Uma detenção muito esquisita
James terminou de descer as escadas muito feliz consigo mesmo, nem sabendo ao certo por que. De uma alguma forma aquela proximidade com Lilly e a subseqüente explosão irritada o haviam deixado, não havia outro termo, bastante excitado. O simples fato dela reagir sempre o deixava excitado, no fundo ele preferia aquilo a qualquer tipo de indiferença. Ele não sabia o quanto o seu ânimo baixaria dali a bem pouco tempo.
O professor Slughorn o esperava para duas horas de detenção pela besteira que fizera na véspera e ele achava que sabia exatamente tudo que o esperava, a bronca de sempre, o papo de sempre, tarefas banais... nada mudava quando sofria detenções, por que iria mudar agora? Bateu na porta confiante e ouviu a ordem para entrar.
Quando entrou na sala, o professor o esperava de pé, ao lado da escrivaninha, de casaca e bolsa de viagem na mão parecendo pronto para sair. James estranhou, achou que fossem ficar na sala dele como sempre, arrumando fórmulas ou copiando manuscritos.
– Boa tarde, James. Pelos menos em termos de horário você é disciplinado.
– Bem, tenho que ter alguma qualidade – gracejou o rapaz – vamos sair?
– Não, eu vou sair. Acho que você é grandinho o suficiente para cumprir com suas tarefas sem precisar de ter um professor no seu pé para fiscaliza-lo. Se preferir, posso simplesmente chamar o Argo para tomar conta de você... mas como o considero maduro...
– Não é preciso. Mas por que o senhor não deixa minha detenção para quando voltar?
– Há tarefas urgentes para mim em Londres que não podem ser adiadas e preciso que organize meu velho e bom arquivo de receitas de poções, que eu vivo bagunçando, o que é uma tarefa tão ou mais urgente, no meu ponto de vista – James percebeu que o laboratório estava mais bagunçado que de hábito, como se Slughorn houvesse remexido tudo atrás de alguma coisa – você já esteve em detenção aqui tantas vezes que nem precisa de uma assessoria, não é mesmo? Além disso, quero que limpe os vidros de poções vazios e conte quantos frascos disponíveis para novas poções tenho. Anote tudo num pergaminho, essa tarefa é de suma importância. Não a negligencie, certo? Acredite, mesmo não estando aqui eu SABEREI se você fizer alguma besteira.
– Esta certo, senhor. Mas... isso é tudo?
– Você está, muito acertadamente, querendo saber o que aconteceu com a conversa que teríamos sobre seu comportamento obviamente inadequado de ontem... bem, esta conversa pode ser adiada para quando o professor Dumbledore e Minerva estiverem de volta, eles estão em Londres, resolvendo problemas relativos a Hogwarts.
James subitamente se sentiu bastante desconfortável e engoliu em seco.
– Minha situação é tão grave assim... foi só uma pequena... um pequeno acidente.
– Isso o senhor vai explicar para quem de direito... agora preocupe-se apenas em cumprir a lista de tarefas que deixei escrita naquele pergaminho, para que não esquecesse. Se quando eu voltar ainda houver alguma pendência.... bem, creio que você já entendeu que eu tenho como vigiá-lo. – disse o professor quase distraidamente, enfiando a mão num pote grande de pó de flu e pegando uma porção tão gorda quanto ele– até a volta, James – disse já jogando o pó na lareira e gritando o nome de algum bruxo que o receberia em Londres.
James examinou o ambiente assim que o professor desapareceu pela lareira, desanimado. Olhou a lista de coisas a fazer, que não era pequena, e pensou que era realmente estranho que um professor o deixasse sozinho em sua sala e ainda dissesse que ele estaria sendo vigiado. As tais pendências em Londres deviam ser muito urgentes, Slughorn não costumava deixar ninguém tocar nas suas quinquilharias sem sua autorização, mesmo que estivessem naquele estado caótico. Resolveu começar pelo seu velho conhecido, o arquivo de poções, que já organizara repetidas vezes em detenções anteriores, algumas com a ajuda de Sirius. Abriu o gaveteiro com as fichas e fez uma careta, o velho Slug novamente colocara tudo fora de ordem conforme fora consultando.
– Por que esse coroa não usa um arquivo auto-organizável como todo bruxo?
– Por que é um sujeito sovina, que adora ganhar coisas mais odeia compra-las! – respondeu uma voz masculina logo atrás dele.
James voltou-se assustado, achando que havia alguém ali com ele, mas descobriu que o seu interlocutor na verdade era um bruxo num quadro. O mesmo bruxo que anteriormente tentara interagir com Lilly, careca, barbudo e aparentemente muito míope, pela espessura dos óculos que usava. Entendeu imediatamente quem tomaria conta dele durante a detenção: quadros desse tipo costumavam ser bem competentes em vigilância, afinal, cerca de 90% do tempo estavam desocupados e adoravam arrumar algo para fazer. Decidiu que era melhor ficar amigo da figura estranha.
– Quem é você, assombração? – perguntou James, incrédulo.
– Meu nome é Enéas! – disse o quadro, com um ar muito amalucado – Enéas Slughorn, trisavô de Horace. Ele me mantém aqui por que sou o único ancestral minimamente notório das últimas três gerações dos Slughorn. E quem é você, garoto?
– James Potter. eu sou o aluno detido do dia – ironizou
– Existe algo estapafúrdio na sua presença nessa sala, jovem.
– Estapafúrdio?
– Exato e claro. Nunca em outros tempos meu trineto deixaria um estudante sozinho em sua sala. Ele me disse para não deixar de vigiá-lo um segundo sequer.
– Isso eu notei.
– Não me parece muito auspicioso cumprir solitário uma detenção.
– Não há novidade nenhuma nisso... será que agora eu posso...
O homenzinho no quadro fez um gesto impaciante.
– Não costumo ter muita companhia. Gostaria imensamente de confabular com a sua pessoa, seria possível?
– Possível é, mas dá para notar que eu preciso realmente fazer esse trabalho se quiser sair dessa sala antes do jantar?
– Perfeitamente. Meu trineto é pitorescamente desorganizado, mas poderia ter tudo organizado se soubesse executar um feitiço organizador com competência, mas nunca conseguiu. A maior parte da minha família é exímia em feitiços, mas Horace infelizmente não é muito bom nisso, mesmo sendo um dos melhores remexedores de caldeirão que já nasceu entre os nossos.
James riu do pouco caso que o ancestral fazia do professor – não era de se admirar que na maioria das vezes que entrara ali não notara nada além da moldura vazia, provavelmente Slughorn enxotava o trisavô inconveniente quando tinha visitas. Como não conhecia o tal feitiço organizador, comentou:
– Estou curioso para saber que feitiço organizador é esse...
– Não conheces, meu jovem?
– Na verdade, há muitos feitiços para organizar, mas nunca tentei num arquivo.
– Que maçada, não saber um feitiço como esse... gostaria de aprender?
– Claro, seriam menos duas horas aqui!
– Muito simples... erga sua varinha acima da cabeça gire duas vezes no sentido horário, uma no anti-horário e diga: “dinamicus alpha-ômega”, a seguir aponte vigorosamente para o arquivo que deseja organizar.
– Só isso?
– Apenas isso. Experimente.
James, um tanto incrédulo, executou os movimentos e pronunciou o feitiço. Para sua surpresa, rapidamente as fichas saltaram do arquivo e , como num balé aquático, começaram a saltar de volta para o arquivo em uma nova ordem. Quando acabaram, ele verificou seu conteúdo e disse:
– É impressionante! Não ficou uma fora da ordem, obrigado, Enéas!
– Depois de 130 anos é bom voltar a ensinar alguma coisa para alguém!
– Você foi professor também?
– Exatamente. Transfiguração por trinta e cinco anos, defesa contra as artes das trevas por mais quinze, e feitiços nos últimos onze anos da minha vida. Mas jamais fui chefe de casa nem mesmo assistente de diretor...
“Com tamanho talento para se gabar, posso entender por que” pensou James, dizendo a seguir:
– Interessante, mas eu preciso organizar e limpar os frascos usados.
– Para isso não sei nenhum feitiço completamente eficiente... jovem qual mesmo seu nome?
– James Potter.
– Interessante... achei que já havia ouvido seu nome antes, e realmente, meu trineto conversou sobre sua pessoa com a bela jovem que esteve aqui antes... como se chama mesmo?
– Evans?
– Não, era um nome de flor.
– Sim, digo, Lilly.
– Essa mesma.
– Sobre o que falaram? – perguntou realmente curioso – Ela perguntou alguma coisa sobre mim?
– Perguntar? Não, absolutamente... meu trineto que tocou em seu nome, na verdade.
– Por que?
– Algo sobre sua inconveniência com a moça.
– Imaginava – respondeu James, aborrecido – por acaso ele disse o que vai me acontecer?
– Não conversou consigo, pelo visto...
– Não, nem uma palavra, disse que ficaria para a volta do Professor Dumbledore.
– Ele também foi mencionado na conversa com a moça...
– Enéas, pode me dizer que conversa foi essa? Algo me diz que depois de anos com a companhia única e exclusiva do seu trineto, você está doido para fazer uma fofoca!
– Alto lá, jovem, vê se pareço homem dado a semelhantes fosquinhas? É muito mais curiosidade de minha parte em saber o que você fez àquela jovem para ela considera-lo tão... ela usou termos como insuportável, irritante e teimoso.
James sentiu uma onda vermelha subir pela sua face. Evans não podia ter dito isso dele... ou podia?
– Com que direito ela me chama de insuportável?
– Calma, meu jovem...
– Às vezes eu queria que Evans não existisse! Eu teria menos problemas sem ela por perto.
– Ah, isso parece estar sendo providenciado, meu caro.
O calor que a raiva provocara foi repentinamente substituído por uma sensação fria e um vazio no fundo do estômago. Como assim, providenciado? Será que Lilly sairia da escola por causa dele? Será que ele que seria expulso?
– Não me diga que querem me expulsar?
– Não, meu jovem, nada tão radical, mas pelo que vejo, uma medida que seria melhor para ambos.
– Não vejo algo que pudesse ser bom para ambos. Eu adoro essa garota e ela só quer me ver pelas costas!
– Então a solução proposta pelo meu trineto parece ser a ideal. Um simples feitiço de mútua exclusão.
– Mútua exclusão?
– Sim. O princípio é semelhante ao do feitiço fidelius. Vocês poderiam conviver no mesmo ambiente sem que um jamais pudesse tomar conhecimento do outro. Seria como se ela não existisse para você e você não existisse para ela.
– O quê? – James não podia acreditar nisso. Da mesma forma que Lilly, não conseguia imaginar a escola sem a presença dela.
– Não lhe parece uma boa idéia?
– Não, e garanto que se alguém fizer isso não vou sossegar enquanto não quebrar essa droga de feitiço!
– Meu rapaz, cuidado com esse vocabulário. Não se ofende feitiço algum chamando-o assim... e é engraçado, a moça disse que você reagiria exatamente assim
– Ao inferno com isso! Ela aceitou a proposta?
– Na verdade, ficou de pensar.
James começou a raciocinar. Subitamente, o comportamento de Lilly na escada fez sentido, provavelmente ela achara que ele saberia pelo professor o que os esperava e estava com medo de sua reação. Era questão de tempo para ela pedir para que tal feitiço acontecesse, ainda mais depois da discussão na escada. Concluiu que ela teria que dizer não, por que sabia que a decisão estava nas mãos da menina.
– Enéas... como eu posso evitar esse feitiço?
– Você não pode. Ela que tem esse poder. Convença a garota a não aceitar, quem sabe?
– E como você acha que... – James repentinamente teve um flashback. Lembrou da noite anterior, quando Sirius dissera que ele estava na festa para roubar poção de amor e de como Peter dissera que ele usaria esse subterfúgio, que agora parecia uma solução perfeita e única. Com todos os seus escrúpulos por usar um recurso tão “de mulherzinha”, tinha de admitir que provavelmente a única chance de Lilly dizer não a tal da proposta era deixa-la maluca por ele. Talvez se usasse apenas algumas gotas de poção, quem sabe, o professor não desconfiasse de tão súbita mudança. Ao inferno, aquela era uma legítima emergência. Tinha que distrair Enéas, procurar um vidro de poção amortentia ou qualquer similar e roubar algumas gotas, não mais que isso. Como conseguiria fazer Lilly bebê-la escondendo dos amigos o que tinha feito era um problema menor e não deveria ser pensado naquele momento. Depois de pensar por um momento, achou melhor disfarçar e seguir para a tarefa de organizar os frascos de poção, era a sua única chance de conseguir achar aquele que continha a poção que precisava.
– Eu acho que preciso saber quantos frascos vazios há por aqui... – James abriu o armário de estoque de materais e ficou olhando por cima a bagunça de penas, pergaminhos e frascos vazios, os braços abertos segurando as portas duplas do armário, procurando cobrir com o corpo a maior parte do limitado campo de visão que Enéas teria olhando de dentro do quadro. Procurou manter a conversa, para que o outro não reparasse demais no que fazia– O que me sugere?
– Use um feitiço simples de contagem.
– Eu vou ver os que estão limpos e os que tem resíduos primeiro – disse, tornando a olhar para o estoque. Distraindo o Enéas com banalidades foi usando feitiços de dectores e limpando os restantes, ao mesmo tempo que olhava de soslaio para o outro armário, onde frascos grandes continham quantidades razoáveis de poções variadas. De onde estava, através do vidro de cristal bisotado que guarnecia a porta daquele armário, ele podia ver um vidro cor de âmbar com uma etiqueta rósea onde estava gravada a fogo a palavra “amortentia”. Era exatamente daquele vidro que ele precisava roubar preciosas gotas. Mas deveria arrumar um jeito rápido e preciso de fazer isso sem que o outro percebesse. Quase distraidamente deslizou para baixo da capa um pequeno frasco vazio de vidro escuro com tampa conta-gotas, respirando fundo aliviado ao ver que realmente seu gesto não fora percebido. Enquanto prosseguia com a arrumação, foi elaborando estratégias possíveis, pensando rápido e descartando imediatamente cada plano que parecesse ter a mínima possibilidade de erro. Não podia agora contar com seus três amigos e devia agir rápido. A melhor forma de faze-lo, concluiu, era convencendo Enéas a sair da moldura por dois ou três minutos, já com o armário de poções aberto. Finalizou a arrumação dos frascos e seguiu para o outro armário, ainda conversando com o quadro.
– Eu acho que esse é o pior armário para se arrumar aqui...
– Meu trineto realmente o autorizou a mexer aí? Há coisas muito perigosas dentro desse armário.
– Ah, eu sei... mas aqui meu serviço se limita a tirar poeira... – ele executou um rápido feitiço e encostou as portas do armário, mas sem trancá-las, então, riscando a última tarefa deixada por Slughorn no pergaminho disse, usando um tom persuasivo – Enéas, você me faria um favor?
– Favor? Meu rapaz, eu sou uma figura num quadro, o que poderia fazer por você?
– Não é nada demais... você só perderia um minuto... eu gostaria que você fosse ao quadro acima da lareira na biblioteca para ver se um amigo meu está lá... ele disse que iria estudar, mas não sei se ele já acabou, entenda... se ele tiver acabado, eu perderei um tempo enorme para ir aos meus aposentos, pegar os livros, subir até a biblioteca para então descobrir que ele já foi...
– Meu trineto não permitiria que eu o deixasse sozinho.
– Você acha que eu faria alguma coisa?
– Não se trata de achar....
– Por favor, Enéas, não é nada demais...
O bruxo no retrato hesitou um instante antes de dizer:
– Está certo... mas comporte-se.
– Eu vou ficar aqui, exatamente onde estou – disse, postando-se bem ao lado do armário de poções.
– Então está bem – ele desapareceu da moldura um instante e quase flagrou James, que já abria o frasco conta-gotas ao aparecer novamente no quadro para perguntar: – qual é mesmo o nome dele?
– Sirius Black – disse James escondendo o frasco atabalhoadamente.
– Sirius Black – repetiu Enéas, desaparecendo.
James suspirou aliviado e riu assim que abriu o armário e olhou para o frasco de poção. Pedir para procurar Sirius na Biblioteca era mais ou menos como pedir para procurar uma girafa no corujal: aquele era o lugar na escola onde ele menos punha os pés. Abriu rapidamente a tampa do vidro, mergulhou a pipeta do conta-gotas nele, transferindo seu conteúdo para o pequeno frasco cor de âmbar. Repetiu a operação duas vezes então fechou o armário, depois o conta-gotas, que jogou dentro da capa bem a tempo de ver a careca de Enéas surgindo na lateral do quadro, resmungando:
– Seu amigo sequer esteve lá essa tarde... a bibliotecária disse que ele não vai lá desde antes dos últimos NOMs.
– Sirius não tem jeito – suspirou James falsamente – nós tivemos uma nota horrível em Aritimancia, deveríamos escrever uma enorme redação sobre o assunto e ele prometeu que HOJE iria finalmente à Biblioteca.
O outro não pareceu muito convencido.
– Não me parece uma história real... você andou mexendo nesse armário?
– Eu?
– É. Vários alunos têm fascínio por ele... eu digo sempre para o meu trineto tomar vergonha e colocar nele um cadeado-mordedor mas...
– ... ele é muito sovina e só gosta de ganhar as coisas, não compra nada – disse James, procurando desviar-se do foco da conversa – terrível isso...
– Espero que você não tenha me feito de palhaço, garoto.
– Eu pareço alguém que faz isso? E eu não tenho interesse em poções... pode esperar seu trineto voltar e pergunte para ele.
– Não preciso. Acredito em você, garoto. Ninguém conseguiria roubar um frasco de poção tão rápido. Acho que seu turno aqui está encerrado.
– Então... até a próxima, Enéas.
– Não deveria haver próxima, o comportamento dos jovens...
James fugiu do sermão do quadro, rindo-se da ingenuidade dele e louvando a própria malandragem. No fundo sentiu uma pontinha de remorso por faze-lo de bobo, mas no minuto seguinte já estava pensando em como administraria a poção na garota. Estava tomando atitudes cada vez mais cretinas, mas não percebia isso, e quando eventualmente percebia, convencia-se imediatamente que estava fazendo o certo.
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