Ensaio sobre a vida habitual
ENSAIO SOBRE A VIDA HABITUAL
Pensamentos de um homem debaixo do semáforo, sem nada para fazer além de parar e esperar durante três conjuntos de segundos.
O disco vermelho iluminou-se.
Não havia nada a fazer além de sentar, puxar o freio de mão e pôr os olhos no semáforo pelos próximos conjuntos de segundos. Na calçada ao lado o desenho do homem verde se tornou evidente e os pedestres começaram a atravessar a rua nas faixas pintadas de branco, com seus eletrônicos e sua pressa habitual.
Eram duas horas e quatorze minutos de uma segunda feira habitual para ele há pelo menos cinco anos. Nunca pensou que um dia chegaria a dirigir um carro, mas aparatar sempre era cansativo e sua rinite agradeceria se não usasse lareiras. Automóveis eram máquinas práticas, embora o trânsito nem sempre o fosse, e havia aprendido a dirigi-los meio contra a vontade, mas aprendera mesmo assim.
Tinha um belo exemplar e sabia disso. Se era para estar dentro de algo não-mágico, pelo menos que fosse o melhor. Ele não aceitaria nada menos.
Ligou o aquecedor, estavam perto do Natal e a temperatura em Londres já alcançava os números negativos. Hermione adorava o inverno, ele não. Aprendera a apreciar mais as temperaturas amenas e o clima menos rígido do outono. Bem entre os extremos, era perfeitamente agradável para ele. Não poderia precisar quando o inverno havia deixado de ser sua estação preferida, apenas havia acontecido, como muitas das coisas em sua vida.
Queria chegar logo em casa. Tinha certeza que levaria um bom esporro de Hermione por ter demorado tanto, mas havia cruzado com Blaise e acabaram por beber algo juntos em um bar bruxo perto de onde estavam. Há algum tempo não o via, pelo menos não sem Pansy. Beberam, conversaram sobre o tempo, sobre a temporada deprimente do quadribol daquele ano, sobre notícias bobas e boatos que corriam pelo Ministério. Fazia tempo que não conversava assim com seu amigo e assumia que sentira falta.
Hermione entenderia e, se não entendesse, já estava feito mesmo.
Puxou um dos cigarros, a espera o deixava muito inquieto. Aqueles eram de menta. Puxou um isqueiro o acendeu, o caminho para casa era um pouco longo e daria tempo de fumar pelo menos aquele. Hermione o mataria se soubesse que estava fumando dentro de um carro, lhe daria uma palestra sobre segurança, incêndios, extintores e irresponsabilidade e mais um monte de coisa que ele tinha certeza que não lembraria na próxima vez que fosse fumar dentro do carro.
Ela com certeza faria a ameaça de não deixa-lo dirigir se as crianças estivessem dentro do automóvel pelo próximo mês, mas ele achava essa parte uma imensa injustiça, porque nunca fumava perto dos filhos, fosse dentro ou fora de um carro. Sempre dizia para eles nunca fumarem também. Não era nem um pouco saudável. Os filhos tinham perfeita noção de perigo e nunca desobedeceriam a Hermione.
Fazia um tempo que Draco fumava e não pretendia parar. A frequência diminuíra bastante, é verdade, nos tempos mais tenebrosos de sua vida lembrava-se de gastar pelo menos dois maços por dia. Hoje, um maço durava quase uma semana. Ele fingia não ver que de tempos em tempos sumia um cigarro ou dois e Hermione entrava em casa com um pouco de nicotina misturado ao seu cheiro de mel, pergaminho e morangos.
Ele gostava. Gostava do cheiro mais presente, mais marcante. Diferente do que sempre sentia dela, dava um ar de mistério, de coisa errada e marginalizada que ele nunca associaria normalmente à Hermione. Era sensual também, ele gostava de observa-la fumar.
Os pedestres pareciam nunca acabar, a densidade da massa que passava em frente ao seu carro era constante. Todos loucos, todos apressados, todos com os olhos baixos em seussmartphones, tablets, pagers. Ele tinha a impressão que os trouxas viviam a própria vida através daquelas coisas. Ele havia presenciado um surto de uma jornalista nascida trouxa do Profeta Diário quando perdeu um daqueles aparelhos, parecia que o coração da menina tinha sumido ao invés do objeto.
Ele ainda fazia cara feia quando via Dimitri grudado ao tablet que ganhara de presente do avô. Melanie era pequena demais, no entanto, e havia ganhado um livro de colorir e tintas, que ignorou completamente de quatro horas. Draco suspeitava que a filha sofria de hiperatividade, precisava marcar uma consulta para ela, aliás; tinha ficado de fazer isso naquela semana e havia esquecido. Hermione queria um tratamento trouxa, mas Draco só aceitava de misto para cima, sem discussão. Graças a Merlin havia um médico no Saint Mungus capaz disso.
Muito havia mudado na estrutura das instituições bruxas num geral. Havia mais aceitação dos métodos e processos trouxas, nas mais variadas áreas, desde o fim da segunda guerra. Havia influência trouxa na medicina, na organização, no trabalho, dentro das casas, dentro das pessoas.
No seu carro tocava Jimmy Eat World quando os carros da segunda fila buzinaram.
O disco verde iluminou-se.
N/A.: Oi, gente! \O/ Eu estou numa vibe de escrever sobre os altos e baixos da vida comum, espero que não se importem muito. Essa fic eu fiz em uns 15 minutos com um plot maluco sobre semáforos e dramione que nem é meu. Eu me dei à liberdade de misturar um pouco com o início de Ensaio sobre a cegueira, do Saramago, livro lindo e absurdamente recomendado. Nanda, querida, o insight é seu e a fic também, espero que eu tenha conseguido montar uma cena convincente para dramione no semáforo HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
Mereço reviews?
:*
Comentários (1)
A tua fic é muito bem escrita! Parabéns!
2016-04-22