relatórios de fim de mês, estudando para as futuras NOMs e Shieru e eu fazíamos relatórios diários uma para outra sobre o que víamos as snakeheads fazerem. Além disso Delfim resolveu montar um grupo de estudos comigo, que deveria se reunir todos os dias após o período de aulas para revisar as matérias do dia e tirar dúvidas. Ele foi insistente no assunto, não me dando vazão para uma negativa. Não imaginava que ele seria o tipo estudioso, mas gostei muito da ideia.
A princípio seríamos só nós dois e Shieru quando quisesse, mas infelizmente, dois dias após a inauguração do grupo ele foi desfeito pois a quantidade de meninas que quiseram se juntar ao grupo foi tão grande que ficou impossível estudar, fora que grande parte das garotas não estava interessada no estudo em si. Ainda assim Delfim, Shieru e eu continuamos a nos encontrar na biblioteca regularmente, mesmo que não todo dia. Algo que eu não compreendia era o porquê de Delfim não haver incluído Leon no grupo. Tenho certeza que ele teria adorado, mesmo que fosse só para me atormentar...
Certo dia, enquanto guardávamos os livros de volta nas estantes e Shieru nos esperava na porta, Delfim me perguntou:
--Sarah, posso te perguntar uma coisa?
--Claro, nem é preciso pedir permissão! - respondi.
--Mas se você não quiser responder, tudo bem...
--Respondo sim, sem problemas. - respondi com um sorriso.
--Bom você é uma das poucas, senão a única, menina que não fica me pajeando. – Ele parou um momento para ver minha reação, mas eu estava muito ocupada tentando alcançar uma prateleira acima da minha cabeça. -- Por acaso, desculpe a presunção, você está namorando? - perguntou o garoto meio tímido.
O livro escapou das minhas mãos e Delfim o pegou no ar, antes que ele batesse no chão. Em segundos ele estava na prateleira como se Delfim não tivesse feito um esforço maior que erguer suas mãos. Admito que fiquei surpresa, um pouco constrangida também, olhava para ele sem muita reação, mas respondi.
--Não estou namorando. Para ser sincera, acho que nunca cheguei a pensar no assunto. - imediatamente lembrei do que Mary Alice havia dito sobre mim e sobre eu viver em meu próprio mundo. Realmente, eu nunca parei para pensar em garotos ou se eu cheguei a gostar de alguém algum dia.
--Ah desculpe se foi uma pergunta indelicada... - Disse.
--Não tem problema, isso não é um assunto indelicado. Creio que é natural, certo? Você só me vê com Shieru e os livros... - Eu sorri - Mas por que a curiosidade?
--Ah... bom...eu...só queria saber um pouco mais a seu respeito, só isso na verdade. Estamos passando muito tempo juntos e não queria... achei que talvez você...- balbuciou meio sem jeito, o rosto dele ficando um pouco vermelho. Veelas sentiam calor como nós?
Delfim não terminou de falar e de repente o assunto acabou. Não achei o silêncio confortável, então iniciei outro assunto
– Se você quiser chamar o Leon e a Camille para estudar conosco, fique à vontade. Eu não me importo... Eles também são seus amigos.. - sugeri.
--Eles? O Leon iria mais atrapalhar que contribuir com os estudos, e a Camille prefere estudar sozinha... - Ele respondeu evasivo.
Pensei que Delfim fosse gostar da ideia, ter seus melhores amigos ao seu lado, talvez isso o deixasse mais à vontade comigo, mas pelo visto ele preferia estudar com poucas pessoas então dei de ombros. Mesmo porquê, era uma meia verdade a pouca importância que eu dava para isso. Ultimamente Leon estava muito presente no meu dia a dia e não sabia se eu gostaria de ampliar isso.
Por algum motivo que desconhecia, senti que Leon passou a me atormentar mais que o normal. Eu já me acostumara aos comentários durante as refeições e jogos de quadribol, mas ele começou a aparecer na saída de cada sala de aula em que eu estava, onde quer que eu me sentasse para lanchar a tarde, ele sentava junto. Todo lugar que eu ia, lá estava ele todo pomposo, exibindo-se como um pavão, em geral sendo seguido por duas ou três tietes à distância. As meninas da minha sala estavam adorando, mas eu já estava começando a me cansar dessa perseguição.
Na sexta-feira, eu estava exausta, havia passado o dia todo atarefada, após o período de aulas, fui estudar na biblioteca com Delfim e Shieru, que precisou de ajuda num trabalho de feitiços, e no final da tarde ajudei Hagrid com hipogrifos, mandrágoras e explosivins. Durante o jantar ainda levei sermão de Mary Alice por me atrasar, ela detestava ter de esperar para começar uma refeição. Não poderia suportar mais nada naquele dia. Saí do salão comunal louca para deitar na minha cama e descansar, saí até mais cedo que o resto dos alunos pois queria sossego. Eu só pensava na minha cama! Nem mesmo um livro de mistério ganharia a batalha com minha estafa hoje!
Os corredores de Hogwarts estavam vazios, todos ainda se deliciavam com o peru assado, a salada de batatas com ervas e a sobremesa, gelatina de ruibarbo. Eu podia ouvir os meus passos ecoarem no granito do chão, era um som constante e comfortador. Até as luzes das tochas pareciam estar semi apagadas, tornando a iluminação mais tênue. A lua estava cheia e iluminava levemente aquela noite, as flores dos jardins exalavam um aroma suave e, no ar, pairavam os pólens cintilantes dos lírios-da-meia-noite. Era uma noite maravilhosa, apesar do cansaço, andei devagar em direção ao dormitório aproveitando cada passo, cada brisa, cada som, mas meu momento foi interrompido por passos apressados.
--Sarah! - escutei a voz de Leon ao longe. Só de escutar sua voz senti desgosto. Eu queria tanto ficar sozinha... - Por que saiu mais cedo? - disse ele assim que me alcançou.
--Por que eu quis... - respondi com desdém, não estava com ânimo para aguentar as palhaçadas dele. Não conseguiria ser mais educada, nem que eu quisesse.
--Podia ter ficado um pouco mais, eu ia me sentar do seu lado... - Não deixei Leon terminar a frase, estava cansada e frustrada, queria ter aproveitado um pouco mais daqueles momentos de silêncio e paz e o interrompi:
--Leon, pare com essas suas frases prontas. Elas realmente funcionam com as outras garotas? Porquê tem tanto prazer em me irritar?
-- Eu... – Leon parou de andar assustado. Ele não esperava que eu o enfrentasse. Eu geral eu dava o mínimo de atenção para ele.
-- Você pode ser bonito e atlético, mas por dentro é uma pessoa vazia. – eu continuei, sentindo meu corpo tremer de raiva. Droga! Eu só queria poder dormir!!! - Odeio esse tipo de gente que só pensa em se empetecar e ser paparicado e você já tem uma dúzia de garotas que fazem isso pra você. Porquê precisa de mim pra isso! Você sabe que não funciona! Qual é o seu problema?! – eu dei um passo à frente para ter certeza de que ele ouviria a próxima parte. Ele era mais alto que eu e, portanto, ergui meu rosto de modo que ele pudesse me encarar e ver todo o meu desgosto. – Que fique bem claro, uma pessoa que age como você jamais me chamará a atenção ou será bem vindo na minha vida. Nunca vou gostar de alguém como você! Vá embora. - depois de dizer tudo que veio à mente em meu momento de ira, dei meia volta e saí andando.
Pude vislumbrar que os olhos de Leon, antes cheios de confiança agora pareciam confusos e, com uma ponta de culpa, achei que ele havia se magoado. Eu não havia dado mais que dois passos quando ouvi a voz dele, ainda bem perto e mais grave do que o normal.
-- Sarah! Volte aqui! - finalmente ele havia perdido a razão. Leon me pegou pelo braço com força e indecorosamente me arrastou até me encostar na parede. Não havia ninguém, o corredor estava vazio e eu estava espantada demais para esboçar qualquer reação. Os braços fortes e grossos de Leon segurando os meus, mantendo-os junto ao meu corpo e firmes contra a parede. Eu podia sentir sua respiração pesada, acelerada. O que ele tinha? Parecia estar com medo?! Seu rosto estava para baixo, como se ele estivesse pensando, tomando uma decisão. Quando ele ergueu a face para me encarar, a tênue luz das tochas me permitiu ver seu olhar sério, confuso e até um pouco triste. Leon se aproximou de mim, senti sua respiração na pele do meu rosto, seu perfume, os cabelos negros de sua franja tocando minha testa. Ele me encarava de um modo tão profundo que eu não conseguia proferir uma palavra. Eu não sabia o que viria a seguir, senti um calor intenso em minhas bochechas, meu coração estava disparado, as enormes mãos dele apertando meus braços intensamente. Meu cansaço e minha raiva haviam desaparecido eu só sentia o aumento da minha pulsação e calor. Nunca tinha visto Leon tão sério, tão determinado, tão perto.
Repentinamente, escutamos passos e, logo em seguida, Delfim nos chamando ao longe:
--Sarah! Leon! Onde vocês estão? - imediatamente Leon me soltou, ele parecia assustado, como se tivesse saído de um transe. Ele fechou as mãos em punhos e olhou para mim, respirando pesadamente. Eu também estava um pouco ofegante, não tinha entendido bem o que fora tudo aquilo, diversas perguntas rondavam minha mente, mas só o que eu conseguia fazer era encará-lo de volta sustentando seu olhar.
--Me desculpe, Sarah. Não sei o que deu em mim. Eu não devia... - disse Leon em um sussurro contido. Foi a primeira vez que ele se dirigiu a mim daquela maneira. Pude, nitidamente, perceber uma nota de dor em sua voz. Logo depois Delfim apareceu. Ele nos viu e diminuiu o passo, chegando com cuidado, acho que havia percebido que algo tinha acontecido. Ouvi sua voz séria, pareceu irritado:
--O quê... estavam fazendo? - perguntou. Mas não consegui responder, estava chocada demais, envergonhada demais, foi a primeira vez que um garoto chegou tão perto de mim.
Leon desviou seu olhar e finalmente eu me senti liberta para respirar normalmente. Ele não encarou ninguém.
--Eu vou para o quarto. Boa noite. - respondeu Leon enquanto se retirava. Eu olhei para Delfim e ele parecia insatisfeito com aquela situação, sua expressão demonstrava o quanto estava irritado.
--Acho... que também vou para o quarto. Já está tarde, né? - forcei um sorriso. - Boa noite, Delfim – falei e fui andando lentamente, deixando-o para trás. Mas ele me segurou, colocando a mão em meu ombro. Senti minha respiração parar. De novo não! Era a segunda vez que Delfim me tocava, mas dessa vez pareceu bem mais íntimo que o aperto de mão na biblioteca. Então, se aproximou um pouco de mim pelas costas e disse próximo ao meu ouvido:
--Sarah... se precisar de algo, qualquer coisa, conte comigo. - depois foi embora.
Milhões de pensamentos rondavam minha mente, esperei ele sair de vista e corri em direção ao dormitório. Assim que cheguei eu me joguei na cama e escondi meu rosto no travesseiro. O rosto dele chegou tão perto, lembrava. A respiração de Leon, eu pude senti-la na minha pele! Eu pensava, lembrava, sentia. O tempo todo a cena passava em minha mente, nada do que eu fizesse afastava a imagem dos meus pensamentos. Eu ainda podia sentir sua mão apertando meu braço, sua franja roçando minha pele e eu sentia um calor, um descompasso em meu coração, o que seria aquilo? O que estava acontecendo? Não entendia nada. E Delfim, ele ficou tão irritado, porquê? Ele estava bravo comigo?
Eu senti algo se infiltrando sob meus braços e o corpo quente e peludo de Mio se acomodou no meu peito.
-- Miooo! – ele ronronou e roçou a cabeça sob meu pescoço. Eu o segurei apertado, esperando que seu calor acalmassem as marteladas do meu peito.
-- Obrigada por estar aqui comigo, Mio... – eu suspirei ainda assustada.
Definitivamente, não teria como pensar nos problemas de Nana durante aquele mês.
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