Monstro Depressivo
[LAGO NEGRO; UM DIA APÓS O BANQUETE DO ANO LETIVO]
O crepúsculo estava em seu auge.
A dança de luzes que se estendia além do Lago Negro era deslumbrante. O céu parecia abraçar o sol que estava se pondo além do horizonte, fazendo seu azul claro mesclar-se com o forte coral.
Muitos alunos vieram ver o espetáculo. Aquilo era uma magia que até os trouxas podiam desfrutar todos os dias. A natureza; uma magia que nem Merlim pôde compreender completamente.
As águas negras do Lago Negro bebiam da pouca luz que agora restava do Sol. O amarelo foi escurecendo, dando lugar a um azul-celeste que cobriu todo o céu. As estrelas foram aparecendo junto com uma lua cheia muito brilhante.
O Lago, que era sempre uma referência aos encontros estudantis, estava infestado de discentes. Eduardo Damann e José Augusto travavam um duelo atrás das árvores que cobriam o gramado e muitos outros serviam de plateia: Bárbara Momm, André Rutherford e Alex Willys. Os três conversavam em voz baixa, alguns cochichando besteiras, outros prestando atenção no duelo para aprender as táticas.
Pareciam estar se divertindo, apesar de a maioria dos feitiços serem muito inferiores pelo fato de serem primeiranistas. Estavam quebrando o Toque de Recolher, a diversão tinha que valer a pena, não é mesmo?
Eis que um desconhecido começou a arrastar os pés pelo gramado. Tudo ficou quieto como o breu. Um vácuo inesperado e absurdo. Até as árvores pararam de balançar suas folhas, como se estivessem de luto. Quando Eduardo estava prestes a lançar o último feitiço, ele viu a sombra e apontou discretamente com a varinha. Os alunos viraram as cabeças como um só, pensando ser um zelador a puni-los com detenção. Antes fosse...
A sombra começou a se revelar aos poucos e os alunos se assustaram. Por Merlim, era uma criança!
─ Pai! ─ gritou para o horizonte. Seus pequenos pés chutavam o fofo gramado e o verde de seus olhos era tão profundo que chegava a ser doloroso ao olhar. Pedras começaram a levitar ao redor dele involuntariamente e como se fosse mágica elas foram sendo arremessadas para todas as direções. Por pouco uma delas não acerta a cabeça de Alex Willys.
─ O que significa isso? ─ a voz de um homem estalou pelos arredores do Lago Negro. Sua silhueta foi relevada aos poucos: agora era um zelador. Tinha uma expressão carrancuda, olhos curvados, dentes grandes e amarelos e um queixo duro. Suas vestes eram surradas e raspavam no campo de grama enquanto caminhava. Antes que pudesse completar, a criança disse com uma voz aguda, porém ameaçadora:
─ Saia.
O zelador se esforçou para não explodir em risadas.
─ Mas é claro, vossa Majestade ─ O homem fez uma reverência e deu meia-volta. Segundos depois, virou-se novamente. ─ Pensando melhor, acho que não. Venha comigo, vou leva-lo ao diretor. Ele vai adorar saber o que uma criança está fazendo em Hogwarts.
Com um sorriso malévolo, o homem esticou as mãos. Os olhos da criança imediatamente mudaram, assumindo uma expressão não apenas ameaçadora; mas sim, maligna.
Antes que o zelador pudesse fazer algo, a ponta de uma varinha estava a cinco centímetros de seu peito. Mesmo assim, ele não se intimidou.
─ Oh, eu me rendo! Eu me rendo! ─ gritou o zelador em resposta, esticando as mãos para cima. ─ Eu morro de medo de suas bolhas assassinas. Ah, pelo amor de Deus, o que acha que vai fazer com isso, criança? Devolva-me.
Um sorriso leve espalhou-se pelo rosto do menino. Sua boca abriu e a maldição foi expelida:
─ Avada Kedavra! ─ O zelador tateou os bolsos segundos antes, mas foi em vão. O clarão de luz verde-esmeralda explodiu em seu peito, lançando seu corpo para longe e fazendo-o aterrissar na grama com um baque surdo. Agora seus olhos que antes sugeriam maturidade eram apenas dois globos arregalados e sem vida.
Os alunos deram um grito uníssono; foi quando a criança notou a presenta deles. Girou a varinha entre os dedos e levitou o corpo do zelador para sob o Lago Negro.
Olhou fixamente para todos os rostos e, sorrindo, disse:
─ Oi.
E o corpo despencou dos céus. As águas engoliram o cadáver antes mesmo que alguém pudesse fazer algo. Mas o que fariam, afinal? Eram todos primeiranistas indefesos. Mesmo assim, os alunos de Hogwarts eram muito corajosos. Ou muito tolos...
─ Pare com isso! ─ gritou o lufano André Rutherford antes mesmo de perceber. Todos os outros arregalaram os olhos e tentaram buscar um resquício de coragem no fundo da garganta, mas o máximo que conseguiram foi um engasgo seco. O menino pareceu não gostar da brincadeira.
─ Parar? O que você vai fazer pra me impedir, escória? ─ A varinha balançou no mesmo momento que a de André e duas luzes explodiram. Todos fecharam os olhos firmemente e quando a sombra espectral da noite voltou, eles escutaram um urro de dor.
─ Crucio! ─ dizia o menino a cada cinco segundos, apontando para o corpo de André caído no chão. Era estranho o seu sorriso aparecer do nada, afinal, minutos atrás estava chorando incontrolavelmente. André gritava tão alto que até os alunos de Durmstrang podiam ouvir. O lufano contorcia-se próximo às águas escuras do Lago Negro. Costumavam dizer que a maldição Cruciatus era como se estivessem enfiando várias facas em seu corpo.
─ Por favor, pare! ─ pediu a sonserina Bárbara Momm. Não parecia se importar nem um pouco com a vida de André, mas talvez a inquietude de olhar para alguém se contorcendo a poucos metros dela a fez pedir por seu salvamento. O menino olhou imediatamente para suas vestes verdes e o emblema da Sonserina pareceu cintilar. Fuzilou a menina com os olhos estreitos da mesma cor.
─ Você não tem vergonha de usar as vestes do meu pai? ─ A varinha ergueu-se. ─ Pede o salvamento de um lufano. Uma escória... Por quê? ─ Parecia ligeiramente confuso e perturbado. O brilho que seus olhos faziam era forte, e seus lábios antes em linha reta estavam entreabertos, prontos para murmurar outra maldição.
Bárbara vacilou diante do menino, mas o grifano Eduardo tentou encobrir a jovem.
─ Você devia se envergonhar! ─ Foi a sua única frase da noite. O menino parecia não ter paciência com grifanos. Seu peito foi atingido pelo feixe de luz vermelha tão rápido que ele nem percebeu. Rolou para a árvore mais próxima e ali ficou estagnado.
Alex Willys, um lufano bem estratégico, esgueirou-se para perto de uma árvore e apontou a varinha para o céu. Ele não sabia o feitiço tão perfeitamente, mas conseguiu produzir algumas faíscas vermelhas. Devia servir pra alguma coisa.
Quando a criança viu as faíscas, estalou os lábios. Com um movimento de varinha, o corpo de Alex o traiu e foi sendo lançado para o Lago Negro como se o vento o tivesse levado. Mais um para fazer companhia ao zelador assassinado.
O zelador já estava bem no fundo e os sereianos já haviam o encontrado. Pegaram o homem pelas vestes e o levaram lentamente. Em seu pescoço, uma marca brilhava: um medalhão verde fulgurado em sua pele como uma tatuagem.
Alex não podia parar. Ele ia girando, girando, girando...
E surpreendentemente algo o parou. Todas as cabeças viraram na mesma direção, inclusive a do menino, e encontraram a figura de Alvo Percival Wulfric Brian Dumbledore estagnada diante deles. Seus olhos eram quase sempre bondosos, mas agora tinha uma excessão. Nenhum remorso parecia existia ali. Sua barba branca estava perfeitamente aparada e seus óculos de meia-lua pendurados no nariz.
─ Alvo Dumbledore... ─ O menino não parecia assustado. Dumbledore depositou cuidadosamente o corpo de Alex na grama, assentindo para o lufano que respirava aliviadamente. Se não fosse por ele todos estariam com problemas.
─ Eu diria seu nome, mas temo não sabê-lo... ─ murmurou Alvo com a Varinha de Sabugueiro nas mãos, a tão conhecida Varinha das Varinhas.
─ Me chame de Herdeiro ─ uma pequena sugestão de sorriso perpassou pelos lábios do menino.
─ Pois bem ─ disse Dumbledore ─, não sei quem o deixou entrar, mas por que atacar a escola? Obviamente você sabe que uma vez aqui, é impossível...
Dumbledore foi interrompido. O tal “Herdeiro” girou os pés e milésimos de segundos depois a varinha dele estava pressionada na coluna de Dumbledore.
─... Aparatar? ─ perguntou retoricamente a criança.
Um feixe de luz verde disparou pela varinha dele, mas o corpo de Dumbledore se desfez em pássaros brancos que voaram para o céu. Quando o menino virou a cabeça, Alvo estava parado na entrada, com os braços pousados na cintura.
─ Entendo ─ disse o diretor. ─ Os feitiços foram quebrados. Cada um deles. Mas onde estão os ataques? A guerra? A famosa proteção de Hogwarts foi quebrada e só você vem me visitar?
O Herdeiro sorriu mais uma vez. Um sorriso mais maléfico que outrora.
─ Isso foi um aviso, Alvo.
─ Também podemos chamar de ameaça ─ sugeriu Dumbledore.
─ Chame como quiser ─ bufou o Herdeiro impaciente. ─ Seu prazo é de três dias, Alvo. Você já viu o que eu posso fazer. Três dias para sair daqui, ou Hogwarts conhecerá a guerra!
O Herdeiro explodiu em fagulhas verdes e não estava mais ali.
─ Diretor! ─ gritou José Augusto. ─ Você está bem?
─ Sim, estou bem ─ proferiu Dumbledore. ─ José, você teria a bondade de me ajudar a levar esses alunos para a Ala Hospitalar?
─ Sim, senhor ─ disse, tropeçando com as próprias palavras. ─ Mas, senhor, esse menino estava falando do pai dele. Falou das vestes da Bárbara... quem era o pai dele?
─ Temo que só possa ser um, meu caro grifano... Só pode ser Salazar Slytherin.
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