Único



O mês de Janeiro sempre trazia uma sensação gostosa para toda a Hogwarts. Era o final do inverno, e antecedia de forma deliciosa a primavera que trazia muitas flores perfumadas e um colorido magistral aos terrenos da escola.


Naquelas tardes de clima ameno, o Lago era o lugar onde todos poderiam se encontrar. Um lugar para relaxar e descontrair depois de uma semana exaustiva e uma manhã corrida pelas ruelas de Hogsmeade.


Então, ela caminhou, mesmo que solitária, até um pequeno amontoado de grama quase verde, sentando-se sobre ela e fitando as árvores e o céu distante, por trás daquele imenso lago enegrecido.


Catou uma pedrinha qualquer próxima de si e a segurou com força em uma das mãos, observando demoradamente, mesmo que sem necessidade, o pequeno pedregulho, e o lançando em seguida no lago diante de seus olhos.


Pensava nele.


Era realmente incrível e até mesmo estranhamente aceitável o fato de a maioria de seus amigos e próximos pensarem e acreditarem que não sentia mais nada por ele. Suspirou imaginando o quanto poderia enganar os outros, mas não a si. Nunca a si mesma, e se deveria ser franca, sabia que o sentimento iniciado na infância cresceu assustadoramente, assim como ela, com o passar dos anos.


O menino que sobreviveu era alvo fácil para as garotas daquela escola. Sempre tão encantador. Sua timidez era capaz de fazer qualquer simples bruxa ou mortal se derramar de amores, assim como ela. Aqueles olhos profundos e tão sinceros poderiam atrair a maioria das garotas que os fitassem, mas o coração de Harry Potter era um terreno inabitável. Não dava para decifrar o que se passava pelos pensamentos do rapaz. Não conseguia descobrir o que ele pensava sobre ela.


Uma outra pedra foi lançada na escuridão do lago.


É verdade que se tornara uma bela jovem, de muitos atrativos, se assim se desse ao luxo de pensar. Adquiriu um belo corpo, com formas arredondadas e que chamavam bastante à atenção de garotos bobocas e garotas invejosas.


Os cabelos, longos e extremamente lisos desciam flamejantes em contraste com sua pele muito alva e suas muitas sardas. E sentia-se bonita. Gostava do contorno de seus lábios e do castanho de seus olhos... Sim, sentia-se bonita, mas até onde Harry Potter achava isso por ela?


Fechou os olhos com força lembrando-se do ano anterior. Foi tão triste saber que ele namorara a Chang. “Aquela japa sem graça”, pensou, lançando com força mais uma pedra contra o lago.


 


- Um galeão por seus pensamentos.


 


A voz familiar a desconcertou. Há muito, mesmo sem perceber, estava sendo observada ao longe, por um par de olhos incrivelmente verdes, um par de olhos que ela tanto amava fitar.


Harry sentou-se ao seu lado e ela estremeceu discretamente. Poderia culpar os resquícios de frio que ainda maneavam pelos terrenos de Hogwarts, mas para a sua sorte, ele não percebeu, passando uma das mãos desajeitadamente em seus cabelos logo após sentar-se, conseguindo bagunçá-los ainda mais.


Ela sorriu.


 


- O que foi? Rindo de mim? - ele perguntou confuso e ela o fitou ainda com os restos do sorriso nos lábios.


- Sim. Quer dizer... Não. - sorriu novamente.


- Hum... E o quê então?


- Estava pensando na mamãe.


- Como assim? - ele achou engraçado.


- Você com esse cabelo bagunçado. A mamãe iria adorar cortar.


- Ah sim - ele sorriu envergonhado bagunçando os cabelos ainda mais - É verdade.


- É sim.


 


Um silêncio se fez entre os dois no momento em que os sorrisos cessaram. Os olhos se encontraram por um breve momento e em seguida, ambos fitaram algum ponto distante para os dois. Harry continuou.


 


- E então? Por que estava tão brava?


- Brava?


- Sim. Você estava jogando pedras no Lago de forma assustadora.


- Estava me espiando Potter?


 


Ele avermelhou antes de responder. Fitou totalmente encabulado as mãos, agora apoiadas nos joelhos, e engolindo em seco duramente, a fitou novamente, desta vez para responder o que havia sido questionado.


 


- Não estava espiando - suas bochechas coraram ainda mais e ela sorriu fitando novamente o lago - Estava observando você.


- E por quê?


- Estava pensando o que estaria se passando por sua cabeça.


- Hum... Muitas coisas. A cabeça de uma garota é um lugar fértil. - sorriu.


- Imagino - sorriu desajeitado - Mas no que pensava?


- Em como as coisas tem mudado - mentiu - Como tudo parece tão diferente a cada ano.


- Isso te assusta?


- Sim - ela o fitou - Muito. Não sei o que vai ser daqui pra frente. Tudo está sempre tão obscuro. Tudo sempre é tão difícil. As coisas tem ficado difíceis mesmo. Isto assusta.


- Me desculpe por isto.


- Não precisa me pedir desculpas Harry. Nada disso é sua culpa.


- Mesmo assim Gina...


- Harry, nada disso é culpa sua. Você é tão vítima quanto qualquer um de nós. Até mais do que cada um de nós. Não se sinta assim...


- Eu queria ser normal.


- Mas você é - ela falou carinhosa.


- Não, eu não sou. Enquanto meu passado insistir em aparecer, nunca serei normal.


- Harry...


- Sabe Gina...


- Hum...


- É difícil não poder levar uma vida normal. Não gosto de ser o menino que sobreviveu, muito menos de não poder viver o que gostaria. É frustrante saber que poderia ter sido diferente.


- E o que você gostaria de viver?


- Consegui muita coisa depois que conheci vocês... A Mione e os Weasley. Recebi carinho e amor como nunca tive antes, e pude dar também, de certa forma... Tenho conseguido. Mas às vezes eu acho que não viverei o suficiente para ter a minha família, meu lar, meus filhos...


- Não fale assim Harry...


- É muito dolorido gostar de alguém e desejar que esta pessoa seja feliz... E ao seu lado. E não se ver em condições de fazer isto.


- Entendo você Harry - Gina entristeceu - Não sabia que ainda gostava da Chang desta forma.


- Não - ele ficou nervoso - Não é da Chang que estou falando.


- Não? - ela ficou realmente confusa.


- Não - ele corou.


- Se eu puder te ajudar...


- Não, não precisa.


- Harry, você não pode se privar de ser feliz e viver bons momentos por causa de seu passado. É verdade que o futuro está aparecendo de forma conturbada, mas você não pode deixar de viver o hoje temendo o amanhã.


- Talvez tenha razão...


- Eu sempre tenho - ela sorriu.


- Pode ser que sim.


- Sempre tenho.


- Certo - ele sorriu - Sempre tem.


- Então... Por que você não aproveita este momento e faz alguma coisa por você? - falou divertida alongando o corpo.


- Como o que? - ele a observava concentrado.


- Hum... - ela o fitou - Que tal uma loucura?


- Uma loucura?


- Sim. Faça uma loucura Harry. Alguma coisa que sempre teve vontade e nunca encontrou coragem - Gina tinha o peito dolorido por falar essas palavras quando na verdade, ela mesma queria fazer algo por si mesma, e não incentivar o Harry a estar com outra pessoa, mas era sua amiga acima de tudo, queria seu bem - Faça alguma coisa que te faça encostar a cabeça em seu travesseiro e sorrir pensando que mesmo que não tenha dado certo, você tentou. Entende?


- Entendo sim...


- E então...?


- O que?


- O que vai fazer?


- E se o que eu quiser fazer envolver outra pessoa?


- Faça... Fale... Ouse Harry. Não perca mais tempo. Faça algo por você.


 


Gina sorriu de forma encantadora. Os lábios finos e delicadamente desenhados se abriram para Harry como o Sol que brilha depois de uma tempestade. Um sorriso encantador e envolvente. Os lábios estavam coloridos com um tom rosado e o movimento que ela fez forçou graciosamente os seus olhos a se fecharem um pouco, devido ao volume encantador de suas bochechas. Estava hipnotizado.


O vento soprava de forma vagarosa, balançando de forma magistral os cabelos vermelhos como o por do sol. A brisa da tarde envolveu Harry de uma forma que ele não pode imaginar. Ouviu ao longe os pássaros que brincavam de voar pelos terrenos de Hogwarts cantarem uma melodia envolvente e fitou de forma compenetrada os olhos castanhos e brilhantes que lhe encaravam ainda comprimidos pelo sorriso dela.


 


- Tem certeza que eu preciso arriscar? - ele falou num tom rouco, estranhando a própria voz e sentindo as entranhas se contorcerem dentro dele.


- Tenho - o sorriso dela se desfez e os olhos castanhos que fitavam os verdes concentraram-se nos lábios do rapaz. Ela suspirou forte imaginando o que aconteceria agora.


 


Harry não sabia se estava realmente agindo da forma certa, mas o desejo que tinha em tocar os lábios dela era mais forte que seus pensamentos agora. E ela não retesou ou fugiu, apenas ajudou o rapaz aproximando ainda mais o seu rosto do dele, envolvendo-se também na brisa que os acompanhava.


Quando os olhos se fecharam e os lábios se tocaram, tudo parou. Os sons que eram ouvidos não mais eram perceptíveis, a única coisa que eles conseguiam ouvir era a respiração um do outro. O aroma da grama e das flores que circundavam o lago foi perdido e o que eles sentiram foi o aroma um do outro. O cheiro de rosas dela. O cheiro cítrico dele.


Sentiram as mãos puxarem seus corpos para mais perto e o desejo de estarem juntos cresceu mais. Ela sentia o mesmo que ele. Ele sentia o mesmo que ela. E após alguns segundos, que pareciam horas, eles se afastaram, os olhos brilhavam, os lábios estavam rosados e foram adornados de um sorriso sincero.


Uma esperança. A esperança de um futuro onde pudessem estar juntos. Mais um motivo pelo qual lutar.


 


 

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