Entre Sonserinos e Grifinórios
* * *
Aquela garota de espírito flamejante era uma Black, mas não como os demais jovens do clã. O ano era 1971 e os planos de Lord Voldemort abrangiam a elite bruxa de modo ganancioso, o que incluía a porção vulnerável daquele clã orgulhosamente puro. Ou quase. A verdade é que os Black haviam se desviado do ideal puro-sangue em alguns momentos, aliando-se à mestiços, de modo que a pureza do sangue bruxo já não era uma realidade. Porém, isso não era algo que fazia parte da família de Apolline. Eles não eram necessariamente preconceituosos, mas faziam o necessário para manter a magia de forma plena em seu sangue. E assim, tal ramificação dos Black fizera com que a pequena Apolline perdesse o contato com boa parte da família desde muito cedo.
Agora, em Hogwarts, ela via os problemas que isso lhe causava. Tudo começando, é claro, pelas irmãs Rosier-Black: Narcisa, Andrômeda e Bellatrix. Se haviam pessoas que impunham ignorantemente sua posição contra Apolline, eram elas. Detestavam sua capacidade de precisar e crer apenas em si mesma, a atração que sua parte veela causava quando surgia pelos corredores ou o modo como parecia realmente não ver nada de especial em se dizer uma Black. Afinal, o que havia de superior naquilo? Para ela, era apenas um sobrenome. Se as irmãs Rosier-Black faziam parte da porção de sangue ‘desonrado’, por que diabos se vangloriavam?
Por hora, havia também Sirius Black. Aquele era um problema muito maior do que as três irmãs astuciosas, principalmente porque ele sabia ser muito mais astucioso do que todas elas juntas. Era insistente, malditamente sedutor, e gostava de surgir nos momentos menos oportunos. Ao contrário das primas, procurava uma proximidade de caráter interesseiro, e era exatamente aquilo que assustava Apolline. Ah claro, Sirius fora seu primeiro amor.
Quando Apolline descobrira que era parte veela, já era muito tarde para controlar as pulsações do seu coração por Sirius, o Maroto. Eram crianças, doces crianças, e não havia nada mais apaixonante naquela época do que a arte de irritar. E isso era algo que o garoto de cabelos longos fazia muito bem, mesmo após tantos anos terem se passado.
Era verdade que desde então a menina desistira do amor. Ter a essência veela em si era algo vantajoso e, ao mesmo tempo, uma dolorosa maldição. Nos primeiros anos em Hogwarts ela utilizara aquilo à seu favor, atraindo para si os garotos mais cobiçados daquele lugar. Talvez aquilo tivesse provocado a ira das primas, afinal, tanto os garotos que elas mais gostavam quanto os que elas mais odiavam já haviam sucumbido ao desejo de provar Apolline. Ao contrário das primas, ela não se restringia apenas aos sonserinos importantes. Desde que fosse um jovem de sangue puro, sua família jamais a criticaria. Porém, nem todos que a queriam realmente a haviam provado. Sirius era um desses. A questão é que tudo aquilo mudara no dia em que ela conhecera Fabian Prewett.
Se Lilian Evans, a certinha grifinória, utilizava sua voz irritantemente estridente para berrar aos quatro cantos de Hogwarts que James Potter era um completo imbecil, ela certamente não conhecera os gêmeos Prewett. Eram ruivos, graciosamente ruivos, e baderneiros. Aprontavam as mais diversas artes e eram alvo de olhares cobiçantes por parte daquelas que não tinham medo de ousar. Talvez fossem os olhos verdes em contraste com a pele branca, os corpos esculpidos pelo quadribol ou o jeito de rirem despreocupados com o amanhã. Sim, certamente era isso. E com Apolline não seria diferente.
Lucius Malfoy, Severus Snape, Remus Lupin, Tiago Potter. Nenhum deles havia lhe despertado o interesse daquele jeito, nem mesmo com seus beijos mais intensos. O que era aquilo, afinal? Nem pudera entender e já se via apaixonada por Fabian Prewett. De certo modo, fora muito rápido.
FLASHBACK
— Apolline! — A voz de Slughorn ecoara pela sala de poções em tom divertido. — Sua poção está incrível; não que eu esperasse menos de você. 20 pontos para a sonserina.
Um sorriso: fora aquilo que surgira no rosto da garota naquele momento. Não um singelo erguer de canto da boca, mas a amostra alegre dos dentes maravilhosamente brancos entre os lábios fartos e delicadamente tingidos em uma cor correspondente à sua pele levemente bronzeada pelo sol. Magnífica. Se havia algo que ela amava de verdade, esse algo se chamava poções.
— Esse já é o sexto caldeirão que o senhor explode, Prewett! — A voz do mestre de poções soara mais alta que o normal, atraindo a atenção da garota para o outro lado da sala. — Eu quero que se separe do seu irmão nas minhas aulas e procure um par que lhe desenvolva as capacidades e controle essa sua insanidade. Talvez Apolline Black seja a mais adequada para o cargo.
E fora ali, naquele momento, que ela cruzara com os olhos esverdeados pela primeira vez. O que seria apenas uma aula do quinto ano tornara-se idas à biblioteca e passeios pela área externa de Hogwarts no fim da tarde. As horas que passavam juntos duplicavam a cada passar de dias, criando laços estreitos que iam além do profissionalismo exigido nas aulas de poções.
Porém, nem tudo eram flores.
~
A amizade entre sonserinos e grifinórios era vista com maus olhos por ambos os lados e com a amizade entre o baderneiro e a veela certamente não era diferente. O avanço de Voldemort no mundo bruxo fazia despejar-se todos os olhares odiosos na direção dos sonserinos, nitidamente os aliados do lado negro. É claro que todos sabiam que muitos dos bruxos naquela Casa não apoiavam a idéia sanguinária de retaliação dos trouxas, mas como distingui-los? Não havia um modo, logo todos recebiam o mesmo tratamento repugnante, o que incluía a própria Apolline Black – principalmente pelo sobrenome que levava consigo.
A visão sobre ela teria mudado para melhor, não fosse o destino aplicar-lhe uma peça dolorosamente ultrajante. Fora num final de semana, uma data específica que jamais lhe sairia da cabeça, durante um passeio ao vilarejo bruxo de Hogsmeade. Apolline e Fabian, ambos já no quinto ano letivo em Hogwarts, haviam combinado de se encontrarem na Dedos de Mel para prosseguirem seu passeio longe dos olhos curiosos e acusadores.
Quem dera o tivesse sido de fato. Apolline esperara por Fabian durante longas horas, mas ele não aparecera. Já estava se sentindo extremamente desconfortável quando ouvira a sineta na porta assinalar a entrada de alguém e sorrira amorosa ao ver o ruivo adentrar a loja com olhos irritados, deixando-a extremamente confusa. O que era aquilo?
— O que você fez com meu irmão? — O ruivo dissera indignado. — Eu sabia que não era uma boa idéia ter deixado Fabian seguir essa idéia maluca!
— Como é? — Apolline tornara-se tensa de repente. — Eu o estou esperando há horas!
— Não me venha com essa. — Ele revirara os olhos em desprezo, apanhando-a pelo braço com força e guiando ambos para fora. — Nós vamos encontrá-lo agora e se você tiver lhe feito algo de ruim, eu mesmo tratarei de fazer com que se arrependa disso, Black.
E assim andaram entre lojas e casas esquecidas pelo tempo, sentindo o vento forte castigar-lhes o corpo. Mesmo assim, determinados – cada um pelo seu motivo pessoal –, prosseguiam à todo vapor naquela busca incansável. Só ao adentrarem os campos mais distantes do vilarejo é que puderam avistar os cabelos ruivos de Fabian Prewett estirados ao chão, observados de perto por criaturas em longas vestes negras. Até então, ninguém ali jamais havia visto a aparência de um comensal de Voldemort.
Não houve tempo para correr. Um dos comensais apenas olhara na direção dos dois estudantes paralisados e se voltara ao garoto no chão, que mesmo desacordado tinha no rosto uma expressão aterrorizada. Um lampejo esverdeado saíra da varinha da criatura em pé e acertara em cheio o corpo imóvel ao mesmo tempo em que Apolline gritava desesperada. Uma risada se fizera ouvir, certamente vinda do comensal, e aquilo causara um arrepio tremendo no corpo da sonserina. Ela conhecia aquela gargalhada exagerada, excêntrica: era Bellatrix.
A veela correra, desesperada e aos tropeços, na direção do corpo de Fabian. Logo não haviam mais comensais ao redor, mas apenas ela e o ruivo intacto no chão. Mesmo sem o calor do seu corpo e com a pele mais pálida que o normal, Apolline o achara lindo. Agora podia ver melhor as sardas claras que se espalhavam pelo topo das suas bochechas e ao longo do nariz, o contorno dos lábios e o modo como os cabelos lisos caíam pela testa, tampando um pouco os olhos. Em sua admiração, ela sequer percebera que Gideon se sentara ao seu lado, segurando a mão sem vida do irmão.
Apolline chorava em silêncio, cravando os olhos naquele rosto pelo que sabia ser a última vez. Sim, Gideon estava vivo e eles eram gêmeos, mas não havia a mesma beleza no coração de ambos, o que fazia com que ela os visse de modo totalmente diferente. De repente ela se sentia vazia. Reviu na sua mente alguns dos tantos momentos que haviam passado juntos e sorriu entre as lágrimas, lembrando-se de como aquele ruivo era bobo. Adoravelmente bobo. Apaixonante. Porque, claro, ela estava perdidamente apaixonada.
Assim, sem se importar com Gideon que estava ao seu lado ou com o fato de que não seria correspondida como sonhara, a garota se aproximara devagar do corpo de Fabian. Por um segundo imaginou que ele estava dormindo e que os olhos fechados a aguardavam com ansiedade. Ao tocar-lhe os lábios com os seus, selando um beijo doce, achou que estivesse sentindo o coração dele acelerar, mas sabia que era apenas o seu próprio.
Jamais teria Fabian de volta.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!