Capítulo Único
Embrace Me
Para começo de conversa, ela nem ao menos deveria estar ali. Perambulando sozinha durante a noite quando os tempos eram tão difíceis para pessoas como ela. Tempos onde multidões embebidas pelo preconceito se outorgavam no direito de julgar e punir aqueles que eram diferentes.
Helga apertou as vestes contra o corpo, protegendo-se do vento frio que soprava nas ruas estreitas de Hogsmead. Um povoado pequeno, com poucas casas e poucas pessoas. Um povoado bruxo, onde não se precisava esconder uma varinha e de onde se poderia apartar sem temer que alguém lhe visse fazendo isso. Mas ainda ali, um ambiente acostumado com a magia, trouxas já haviam aparecido, capturado algum feiticeiro e ceifado a vida dele, acusando-o de pactos e pecados.
Definitivamente, não era prudente andar sozinha por ali com uma situação dessas. Mas ela já estava cansada de sua prudência, do seu cuidado e planejamento minucioso de todas as suas ações. Até agora, todas as suas estratégias e preocupações não tinham dado frutos. Salazar continuava a trata-la como se fosse invisível.
Precisava de um sopro de liberdade, que geralmente só conseguia com atos de pura inconsequência e despreocupação. E era isso que ela buscava ali, andando tão tarde da noite por Hogsmead.
Cobria boa parte do rosto com o capuz, para que não a reconhecessem. Não queria que ninguém fizesse alarde por sua presença ali, ressaltando o quão importante fora a fundação de Hogwarts para o mundo bruxo, como representava um porto seguro para as crianças bruxas agora que o perigo era evidente. Acreditava na importância para o futuro da escola que ajudara a construir, mas estava triste no momento e não muito disposta a conversar, sobre o que quer que fosse.
Avistou um movimento ligeiramente grande para os padrões de Hogsmead. Ao que parecia, várias pessoas falavam alto e riam próximas a um estabelecimento. Helga reconheceu se tratar de uma taverna, cujo amontoado de pessoas na porta deveria estar fazendo tanto barulho devido aos efeitos do álcool.
Iria mudar seu caminho, para não passar pela balburdia, quando reconheceu a risada alta que escutava todos os dias pelo menos três vezes ao longo do dia. A risada divertida e despreocupada de Godric. Apurou a visão e vislumbrou os contornos da figura do amigo, que proferia um caloroso discurso para os outros bruxos, que riam e aplaudiam suas palavras. Godric era normalmente expansivo, e quando bêbado essa característica ficava ainda mais evidente. Mordendo os lábios, Helga imaginou que tipo de asneiras ele estaria dizendo.
Riu quando ele foi abrir os braços e tropeçou quase indo ao chão. Provavelmente estava se mostrando de algum feito impressionante. Muitos o chamavam de exibido, mas Helga o achava engraçado e até mesmo doce falando sobre suas façanhas. Quando um dos homens que ouvia Godric deu-lhe tapas amigáveis nas costas, tentando conduzi-lo para dentro do bar, Helga decidiu intervir. Já bastava de álcool.
Aproximou-se sorrateiramente do grupo bêbado e, com um movimento da varinha, fez com que o ar gelado da noite se agrupasse em uma neblina ao redor dos frequentadores da taverna. Chegou perto de Godric e agarrou seu braço, aparatando e levando ele consigo.
Quando se materializou em outra parte do vilarejo, bem longe de onde estava antes, quase foi ao chão, quando um Godric tonto pela bebida se desequilibrou. Segurando ainda o bruxo com dificuldade, já que ele era mais pesado, abaixou o corpo dele devagar até coloca-lo sentado em um banco que ficava em frente a uma loja de vestes.
“Godric?” encarou o rosto pálido dele “Tudo bem?”.
“Nunca...” ele suspirou “Nunca aparate com um bêbado... Eu quero... Esvaziar o meu estômago agora”.
“Não vomite em mim!”.
“O que está fazendo aqui, Heeelga?” perguntou com a voz embolada, sorrindo bobo.
“Passeando” ela não conseguiu evitar sorrir da expressão abobalhada em seu rosto “E você eu nem preciso perguntar, né?”.
“Passeando, também” riu “Só passeando”.
“Sei” arrumou os cabelos atrás da orelha “Pensei que você estivesse no castelo”.
“Estava” o sorriso dele vacilou “Mas lá estava chato”.
Ela ficou calada, encarando o rosto dele, onde toda a alegria alcoólica não era mais suficiente para encobrir os traços da apatia. Observou ele colocar a mão dentro das vestes e tirar de lá um frasco, que provavelmente continha mais bebida. Aproveitando-se de sua agilidade ser maior que a dele por estar sóbria, tomou o frasco das mãos dele.
“Não”.
“Chata”.
Helga riu, apertando a garrafa nas mãos. Notou que Godric tinha um bico contrariado nos lábios. Sempre soubera que ele tinha um forte jeito de criança, apesar de já ser um adulto feito. E quando embriagado aquelas características infantis ficavam ainda mais acentuadas.
“Ela brigou com você de novo?” perguntou, sabendo que era apenas aquela faísca que ele esperava para queimar tudo o que estava lhe incomodando.
“Como se eu fosse uma criança que precisa ser repreendida o tempo todo!” resmungou, exasperado “Ela deveria me tratar com um bruxo respeitável, não como um bobão idiota”.
“E por que ela brigou com você?”.
“Porque Rowena é uma sem graça!”.
“Godric, o que você fez?”.
“Nada, eu só estava ensinando os meus alunos. Aí ela atrapalhou a minha aula, me chamou para fora e eu fui” explicou em um fôlego só “Aí começou a gritar comigo na frente dos alunos!”.
“Na frente deles?” surpreendeu-se “Então você fez algo muito grave mesmo, Rowena nunca se exalta em público”.
“Olha aí você concordando com ela!”.
“Não concordei com nada, até porque eu não sei de nada. Vamos, não esconda nada, me conte o que você fez para irritá-la”.
“Eu já disse... Eu estava ensinando os meus alunos. Eu passei o dia ensinando os meus alunos”.
“E o que exatamente você ensinou aos seus alunos, Godric?”.
“Transfiguração, ué” ele riu, demonstrando novamente sua embriaguez “O que mais eu ensino?”.
“E o que você ensinou eles a transfigurarem?”.
“Ravenclaws e slytherins!” sorriu largo “Não é a coisa mais genial do mundo? Para que perder tempo transfigurando coelhos em cadeiras se você pode fazer isso com alunos?”.
“Você ficou louco?” ela o repreendeu, embora o ar de riso dele fosse deveras cômico “Você não pode transfigurar crianças, isso é errado!”.
“Isso é errado, Gryffindor” imitou de forma caricata uma voz feminina “Foi exatamente o que ela disse”.
“Não sem razão”.
“Mas eu não disse para eles fazerem isso, muito menos em quem deveriam fazer” defendeu-se “Eu só mostrei o que eles podiam fazer e como. Aí eu não tenho culpa se os alunos dela e de Salazar começaram a sumir e apareceram chapéus e candelabros no lugar” riu, mostrando que não se arrependia do que havia provocado.
“Algum aluno meu se machucou?”.
“Hufflepuff como alvo? Pfff, até parece, Helga” sorriu “Suas crianças são boazinhas demais para que alguém tente qualquer tipo de traquinagens com elas”.
“Você não deveria fazer isso com criança alguma!”
“Mas eu não fiz nada, foram os alunos!” defendeu-se em tom infantil.
“Quem desencantou as crianças?” perguntou, preocupada.
“Salazar” pronunciou o nome do bruxo com ar de nojo “Quem está sempre disposto a acabar com a alegria alheia que não seja o nosso querido Salazar?”.
Helga manteve-se calada, encarando as unhas de sua mão. Godric demorou a perceber seu silêncio, já que a bebida o deixava um tanto quanto lento na tarefa de raciocinar.
“O que foi?”.
“Eu sou uma estúpida”.
“Por acaso seu nome é Helga Gryffindor?”.
“Sem brincadeiras, Godric”.
“Então pare de roubar o meu posto” ele riu, mas ela não esboçou a mesma alegria, o que o preocupou “O que foi? E não vale responder se xingando”.
Ela o encarou pensativa, quase angustiada. Nunca havia dito aquilo a ninguém, nem mesmo a Rowena que era sua melhor amiga.
“Eu gosto dele” balbuciou “Salazar”.
“Wow” ele engoliu em seco, sem saber o que dizer.
Helga meneou com a cabeça, para endossar o que dizia, caso a embriaguez de Godric encarasse aquilo como algum tipo de piada da parte dela.
Os dois ficaram em silêncio, escutando o uivo do vento e as corujas que voavam em trajetórias rasantes pelos tetos das lojas. Helga observou Godric esfregar os olhos com força, dando tapinhas nas próprias bochechas.
“Que foi?”.
“Você precisa conversar” ele a encarou tentando parecer sério “Vamos, conte os seus problemas para o seu amigo Godric” forçou a voz para parecer solene “Relate como aquele bastardo encantador de cobras está perturbando o seu coração”.
“Pare” suspirou “Não gosto de ouvir as pessoas falando mal dele”.
“Pff, você é boazinha demais” balançou a cabeça para os lados “Como... como você pode gostar daquilo?”.
“Godric!”.
“Mas você gosta romanticamente?!”.
“É...” abaixou a cabeça “Romanticamente”.
“Já disse isso a ele?”.
“Claro que não!” bufou “Ele nem ao menos fala direito comigo, como quer que eu fale algo... Tão sério... Com ele?” corou, desviando o rosto.
“Sei lá, ué. Se eu soubesse como fazer esse tipo de coisa Rowena já estava aos meus pés”.
Ela o encarou e começou a rir baixinho, o que curvou os lábios de Godric em um sorriso.
Helga começou a brincar com a tampa do frasco que Godric trouxera dentro do bolso. Sentia o olhar dele cravado em seu rosto, observando cada atitude dela. Bufou, irritada.
“Bastardo encantador de cobras...” resmungou, abrindo a garrafa e sorvendo de um gole da bebida, para logo cuspir e levar a mão à boca, fazendo uma careta.
“Bravo, Hufflepuff!” ele murmurou em meio a uma risada alta e fora de controle, que o fez sacudir o corpo em espasmos.
“Por mil diabretes, o que é isso Godric?” exclamou com uma voz dolorida, sentindo o álcool queimar a parte interna de suas bochechas.
“Firewisky!” bradou em meio aos risos “Achou que fosse suco de abóbora?”.
“Como você consegue beber essa coisa?”.
“Com o tempo você acostuma”.
Ela fez uma careta e Godric aproveitou sua distração para recuperar o frasco da bebida, sorvendo dois generosos goles que logo acabaram com o conteúdo da pequena garrafa. Helga o encarava pasma, ainda que risse.
“Bêbado”.
“Yay” ele ergueu um dos punhos no ar, rindo alto.
Helga riu também, escorando as costas no banco e sentindo-se sonolenta. Godric riu ainda mais.
“Olha como você é fraca”.
“Godric... Isso é o firewisky?” ela lhe encarou preocupada “Eu nem engoli!”.
“E nem precisa” ele alargou o sorriso “É mágico!”.
Helga o observou começar a gargalhar alto e riu junto, apoiando a cabeça no braço dele. Godric passou um dos braços por cima dos ombros dela e aconchegou Helga a seu corpo. A bruxa suspirou, encarando o seu estrelado.
“O que você estava dizendo para aquelas pessoas na taverna quando eu te sequestrei?”.
“Contando como matei algum bicho grandão” riu “O de sempre”.
“Pra que?”.
“Pra que eu matei?”.
“Não, por que contou?”.
“Pra me mostrar?” riu, olhando pra ela “Não dizem que eu faço isso sempre?”.
“Acho que você fez isso pra amenizar a sua falta de habilidade para conquistar Rowena. Que é pequenininha”.
“Ora, fique quieta” resmungou.
“Gooodric?”.
“Hm?”.
“Nós somos dois perdedores, você sabia?” riu.
“Sim, sim, sabia”.
“Eu não quero voltar para o castelo” fez bico, se aconchegando no corpo dele”.
“Quer ficar aqui? Morando nesse banco?”.
“É” riu, infantil “Tem tuuuuudo o que nós precisamos”.
“Eu não tô vendo nada” riu divertido.
“Você é um bruxo, eu sou uma bruxa. Temos varinhas. Duuuh”.
“Tinha me esquecido disso“.
“E cabemos nós dois, não é perfeito?”.
“Sim, sim” levou suas mãos aos cachos dela, brincando com os dedos ali “Helga?”.
“Hm?”.
“Você quer ver o sol nascendo?”.
“Nós vamos ficar nesse banco pra sempre, é claro que eu quero”.
Godric sorriu, puxando ela ainda mais para perto, recostando suas costas no banco e continuando a mexer no cabelo dela. Os dois olharam para o céu, esperando que o sol nascesse. O que iria demorar bastante.
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“Em Hogsmead não tem nenhum aluno transfigurado” Salazar cortou o silêncio “Cadeiras e candelabros não se mexem para um vilarejo no meio da madrugada”.
“Você sabia disso desde o momento quando chamei você e aparatamos” Rowena bufou, nervosa, caminhando rápido “Não se faça de idiota, você sabia que era uma desculpa e veio porque quis”.
Salazar deu de ombros, continuando a andar. Observava a luz amarelada que saia da ponta da varinha da bruxa ficar alaranjada. Sorriu debochado.
“Eu jurava como Godric já era um adulto” provocou “Não sabia que ele precisava de rastreadores”.
“Ele precisa é de um cérebro!”.
Os dois continuaram a caminhar apressados pelas vielas desertas de Hogsmead, guiados pelo brilho da varinha de Rowena, que indicava o quanto estavam próximos ou não de Godric. O alaranjado da luz começou a ficar cada vez mais forte, puxando para o vermelho.
“Deveria deixa-lo abandonado onde quer que ele esteja”.
“Godric nunca passou uma madrugada fora de Hogwarts”.
“E você foi ao quarto dele verificar isso?” atiçou, com um sorriso debochado.
“Cale a boca, Slytherin!”.
Ele obedeceu, ainda com a sombra de um riso nos lábios. Os dois dobraram em um beco estreito, saindo em outra pequena rua. A luz ficava mais forte à medida que avançavam para o norte. Por fim, os dois avistaram duas figuras amontoadas em um banco. Slytherin sacou a varinha, caminhando logo atrás de Rowena.
“Lumus”
Não pode evitar o espanto. E quando olhou para Rowena percebeu a mesma surpresa estampada no rosto da morena. Godric e Helga estavam escorados um no outro, dormindo tranquilamente naquele banco.
“Mas o que...” balbuciou Rowena, incapaz de compreender o que seus olhos viam.
Salazar vislumbrou um pequeno frasco caído logo aos pés de Gryffindor e tratou de pegá-lo, levando a borda do objeto até a altura do nariz. Riu alto. Firewisky.
“Francamente, Rowena” começou, sorrindo largo enquanto ela tomava o frasco de suas mãos “Você me tirou da cama de madrugada para vir resgatar dois bêbados?”.
A morena guinchou, jogando o frasco aos pés de Salazar, que riu alto, encarando os dois embriagados adormecidos. Rowena resmungava alguma coisa sobre responsabilidade.
FIM
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NOTA: Eu sou fiel a Salazar&Helga. Eu gosto muito desse casal, mesmo. Então qual é a razão para escrever uma Godric&Helga? Simples, achar o Godric um fofo. E imaginar esse shipper é imaginar algo suave, quase fraternal. Um romance não explícito, algo mais como amizade do que um romance romântico. Essa última cena com a Rowena e o Salazar aparecendo em Hogsmead não estava nos meus planos, mas na minha mente me veio a imagem do Salazar rindo ao ver o estado dos outros dois, por isso acrescentei a cena. Espero que gostem, eu tenho um carinho especial por essa história que estava em rascunho há bastante tempo. As imagens não me pertencem. Abraços.
Comentários (1)
E eu vou ter que repetir: Adoro o seu Godric!E a sua Helga é muito perfeita, realmente ela não podia ser mais... ahm.. Lufana? Haha. Você os caracteriza muito bem, e esse é o grande barato das suas fics, porque eu já vi muita fanfic dos fundadores com um plot interessante, mas com os personagens totalmente descaracterizados, e isso estraga qualquer historia. Principalmente quando os personagens têm personalidades tão distintas quanto esses quatro.Então, outra vez, você está de parabéns, garota! Beijoos!! =)
2012-07-28