Capítulo 2 - Comportamento Est



Albus abriu os olhos subitamente e percebeu que suava. Estivera sonhando, um sonho ruim. Estava nu e imundo, e havia uma garota morta ao seu lado. Rose o repreendia por ter matado a garotinha. Harry não o considerava mais seu filho. Ginny não queria magoá-lo, mas sua face dizia o suficiente: estavam todos desapontados.
Não podia ficar daquele jeito. Fora apenas um sonho. Mas daqui a alguns dias poderia tornar-se algo vívido. O seu coração ainda batia mais rápido que o normal. Todos os dias, desde o acidente, ele acordara e pensara em cenas semelhantes àquela. Sempre havia alguém morto. Sempre havia os pais envergonhados. E era assim que ele ia dormir também.
Sentou-se, e tentou se acalmar. O rosto da garota morta o aterrorizava. Puxou silenciosamente a cortina da cama para não acordar os outros garotos do dormitório, e colocou um pouco da jarra de água de sua mesa de cabeceira num copo. Bebeu lentamente. Fechou os olhos. Tentou encontrar confiança em algum lugar da sua mente, um pouco de esperança. Mas nunca se sentira tão vazio e solitário.
Olhou pela janela. O sol ainda não havia nascido. O céu estava cheio de nuvens. Levantou-se da cama para dar uma olhada nos jardins. Logo, eles estariam repletos de estudantes. A maioria nunca fora muito próxima de Albus, e ele se perguntava o que aconteceria se descobrissem. Aquilo não podia vazar, e não iria. Os pais haviam demonstrado um grande apoio, mas isso porque a primeira lua cheia ainda não havia chegado. Faltavam pouco mais de duas semanas. Ele imaginava o que iria acontecer. Para onde iria? Algum lugar onde não pudesse machucar ninguém... Harry falara que a diretora iria combinar tudo com ele. Ele ao menos devia saber, Albus não podia protestar. Era pela segurança dos demais alunos.
Pelo relógio, ele acordara duas vezes mais cedo do que deveria. Pensou em ler um livro, para tentar tirar todos aqueles pensamentos ruins da cabeça. Pegou um que estava na mesa que falava de antigas mitologias bruxas. Não parecia muito interessante no momento, mas era tudo o que tinha. Não se surpreendeu quando, depois de ter lido três linhas, já estava revivendo cada detalhe novamente.
O lobo saltara em cima dele e o mordera. Ele acordou horas depois no St. Mungus. Fingiu ainda estar dormindo para poder ouvir as vozes que conversavam. Ginny demonstrava preocupação: já havia sido espalhada a notícia de que houvera um misterioso ataque no Beco Diagonal. E agora o filho de Harry Potter estava no St. Mungus, e, claro, as pessoas queriam saber o por quê. E o mundo bruxo ainda tinha muito preconceito...
Um turbilhão de pensamentos passou pela cabeça de Albus quando ouvira a mãe falar aquilo. Aos poucos fora entendendo. A mãe falava de Lupin. Ele havia sido mordido por um lobo e se sentia diferente. Foi como se seu corpo tivesse sido congelado. Um grande medo passou por sua espinha. Seria possível? Discretamente, passou a mão pela seu braço e sentiu mais pêlos ali do que há algumas horas atrás. Ficou arrepiado. Além disso, estava faminto.
Se ao menos não tivesse se metido na travessa do tranco, tudo poderia ter sido evitado. Mas não podia pensar nisso agora. Devia pensar no que faria a partir de agora. Ouviu a porta se abrir e a voz de uma enfermeira explicava que Albus devia seguir uma dieta rica em carne sangrenta. Era a confirmação de todos os receios. Era como uma sentença de morte, ele agora era um bruxo condenado. As pessoas já não gostavam muito dele. E ele também não e isso definitivamente não ajudaria em nada. Então por quê aquilo estava acontecendo?
Queria chorar. Achava que aquilo lhe traria conforto, mas não podia arriscar que alguém notasse que ele acordara. Não estava pronto para enfrentar o mundo. Queria voltar a dormir. Quem sabe por dias, ou talvez semanas. Não conseguiria olhar nos olhos das pessoas. Por quê ele?
Nas horas que se seguiram, pessoas entraram e saíram do quarto. Ele não conseguira dormir nem por um instante. Planejava manter os olhos fechados até ser deixado sozinho. Médicos, enfermeiros, familiares - fora doloroso escutar vovó Molly soluçar segurando sua mão sentada ao seu lado e não poder fazer nada para consolá-la - e até pessoas do trabalho dos pais. Mas houve um momento em que arriscou abrir um pouquinho os olhos e Lily soltou um gritinho anunciando que ele despertara. Sentiu como se uma multidão o observasse. Lily iria se arrepender de tê-lo denunciado. Sua família e até alguns desconhecidos, todos o olhavam. Alguns com medo, outros com pena. Nunca sentira um peso tão grande. Queria que virassem o rosto, olhassem para qualquer coisa menos para ele.
Fizeram um monte de perguntas, entre as quais a óbvia e irritante "Como se sente?". Lily chorava. James ficava num canto do quarto, isolado. Rose parecia tentar encontrar algo inteligente e confortante para falar. Harry e Ginny lhe diziam que tudo ficaria bem. Hermione dizia que o mundo dos bruxos estava ficando menos preonceituoso, que aos poucos antigos pensamentos se modificavam.
Mas se nem ele mesmo se sentia bem, o que esperar dos outros?
No dia seguinte, recebera alta. Fora levado para casa. Ninguém conversara no carro.
Em casa, os assuntos eram mais objetivos. Enquanto Molly cuidava dele, lhe oferecendo a toda hora pratos de comida variados mas com carne mal passada comum a todos eles, seus pais, tios e - para irritação dele - irmãos discutiam com uns aurores o ocorrido. Quem eram aquelas pessoas com capuz? Por quê escolheram Albus como vítima? E quem era aquele lobisomem que o atacara?
Ninguém parecia ter uma resposta concreta, apenas teorias. os Comensais da Morte estavam se reunindo novamente... lobisomens estavam atacando a luz do dia... uma foragida queria se vingar de Harry Potter por tê-la prendido...
No restante das férias de verão, Albus conversou pouco com o pessoal de casa. Mal saia do quarto. Folheava os livros para tentar encontrar alguma distração, mas não funcionava. Os irmãos e primos o chamavam para jogar Quadribol. Harry tentava passar mais tempo em casa. Ginny lhe mimava. Mas ele apreciava a solidão.
Na última noite antes de voltar para Hogwarts (começaria o quinto ano no dia primeiro de setembro), Ginny e Harry foram até seu quarto. Explicaram que a diretora iria conversar com ele e explicar o que ele deveria fazer nas noites de lua cheia. Que ele continuaria sendo um aluno normal, assistiria as aulas normalmente, e ainda poderia conviver com todas as pessoas. Que tudo ficaria bem. Ginny lhe deu um abraço apertado cheio de soluços. Harry não sabia muito o que falar, pois nos últimos meses andara bem distante do filho, mas, no fim, também lhe deu um abraço. Um abraço que dizia tudo que os dois não tinham coragem de falar um para o outro.
Quando chegou o dia de embarcar no Expresso de Hogwarts na plataforma 9 3/4, se surpreendeu quando ninguém mencionou o acidente. Obviamente, queriam lhe dar a impressão que seu ano escolar seria normal, e que não precisava ter aquilo nos pensamentos o tempo todo. Mas ele não duvidava que estavam todos pensando no Albus lobisomem mesmo assim.
No trem, conseguiu se livrar de todos. Talvez ficasse em paz por alguns instantes. Assim que se despediu dos mais velhos, encontrou uma cabine onde pode ficar sozinho, e Rose, que estava na cabine dos monitores, não o encontraria. Ela estava muito animada por ter sido escolhida monitora da Grifinória. Ele agradecia não ter sido, mas nem esperava mesmo que fossem lhe escolher.
A porta da cabine se abriu. Ele, que estava distraído admirando as primeiras paisagens da viagem, virou-se para ver quem chegara. Ficou contente ao ver Alice ali. Ela era uma daquelas pessoas com quem ele se sentia bem, independente de tudo. A garota lhe deu um abraço forte e ele conseguiu forçar o sorriso. Sorridente, ela contava as últimas festas das férias e lamentava que ele não tivesse ido. Ela perguntou o que era aquela cicatriz no rosto dele. E aquele nariz um pouco torto. Albus não conseguiu evitar chorar. Os enfermeiros foram super eficientes em reconstruir seu rosto, mas sobre a cicatriz e o nariz nada pode ser feito. Alice pôs a mão em seu rosto e perguntou o que tinha acontecido. Ele não poderia esconder dela, era sua melhor amiga. Contou tudo, embora não conseguisse encarar a amiga nos olhos enquanto falava.
Agradeceu por Alice ter tentado evitar o assunto depois de ser devidamente informada dos detalhes. Eles até conseguiram se divertir um pouco, conversar sobre os Níveis Ordinários em Magia que prestaria em alguns meses e como os professores iriam cobrar deles até ficarem loucos. Alice dizia que estava pensando em trabalhar com plantas, poções... Albus não tinha muito ideia, ou pelo menos não quis dizer a Alice.
Algumas horas mais tarde, quando o trem já estava quase chegando, receberam uma indesejada visita. A porta da cabine se abriu e Scorpius Malfoy (garoto da Sonserina, filho de Draco, desafeto de Harry na escola), Paula (filha do auror Jack) e mais uma garota da Sonserina entraram. Alice desviou o rosto dos três e ficou observando a janela pois ignorá-los era melhor do que iniciar um conflito. um conflito. Scorpius falou:
- Albus... eu e todos os outros estudantes não pudemos deixar de notar que há aurores no corredor. E também na estação. Em Kings Cross. No Beco Diagonal. Aonde quer que você vá...
A outra garota riu. Paula não reagiu, ficou observando fixamente Albus, que nada respondeu.
- É claro. É claro que eu ouvi falar do trágico acidente no Beco Diagonal. Bruxos das trevas novamente a solta? Isso é perigoso. Eu pensei em lhe perguntar... o seu pai tem alguma ideia do que está acontecendo? Ele é um auror.
- Eu não sei Scorpius. E pode ter certeza que não sou o único estudante cujo pai é um auror então por quê você não... - começou a elevar a voz.
- Calma, calma! - Scorpius ergueu a mão para acalmá-lo - Muitos estudantes têm pais aurores. Mas é você quem importa. Como lhe falei, ouvi falar do acidente e...
- Eu já entendi, Scorpius. E você também. Não sei o que está acontecendo. Eu nem reparei que tinha aurores no corredor, apenas na estação. Agora se você pudesse me deixar sozinho com a Alice...
Albus aos poucos ia se irritando com Scorpius. Alice finalmente parou de observar a paisagem e passou a assistir o diálogo.
- É claro, Scorpius. Mas não antes de...
Estendeu sua mão, na direção da de Albus. Deu um sorriso, mudando toda a expressão facial para uma estranhamente simpática, como se o que estivesse fazendo fosse natural.
- Vamos lá, Albus, não precisamos nos olhar com tanta frieza.
- Eu pensei que seu pai tivesse lhe instruído a não gostar de mim. - falou.
- Engraçado, ele que me disse para não criar desafetos desnecessários. Acredito que o seu pai, no entanto, não teve a mesma opinião. Eu estou falando sério, Albus.
Albus se levantou. Tentou olhar nos olhos de Scorpius mas não conseguiu. Era como se ele fosse inacessível, com aquele comportamento metido e super confiante. E agora ele estava lhe estendendo sua mão. E Albus a apertou. Mais do que aceitar uma "trégua", ele queria tocar na pele de Scorpius. Vira poucas pessoas fazerem isso. Ele tinha um aperto de mão forte. Quando soltou, Albus quase ficou corado ao tentar prolongar o aperto até que as últimas pontas dos dedos se separassem.
- Você é quente. - disse Scorpius. - Quero dizer... sua pele. Está com uma temperatura alta. Não com febre. Só quente. Devia checar a enfermaria.
Albus apenas acenou como resposta, não conseguiu falar nada.
Piscou os olhos, que eram cinzentos e frios. E saiu. Albus achava a confiança e a simplicade da vida de Scorpius irritante. Mas queria que ele tivesse ficado mais um pouco.
Alice riu.
- Ok, Albus o que foi aquilo?
- Aquilo o quê? - estava ainda um pouco exaltado.
- Ah, me poupe, o Scorpius nunca foi assim. O que ele quer de você? - perguntou - Ou talvez de seu pai? - ela falava como se tivesse bolando teorias.
- Ah, deixa ele pra lá.
O restante da viagem foi tranquilo. Se pelo menos algum bom efeito tivera a visita de Scorpius, foi que por um tempo, por um pequeno tempo, ele conseguiu esquecer tudo que lhe assombrara no final das férias.
No banquete, ficou contente ao ver que Scorpius havia se sentado de um lado da mesa no sentido da outra parede. Assim, ele podia olhar para a mesa da Sonserina o quanto quisesse sem correr risco de que ele notasse. Albus serviu-se quase que exageradamente, pois não era todo dia que se tinha um banquete.
No final, a diretora levantou-se. Era uma mulher bonita e inteligente, substituíra Minerva, que se aposentara, há pouco tempo. Continuava sendo a professora de Defesa Contra as Artes das Trevas. Os alunos da Corvinal a amavam, pois diziam não aguentar mais um diretor da Grifinória. Albus revirava os olhos sempre que pensava nos alunos da Corvinal.
Deu boas vindas a todos. Albus não pode deixar de notar que ela olhara para ele diversas vezes durante o discurso. Sabia que os dois conversariam em algum dia qualquer dessa semana, e isso era assustador.
Os alunos se levantaram das mesas. Ouviu Rose chamando os primeiranistas. Ele e Alice foram juntos, como sempre. Alice conhecia quase todos os outros alunos, mas entendia que Albus preferia que os dois ficassem sozinhos.
No dormitório, ajeitou seu malão, colocou o pijama, e preencheu a mesa de cabeceira com alguns livros e outros objetos pessoais. Fechou a cortina e ficou mirando o teto. Se sentia sozinho. Esperava um ano difícil. Mas será que ele era um idiota por ter um raiozinho de esperança que talvez as coisas não fossem tão difíceis assim? Pensou em Scorpius. O que Scorpius iria querer com ele? Ele estava apenas querendo lhe irritar. Mesmo assim, queria acreditar. A alternativa era aceitar viver uma vida inteira sozinho. Ele não queria isso, e começou a chorar baixinho. Estava chorando muito, ele sabia. Era inevitável. Passeios, viagens, momentos bons e ruins, imaginou fazendo aquilo tudo com Scorpius. Sabia que era coisa da cabeça dele, mas não deixou de dar um leve sorriso antes de finalmente adormecer.
E agora ele estava lá, sem saber o que fazer enquanto esperava a hora de descer. Ficou imóvel por quase uma hora, até puxar novamente a cortina para sair da cama e ir até o banheiro.
Lá, despiu-se do pijama e mirou-se no espelho. Muita coisa mudara desde a última vez que fizera isso. Agora, ele estava menos magro, mas com uma cicatriz no nariz onde fora mordido e que ficara um pouco torto também. Não o ajudou a se sentir melhor. Alguns longos pêlos cresciam no seu braço e peito, e ele sentia como se a qualquer momento pudesse se transformar num lobo feroz e atacar os colegas numa aula qualquer. Respirou fundo. Nada disso iria acontecer. A diretoria iria guiá-lo na noite de lua cheia. Tudo daria certo. Mas, antes de entrar no banho, uma lágrima caiu do seu rosto. Ele realmente gostaria que parasse de ter vontade de chorar em todo instante. A água gelada caiu no rosto do garoto.


Meia hora mais tarde, foi o primeiro aluno a chegar no Salão Principal. Todos os outros alunos ainda deviam estar dormindo. Tomou o café da manhã calmamente, deixando um leite morno para o final. Pelo teto do Salão, o dia estava sem nuvens. Levantou-se da mesa e, antes de sair, quando ia procurar Neville para pedir o horário das aulas, escutou a conversa de duas vozes que se aproximavam do Salão, de alunos que viam de fora do castelo. Duas vozes bem conhecidas.
- Estava bom, um pouco nojento, mas bom. - falou Paula.
- Da próxima vez, espero que você vá sozinha. Não só não pretendo acordar todos os dias a essa hora, como também aquela cena era podre nos olhos de um observador. - disse Scorpius.
Os dois entraram no Salão e encontraram Albus. Paula ficou assustada, mas Scorpius pareceu feliz.
- Albus! Não esperava te encontrar essa hora.
- Eu... eu acordei cedo e não consegui voltar a dormir. - explicou.
- Sei como é. - ele falou - Já tomou café, não foi?
- Sim, estava de saída.
Deu um passo, mas Scorpius não lhe deixou sair dali.
- Espera um segundo. Para onde você vai?
- Vou procurar o professor Longbottom para pedir o horário das aulas. Com licença... - não gostava de ser perguntado o que estava fazendo.
- Você ainda tem tempo de sobra pra isso. Vem cá, por quê não toma café com a gente?
Ele sentiu-se tentado a aceitar o convite. Mas não poderia deixar de desconfiar do motivo para Scorpius agir daquele jeito. Deu uma olhada em Paula, ela não parecia entender o convite mais que ele. Na verdade, olhava para o amigo com desconfiança.
- Tudo bem. Posso esperar um pouco.
Os três foram até a mesa da Sonserina. Paula não comeu nada, dizendo já estar satisfeita, mas Scorpius se serviu de todos os pratos que estavam por perto. Apesar disso, comia elegantemente.
Não leva muito tempo na mesa com Scorpius Malfoy para perceber que ele falava muito mais do que ouvia. Em questão de minutos, Albus já sabia que os testes de quadribol começariam no sábado e que Scorpius não tinha dúvida de que seria escolhido como apanhador novamente e que a Sonserina venceria o campeonato desse ano facilmente com a saída do último treinador da Grifinória. Albus não entendia nada disso, pois nunca fora a um jogo de quadribol do colégio. Sabia agora também que Scorpius fora com os pais e o avô para a Escócia nas férias e que eles acamparam e que Scorpius descobriu ser um ótimo caçador com pouquíssima prática.
As primeiras pessoas começavam a entrar no salão quando os três se levantaram e saíram. Os demais alunos da Sonserina não ficaram contentes em ver Albus na mesa deles. No saguão, Albus teve de piscar os olhos para ter certeza do que via quando Rose Weasley desceu da escadaria totalmente diferente de quando subira na noite anterior. Tingira o cabelo ruivo de preto e lançou um olhar feio às companhias do primo quando o avistou. Ele virou-se para se despedir de Scorpius e Paula e correu até a prima.
- ROSE! O que é isso?
- Isso o quê? - ela perguntou, como que desinteressada, sem virar o rosto.
- O seu cabelo. O que você fez?
- Eu estou cansada, Albus. Todos sempre falaram que eu tinha o rosto da mamãe e o cabelo do Ronald. Agora, eu não tenho nada dele.
- Ronald?
- Papai. - ela virou para ele, irritada com a confusão do primo.
- Ah, sim. Tio Ron. Mas por quê não quer parecer com ele?
- Estou apenas externando a minha total diferença de pensamento dele. Quero ser apenas como a mamãe. Ele é um cara nojento.
- O QUE É ISSO? - era James que se aproximava e se juntava aos dois no Salão Principal. - Rose, o que você fez com seu cabelo?
- Me deixa, James.
- Você está querendo se revoltar? - perguntou ele. - O que aconteceu, seu pai não te deixou sair com um garoto ou...
Rose não gostou da pergunta.
- Garoto? Então você pensa que é em torno disso que meu mundo gira? Saiba que não há nenhum garoto, James.
- Bom! Porque se eu soubesse...
- Você é apenas meu primo, não tem nada a ver com isso. O que acontece é que eu sempre notei que Ronald é um homem machista e insensível e não quero me sentir ligada a ele.
A expressão de raiva do rosto da garota foi substituída por um largo sorriso seguido de um aceno para alguém do outro lado do salão. Albus não conseguiu identificar quem, e pelo visto James também não, porque o garoto não falara nada e olhava intrigado o local para onde ela acenara. A garota se afastou e foi até a mesa da Grifinória, enquanto James ia, tenso, encontrar alguns amigos para tomar o café.
Com isso, Albus foi deixado sozinho e tentou voltar au saguão para ver se Scorpius e Paula ainda estavam lá, mas eles não estavam. Em vez disso, encontrou o professor Longbottom descendo a escadaria com um grupo de alunos curiosos ao seu redor, todos eles admirando uma planta exótica que o mestre carregava.
Quando chegou perto, Neville notou sua presença e o observou, com um olhar um pouco preocupado mas que logo foi disfarçado com um cordial cumprimento.
- Oi, Albus. Como está?
- Bem, obrigado.
Notou que a planta exalava um aroma delicioso.
- Eu gostaria que o senhor me desse o horário das aulas...
O professor estava um pouco distraído com a planta. Deu uma olhada nela por mais alguns segundos, curioso, e, então, como que se despertasse, lembrou-se de Albus e falou com uma voz energética:
- Sim... sim, claro. O horário. Max, por favor, poderia pegar aqui na minha bolsa os horários do quinto ano? Está meio difícil...
- Ah, sim, claro.
Um garoto moreno que Albus achava ser do terceiro ano se apressou em procurar na bolsa do professor que ainda estava muito preocupado com a planta. Encontrou o horário, escrito com uma letra caprichada em tinta vermelha, que passou para Albus com um sorriso.
- Aqui, Albus.
Albus agradeceu, e viu que sua primeira aula do ano era de Transfiguração. Não queria começar o ano com uma matéria tão pesada, mas não havia o que se fazer. Ergueu o rosto e viu que o garoto chamado Max ainda o encarava. Despediu-se com um olhar (que Neville ignorou, já entretido novamente com seus próprios negócios) e começou a subir a escadaria.
Enquanto subia, viu que muitas pessoas o olhavam de um jeito estranho. A notícia do ataque se espalhara. Agradecera nenhuma testemunha ter mencionado que o homem era um lobisomem, isso iria além do que ele era capaz de suportar. Ficaram mais preocupados em elaborar teorias sobre o motivo do ataque. Desde ex-Comensais da Morte não capturados, até parentes de presos por Harry em Azkaban, ele sentiu que o mundo bruxo estava muito mais preocupado com o motivo daquilo do que ele mesmo. Por enquanto, ele só queria saber o que aconteceria na lua cheia.
Mas nenhuma teoria foi tão divertida quanto a do Pasquim. Xenophilius Lovegood, que além de louco tornava-se aos poucos um velho gagá, acreditava que tudo não passava de uma farsa dos próprios aurores, querendo simular um ataque terrorista para proveito próprio. O autor da revista denunciava um ataque conspiratório há mais de duas décadas, e Albus folheara a revista por puro entretenimento.
Quando chegou no corredor da sala do professor Preysson, viu que tinha sido o primeiro. Não sabia o que fazer até o horário da aula. Sentou-se no chão e ficou as próprias mãos. Suas unhas tinham uma aparência um pouco suja, levemente amarelada. Sentiu uma vergonha brotar dentro de si. Quanto mais seu corpo mudaria até a lua cheia? Fechou os olhos e tentou não pensar mais nisso. Era quase inevitável.
Um som de passos. Ele tentou enxugar os olhos que estavam lacrimejando um pouco com as mãos e virou-se pra ver quem vinha. Era o professor Gabriel Preysson, o mais jovem do corpo docente. Moreno, de óculos e sorridente, ele notou Albus e se aproximou.
- Está tudo ok, Albus?
- Sim, professor. - respondeu o garoto enquanto se levantava. - A aula já vai começar, não é? - tentava evitar contato visual, ficando com a cabeça inclinada um pouco para o lado, onde uma tocha de fogo iluminava o corredor.
- Sim, em alguns minutos. Mas trago um recado da professora Lovebird, Albus.
Ele gelou. Já estava esperando por aquilo.
- O quê... o quê ela quer? Professor?
- Acredito que... conversar. Não parecia séria. Quero dizer, não mais que o usual.
Suebe Lovebird era uma mulher de quem um único olhar era suficiente para intimidar qualquer um. Professora de Defesa Contra as Artes das Trevas, foi uma escolha da própria Minerva McGonagall para substituí-la quando a antiga diretora se aposentou há alguns anos atrás. O conselho de Hogwarts, formado por antigos professores e famílias tradicionais, não aprovou de imediato a escolha. Pelo pouco que Albus sabia, ela ganhou o voto da maioria ao mostrar um projeto que agradou aos mais conservadores. Todos pensaram que ela se tornaria uma diretora autoritária, mas logo na sua chegada foi provado o contrário. Ela trazia dentro de si o conforto e segurança que um diretor precisava trazer a Hogwarts. Deviam ter suspeitado desde o início que Minerva não colocaria alguém sem competência.
O professor Preysson, um pouco pensativo, acabou dizendo:
- Enfim, ela lhe espera as oito horas. Depois do jantar. Eu não me atrasaria.
Piscou para Albus e foi até a porta da sala. Alguns alunos começavam a chegar, entre eles Alice que correu para lhe dar um abraço.
- Não te vi no café! Por quê estava aqui esse tempo todo?
- Eu acordei mais cedo. E acabei descendo.
- Então pelo menos me dê a honra de sentar ao seu lado na aula, Al!
- É claro. - sorriu e entrou com a amiga na sala.
No início da aula, o professor adotou um tom anormalmente sério para falar dos Níveis Ordinários em Magia (N.O.M.'s), explicando que por mais que ele odiasse ver alunos enlouquecendo com os exames, não havia outra opção. Os exames defininiriam o destino da vida profissional de todos eles e deveriam ser honrados com força e dedicação. A aula em sim foi mais trabalhosa que a dos anos interiores, Alice xingava baixinho quando não conseguia fazer a tarefa que lhes fora passada: conjurar taças de vidro. A promessa do professor que preencheria as taças conjuradas com bebidas para adultos no final da aula não foi suficiente para que todos concluissem o exercício.
No fim, ele e Alice se levantaram e foram até a porta, desapontados.
- Sabe, eu estava quase conseguindo... eu perdi foco. - disse a amiga.
Rose, no entando, conseguira conjurar sua taça logo nos primeiros minutos, e ficava apenas observando o trabalho dos outros. Albus notava uma mudança não só física mas também comportamental nela, embora não entendese do que se tratava.
- Eu realmente espero que as próximas aulas não estejam nesse nível. E é a primeira vez que o Preysson passa tarefa logo no primeiro dia, já percebeu? Ele costumava nos acostumar com o ritmo lentamente...
As aulas seguintes contrariaram o desejo de Alice. E o ritmo parecia ser aquele mesmo. Em Defesa Contra as Artes das Trevas, a professora mandou praticar azarações em duplas (que não poderiam ser pessoas com quem tinham afetividade). Torcia e gritava enquanto se aproximava das duplas, como se assistisse uma partida de quadribol e tivesse seus alunos favoritos. Ela não passou por Albus e o garoto da Lufa-Lufa com quem ele fazia dupla.
Ele e Alice foram jantar mais tarde e Albus sentia-se desapontado por não terem tido nenhuma aula com a Sonserina. Pela primeira vez. Avistou a cabeleira loira e o sorriso arrogante que tanto lhe fascinara na noite anterior. Ele estava entretido com os amigos e Albus procurou desviar o olhar para que ele não o visse observando. A amiga dele, Paula, parecia estar presente apenas fisicamente na conversa, mirando o teto.
Enquanto comia uma deliciosa torta de maçã, viu que a diretora não estava na mesa dos professores. O professor Preysson, no entando, o observava. Fingiu não olhar. Paula levantou-se da mesa da Sonserina e saiu do salão, com cara amarrada. Quanto terminou de comer, explicou para Alice que a diretora o chamara para conversar. Ela, que conversava animadamente com as amigas, fez uma cara séria bruscamente e assentiu, tentando sorrir.
Ele saiu do salão e subiu a escadaria, que estava vazia, até o corredor da diretoria. Percebeu que o professor Preysson não lhe dissera a senha, e ficou esperando um pouco sem saber o que fazer. Depois de aproximadamente três minutos, a gárgula que guardava a entrada se moveu bruscamente liberando a passagem. Uma garota desceu a escada, com um pote que continha um líquido vermelho que lembrava sangue. Era Paula. Ela viu Scorpius e ficou enfurecida:
- O que está fazendo, aqui, Potter? Essa é a sala do diretor, e para entrar você precisa de uma senha, e se ficou esse tempo todo do lado de fora é porque não a conhece, e se não a conhece é porque não devia estar aqui.
- A diretora me...
- O quê? Seriamente, eu não sei o que Scorpius vê em você. - olhou para o garoto com desprezo.
- Calminha, senhorita Farrell.
Era a diretora. Ela olhava para os dois que discutiam.
Lançando um último olhar a Albus, Paula se afastou, mas não sem gritar:
- Da próxima vez, garanta que não chegará ninguém!
O rosto da diretora ficou sério como se pensasse na melhor maneira de punir a aluna imediatamente. Ela, no entando, apenas respirou fundo e virou-se para Albus.
- Queira me acompanhar, senhor Potter.
Albus não deixou de sentir-se feliz quando Paula falou sobre Scorpius ver algo nele.
Os dois subiram a escada protegida pela gárgula e entraram na sala que era cheia de retratos de antigos diretores e itens mágicos. Uma escrivaninha de luxo no centro estava cheia de livros, correspondências, tinteiros e penas.
A professora se sentou na cadeira adornada de ouro de frente a escrivaninha e indicou a outra para Albus.
- Eu devo dizer - começou - que da próxima vez pedirei um correspondente melhor. A propósito, a senha é Caverna do Dragão. - ela enunciou o nome com um sorriso e um olhar vago como se estivesse orgulhosa do nome e ele lhe trouxesse boas memórias.
- Vou precisar vir mais vezes?
- Quem sabe. Mas para essa noite, Albus, eu tenho certeza que você sabe sobre o que tenho que lhe falar. Saiba que o Conselho teve de ser informado da sua atual condição, e eu os assegurei de que os demais alunos estariam seguros. Eu não irei desapontá-los. - falou com rispidez.
- O que devo fazer? Ir para casa passar a lua cheia ou...
- Nada disso, Potter. Não é o primeiro aluno lobisomem que Hogwarts já teve nem o último. Antigamente, mandávamos os alunos se refugiarem em cavernas ou locais distantes nas noites de lua cheia. Locais onde eles não poderiam ferir alunos ou até mesmo animais. Dessa maneira, os pais se sentiriam não ameaçados pela presença desses alunos.
- É, eu sei. Meu pai me falou do Remus Lupin.
Ela evidentemente não gostava de ser interrompida. Continuou:
- Os tempos mudaram, Potter, e uma poção foi inventada que permite que o lobisomem mantenha a consciência enquanto está transformado. É claro que você não ficará como um lobo no dormitório, então o guarda-caças irá guiá-lo até a foresta. Espero que tudo isso seja suficiente. Do contrário, teremos de pensar em outras maneiras. Fique seguro que seus estudos não serão prejudicados e na medida do possível sequer influenciados.
Ela encarou Albus por alguns instantes.
- Alguma pergunta?
Ele pensou por um instante.
- Não. Creio que não.
- Bom, isso é tudo por hoje. Falarei com você quando chegar o dia. Dessa vez prefiro que seja diretamente. Pode ir.
- Boa noite, professora.
Albus levantou-se e foi até a porta. Ouviu que os bruxos representados nos quadros o observavam e cochicavam a seu respeito.
- Albus, espere.
Ele virou-se.
- Você está bem?
Talvez aquela feição desconfortável fosse o máximo de preocupação que o rosto da professora Lovebird conseguia alcançar.
- Estou ótimo. - mentiu.
Estava cansado de todos fazerem aquela pergunta. Abriu a porta e desceu a escada, saindo pela gárgula. Deu alguns passos pelo corredor, quando alguém perfumado chegou por trás, lhe dando um susto, colocando a mão em sua boca para que ele não gritasse. Virou e viu Scorpius ali parado, com um grande sorriso no rosto.
- Paula me disse que eu o encontraria aqui.
Tirou a mão da boca de Albus e o encarou. O garoto sentiu seu coração bater e uma ereção surgir na sua calça ao sentir o corpo do garoto tão perto do seu.
- Ela não pareceu tão feliz em me ver.
- Esqueça ela.
- Você me deu um susto.
- Eu estava curioso. E tive de ficar escondido, não podia arriscar que a diretora saisse e me encontrasse aqui.
- E quanto ao susto? - perguntou.
- Bom, aquilo foi mais para ver a sua reação mesmo. - disse, rindo.
- Não teve a menor graça! - disse Albus, desejando que Scorpius não olhasse para baixo e visse o volume em sua calça.
- Para mim teve. - falou com um sorriso - E o que a diretora queria com você? O que já aprontou no primeiro dia?
Albus não soube o que dizer. De repente, sentiu uma grande tristeza dentro dele. Se, por uma mínima possibilidade, Scorpius estivesse um pouco interessado nele, ele ainda assim não sabia de nada. O que Scorpius iria querer com o garoto lobisomem, se descobrisse? E ele iria, porque enquanto conversavam o corpo de Albus estava mudando. Era assim o tempo todo. Era frustante que aqueles olhos cinzentos jamais fossem o olhar com a mesma itensidade com que ele os desejava.
- Não foi nada demais, Scorpius.
- Não esconda nada de mim, Albus. Quando eu quero descobrir algo, eu consigo. - repreendeu.
- Você é o garoto mais convencido que eu já conheci.
- E você ainda está conversando comigo.
Scorpius piscou e começou a andar pelo corredor, sumindo pelo outro lado. Albus sorriu consigo mesmo.
Foi até o corredor da Grifinória, passando pelo buraco do retrato e encontro o Salão Comunal cheio de pessoas que tagarelavam ou faziam o dever de casa ou ainda os dois. Alice e Rose estava com as meninas e os meninos do ano deles, provavelmente tentando ajudar uns os outros com o dever de casa. Não queria se juntar ao grupo. Subiu a escada para o dormitório dos meninos e trabalhou sozinho. Pegou-se diversas vezes rabiscando o papel enquanto sua mente vagava para bem longe da matéria que estudava. Queria entender o que Scorpius fizera para que, duas noites seguidas, ele fosse dormir pensando em nada além dele.

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