Uma nova amizade



Começava outro ano em Hogwarts. Até agora as férias foram interlúdios dos momentos de intensa alegria e ensinamento, meus músculos tremiam de excitação. Acordei cedinho, e me dediquei ao ato de despertar Mary, muito sonolenta para meu gosto. Eu engoli o café com leite e corri de volta para o quarto para me vestir. Retornei à tempo de ver Mary se servir do seu segundo pãozinho com requeijão fresco. Talvez o fato da minha irmã ser um ano mais velha e consequentemente mais acostumada com o retorno às aulas a tornassem irritantemente menos apressada, mas nunca acreditei muito nisso. Mary Alice estava aleatória a toda à minha correria, rindo de algo que pensou ou que eu inadvertidamente fiz errado. Antes de sair verifiquei se meus livros estavam em ordem, obriguei meu gato Mio a entrar na gaiola, peguei minha mala e esperei. Enquanto Mary terminava de reunir seus livros vislumbrei meu reflexo no visor da televisão da sala e parei. Não aprecio muito o que o espelho me oferece, mas talvez a excitação do dia tenha me deixado disposta e gostei dos olhos e roupa da pessoa do reflexo. Gostava das minhas cores vermelho e amarelas e se pudesse as estaria exibindo junto com minha varinha cor de rosa para todo o mundo. Finalmente Mary ficou pronta e partimos.


Ao chegar à estação King’s Cross, meu pai refez todo o repertório de adeus de todos os anos. Ele ainda não se conformava com nossa natureza mágica. Morria de medo que caíssemos de uma vassoura, explodíssemos em um duelo ou desintegrássemos em um feitiço de transporte. Mamãe já era mais contida. Por ela se despediria em casa, mas papai sempre insistia em nos acompanhar até o último momento possível. Paramos em frente ao portal, sempre gostei de passar por essa parte, pois quebrava a realidade na qual o mundo que achávamos que vivíamos era uma mera sombra do verdadeiro. Mary, como sempre, estava saltitando toda feliz, sorrindo do nada. Sempre que pergunto para ela sobre a passagem, ela responde: “Os dias de enjoo já não existem mais!” Mary sempre pareceu aceitar o fato de ser uma bruxa naturalmente, como se fosse a coisa mais natural você poder mudar e mexer coisas com seu pensamento. Nunca pareceu espantada com a notícia. Lembro que quando a carta chegou ela riu e suspirou! Depois se voltou para mim e disse: “Não se preocupe, tenho certeza que sua carta também chegará!” e em seguida foi fazer o mapa para chegar ao Beco Diagonal!


Ao chegarmos à plataforma 9½ queria entrar logo no trem, mas meu pai sempre aguardava até o último apito, dando recomendações sobre o uso adequado de proteções e, pela primeira vez na minha vida, pedindo para que não nos esforçássemos tanto para uma nota 10. Quando finalmente o trem estava pronto para sair, conseguimos embarcar. Queria chegar cedo para poder escolher onde sentar. Infelizmente grande parte dos vagões estavam cheios e fomos obrigadas a sentarmos separadas. Mary encontrou um lugar junto de sua amiga Estrela Riverdale e mais duas garotas da Corvinal enquanto eu fui obrigada a procurar, sozinha, outro local para me sentar. Já estava ficando desesperada, achando que ficaria a viagem inteira de pé, segurando minha mochila, quando finalmente encontrei um lugarzinho junto de duas meninas. Uma parecia mestiça, de cabelos castanhos e maçãs do rosto rosadas, parecendo uma boneca de porcelana, delicada e quieta, que me cumprimentou com um sorriso educado e ligeiramente falso. A outra, definitivamente era oriental, era pequena e distante, olhando pela janela. Olhou-me de esguelha e quase me senti metralhada. Nunca tinha visto um cabelo tão preto ou rosto tão inflexivo. Parecia que tentava esconder suas emoções a qualquer custo. Percebi logo de cara que não era bem vinda, mas na situação em que estava era lá mesmo que iria me sentar, querendo elas ou não!


Quando finalmente me acomodei, me dei conta que as duas pertenciam à casa Sonserina. Entendi, então, o porquê de tanta hostilidade. Ainda assim, não me abalei, aproveitei para pegar um dos livros de feitiços e dar uma boa estudada, assim estaria mais preparada para a aula do professor Filius Flitwick. Estava tão ansiosa para o começo das aulas! Nada iria fazer meu bom humor ir embora, pensei. Quando o trem deu seu último apito e começou a andar, ouvi passos rápidos do lado de fora. Uma garota abriu a porta e falou ofegante:


- Tem um lugar vago aqui?! – ela era mais nova e pequena. Cheguei a conclusão de que todo mundo era menor do que eu! Tinha cabelos negros e lisos acentuados por mechas vermelho vivo.


A mestiça de porcelana fitou a recém chegada por alguns instantes e logo perdeu o interesse, voltando-se para seus afazeres, que consistiam, eu consegui espiar disfarçadamente, em fazer um cronograma de suas atividades para o próximo mês. Fiquei impressionada com sua qualidade metódica. A garota com máscara expressiva, porém, mediu a menina de cima a baixo. Por um instante senti uma vibração diferente vindo do olhar da sonseriana, ela fitou a menina nova por um bom tempo, sem dizer uma única palavra, como se estivesse levemente hipnotizada. Mas logo virou o rosto novamente para a janela, como se a paisagem fosse mais interessante que qualquer outra coisa naquela saleta.


-Ah! Tem um lugar, que bom! - Sorriu a menina alheia à qualquer uma das observações que para mim eram tão evidentes.


Percebi que pertencia a mesma casa que eu, Grifinória, e senti que finalmente teria alguém para partilhar a viagem.


-Sente-se. - respondi contente. - Meu nome é Sarah, como você se chama?


- Shieru. Shieru Haibara! - A menina tinha um sorriso contagiante. Notei como seu olhos eram longilíneos e fiquei curiosa quanto sua linhagem.


- Adorei suas mechas vermelhas. – acrescentei em tom amigável.


- Jura? Obrigada! - respondeu encabulada, sorrindo timidamente. Nesse instante tive uma sensação estranha! A garota na janela me olhava fixamente, finalmente uma expressão decifrável, parecia irritada. Não entendi o que eu tinha feito. Será que não podia nem conversar com a outra menina? O som da nossa conversa atrapalhava seu pensamentos em relação a paisagem?


- Que belo sorriso. - disse a garota oriental para Shieru, com um olhar malicioso. E, aproximando-se perigosamente de Shieru, acrescentou - Sabe, adoraria fazê-lo desaparecer desse seu rostinho redondo. - Disse enquanto pegava uma mecha dos longos e lisos cabelos de Shieru e aproximava de seu nariz. - que fragrância delicada. Difícil imaginar uma sangue-ruim com perfume de lavanda - Os olhos amendoados da garota se tornaram mais pontiagudos, sua expressão lembrava a de uma raposa. Notei as nuances lilás de seus olhos brilharem levemente. Era assustador. Shieru ficou apavorada, mas ao mesmo tempo, parecia hipnotizada por aqueles olhos lilás. O que era aquilo? Não sabia dizer se a menina estava tentando fazer Shieru chorar ou seduzi-la. A garota oriental se aproximou ainda mais de Shieru e cochichou algo em seu ouvido, mas não pude escutar. Então, a outra de porcelana interrompeu:


- Pare com isso Amaterasu! - Disse irritada, enquanto fechava sua agenda. - Deixe a pivete em paz. Estou cansada e não quero ouvir choradeira aqui! Logo, logo, a barraquinha de doces estará passando e quero lanchar sossegada.


- Guinnevere...você sabe que DETESTO ser chamada pelo meu nome! Está tentando me irritar? Me chame de Nana, NA-NA!! - Respondeu Amaterasu, furiosa. Finalmente, descobri o nome delas! Já estava achando que Guinnevere era muda, não proferiu uma única palavra desde que entrei no cômodo.


- Não entendo essa sua repulsa pelo seu nome, Nana. Tem um significado majestoso, devia dar graças a Merlin que tem esse nome. Não é qualquer pessoa que tem nome de uma Deusa, sabia? - acrescentou Guinnevere.


- Mesmo assim, prefiro Nana. - Disse Amaterasu. Realmente, Guinnevere tinha toda razão. Amaterasu era Deusa do Sol na mitologia asiática. Um nome magnífico, uma garota da Sonserina deveria ter orgulho de um nome desses, mesmo que não o merecesse.


Voltei minha atenção novamente para Shieru, tinha me esquecido completamente dela, frente as descobertas dos nomes de minhas companheiras. Ela estava vermelha igual pimentão.


- Está tudo bem Shieru? Você está vermelha! - perguntei.


- Está sim... acho, acho que tomei muito sol. - Estava claro que Shieru ficou encantada com Amaterasu, ou melhor Nana. Mas era bom ela ficar longe dessas duas, tenho certeza de que Nana não tinha boas intenções, ou pelo menos, não parecia ter.


Finalmente o carrinho de doces chegou. Aquela comoção toda me deixou com fome e estava com saudades de provar feijãozinho de todos os sabores. Me lembravam delicados de goma, meu doce trouxa preferido. Shieru comprou dois sapinhos de chocolate, estava colecionando as figurinhas e disse que gostava de ver o sapinho se mexer. Desta vez ela pegou Professora Minerva McGonagal e Nicholas Flamel. Shieru era realmente muito agradável, gostei de conhecê-la. Graças a ela, a viagem foi bem mais prazerosa do que eu antecipava.


O sol estava se pondo e estávamos ficando cansadas. Ainda demoraria um tempo até chegarmos em Hogwarts, então decidi tirar um cochilo. Shieru já estava cambaleando de sono e sugeri que ela também dormisse um pouco. Nana ainda olhava para a janela observando a paisagem, enquanto Guinnevere continuava a ler um livro que havia retirado da bolsa a cerca de 30 minutos. Que livro estaria lendo? Não havia nada escrito na capa... mas antes que pudesse pensar em perguntar, caí no sono. Acordei bem cedo, ainda estava escuro e Shieru dormia profundamente. Dei uma boa espreguiçada e tomei um gole do meu suco de abóbora que tinha reservado para o café da tarde. Guinnevere dormia encostada sobre a parede e Nana, deitada sobre seu colo. Era difícil de acreditar que aquela menina malvada, de olhos penetrantes, agora dormia com cara de coelhinho. As aparências enganam, pensei. E saí para escovar os dentes.


Umas duas horas depois os alunos começavam a despertar. O murmurinho das conversas ficava cada vez mais alto, e Guinnevere e Nana já estavam de pé. Nana arrumava o cabelo deixando-o levemente espetado e Guinnevere retocava a maquiagem. Shieru, porém, ainda dormia. Hogwarts se aproximava e Shieru não acordava! Estava ficando preocupada, deveria acordá-la? Nisso, o trem parou. Os alunos começaram a descer. Antes que eu pudesse pensar em algo, Nana se aproximou de Shieru, apontou a varinha e disse:


- Aguamenti! - Um jato de água saiu da varinha de Nana encharcando Shieru. A menina acordou gritando. Nana não tinha dó, estava decidida a pegar no pé dela. Guinnevere virou os olhos, mas riu.


- Finite Incantatem! - Interrompi o feitiço e ajudei Shieru com uma toalha. - Por quê faz isso?! - perguntei indignada. - A menina te fez algo?!


- Isso não é da sua conta. Não se meta. - Disse Nana com desdém, e saiu. Guinnevere ficou, hesitou por um momento e então chegou perto de mim e disse:


- É melhor não se meter com Nana. Ela não gosta que fiquem entre ela e suas “presas”. Disse Guinnevere com um sorrisinho falso e saiu.


Shieru soluçava.


- O que eu fiz pra ela? sniff...agora estou toda molhada! Sniff...


-Calma. Venha aqui, eu te ajudo a se secar. Você tem uma troca de roupa? Dá tempo se você se trocar rápido. Logo vai começar a cerimônia e o banquete. Teremos alunos novos! Esqueça aquela menina. Onde estão seus colegas? - Tentei confortá-la.


- Eu não tenho muitos amigos, sniff...não me dou muito bem com as pessoas do meu ano..sniff. - Respondeu desolada e sem fazer o menor esforço para se trocar.


- Agora você tem uma amiga. Eu serei sua amiga! - Falei sorrindo. A menina sorriu extremamente feliz e seu sorriso pareceu iluminar o vagão!


Finalmente ela começou a procurar uma roupa na mala. Esperei Shieru se trocar, mas quando chegamos ao final da plataforma todos os alunos já tinham embarcado para Hogwarts. Praguejei baixinho. Shieru ficou incomodada e eu sorri amigável.


- Não se preocupe eu conheço algumas pessoas da estação, eles podem nos dar uma carona até os portões da escola. – disse enquanto batia na porta da recepção da estação.


Em pouco tempo estávamos na boléia da carroça do senhor Agnus Porteus, orgulhoso entregador de frutas e legumes frescos da escola de Magia de Hogwarts. Extremamente simpático e falador. Infelizmente eu já sabia toda a história que permitiu que ele fosse o único – ele gostava de repetir isso – autorizado à ir para a escola, mas Shieru estava encantada com ele. Ele nos deixou em frente dos portões, nós agradecemos e corremos para a cerimônia.



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