A GARRA DA SOMBRA

    Harry foi levado para a ala hospitalar mudo, sem reflexos, em estado de choque. Trazia ainda segura na mão direita a garra da sombra, simplesmente porque ninguém a tirara dali. Ele não conseguia sentir a dor do ferimento que fizera na cabeça quando caíra ao solo no jardim, nem a dor da costela que se partira quando fizera força para soltar-se do cordão faerie. Ele só conseguia ver diante de si o rosto amedrontado de Willy, quando a bruxa a levou pelo portal além de Umberdeen.
    Dumbledore ia ao seu lado, apoiando-o, mais atrás, vinham Silvia Spring, Lupin e Atlantis, com o rosto grave, não transparecendo desespero que seria natural depois da forma como Willy desaparecera. Quando entraram na enfermaria, Sheeba, que estava deitada com sua filha nos braços e Sirius, que estava ao seu lado, levantaram-se perguntando o que acontecera. Madame Pomfrey veio ao encontro do grupo, com o rosto preocupado ao ver um pouco de sangue no corte atrás da cabeça de Harry.
    Quando Harry foi deitado na cama, ainda mudo, Snape chegou com as outras fadas. Tinha Fogacho desfalecida na palma da mão. Parecia uma grande libélula morta, não emitia a pequena luminosidade característica de uma fada. Snape tinha o rosto muito preocupado, como se sentisse diretamente responsável pela pequena fada. Madame Pomfrey olhou a fadinha e disse:
‒ Ela parece muito mal e eu nunca cuidei de fadas... não seria possível abrir um portal e levá-la para o mundo das fadas? ‒ As três outras fadinhas  começaram a falar ao mesmo tempo e como falavam de forma muito enrolada, madame Pomfrey não entendia nada do que diziam. Então Silvia Spring interrompeu-as dizendo:
‒ Elas não vão conseguir abrir o portal sem fogacho. Precisamos tentar salvá-la aqui, do contrário estas três ficarão presas em Hogwarts até que outro portal possa ser aberto a partir de Seelie. A menos ‒ tremeu ligeiramente ao dizer isso, olhando para Lupin ‒ que eu abra o portal e entre com elas. ‒ Lupin encarou-a de forma significativa e ela desviou o olhar.
    Snape olhava atento para Flauta, que parecia transmitir-lhe instruções sobre o que fazer, entregando a fada para Silvia, correu rapidamente para fora da enfermaria, as outras fadas olharam-se apreensivas. Finalmente, Harry pareceu sair de seu torpor e perguntou, como procurando uma explicação:
‒ Porque ela? Porque em vez de mim, ele quis levar Willy? ‒ as palavras morreram no ar. Dumbledore estava com a mão no ombro dele, apoiando-o . Foi Atlantis que, tomando coragem, começou a falar sobre o assunto:
‒ A bruxa que levou Willy não era uma Comensal da Morte.  ‒ todos os olhares convergiram para ele. Ele encarou diretamente Dumbledore, que franziu o cenho olhando-o nos olhos, como a pedir explicações. Atlantis prosseguiu:
‒ Eu conheço aquela bruxa muito bem, ela não é uma bruxa das trevas há mais de trinta anos, ela abandonou estas práticas quando eu nasci... é minha mãe. Por isso ela quis levar Willy.
‒ Mas para quê, Atlantis? ‒ Harry olhava Atlantis sério. Não conseguia entender como ele, sendo pai de Willy podia estar tão calmo. O bruxo então começou:
‒ Não conheci meu pai. Minha mãe me disse que quando nasci, ele já havia morrido, mas eu tenho séria desconfiança de que ela não estava falando-me a verdade. Por causa de muitas coisas que aconteceram, eu tenho a impressão que na verdade meu pai era Aristóteles Hemerinos. O nome de minha mãe é Igraine Fischer, e ela era uma bruxa solitária e independente. Tudo que aprendi sobre ela foi o que me contaram na fundação, pois a última vez que a vi, eu tinha apenas seis anos de idade. Ela não era muito jovem quando eu nasci, devia estar pelos trinta anos.
‒ Ela fez parte de um grupo das trevas. Pelo que sei, Voldemort também fazia parte deste grupo, mas não era um líder. Na verdade, Voldemort vinha de um outro grupo, originado por discípulos de Gridewald, o bruxo das trevas que Dumbedore derrotara em 1945, quando Voldemort era apenas um jovem saído de Hogwarts com o nome de Tom Riddle. Quando minha mãe juntou-se ao grupo, tinha vinte e dois anos, e era a única mulher entre eles. Foi ela que descobriu onde estava enterrada a garra da Sombra, mas manteve isso em sigilo, pois sabia que os outros membros poderiam matá-la para obter o artefato.
‒ Então, quando ela já era bem antiga no grupo, algo aconteceu, e ninguém sabe o que foi. Minha mãe simplesmente abandonou o grupo. Me disseram que Voldemort descobriu que ela tinha a garra e a reivindicou, mas isto é apenas uma hipótese. Provavelmente foi nesta época ela conheceu meu pai e engravidou, fugindo do grupo. O primeiro lugar onde ela foi buscar abrigo foi a fundação, ela sabia que Hemerinos lhe daria abrigo, e a fundação era um dos poucos lugares onde Voldemort não entraria.
‒ Mas havia a garra da sombra. Quando eu nasci, Hemerinos pediu a ela que entregasse a garra para a fundação, que teria muito mais condição de proteger o objeto dos seguidores das trevas. Minha mãe tinha um sentimento de posse daquele objeto, e fugiu comigo quando eu ainda era um bebê. Todas as lembranças da minha primeira infância são fugas: Voldemort havia decidido matar seus companheiros, acreditava que assim teria o poder deles em suas mãos. Minha mãe fora a última sobrevivente
‒ Voldemort nos alcançou quando eu tinha seis anos. Eu me lembro perfeitamente do dia em que ele chegou. A porta da nossa casa abriu sem aviso, minha mãe pôs-me atrás dela, tentando me proteger. Voldemort disse a ela: "Deixe-me levar o que quero e eu lhe deixarei em paz." Ele queria a garra, minha mãe disse apenas: "Nunca!" e sacando a garra cortou com ela o ar, abrindo um portal sem saber onde ele daria. Ela tentou me jogar lá dentro primeiro, mas eu fui expelido... até hoje eu não sei porque isso aconteceu, minha mãe caiu lá e eu fiquei do lado de fora, a última visão que tive dela, foi agitando a garra no ar, tentando desesperadamente manter o portal aberto para me recuperar. Nunca mais tive notícias dela.
‒ Eu fiquei sozinho com Voldemort, eu era apenas um menino, eu me lembro que ele me virou de frente para ele e disse: "Assustado, Atlantis?" ele sabia meu nome... Não era Voldemort como ficou conhecido depois: era um homem ainda relativamente jovem, de cabelos negros e olhos cinzentos, não tinha ainda o rosto parecido com o de uma cobra, e estava sorrindo para mim, amigável. Eu não sabia quem ele era, achei que ele queria me ajudar, quase dei a minha mão de criança para ele.  Foi quando Hemerinos aparatou atrás dele, dizendo: "Deixe este menino em paz, Riddle, ele é meu filho." Por algum motivo, Voldemort não quis enfrentar Hemerinos e desaparatou.
‒ Fui levado para a fundação. Dois anos depois, Silvia voltou de Seelie, e eu perguntei pela minha mãe. Ela me disse apenas que ela tinha entrado por Unseelie e desaparecido na mesma noite. Então, achei que era uma questão de tempo para ela voltar... mas ela nunca voltou. Até hoje. Minha mãe não era nenhuma pitonisa, mas se queria entregar a garra para as fadasombra em troca de Willy, é porque sabia que algo muito grave está sendo planejado para Hogwarts. E de alguma forma sabe que Willy estaria em perigo aqui.
‒ Mas porque ela não lhe procurou, Atlantis? Porque fazer isso? ‒ Harry disse, inconformado.
‒ Eu creio que ela teve medo da minha reação. Eu nunca achei que ela havia me abandonado, logo depois que ela desapareceu, Voldemort desapareceu também, por um longo período. Eu creio que ela não quis se aproximar de mim pois achava que estaria mais seguro na fundação. Tendo crescido lá, vocês podem imaginar o juízo que fazia das artes das trevas. Um dia, perguntei a Hemerinos se ele era meu pai e ele disse que não, que meu pai havia morrido e ele só dissera aquilo para de alguma forma tentar afastar Voldemort de mim... na época Hemerinos era muito mais forte que Voldemort. E como nunca disse quem era meu pai, acho que na verdade estava escondendo-se de mim com vergonha, afinal era pelo menos trinta anos mais velho que minha mãe. E minha mãe deixou-me com ele pois acreditava que seria o melhor para mim.
‒ Creio que ela quis proteger Willy do seu jeito, mas temos que encontrá-la para saber o motivo.
    Neste momento, Snape entrou com um caldeirão fumegante, onde crepitavam  pequenas labaredas vermelhas. Olhou para Assobio e perguntou, em voz alta:
‒ Tem certeza? ‒ a fadinha anuiu com a cabeça, e , olhando com ternura para o corpo inerte de Fogacho, Snape jogou-a dentro do caldeirão. O corpo da fada desapareceu, parecia ter se queimado. Então, uma nuvem pequena de vapor começou a evolar de dentro do caldeirão, formado um espectro de fada mais ou menos de uns quinze centímetros, repentinamente, o espectro abriu os olhos grandes e sorriu, era fogacho novamente, apenas com quase metade do tamanho original. Ela voou rapidamente em torno de Snape e depositou um beijo no rosto do bruxo, que sorriu de volta. Ela pousou no seu ombro e deu com o rosto desolado de Harry, olhou para as irmãs que se aproximaram, tristes:
‒  Perdoe-nos, Harry Potter ‒ disse Flauta em pensamento a Harry ‒ nossa rainha nunca havia se enganado antes. ‒ Harry encarou as fadas sério por um instante e disse:
‒ Vocês não tem culpa, nem sua rainha... ninguém ia imaginar que eu não seria o visado desta vez, parece que as coisas acontecem tanto comigo que já é natural... eu que tive Willy quase nas mãos e não consegui recuperá-la ‒ isso trouxe aos seus olhos a imagem de Willy de frente para ele, tentando alcançar sua mão e sendo arremessada pela bruxa para fora do portal, ele sentiu que seus olhos se enchiam de lágrimas no mesmo instante, e virou o rosto, tentando escondê-las. Atlantis aproximou-se dele e obrigou-o a encará-lo:
‒ Harry, ela é minha filha. Eu estou sentindo o mesmo que você. Talvez até mais, depois de tanto que eu sofri para me aproximar dela, não é justo que ela seja tirada de mim. Eu vou sair daqui esta noite para procurá-la, e não sossegarei enquanto não a encontrar e a trouxer de volta, eu lhe dou a minha palavra ‒ Harry o encarou de volta, sério, segurando as lágrimas. ‒ Ela vai ser esperada em Hogwarts. Sua matrícula não será cancelada, pois ela vai voltar.
‒ Há um precedente para tanto ‒ Disse Dumbledore, olhando para Harry e depois para Silvia Spring.

    Muito distante dali, numa casa pequena numa estrada à beira de um deserto onde o sol se punha preguiçosamente atrás de montanhas muito distantes no horizonte, Willy chorava de tristeza, medo e saudade. A bruxa a deixara sozinha por uns instantes e saíra do quarto. Ela não conseguia conciliar os pensamentos, repetia apenas o nome de Harry e chamava por seu pai. Então a porta do quarto se abriu, e a bruxa entrou. Era uma senhora alta e morena, seu rosto guardava alguma semelhança com o de  Atlantis, cabelos grisalhos caíam pelos seus ombros e ela usava uma veste castanha longa, com cabelos caindo pelos ombros. Willy levantou-se para dizer alguma coisa, mas antes que pudesse abrir a boca. A bruxa disse:
‒ Obliviate! ‒ num instante Willy esqueceu porque estava chorando. Harry Potter foi varrido  de seu pensamento como que por um tufão, ela esqueceu-se também de Hogwarts, embora em sua mente tenham ficado todos os feitiços que havia aprendido lá. Ela ficou muda alguns minutos e sua avó disse:
‒ É melhor que você esqueça, criança... para seu bem. Eu não faria isso tudo se não soubesse que é para o seu bem. Venha com a vovó, Wilhemina. ‒ Ela abriu os braços e a menina deixou-se abraçar, sentia-se cansada, tristonha. Chorava e queria chorar mais, sem saber o porque. ‒ Chore, minha netinha, que chorar te fará bem.
    Lágrimas grandes e grossas vieram aos olhos da menina, e ela sem saber porque associou isso à imagem de um lago enorme à sombra de montanhas negras, onde uma lua muito branca e clara se refletia. Sentiu mais vontade de chorar. Durante as noites que se seguiram e muitas noites tempos depois, ela acordaria sentindo a saudade de algo que não lembrava mais o que era. Às vezes lembrava de um rapaz que depois acreditou só existir em seus sonhos. Um rapaz de olhos muito verdes e cabelos muito negros.
    No dia seguinte, sua avó disse que a levaria a uma escola. Depois de um pequeno teste e muito poucas perguntas, uma jovem chamada Mina Moore foi matriculada numa escola de bruxaria distante meio mundo de Hogwarts.
    ‒ Mina? ‒ a avó chamou-a, ela estava sentada numa mesa, esperando do lado de fora da sala da diretoria, levantou a cabeça e olhou para a avó, que disse ‒ Você começa Segunda feira. Vai entrar no quinto ano.
    Ela sorriu. Estivera desenhando o tempo em que a avó ficara do lado de dentro, usando a pena de escrever e o pergaminho de rascunho do teste, que agora estava coberto com várias repetições da mesma figura. A figura fina e inconfundível de um raio.

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