Irmãos



4. Irmãos


Eu costumava dizer, 'Eu certamente espero que as coisas mudem'. Então eu aprendi que o único modo de as coisas mudarem para mim é quando eu mudo.


Jim Rohn


Eu suspirei, pela vigésima vez seguida, enquanto olhava para o prato com comida à minha frente e via pela janela, jovens com capas, cascóis e tudo o que pudessem usar para se proteger do frio, brincarem com a neve na rua. Pelo que conseguia ver pela janela, Hogwarts estava situado num sítio bonito, com a sua floresta no seu lado esquerdo, os seus muros altos, os jardins e um lago que estava quase todo congelado. Era uma beleza antiga que me atraía e dava vontade de ir ter com eles. No entanto, as varinhas que eu via nas mãos deles enquanto lançavam feitiços, o olhar triste da minha irmã, que não tinha dito mais nada desde que o Dumbledore saiu, nem mesmo quando a Madame Pomfrey nos veio dar comida, faziam-me ficar quieto e brincar com a comida.


A nossa situação era mais grave do que parecia e acho que só agora é que a minha irmã teve consciência disso. Ela estava sem pais por minha causa. Eu que sempre defendi que os filhos não percebiam a sorte em ter um pai, tinha-a feito ficar sem eles. Se ela não quisesse falar mais comigo eu percebia e foi, por isso, que não insisti em fazer conversa. No entanto, quanto mais eu observava o sítio onde estava, mais uma certeza tinha, eu queria ir para ali estudar, quando pudesse. Tudo me fascinava… conseguir fazer magia, o edifício em si, o comportamento das pessoas, onde até a forma de vestir era diferente… Era um mundo diferente e eu estava interessado em o conhecer.


Olhei para a Rose mais uma vez e vi-a, outra vez, na minha cama, a abraçar as pernas enquanto observava os pés como se fosse a coisa mais interessante do mundo.


Voltei a suspirar, não me contendo. Eu odiava-a ver assim mas não podia dizer que não a percebia. Os pais dela tratavam-me mal mas não a ela. Aquela foi a primeira vez e o facto de a mãe a não ter protegido, eu soube depois, foi porque ela desmaiou. Eu se não tivesse estado entre os envolvidos provavelmente ria-me. Desmaiado?! Quem é que desmaia quando vê a filha em perigo?


Eu abanei a cabeça para me concentrar e ignorar os sentimentos de raiva que eu sentia pelos dois. A Rose amava os pais e estar sem eles seria horrível. Eu não sabia o que era crescer com pais mas sabia o que era crescer sem pais e isso é das coisas mais dolorosas que podiam fazer a uma criança. Eu sabia que os avós dela a aceitavam mas o Dumbledore só tinha dito aquilo porque não os conhecia. Eles iriam aceitá-la exactamente pelo mesmo motivo que os Smith não me voltaram a entregar: pelas aparências! E se a Rose fosse vítima do que eu tinha sido, por não haver amor paternal na relação? Eu não poderia deixar! Eu gostava demasiado dela para deixar. Eu sabia que os pais dela a voltariam a aceitar, ou melhor, pelo menos a mãe. O pai dela já não tinha tanta certeza se o que ele lhe fez queria dizer alguma coisa. Ouvi um soluço e olhei com alarme para ela… ela estava a chorar e encolhia-se ainda mais, de forma protetora. Acho que senti o meu coração partir-se naquele momento e esse foi o motivo para a minha decisão. Quando dei por mim estava levantado, a dirigir-me à sala da enfermeira, entrando sem bater. Ela estava a comer enquanto lia um livro distraída e vi com alarme ela apontar-me a varinha com uma rapidez tal que eu levantei os meus braços em rendição.


- Mr. Pot-Smith – ela corrigiu-se, olhando para mim com os olhos cerrados, desconfiada – não lhe ensinaram que bater à porta é sinal de boa educação?


Eu engoli em seco sob o olhar rígido dela mas eu tinha uma missão para ter ido ali e iria cumpri-la.


- Eu quero falar com os meus pais. – Disse com uma força tal que a vi arregalar os olhos de espanto. – Os biológicos. – Esclareci antes que ela confundisse e vi com prazer ela abrir a boca e levantar-se num salto, esquecendo-se aparentemente da refeição que estava a tomar.


- É claro, eu vou já chamá-los. – E passou por mim quase a correr. Não duvido que começasse a correr quando eu já não a conseguisse ver.


- Harry? – Ouvi a voz hesitante da minha irmã perguntar e eu virei-me para ela com um sorriso, tentando animá-la.


- Está tudo bem Rose.


Ela dobrou um nariz, um gesto que fazia sempre que estava desconfiada.


- O que vais falar com eles?


Eu cocei a orelha, não sabendo bem como lhe explicar o que queria fazer.


- Eu vou tentar acertar as coisas.


- Como assim? – Ela perguntou franzindo a testa, séria, fazendo-me ter uma estranha vontade de me esconder dela, mesmo ela sendo mais nova do que eu.


- Eu… - Eu engoli em seco, tentando ganhar coragem de lhe explicar a minha teoria. – Vou fazer uma troca.


- Que troca?


- Bem… hum, sabes que os meus pais biológicos são bruxos, certo? – Vi-a assentir, nunca perdendo aquela expressão de desconfiada. – Bem, então eu acho que eles conseguem resolver as coisas dos teus pais. E-eu vou pedir para tirarem as queixas.


Vi-a arregalar os olhos e abrir a boca indignada e não me espantei nada com o grito dela e o salto que ela mandou da cama, pondo-se à minha frente:


- NÃO Harry! Estás maluco! Tu sabes o que eles fizeram. O pai quando te vir… eu não sei.


Eu sorri triste para ele, sabendo que ela não iria receber bem a notícia que lhe ia dar:


- Eu não vou voltar. – Vi-a arregalar ainda mais olhos e abrir a boca mas antes que ela continuasse eu decidi falar: - O problema na casa sempre fui eu. Eles sempre agiram normal até me terem adotado e eu sei porque fui adotado. Eles escolheram-me porque me consideravam na escola quase um génio e eles basearam-se unicamente nesse ponto. No entanto, tu também és inteligente e mais importante, eles gostam de ti como a uma filha porque tu ÉS a filha deles. Eles nunca te farão mal, a Serena não deixará. Tu vais voltar a ter a tua família, por isso, não tens que te preocupar.


Mal acabei de falar senti um peso contra mim e quando dei por mim estava encostado contra a parede, ao lado da porta, pela força que a minha irmã tinha posto no abraço:


- Eu não quero estar longe de ti! Harry, por favor! Os pais agiram mal, eles precisam de pagar.


Eu sorri tristemente e fiz um carinho no cabelo quando senti que ela chorava, mais uma vez. Estas emoções todas, para uma menina de 11 anos, devem ter sido realmente algo marcante. Mas se o meu plano resultasse ela iria ter uma vida pacífica afinal só estava a fazer isto por ela.


- Eu vou estar contigo Rose. – Murmurei e espantei-me com a calma que estava a falar visto no meu interior ter um turbilhão de sentimentos. – Nós os dois vamos estar em Hogwarts e, por isso, vamos passar a maior parte do tempo, juntos. Só não vamos estar no Verão e ai vamos arranjar maneira para nos ver. Esta é a melhor opção.


Eu vi-a levantar a cabeça e sorri mais uma vez, quando vi os seus olhos azuis, tristes, brilharem com preocupação:


- E tu? O que vais fazer?


- Eu… - Fiz uma pausa não sabendo bem como explicar. – Eu vou estar com os meus pais biológicos.


Ela abriu mais uma vez a boca e eu ri-me para ela, tentando acalmar-lhe as preocupações.


- Os que estiveram aqui?


- Sim. Como viste eles vão-me tratar bem. – Eu disse, fazendo-lhe mais uma festa na cabeça e vendo com prazer que ela estava a começar a aceitar a ideia.


- Mas eles não pareceram muito simpáticos.


Eu não aguentei e mandei uma gargalhada, tentando tirar-lhe o resto das dúvidas dela sobre a minha decisão.


- Estavam nervosos, é normal. Depois de ter isto tudo resolvido vais ver como vais gostar deles. – Eu disse rindo e agachando-me para ficar no tamanho dela. – Não fiques preocupada comigo. Nós podemos até parar de ser irmãos no papel mas seremos sempre irmãos. Eu prometo. – Eu disse e pus a minha mão há frente da minha cara, esticando o meu dedo mindinho, tentando fazer a promessa do dedo mindinho que fazíamos quando eramos mais pequenos. – Também prometes? – Perguntei dando-lhe o meu maior sorriso e vi com prazer ela juntar o seu dedo ao meu com um sorriso. – Então agora ninguém nos pode separar. – Murmurei, levantando-me e dando-lhe um beijo na testa. – Somos e seremos sempre os melhores irmãos do mundo.


Senti uma presença e quando olhei para o lado espantei-me ao ver uma figura ali, em pé, que olhava para a interacção entre mim e a minha irmã, sem demonstrar nenhuma emoção. Era uma rapariga que aparentava ser da minha idade, tinha uma cara fina, umas bochechas coradas que constatavam com a sua figura pálida, um nariz fino e uns olhos azuis acinzentados. Ao ver que eu a estava a observar, o seu cabelo preto brilhante, que ia até abaixo dos ombros, mexeu-se para o lado devido a ela ter inclinado a cabeça, como se me desafiasse a fazer algum comentário engraçadinho. Não gostei muito dela à primeira vista, devido ao ar superior e da nobreza que ela tinha implementado em si, no entanto, ela parecia-me estranhamente familiar e eu percebi o porquê quando a vi cerrar os olhos cinzentos, por eu não falar. Ela tinha sido a rapariga que eu tinha visto no corredor quando o meu irmão biológico foi expulso da enfermaria, o que fazia com que ela tivesse provavelmente alguma ligação a ele.


Depois de ver que nem eu, nem ela, nem a Rose falavam, eu decidi cortar o silêncio:


- Eu sei que isto é uma enfermaria mas pode-se falar em vez de observar a vida alheia. – Eu disse, olhado pelo canto do olho para a Rose que estava só a observar esta rapariga estranha.


- Eu quero falar com a Madame Pomfrey não é contigo. – Ela disse com tanto desprezo para mim que até eu fiquei espantando.


- Não pareces doente. – Eu observei e sei que levantei a minha sobrancelha, num gesto claro de descrédito.


- Eu não estou doente.


Eu senti a minha irritação começar a crescer ao ver que a adolescente não ia dizer mais nada, continuando só a observar-me.


- Sabes que isto é uma enfermaria, certo?


Ela só fez um sorriso de lado, como se aquela fosse a coisa mais idiota que tivesse ouvido no dia todo.


- Sei.


Eu senti-me bufar ao ver que ela era estupidamente irritante.


- E se não estás doente não estás a fazer nada aqui.


- Eu tenho um objetivo para estar aqui e não é para ver a tua estúpida cara, Potter. – Ela disse mostrando a primeira emoção na nossa conversa, desprezo puro.


- Potter? Então sempre foste tu que estavas aqui com o… - eu calei-me não querendo dizer irmão biológico mas também não sabendo bem como o identificar.


- Ah, não sabes o nome do teu irmão e só agora é que reparaste. – Ela murmurou dando um passo em frente, entrando na enfermaria. – És um amor para a tua família.


Eu senti os meus olhos faiscarem e quando dei por mim, já tinha dito o que não queria que a Rose ouvisse:


- Eles não são a minha família!


- Mas tu acabaste de admitir à tua irmã que eles iriam ser a tua família perfeita. – Disse, mostrando os seus dentes brancos, num sorriso irónico.


Eu mordi a bochecha, não sabendo bem o que responder ao ver a Rose olhar para mim, preocupada. Eu não a podia desmentir, se não aquele pequeno ato que tinha feito não valeria para nada mas também não podia dizer que ela tinha razão.


- O que é que estás a fazer aqui afinal? – Eu perguntei, afastando-me da Rose e ficando a poucos passos da desconhecida. – Não tens mais nada que fazer.


- Eu quero falar com a Madame Pomfrey. Não desvies o…


- Mas não estás doente, então o que queres fazer? – Insisti, cortando-lhe a fala de propósito para ela não insistir.


- Quero proibir o meu pai de vir aqui. – Ela disse, ficando finalmente irritada.


- Oh, agora os filhos mandam nos pais?


Eu vi-a cerrar o maxilar e quando ela voltou a abrir a boca não me espantei de ver que não era uma coisa simpática que sairia dali.


- Não, mas ele não merece perder o seu tempo com uma criança estúpida, arrogante que não tem a mínima ideia do que faz! – Ela disse dando um passo em frente, ficando a um metro de mim, no entanto, a expressão de raiva que ela demonstrava, fazia-me temer que ela encurtasse essa distância e me batesse.


- Oh, então tu és uma irmã perdida e vieste proibir o teu pai de falar comigo porque eu pedi para falar com os meus pais biológicos. Não tenhas ciúmes que eu não te pretendo roubar os pais. – Eu ironizei, revirando os olhos para a parvoíce dela.


Eu vi algo mudar na sua expressão quando eu mencionei que tinha mandado chamar os meus pais biológicos, ficando espantada e algo assustada.


- Tu chamaste o Tio James e a tia Lily? – Ela perguntou, demasiado espantada para pôr a sua máscara. – O que queres com eles?


Sinceramente, acho que fiz uma careta quando a ouvi falar. Tio James e tia Lily? Então o meu pai chamava-se James… senti o meu coração apertar com a revelação mas acordei quando a vi encurtar a distância e senti algo pequeno e fino contra o meu peito. Espantei-me quando vi uma varinha lá, apontada ameaçadoramente por ela:


- Se tu os fazes sofrer mais, eu juro por Merlim que te enfeitiço até não saberes dizer o teu nome. – Ele murmurou entre os dentes.


- Natalie! – Ouvi um grito, vindo da porta e espantei-me quando vi um homem alto e elegante, com a mesma face fina que ela, um cabelo preto um pouco comprido e uns olhos iguais ao dela, acinzentados, entrar com duas passadas rápidas. Eu quando o vi, não tive dúvidas de quem ele era, com a postura elegante e arrogante, que só tinha visto até agora naquela menina à minha frente. – O que é que estás a fazer?


Eu vi a rapariga olhar assustada para a porta e guardar a varinha num gesto fluído enquanto me virava as costas, olhando para o pai:


- Queria falar contigo. – Ela murmurou e eu não resisti a meter-me na conversa dizendo:


- Acho que ele não é a Madame Pomfrey. Deves ter batido com a cabeça. – Quando a vi virar a cabeça para mim, com uma velocidade fenomenal, não evitei dar o meu melhor sorriso, que só a fez bufar.


Espantei-me quando ouvi uma gargalhada que mais pareceu um latido e reparei ainda mais assustado que vinha do homem que tinha acabado de chegar.


- És mesmo um mini-Prongs. – Ele disse, pondo-se ao lado da filha e abraçando-a pelos ombros. – Finalmente alguém que se consiga defender da Natalie. – Ele disse e apesar das palavras olhava com tanto carinho para a filha que eu não duvidei, nem por um instante, que ele amasse a filha. - Ela foi demasiado mimada e criou essa língua afiada. Oh, eu não me apresentei. – Ele disse parecendo subitamente nervoso, largando o ombro da filha enquanto dava um sorriso para mim. – Sirius Black. -Ele disse e abriu a boca para dizer alguma coisa mas fechou-a subitamente, como se não tivesse coragem, fazendo a Natalie revirar os olhos.


- Harry Smith. – Eu disse, estendendo uma mão para o homem que ao contrário da filha, eu tinha simpatizado mas para meu espanto, ele não aceitou a mão, dando dois passos e abraçando-me com força.


- Se tu soubesses o quanto eu quis fazer isto. – Ele murmurou e eu desconfiei que fosse mais para ele do que para mim. – Ah, mini-Prongs, finalmente estás aqui. – Ele disse afastando-se e dando-me o sorriso mais brilhante e sincero que eu já vi em muito tempo.


- Mini-Prongs? – Eu perguntei, não percebendo mas tendo um aviso de que esse nome me era familiar por algum motivo.


- Prongs, é o teu pai. – Murmurou logo a Natalie, fazendo o pai dela olhar em repreensão para ela mas não desmentir. Eu lembrei-me do que ela tinha dito antes… tia e tio e não consegui evitar perguntar:


- Então o senhor é o meu tio?


Para minha surpresa ele deu mais uma gargalhada, como se eu tivesse dito uma piada muito boa.


- Não, mas podes considerar-me o teu tio honorário . Ou melhor, considera-me o teu padrinho. – Ele disse continuando com aquele sorriso largo e branco mas eu fiquei demasiado chocado ao ouvi-lo.


Padrinho? Eu tinha um padrinho??? E aquele homem era o meu Padrinho? Eu tinha mesmo uma família, com direito a padrinho, no mundo mágico?


- Ohhh, que choque. – Ouvi a voz irónica da Natalie, que me fez despertar do meu estado.


- Natalie! – Ouvi o Sirius repreender, perdendo o sorriso pela primeira vez. – Já chega!


Ela cerrou o maxilar e não duvido que fosse dizer alguma resposta mal-educada quando todos ouvimos passos e eu vi os meus pais a correrem pelo corredor como se fossem adolescentes. Não consegui evitar revirar os olhos, no entanto, a minha atenção foi chamada para a Rose que no meio daquela conversa se tinha sentando na minha cama e me chamou:


- Harry, não precisas de fazer isso. – Ela quase sussurrou mas mesmo assim eu ouvi-a e não evitei sorrir e apontar para o meu dedo mindinho.


- Irmãos, lembraste? – Eu perguntei piscando-lhe o olho. Quando a vi sorrir virei-me finalmente para as visitas, vendo que ao Sirius e a Natalie, se tinham juntando a Madame Pomfrey, que olhava desconfiada para a Natalie e os meus pais biológicos que, mais uma vez, pareciam perdidos a olhar para mim. Eu dei um sorriso tímido que sei que foi verdadeiro, apesar de pertencer à atuação para a Rose se acalmar e perguntei:


- Posso falar convosco a sós?


Vi-os trocarem um olhar de incompreensão, provavelmente lembrando-se da minha decisão anterior de não falar com eles mas, mesmo assim, acenaram afirmativamente, com os olhos cheios de esperança. Decidi ignorar a careta que a Natalie fez e o sorriso que o Black tinha no seu rosto, ao ouvir as minhas palavras.


- Podem ir para a minha sala. – A Madame Pomfrey disse prontamente, apontando para a sua salinha com um sorriso e eu tive a certeza que ela também estava no clube que queria que eu e os meus pais biológicos se reconciliássemos.


Eu assenti e dirigi-me para a sala, vendo-os seguirem-me de perto, como se tivessem com medo que eu fugisse. Olhei para a primeira vez para aquela sala com atenção e vi com curiosidade que a Madame Pomfrey tinha um armário na parede oposta que ia até mais de metade da parede, com portas transparentes, que estava cheio de frascos com as mais coloridas poções. Ao lado do armário encontrava-se uma mesa estava cheio de livros, estando três abertos como se ela tivesse estado a lê-los ao mesmo tempo e uma porta que presumi que fosse para o quarto dela. Do meu lado esquerdo encontrava-se outra mesa, ainda com o prato e alguma comida e um livro aberto à frente. Do meu lado direito, estava uma porta que tinha escrito estranhamente, laboratório e eu tive o pressentimento de que era ali que ela passava a maior parte do seu tempo livre. Ao lado dessa porta encontrava-se um sofá castanho que parecia extremamente confortável. No centro da sala, estava uma mesa redonda com cadeiras à volta e eu decidi que iria ser ali a nossa reunião. Dirigi-me para lá e sentei-me esperando que eles fizessem o mesmo. Vi-os olhar com surpresa para mim e sentarem-se sem demoras nos lugares mesmo à minha frente.


- Bem, eu vou-vos deixar sozinhos. – Murmurou a Madame Pomfrey, constrangida, pegando no prato que estava em cima da mesa e saindo de lá, fechando a porta.


Eu não consegui evitar o sorriso ao vê-la sem saber como agir, no entanto, quando olhei para a frente e vi a face dos meus pais biológicos, da Lily e do James, perdi automaticamente o sorriso, ficando, simplesmente, a olhar para eles. Sempre que eu olhava para o James, com algumas rugas de expressão na cara, a face mais adulta, eu não conseguia evitar pensar como é que eramos tão iguais. Até o meu irmão biológico era mais diferente dele.


- Harry, passa-se alguma coisa? – Ouvi a Lily perguntar, calma e controlada, como se estivesse pronta a ajudar-me. Ela não parecia a mesma pessoa que tinha visto naquela manhã, que estava demasiado nervosa para fazer alguma coisa. O quer que tenha acontecido naquele intervalo de tempo, tinha-lhe feito bem.


- Eu tenho uma proposta. – Disse e vi-os olharem para mim, incrédulos.


- Que proposta? – Perguntou o James.


Eu sorri e vi-os a retribuir o gesto timidamente, fazendo-me ter vontade de rir.


- Simples. Vocês querem o vosso filho herói, eu quero que a Rose tenha os pais.


- Harry… - Ouvi o tom de aviso do James mas eu continuei.


- O que eu disse antes é verdade. Eu sei porque vocês me querem e nem preciso que finjam mais, isso só me irrita. Agora, eu quero que a Rose tenha os seus pais de volta. Ela precisa dos pais! – Eu disse com tanta garra que me repreendi mentalmente por lhes estar a mostrar tanta emoção. Eles não precisavam de ter mais certezas que a minha fraqueza era a Rose.


- Harry, nós não vamos tirar as queixas. Desculpa, filho. – Ouvi o James dizer, outra vez com aquela voz controlada, parecendo estar realmente com pena de não me fazer a vontade.


Filho? Ele estava a chamar-me de filho? O filho que ele não procurou? Ele não tinha direito nenhum a chamar-me isso!


- Eu não sou o vosso filho! – Eu quase gritei, levantando-me com um gesto tão rápido que a cadeira ia quase caindo. – Eu não sou o vosso maldito brinquedo que vocês encontraram passado 13 anos! Eu sou uma pessoa, caramba! – Eu vi a face chocada deles e a Lily estava a abrir a boca para me responder, no entanto, eu impedia-a. Erguendo-me completamente e fazendo um gesto com a mão para ela parar. – Esperem. – Eu inspirei e expirei, tentando ganhar a calma que eu precisava. – Eu não sou o vosso brinquedo mas posso ser. – Eu murmurei e para meu espanto vi os dois olharem com raiva para mim.


- Harry! Nós..


- Esperem! – Eu disse mais uma vez, cortando a fala dela, tentando ganhar toda a calma que eu precisava. – Vocês querem-me, certo? Para viver com vocês e isso tudo ou estou enganado?


- Não, nós faríamos tudo para que quisesses viver connosco. – Ouvi a Lily dizer e não evitei sorrir.


- Então está resolvido. Eu estou disposto a ser o vosso… - eu parei, não tendo coragem para acabar a frase. Porque é que doía tanto fingir, dizer aquilo, quando eu sabia que era o necessário para a Rose ser feliz. Isto era pela Rose… pela Rose…. – Filho…


Vi-os ter um sorriso de orelha a orelha, parecendo ignorar os problemas que eu tive ao dizer aquela palavra. Vi com espanto, os dois levantaram-se e quando dei por mim estava outra vez a ser abraçado, desta vez pela Lily.


- Harry, não existe nada que queiramos mais no mundo.


Eu mordi o lábio e senti os meus olhos começarem a arder.


Porque é que eu era tão emocional?


Eu não sabia que tinha que me afastar e dizer as minhas condições, em vez de estar ali, paralisado, sentindo uma enorme vontade de abraçar de volta? De sentir como era o amor de mãe mesmo que seja a fingir? De me imaginar a viver com eles pelo simples prazer de ter pais comigo, a falarem comigo, a gostarem de mim em vez de ser porque a Rose precisava disto?


Eu precisava de acordar e precisava de sair daquele abraço antes que eu me rendesse às minhas emoções e fizesse alguma coisa que me fosse arrepender no futuro! Eu consegui sobreviver aos Smith porque ainda não estava muito apegado emocionalmente mas com eles… só de os ver eu sentia vontade de me sentar e ficar a ouvi-los. Abraçá-los, brincar e tudo o que nunca senti vontade com qualquer outro adulto, porque eles eram os meus pais. Ela era a minha mãe, uma cópia exata do que qualquer órfão sonharia, bonita, calorosa, com uma aura amigável e um ar maternal, e ele não estava atrás. Eu sabia que qualquer criança do meu orfanato iria aceitar. Eu próprio iria aceitar se não tivesse passado pelos Smith e tivesse percebido que as ilusões pagavam-se caras.


- Volta connosco. – Ouvi o James, o meu pai biológico, dizer, juntando-se ao abraço.


Eu cerrei ainda mais o maxilar, só sentido aqueles braços se apertarem contra mim e eu cada vez mais perder vontade de lutar contra eles. E se eles tivessem razão? Eu tivesse sido dado como morto e ninguém pudesse imaginar que estava vivo e eles estivessem realmente felizes em me ver e me quisessem porque sempre me amaram e nunca se tinham esquecido de mim? Eu estava a levantar os braços para retribuir ao abraço até que eu me lembrei da última vez que abracei um adulto… A Serena… Ela tinha feito exatamente o mesmo. Tinha dito que iriamos ser uma família e que eles me amariam, como a um filho verdadeiro mas era tudo mentira. Ela não me amava com a um filho, no máximo, como a uma criança alheia. Com eles seria a mesma coisa. O filho daria problemas e as culpas seriam para mim. Eu não podia cair na conversa deles e, por isso, afastei-me, saindo do abraço, e controlando os meus olhos que estavam a arder tanto, que ao mínimo erro meu, eu choraria.


- Eu tenho uma condição. – Eu murmurei e insultei-me mentalmente ao ver que a minha voz tinha saído rouca. – Tirem as queixas contra os Smith e eu voltarei com vocês e farei de tudo para pensarem que somos uma família perfeita.


Vi-os abrir a boca indignados e não percebi realmente qual era o problema para eles.


- Digam que foi tudo um mal entendido. Vocês são bruxos, não conseguem fazer isso?


- Harry! – Ouvi o grito indignado dos dois.


- É verdade. – Murmurei. – Ou vocês querem mais alguma coisa? Querem que me torne num soldado para derrotar o Voldemort?


- Harry! – Ouvi outra vez o grito indignado e cada vez mais agudo da Lily. – Nós não queremos nada disso!


- Então o que é que querem?


Vi-os trocarem um olhar e, desta vez, quem respondeu foi o James.


- Queremos que sejamos uma família.


- Então, isso…


- Uma família verdadeira! – Ouvi a Lily dizer, interrompendo-me. – Queremos que tu gostes de nós porque somos teus pais, não que finjas isso. Queremos que mostres curiosidade em nos conhecer, a nós e a ao teu irmão. Que aprendas o que é uma família e ser membro de uma família. Queremos que nos ames tanto como nós te amamos a ti.


Eu olhei para eles e apesar de ter uma vozinha cínica que estava a contradizer tudo o que ela disse, eu senti o sentimento por trás das palavras, como se ela estivesse a falar do coração e eu admito, mesmo não gostando muito disto, não aguentei e virei-lhes as costas, olhando para a porta com atenção, tentando ignorar as palavras deles, que NÃO eram verdadeiras.


- Eu só tenho esta proposta para vocês. Eu volto mas têm que tirar as queixas.


- Então não! – Ouvi a voz séria do James e eu espantei-me tanto que voltei a olhar para eles, vendo que se eu estava nervoso, eles não estavam muito atrás.


- Bem, pensei que valeria um pouco mais mas pelos vistos enganei-me. – Disse com uma gargalhada sem humor. Como é que eu poderia pensar que eles iriam fazer isso para me ter? Eu não valia mesmo nada…


- E vales! – Ele disse com convicção, dando um passo em frente, para mais perto de mim e pôs as duas mãos nos meus ombros. – Mas o que o Smith fez, ele… - Ele desviou o olhar do meu e eu senti o aperto nos meus ombros aumentar, como se ele estivesse cheio de raiva. – Eu nunca o vou perdoar e eu fiz para que ele tivesse muitos e longos anos na prisão. Nada vai mudar isso.


Tinha sido ele? Era por orgulho que ele não aceitava a minha proposta?


- Então preferem não me ter do que perderes o teu maldito prémio por o teres posto na prisão?


- Isto não é um prémio!- Ele quase que gritou, olhando para mim com uma fúria tal que eu tive vontade de dar um passo para trás, lembrando-me do mesmo olhar no Smith. – Ele ia-te matando! Quem me garante que ele não faria o mesmo se ficasse em liberdade? Sabias que ele pensava que eras um anormal? – Ele perguntou, largando-me os ombros e olhando para mim com tanta agitação que eu não consegui desviar o olhar. – E a filha dele também? Que pai é esse? Ele merecia ir para Azkaban! – Eu não sabia o que era isso mas pela forma como falou não era uma coisa simpática. – Queres isso para a Rose? Queres que ela seja maltratada mesmo quando tiveres connosco? Porque ele não vai parar! E eu sei que tu não desejas isso para ela, então desiste dessa ideia porque sim, se para isso tivermos que lutar muito mais para tu nos aceitares como pais, então eu vou aceitar esse desafio com prazer. Ninguém merece aquele homem como pai e o único lugar para ele é a prisão!


Eu engoli em seco, sabendo que ele podia estar a dizer a verdade e nesse caso, a Rose não ficaria melhor com eles. Mas ela queria os pais porque os amava ou pelo menos a mãe. Elas sempre tinham tido uma relação muito forte e a Serena tinha muitos defeitos mas amava tremendamente a filha e não deixaria que nada lhe acontecesse. Mas e se o Louis se virasse contra as duas? Também podia acontecer e eu não estava lá para as proteger. Podia pedir para que os vigiassem mas era muito mais complicado e ninguém conseguiria impedir o Louis. Mas a Rose também não podia ficar sem pais. Ela precisava da mãe! Da mãe…


- Ok,- eu disse, espantando-os– eu compreendo. Vou modificar a minha proposta. A Serena. Soltem a Serena. Ela não fez mal a ninguém, nunca me bateu – eu acrescentei, ao vê-los abrir a boca em indignação – e ela ama a Rose. Nunca lhe fará mal. Se eu não estiver lá, ela vai tomar conta da Rose como tomava antes e acreditem que era uma excelente mãe.


Vi-os trocarem outro olhar, parecendo pelo menos pensar.


- Harry, mas ela não fez nada para parar.


Eu ri-me.


- Claro que não. Ele nunca tocou na filha e eu para eles era um rufia, então não contava. Mas também posso dizer que ela não via quando ele me batia – eu decidi omitir o fato que ela sabia que as agressões estavam a acontecer só que não fazia nada – e, por isso, não acredito que ela seja culpada. Ela tem uma filha para tratar e vocês viram como a Rose estava. Eu volto para vocês, como uma família, se vocês derem a oportunidade à Rose de ter uma família também.


- Ela podia ficar connosco. – Ouvi a Lily dizer mas eu cortei-a.


- Não é a mesma coisa.


Eles olharam para mim e quando viram que não ia dizer mais nada vi-os trocar um olhar. Eu não consegui perceber o que ele queria dizer mas pelos vistos chegaram a um entendimento porque o James virou-se para mim:


- Certo. A Sr. Smith vai ficar sem queixas e a Rose vai ficar com ela.


Eu sorri, não sei dizer bem o motivo do porquê, mas senti um peso sair de cima de mim ao ouvi aquilo. A Rose ia ter uma família e eu… eu ia ter uma espécie de família.


- Só mais uma coisa. A Serena, ela… hum, ela não trabalha. Vocês não a conseguem ajudar com algum feitiço ou assim?


Eu vi-os rir do meu constrangimento.


- Não, mas eu tenho contatos. Não te preocupes, nós vamos nos garantir que não vai faltar nada à Rose. – A Lily disse.


- E eu vou vigiar o caso de perto. – Ouvi o James dizer, com uma sombra no olhar. – Se ela fizer algum mal à menina… A Sr. Smith vai ser presa na hora!


Eu sorri. Se ela realmente fizesse mal à Rose então não merecia a filha que tinha e eu sabia que pelo menos tinha dado a oportunidade de eles voltarem a ser uma família.


- Hum, quando é que eu… vou ter que fazer o que tenho que fazer? Da família… -esclareci ao ver a confusão no olhar deles e eles para meu espanto sorriram.


- Agora, vais melhorar. – Disse o James, pondo uma mão nas minhas costas e empurrando-me para a porta de saída. – Por isso, não te preocupes. Vai ser tudo a seu tempo. – Disse abrindo a porta. – Por agora, só gostávamos que não recusasses as nossas visitas.


Eu assenti, vendo que do outro lado, sentados pelas camas encontravam-se todas as pessoas que tinham estado lá antes, incluído a Natalie que parecia estar numa discussão com o pai.


- Se eu vou viver com vocês é o mínimo que posso fazer. – Disse, sorrindo, tentando preencher o meu papel de filho e vendo a Lily e o James… não, os meus pais, abrirem um sorriso também.


- Harry. – Eu ouvi a Rose chamar e eu sorri para ela e sentei-me ao lado dela, na minha cama.


- Está tudo bem Rose. – Disse abraçando-a. – Agora, está tudo bem… 


N.A. Posso dizer que inicialmente não tinha previsto juntar a Rose com a mãe, era para ela ficar com a Lily e o James, no entanto, a fic teve o seu próprio desenvolvimento e acabou por ficar assim. No próximo capítulo temos um pouco do Voldemort e mais desenvolvimentos familiares. Qualquer coisa comentem, por isso, até lá =).

Neuzimar de Faria: Com este capítulo vemos que o Harry até vai ter uma oportunidade com o James e a Lily. Como se vai desenvolver só o tempo dirá. Obrigada por comentar e espero que goste ^^.

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Comentários (1)

  • Neuzimar de Faria

    Gostei muito deste capítulo e do Harry ir morar com a família, apesar das circunstâncias. Ele gostou do Sirius, isso é bom, pode ajudar. Mas, parece que um entendimento verdadeiro ainda vai demorar, não é? Então, que venha o próximo capítulo! Aguardando ansiosa. Até!

    2013-01-24
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