Prólogo
3 de Setembro de 2016.
Pai,
A viagem de trem foi tranquila. James não estava mentindo quando disse que as pessoas gostam dele. Elas realmente gostam muito. A cabine onde ele se sentou ficou cheia no momento em que Jay decidiu por ela; todos os garotos pareciam querer ser amigos dele e uma porção de meninas ficaram plantadas no corredor cochichando aos risinhos enquanto apontavam para ele.
Rose girou os olhos e disse que aquilo era patético. Eu apenas concordei com a cabeça, porque não tinha muita certeza do que significava patético.
Daí nós encontramos uma cabine vaga e nos sentamos. Dois garotos chegaram pouco depois e depois que pediram licença, se sentaram também. Eles eram ruivos como quase toda a nossa família, então eu precisei fazer uma lista mental com o nome de todos os primos, duas vezes, até ter certeza de que não os conhecia mesmo, aí perguntei seus nomes. O menino mais baixo se chamava Martin e o outro, tão sardento quanto Lily, Paul. Eles eram da Irlanda e isso me deixou animado. Contei sobre a vez em que viajamos para lá e ficamos naquele hotel bonito em Dublin, mas eles não eram de Dublin e nem conheciam o hotel. Eu acho que os deixei desconfortáveis por isso, e a coisa toda só piorou quando perguntaram meu nome e eu respondi.
Não teve mais conversa depois disso.
No barco a Rose me contou que eles tinham ficado com vergonha por eu ser seu filho e por conhecer lugares lá da Irlanda que nem eles conhecem, e eu não quis conversar sobre isso, porque me deixou um pouco irritado, especialmente porque quando nós desembarcamos, o James disse ‘e ainda dizem que você é meu irmão’ quando eu sem querer deixei as minhas coisas caírem. Isso fez com que as pessoas começassem a reparar em mim e a cochichar sobre mim e piorou quando o Hagrid me abraçou e disse que eu estava igualzinho a você naquele dia em que ele arrombou a porta dos Dursley e te contou que você era um bruxo. ‘Sim, ele também tinha essa mesma cara de assustado que você está fazendo agora’ disse antes de soltar uma daquelas gargalhadas estrondosas e me dar tapinhas carinhosos que poderiam ter colocado para fora duas ou três das minhas costelas.
Gosto muito de Hagrid, mas preferia que ele não tivesse dito isto. Outros alunos do primeiro ano começaram a me olhar daquela mesma maneira que Paul e Martin tinham olhado e eu quis muito colocar a capa que você me deu de aniversário.
Mas tirando isso foi bem legal. O castelo é muito maior do que eu tinha imaginado. É demais. Eu me senti feliz quando a gente chegou no portão. Meu coração bateu tão forte quanto aquela vez em que eu era pequeno e James me trancou no banheiro, só que dessa vez eu fiquei assustado de uma forma boa.
Ah, e como você já sabe, eu fui para Grifinória. James disse era uma pena que um chapéu tão maneiro como o Chapéu Seletor estivesse caducando, e eu achei que talvez ele tivesse razão, porque não me sinto muito corajoso ainda, mas Rose disse que o chapéu seletor nunca caducaria e a Rose sabe de tudo e foi parar na Grifinória também, o que me deixa contente.
E hoje teve torta de abobora de sobremesa, o que me deixa mais contente ainda.
E eu acho que desde que tenha sempre torta de abobora, as coisas continuarão bem.
Um abraço,
Al.
06 de Outubro de 2016.
Pai,
Não tenho escrito porque estou realmente puto com James e sei que não gosta quando brigamos um com o outro, apesar de ser isso o que fazemos o tempo todo. Pensando bem acho que não tinha problema em continuar a escrever, já que não mandei a primeira carta e provavelmente não vou mandar essa também.
Mas alguma hora talvez eu mande e não sei se o senhor vai gostar de saber que eu ando levantando o dedo do meio muitas vezes para ele. Ou que talvez isso aconteça toda vez que ele vira as costas.
James tem me aborrecido bastante porque tá sobrando vaga no time de quadribol, e eu não me inscrevi para fazer o teste. Agora James diz que eu sou mulherzinha demais para jogar como meu avô ou como você e a minha mãe. As vezes eu consigo ficar calado, mas na maior parte do tempo, Rose tem que se intrometer para que a gente não brigue.
James não parece se importar em brigar, mas eu não quero me meter em encrenca porque eu disse a minha mãe que não faria isso e porque eu sou bom em chutes, mas sei que o Jay é ótimo com socos. A verdade é que eu odiaria entrar para o time de quadribol agora. Isso faria com que nos comparassem mais ainda, e se eu não me importava com isso antes, agora é tudo com o que me importo.
É realmente chato.
Estou tentando não prestar atenção, mas parece que fazer isso é ruim também.
Outro dia eu ouvi alguém me chamar de esnobe. Pedi o dicionário de Rose emprestado e descobri que não era uma boa coisa para ser chamado. Comentei com ela a respeito e ela falou que a pessoa só podia ser muito boçal, então peguei o dicionário de novo e descobri que essa era outra palavra que não era boa para ser chamado, então é assim que chamo James agora.
Um abraço,
Al.
29 de Novembro de 2016.
Pai,
Acho que ainda não te falei sobre Scorpius Malfoy. Pelo menos, não nessas cartas extra-oficiais que eu nunca mando. O Scorpius é um sortudo e eu vou explicar por que: Ele é do primeiro ano, como eu, mas está na sonserina; No inicio do semestre, ele era alvo dos cochichos entre as pessoas – como eu – e das implicâncias de James – como eu também. Mas aí, teve uma vez em que eles dois tiveram que pegar detenção juntos e eu não sei o que aconteceu, mas agora eles são amigos de verdade. Eles continuam se implicando, mas não fazem nada um sem o outro.
Isso me deixa com um pouco de inveja. Eu sei que tenho Rose, mas ela é uma menina e meninas às vezes são muito chatas. Sem contar que desde que James pediu ajuda para ela em uma matéria do segundo ano – fazendo-a se sentir ainda mais inteligente - eles tem saído muito também. Eu não me importo que eles sejam amigos, mas de uns tempos para cá, eles e Scorpius são como... Você, tio Ron e tia Hermione.
E eu me sinto sozinho.
Mas pelo menos ainda estão servindo a torta de abobora.
Um abraço,
Al.
24 de Dezembro de 2017.
Pai,
Eu estou escrevendo porque acho que você vai gostar mais dessa carta do que do seu presente de natal, que, alias, não foi eu que comprei, já que eu só tenho 12 anos e o Tio Ron prenderia você caso me deixasse trabalhar com essa idade.
Agora que você finalmente me devolveu minha capa, quero pedir desculpa por ter ficado bravo. Eu entendi o que você e mamãe disseram quando leram – sem minha permissão – as cartas que eu nunca te enviei e descobriram que eu estava usando a capa da invisibilidade durante todo o tempo que não estava nas aulas porque foi a melhor ideia que eu tive para não ter que ser visto. Eu sei que eu não devo ligar para o que as pessoas dizem e também sei que eu posso ser eu mesmo sem me preocupar. Não me lembro de cabeça o resto das recomendações, mas o que quero dizer é que entendi e que eu me esforcei para participar, e que as coisas melhoraram muito esse ano com Lily e Hugo na escola.
Acho que eu nunca mais vou precisar usar a capa sozinho.
E também acho que isso significa que você não precisa mais se preocupar.
Mas obrigado por se importar comigo, de qualquer modo.
Feliz Natal.
Al.
07 de Março de 2018.
Pai,
Eu sei que deveria parar com essas cartas que só servem para lotar o fundo da minha mala. Mas escrever me acalma e eu espero que isso não seja uma coisa idiota para se dizer, já que agora eu tenho treze anos e não sou mais tão criança assim.
É legal ver como os alunos do primeiro ano são bem menores do que a gente. E por a ‘gente’ estou incluindo inclusive Hugo e Lils que são do segundo ano. Tento não fazer muita troça deles por causa disso, afinal de contas, eles são meus amigos e a verdade é que o ano de diferença nem faz tanta diferença assim.
Nós estamos juntos em todos os horários livres e ultimamente temos andado bastante com Martin – lembra do Martin? Do trem? – que é da lufa-lufa como o Hugo e com uma garota que é da Grifinória como nós.
Acho que é por causa dela que estou escrevendo.
Ela se chama Isobel.
E é absurdamente chata. E absurdamente legal.
Eu não sei como uma pessoa pode ser as duas coisas ao mesmo tempo, mas é o que eu penso dela, e no geral, isso me deixa confuso.
Mas isso é normal, certo?
Al.
14 de Abril de 2018.
Pai,
De todas as cartas que eu nunca enviei, essa é a que eu preferia morrer a entregar, por isso estou pensando seriamente em atear fogo assim que eu terminar de escrever.
Eu estou tentando mesmo não pensar nela daquele jeito.
Mas é difícil. Especialmente à noite.
Geralmente é quando eu descubro que não sou muito bom com auto controle.
E é embaraçoso quando ela se senta do meu lado no café da manhã, sem saber de absolutamente nada que nós fizemos na noite anterior na minha mente doentia. Não importa quantos casacos ela use por baixo da capa, ainda assim é muito fácil para mim imagina-la sem nada.
Então eu tento olhar para outras garotas e por alguma razão que eu não entendo, tudo piora.
E é isso.
Eu preciso do meu vídeo game.
Sério.
Al.
01 de Junho de 2020.
Pai,
Eu fiz o que eu tinha que fazer.
Deixei a barba crescer um pouco para parecer mais adulto. Não tive o resultado que esperava, mas foi melhor que nada, então eu fui falar com ele. Independente de ser um dos meus melhores amigos, ele machucou a minha irmã e eu havia dito que não toleraria esse tipo de coisa.
Foi uma droga ter que brigar com Martin. Eu realmente gostaria que ele não tivesse sido idiota com Lily. Mas ele foi. E agora é melhor que se mantenha longe de nós. E eu o deixei informado sobre isso da maneira mais diplomática que podia.
Se ele for um cara sensato, vai fazer o que eu disse. Se não, ele terá que se ver comigo, Hugo e James. E eu não vou me preocupar com a injustiça de serem três contra um.
Apesar disso, sei que ele fará falta no grupo.
Agora somos só nós quatro.
Estou feliz que Lily e Izzie não sejam lésbicas e não tenham decidido namorar. Se fosse Izzie a partir o coração de Lily, eu nunca conseguiria me desfazer dela.
E eu não sei porque estou escrevendo sobre isso.
Acho que não deveria ter tomado aquele porre escondido com Hugo.
Al.
29 de Junho de 2020.
Pai,
Eu sei que a minha vida não é tão heroica ou tão dramática quanto a sua foi, e que todos os meus problemas adolescentes não são muita coisa se comparados com a adolescência de quem passou praticamente todos os anos escolares tentando derrotar um psicopata do mal, mas eu estou me sentindo um merda e eu penso que você já tenha se sentido assim também, ainda que por motivos mais nobres.
Estou tentando tirar os pontos positivos da ultima noite; O baile foi incrível. Depois de todos os exames, era exatamente o que nós precisávamos. James e alguns veteranos se certificaram de agitar as coisas, se é que você me entende (e eu espero que não). E me parece que muitos casais se formaram. Rose e Scorpius que estão quase sempre discutindo um com outro se beijaram ontem pela primeira vez.
E Izzie também.
E não foi eu. E essa é a matriz do problema. Antes que eu pudesse convidá-la, apareceu esse cara da Corvinal se achando muito inteligente e maduro por ser do quinto ano e, de repente, eles estavam se beijando na festa.
A Izzie ficou muito vermelha e inventou uma desculpa qualquer para voltar para nossa mesa; eu a conhecia o suficiente para saber que ela gostaria de sumir porque de muitas e muitas formas nós éramos iguais. Mas naquele instante eu só estava querendo que ela morresse da pior maneira que alguém pode morrer.
Então ao invés de ser um bom amigo, eu me virei para Amelia – a garota que me convidou para ser o par dela – e a beijei também.
Não foi muito bom porque eu queria chorar de raiva. Eu não me importo de parecer frouxo por isso. Eu realmente quis.
Isobel e eu brigamos pelo resto da noite.
Ela disse que eu a havia constrangido, que esse não era o tipo de coisa que amigos fazem, que estava precisando de mim na hora e não sei o que mais, e tudo o que eu pude fazer foi mostrar a ela outro tipo de coisa que amigos não fazem: eu a beijei.
E agora ela não fala mais comigo.
E eu não sei o que fazer.
E eu me sinto um merda.
E eu espero que você não inspecione meu quarto nessas férias. Porque estou levando um pouco do agito para casa. Vou precisar para me sentir um pouco melhor.
Peço desculpas desde já.
Al.
31 de Julho de 2020.
Pai,
Eu sinto muito por ter decepcionado você nesse verão. Sei que minha dor de cotovelo só é parcialmente desculpa para agir como um idiota. E sim, eu sei que o fato de ter quinze anos não me dá o direito de fugir com seu carro. Ou de batê-lo.
Eu realmente sinto muito por ter tentado mostrar que cresci das piores maneiras possíveis. Eu gostaria que você soubesse que amanhã, quando eu começar o quinto ano em Hogwarts, eu vou estar mais consciente do que nunca sobre quem eu sou. E prometo a você que pelos meus próximos três anos, eu não tentarei ser nada alem disso. E até a minha formatura, espero que ser Alvo Severo Potter seja motivo suficiente para fazer com que sinta orgulho.
Eu vou fazer com que seja.
E eu vou mostrar para você, pai.
Um abraço,
Al.
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