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Uma notícia preocupante


 


Eram dezenove horas quando o relógio badalara pela sua décima terceira e penúltima vez. Eu ainda estava a caminho do quinto andar, o lugar em que iria fazer a última ronda do dia. A fiz mais rápido que pude; na verdade não fiz grandes coisas lá, apenas fiquei andando. Todos sabiam que a vida de auror, hoje em dia, era chata pois não haviam mais invasões, muito menos bruxos das trevas.


A cada dez passos eu puxava meu relógio de bolso e via a hora. Eu tentava terminar mas parecia que o quinto andar era infinito. Dezenove e dez, dezenove e quinze, dezenove e dezessete, dezenove e vinte e dois, dezenove e vinte e sete...


 


Eu estava no último corredor do último departamento quando olhei o relógio mais uma vez, apenas mais essa vez. Ele mostrava dezenove e trinta e, pelo que parecia, não teria tempo de ir até em casa e me trocar, tomar um banho e descansar um pouco antes de ouvir uma Hermione histérica e preocupada do meu lado tagarelando sem parar.


 


Cheguei ao ponto de encontro sem saber quanto tempo se passara desde a minha última olhada no relógio. Joe se atrasou um pouco então tivemos de esperá-lo, o que para mim foi uma tortura. Ele saiu de um corredor qualquer dando passos vagarosos em nossa direção. Ele vinha rindo mas eu estava tenso, tenso demais para aguentar suas bobeiras; pelo menos por enquanto. Eu dei de costas e fui em direção a Michael para mostrá-lo que terminamos.


Ele não se demorou em nos deixar ir embora e foi nesse momento que o relógio do ministério badalou novamente. E pelo seu último badalo soube que estava atrasado.


 


Saí de lá às pressas e ofegante. Cheguei a privada e pus meus pés para fora do banheiro o mais rápido possível. Não tive tempo de me trocar nem nada — isso não era novidade — mas com um toque de varinha, roupas casuais apareceram em minha frente e pareceram se achegar ao meu encontro, me abraçando e se ajustando ao meu corpo. Eu desaparatei assim que senti o primeiro sinal do vento aconchegante e quente de uma noite estrelada.


 


Num estampido cheguei à porta do Poções Efervecentes. Eu a abri e percebi um lugar era fora do comum. Só para você saber eu nunca tinha vindo aqui, apenas ouvido falar; mas era impressionante o número de casais que se encontravam alí, nesse exato momento, se beijando e trocando carícias. Estava desajustado ao ambiente; mas me livrei de todo esse desgosto e sentimento de deslocamento e me sentei na mesa mais próxima à janela lateral.


O lugar era exatamente assim. As mesas e pequenos sofás pareciam de uma lanchonete comum, a não ser pelo fato de que eram rosas e cheios de corações e coisas femininas que demonstrassem um amor incondicional. Aquele lugar era um ótimo local para se levar sua esposa caso se esquecesse de seu aniversário de casamento. As mesas formavam uma espécie de L e começavam da direção da porta e terminavam em frente ao balcão. Na porta da frente se tinha uma garçonete extremamente feliz que entregava um cardápio totalmente bizarro a todos que entravam.


— Sintam-se a vontade pombinhos. — Ela dizia quase que assustadoramente graças a seu sorrisoque se entendia de bochecha a bochecha.


Eu olhava em volta e vi um espelho no teto da loja que parecia refletir apenas quem o olhava e as pessoas de sua mesa. Quando eu o dislumbrei ele pareceu se mexer e se virar para mim, mas segundos depois uma mesa a minha frente fez o mesmo mas o gesto não se repetiu. Cada vez que eu olhava para cima, o espelho estava lá, de certo modo me olhando sem ao menos piscar.


Deixei aquele breve pensamento de ser observado por algo inanimado de lado e me concentrei no cardápio bizarro que a mulher me entregara. Meu estômago estava roncando quando abri a seleção de pratos e petiscos e vi tantas opções. Era mesmo bizarro, nele só tinham opções como Suco de Cereja do Amor ou Cachorro Quente da Paixão. Entendeu, só coisas do tipo. Ele era dividido em seções quase que eróticas e todas tinham o título de algo apaixonante. Uma se chamava morango com chocolate — que correspondia aos petiscos — outra se chamava beijo na praia — que eram as bebidas — já outra se chamava picnic sobre o luar — que preenchia a lacuna dos pratos principais — e tinha outra que era para mim a mais boba e óbvia de todas, docinho de coco — que se relacionava as sobremesas. Era até engraçado ver aquilo tudo e não ter Gina alí do meu lado. E até mesmo entediante estar num local cheio de casais e seu par estar em casa.


Uma garçonete que ao meu olhar parecia jovem veio ao meu encontro me perguntar o que eu decidira comer. Eu escolhi Fritas da Sedução com um pouco de Suco de Namorico. Nem sei de que era o suco. Estava esperando uma surpresa e nem percebi que meus amigos estavam atrasados.


A garçonete mexeu seu dedo e sua pena escreveu os pedidos num pedaço de pergaminho que estava em sua mão. Eu olhei para cima esperando ela terminar e não vi mais uma jovem garçonete, e sim, uma quarentona com cabelos quebrados, unhas mal feitas e mãos e face enrugadas. Eu arfei uma risada e ela se retirou rapidamente sem nem ao menos perceber minha reação.


 


Cerca de cinco minutos se passaram e a garçonete estava de volta. Ela me entregou um prato de fritas com um hamburguer cortado em forma de coração acompanhados de um copo grande um suco que mudava de tonalidade; mas sempre ficando entre o vermelho claro e o vinho. Eu o provei com cuidado e até gostei, tinha gosto de cereja misturada com morango e amora, com um leve toque gaseficado; era como refrigerante. As fritas tinham um gosto normal e o hamburguer veio com o dobro de ketchup deixando escorrer um pouco no prato quando  dei a primeira mordida. Ele se movimentou formando um pequeno coração. E de novo estava sozinho.


           


Mais um pouco de tempo se passou e meu lanche já estava na metade. O suco já tinha acabado mas a comida eu ainda estava guardando para esperar meus amigos.


Eu contei até dez para ir embora. Um... De repente da porta do local saíram Rony e Hermione que já chegaram apressados. Hermione olhava para todos os lados me procurando. Rony já me localizara a muito tempo e agora a garçonete os entregava o cardápio e dizia seu roteiro completamente decorado e ensaiado. Eu apenas via sua boca se mexer mas via também a de Hermione se movendo. Ela começou empurrando de leve o cardápio, não o aceitando. A garçonete insistiu e Hermione elevou sua voz. Dessa vez eu podia ouvir suas palavras claramente.


— Nós não vamos ficar! Para de me encher com isso! — Ela exclamava nervosa enquanto a garçonete continuara a lhe entregar o cardápio e Rony parecia nem se preocupar mas, uma vez que todos do recinto o olharam impiedosamente por interromperem seu ciclo de amor infinito, ele começara a segurar o braço de Hermione que agora pegara todos os cardápios da mão da garçonete que continuara a dizer as mesmas palavras.


— Anda Mione... Para com isso... — Ele continuava a puxá-la mas ela ainda puxava para si os cardápios.


— Sintam-se a vontade pombinhos! — Continuava a garçonete.


— Quer saber... Parou! — Ela exclamava novamente, dessa vez, jogando os cárdapios para cima e sacando sua varinha. Nesse momento eu ameaçava me levantar para impedi-la mas Rony foi mais ágil do que todos nós e segurou a mão de Hermione antes mesmo dela erguer seu braço.


Eles se encaminharam o mais rápido possível para a minha mesa. Rony a segurando e pedindo desculpas às pessoas que passavam; Hermione, por sua vez, se queixava da garçonete e comentava baixinho que queria transformá-la em algum animal. Sentaram-se juntos e esperaramos até que Hemione se acalmasse.


— Oi Harry. — Os dois disseram juntos e se entreolharam.


Hermione a essa hora já mudara de posição em relação ao ambiente. Estava confiante e séria como sempre. Será que ela nunca relaxava? Não, ela estava pronta pra tudo. Já esperando o pior. Essa era uma posição que eu deveria ter, ainda mais agora que meu mundo estava desmoronando. Rony era o exemplo concreto de como eu estava alí, naquele exato momento. Descontraído e despreparado para qualquer bomba.


— Você nunca relaxa? — Perguntei à Hermione e ela não respondeu apenas me deu uma risada de desgosto e eu soube que era o máximo que iria conseguir.


Nós esperamos mais um pouco, olhando uns aos outros e apreciando a doce e romântica paisagem que nos cercava. Depois de uns dez minutos as mesas vizinhas, a da nossa frente e a de trás, ficaram vazias e tomadas pelo silêncio. Finalmente tínhamos um pouco de privacidade e poderíamos dizer o que queríamos sem sermos interrompidos.


— Harry, conte-nos tudo. — Começou a tortura.


— Não tem nada pra contar! — Disse esquivo.


— Tem sim! — Retrucou Hermione percebendo minha esquiva e tentando me trazer de volta a sua teia de perguntas sem fim até que eu responda todas.


— Só pra garantir, não acho justo termos essa reunião e falar sobre o marido da minha irmã, sem ela aqui! — Rony retrucou mas foi interrompido por Hermione que o olhou debochadamente e apenas levantou o um dedo mandando-o, indiretamente, se calar.


— É... É isso que você acha Ronald? — Perguntou ela.


— É, isso aí mesmo.


Eles ficavam respondendo um ao outro. Hermione autoritária e Rony totalmente indiferente. Por mais que fosse engraçado os ver brigando, eu precisava terminar com isso. 


— Ok, Ok, eu falo.


— Muito bom Rony, nosso plano funcionou.


— O que? — Eles bateram as mãos como se fossem cocapitões de um time e o mesmo vencesse o campeonato mundial de quadribol; ou algo do tipo — Deixa pra lá. Enfim... Primeiro eu venho tendo sonhos.


— Que tipo de sonhos? — Rony perguntou.


— Não interrompa! — Hermione exclamou dando uma leve chutada na canela de Rony, sei disso porque a mesa balançou.


— Eu estava numa casa abandonada. Estava fraco e cansado. Então eu peguei um osso, o parti em dois com um punhal de prata e joguei um líquido amarelo-pus que veio do osso dentro de um túmulo.


— É só isso Harry?


— Ah... — Disse tentando pensar mas a expressão desconfiada e de descontentamento de Hermione me fuzilava, me tirando a cada segundo de minha linha de pensamento — Eu também sonhei que pegava um tubo de ensaio com uma poção e o pedaço de osso que não foi cortado. Foi estranho, muito estranho.


— Que surreal cara! — Exclamou Rony incrédulo — Fala sério, esse negócio de osso aí é nojento.


— Cala a boca Rony! — Ela disse beliscando seu braço. Logo depois de um muxoxo dele era se virou para mim e continuou — E sobre a matéria do Profeta Diário o que você acha?


— Mentira é claro. O dono da loja que é culpado. Eu segui uma pessoa até a Travessa do Tranco. Ela foi até a Borgin & Burkes e então a segui; e depois descobri que era um auror. Eu estuporei o Sr. Borgin porque eu queria ver o que o auror queria, mas ele não deixou. Depois eu duelei com o tal auror mas ele fugiu levando o caldeirão que o Gregor disse na reportagem.


— Harry as coisas estão sérias. O ministro acredita em você mas está sendo pressionado pela imprensa. Quem quer que esteja incriminando você está fazendo um ótimo trabalho. Eu fui designada pra ser sua advogada mas antes do julgamento... — Ela repirou fundo... Hermione nunca repira fundo. A não ser que esteja prestes a dar uma péssima notícia — Você tem de me entregar sua varinha.


— O que? — Rony e eu dissemos em uníssono.


— É. E eu tenho de te entregar isso. — Ela tirou uma carta formal de uma bolsa que não tinha visto até agora — Uma intimação.


— Intimação? — Eu perguntei incrédulo. Não podia ser verdade. Todos estavam acreditando naquilo tudo.


— Sim. — Ela me respondeu.


— Mais alguma notícia ruim?


— Sim... Se você não encontrar esse culpado logo, você provavelmente irá para Azkaban.


Eu nem pensei duas vezes, no momento que recebi e processei essa notícia desaparatei, deixando em meu lugar apenas minha varinha e na mesa do lugar meu frio lanche pela metade.


 


Parei na frente de casa e entrei. Subi rapidamente as escadas indo em direção ao meu quarto, seguindo para minha cama e deixando uma Gina preocupada do lado de baixo da casa.


 


Setembro se fora com mais uma preocupação. As folhas começaram a mudar de cor indicando que o outono já chegara faz tempo, e alguns flocos de neve fizeram com que o chão de minha calçada ficasse escorregadio e molhado. Mais uma estação se passara e mais uma começara e meu problema só estava em progressão. O sol não brilhava com o mesmo esplendor, o que era ruim para mim, eu sempre adorei o sol; mas pelo menos por uns três ou quatro meses ele estaria escondido sob densas nuvens escuras e abafadas. Assim como eu estava abafado por uma série de problemas.


 


Minha segunda noite de setembro fora marcada por um sonho com meus filhos. Mas esse não era tão real quanto os outros porém eu o encarei como uma visão. Eles se encontravam na antiga casa abandonada que eu vira em meu primeiro sonho com a poção. Estava escuro e de repente a luz parecia aparecer de um ponto e se expandir por todo o cômodo rapidamente. Meus filhos gritavam “Pai, Pai, Pai” mas ninguém respondia; apenas quando gritaram pela terceira e última vez eu saí de nalgum lugar e começei a atacá-los. Eu via em suas faces o medo, o terror e também meu próprio refelxo — que parecia ser eu, pelo menos externamente, mas naqueles olhos eu via que meus filhos encaravam algo novo. O que estava na frente deles não era seu pai. E sim uma coisa ofídica e irônica. Maldosa e diabólica. Sonhos assim não paravam de acontecer.


           


 


Minha rotina continou a mesma até que a semana passara e o domingo batia em minha porta. Era uma manhã fria e inquietante. Não estava nem um pouco nervoso com o julgamento, na verdade pouco me importava o resultado. Já havia perdido várias coisas em minha vida, mais uma não seria diferente. Me arrumei sem nenhuma motivação — me agasalhando mais um pouco do que um normal — e andei porta afora.


            Cheguei até a cozinha, dei bom dia a todos e tomei a mão uma caneca de chocolate quente. O deixei vir até meus lábios e enquanto o líquido quente caía pelo meu esôfago, sentia um calor avassalador; como um abraço de mãe — coisa que nunca havia sentido na vida — tomar todo o meu ser. Era isso que precisava para o julgamento.


Aparatei e me localizei numa rua diferente da que usava de costume. Andei mais um pouco para a esquerda e percebi que as duas eram paralelas. Continuei pela rua em que estava acostumado até a porta do banheiro, onde meus passos se repetiam como todo dia.


O átrio estava completamente cheio com bruxos e bruxas de vestes formais. Todos me olhavam com aversão e impiedade e suas vestes me diziam que era a hora do julgamento.


            Logo que cheguei ao grande chafariz, centro do ministério, um grupo de policiais me escoltou para a Seção da Suprema Corte dos Bruxos. Fui deixado por eles num banco desconfortável em um corredor de muitas alas sem fim. Ao meu lado tinha um duende com cara de malvado, um elfo e um bruxo psicopata — que sorria para o nada enquanto me olhava pelo canto do olho.


 


***


 


De um em um o banco se foi esvaziando. Ao terceiro badalar do relógio, dez horas, ouvi meu nome ser pronunciado. Era cerca de cinquenta metros entre onde estava e a entrada da sala da corte. A cada metro que se passava, lembrava de uma pessoa em especial. Dois metros, Gina. Dez, Alvo Severo. Quinze, Dumbledore. Vinte, Hermione. Trinta, Lily. Quarenta, Tiago. Quarenta e cinco, Rony. E por último Voldemort.


            Não vou dizer que me lembrava dele em especial, até porque seu rosto apenas veio à vulso em minha mente. Talvez ele seja a razão de tudo estar acontecendo. Mas... Não, não pode ser. Eu, Rony, Hermione e Neville destruímos as Horcruxes; todas elas. Não tem como ele reviver.


            Essa dúvida ficou em minha mente enquanto me achegava a um grande vão que representava a porta e dava meus primeiros passos na superfície lisa e extremamente decorada da sala da corte. 

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