Capítulo Único
Brilhavam. Exibiam uma beleza que a garotinha, que as admirava, nunca possuiria. Era feia. Desengonçada. Seu nome? Sibila.
Suas pernas gigantes arrastavam o corpinho muito franzino para alguém de sua idade. “Lá vai Sibila, quem a levará para o baile?” ─ ouvia-se pelos corredores.
Trancava-se no banheiro de garotas e chorava. Era rotina. Porém os apelidos recebidos variavam entre Sibila ─ A Feiosa e Sibila ─ Maltrapilha.
“Não escute, não escute.” ─ repetia para si tampando os ouvidos.
Arrastava os calçados gastos pelos corredores, os risos inimigos ecoavam, as cabeças se voltavam quando passava aquela menina desprovida de qualidades. Mas começaria adivinhação naquele ano e era tataraneta de Cassandra. Havia esperança no pequeno coração da menina espichada.
─ O que vê? ─ indagou a professora em sala.
─ Vejo o céu...
─ Continue ─ estimulou-a. Sibila passava os compridos dedos entorno da esfera prateada; os olhos (avantajados) estreitaram-se muito concentrados no vidro de cristal.
─ ...vejo astros e estrelas ─ concluiu.
─ O que mais, menina?
─ Mais...? Nada. Não vejo mais nada. ─ e baixou a cabeça.
Ver apenas astros e estrelas não passava de uma visãozinha pobre, medíocre. Sonhadora demais. Desapontara sua professora, desonrara seu sangue. Era tataraneta de Cassandra; no entanto, cadê a clarividência? Cadê?
Transcorriam os meses. O baile se avizinhava. O vestido ganhou de sua mãe, e pertencera a Cassandra, a tataravó talentosa.
─ Ficará linda neste vestido, minha filha ─ dissera sua mãe ao arrumá-lo no malão antes de regressar a Hogwarts.
O vestido era tão lindo quanto a menina. Babados em cima, embaixo, e por todos os lados. Colorido de verde e com botões amarelados.
Queria usá-lo. Não tinha par para baile.
A sineta tocou, Sibila ficou a arrumar a pilha de livros, que caíra quando esbarram nela.
─ Tome, é seu – disse-lhe um Slytherin apessoado. Sibila nunca vira dentes tão brancos quanto os dele. Reluziam como estrelas. E os olhos? Ah, eram tão azuis quanto o céu. Agradeceu a gentileza outrora nunca recebida. Os braços tão desengonçados quanto às pernas, batiam-se, um no outro, esperando que o garoto mais velho saísse para que pudesse enfim respirar tranqüila, ser ela mesma, uma garota não-popular. O Slytherin não saiu. Os olhos saltados de Sibila o fitaram, então, o inesperado aconteceu: ─ Quer ir ao baile comigo?
Engasgou, porém disse o “sim” que sempre sonhou em dar. Iria ao baile, queria ir, queria usar o vestido de Cassandra. Ter sua noite de princesa. Mas não o teve...
O vestido se arrastava pelos corredores, os babados verde-amarelados sacolejavam ora pra cá ora pra lá. Achou seu par ao pé da escada esperando-a, o sorriso fora zombeteiro, mas Sibila ─ iludida ─ não percebeu.
Pisava nos pés de seu par, era a princesa desengonçada a dançar a valsa. Sibila-A Sapa. A desajeitada. Riram-se todos. Agora Sibila enxergava a maldade Slytherin do menino.
─ Não me ama? ─ perguntou a ele.
─ Amá-la como poderia? ─ gargalhou com crueldade.
O vestido fugia seguido dos babados. Sibila chorava ao céu aberto do castelo de Hogwarts.
“Não me ama, não me ama” ─ repetia. ─ “Não me ama... então não o amo.”
─ O que há, menina esquisita? ─ perguntou-lhe a professora.
Emburrou-se por ser chamada de esquisita, fez bico de criança mimada, negou-se ler a borra na xícara de uma colega de Casa.
─ Vê-se que falta-lhe o sangue de Cassandra.
Desabou-se em prantos a tataraneta sem vidência de Cassandra. Riram-se novamente dela. As louças levitaram, as colheres pequeninas foram arremessadas contra a janela, que se rachou; chovia borra.
Sibila estava enfurecida.
“Pare, pare” – gritavam, enquanto se esquivavam da louça enfeitiçada.
Sibila gargalhou ruidosamente, era a sua vez de rir. De louca a chamaram. Ela não se importou... Não os amava, pois eles não a amavam.
Medo.
Todos corriam de Sibila. Uma fumaça se espalhou, ela cambaleou para o lado, engasgou com a fumaça intensa, algo especial lhe aconteceu, era o que faltava: a herança de Cassandra.
A voz etérea ecoou:
“No dia em que o sol encontrar a lua, o céu e a terra tremerão, o mundo se partirá pela metade, uma, levará à morte a outra, à salvação.”
Passou então a ser temida. Mas no fundo era ela quem temia. Por que todos corriam dela? Por quê? O que havia acontecido?
Pobre menina. Previra o fim e não se recordava de tê-lo feito, sofria por algo que desconhecia, sofria por ser apenas Sibila.
Sibila não queria ver ninguém, não queria mais tentar ser legal. Fechou-se em seu casulo. Estava alheia as notícias dos trouxas e também de seu próprio mundo.
Estava surda o bastante para não ouvir sobre o eclipse, que aconteceria muito em breve, diziam, ou então para ouvir sobre os rumores do fim dos tempos.
Mas o pior de tudo era cegueira que a acometia, Sibila há tanto tempo iludida por falsas amizades ,não percebeu uma genuína a sua frente.
Era primeiranista, e ravina. Tão estranha quanto Sibila. Tão deslocada quanto Sibila. Só faltava os olhos de morcego cravados na face e a sombra, no coração para ser a cópia daquela ravina tão ferida. Disse chamar-se Betsy.
Mas Sibila já não estava lá para ouvi-la dizer seu nome.
O sol nascera como num dia qualquer, mas aquele era o dia, seria o dia que encontro do sol e lua finalmente aconteceria. Não, não. Seria mais que aquilo.
Sibila nunca soube da sua previsão, aqueles que sabiam temeram o nascer do sol, e temeram mais quando perceberam que ele não se foi quando deveria.
A lua se aproximava como uma amante a deleitar-se do corpo do outro astro.
Sibila caminhava no jeito habitual quase que arrastando as longas pernas que tinha pelo jardim.
“É culpa dela, ela previu, é culpa dela!” ─ acusou uma garota e logo outras vozes juntaram-se na acusação que agora soava como uma máxima.
Então começou uma chuva de estrelas, milhares dela caíram e continuavam a cair sobre o gramado. À medida que encontravam o solo, um tremor latente era sentido sob os pés. Sibila cambaleou, e quase caiu
─ No dia em que o sol encontrar a lua, o céu e a terra tremerão, o mundo se partirá pela metade, uma, levará à morte a outra, à salvação. ─ falou o garoto Slytherin, que levara Sibila ao baile, aquele que debochara dela.
─ Como?
─ Você previu isso. O fim!
─ Previ? ─ o Slytherin assentiu.
─ Me perdoe, Sibila? ─ desculpava-se mais por querer salvar a si do que por sentir remorso. Sibila percebeu.
─ MORRA!
O garoto correu atemorizado.
Correu diante da face demoníaca de Sibila.
Faltava pouco... centímetros, não, não, milímetros...milésimos, milésimos de segundos... Nada! Não faltava mais nada. Não havia só sol, tampouco só a lua, havia o breu total. Eclipse completo e repleto de alunos a chorarrem, esperando que a morte os pegassem, seria ela encapuzada? Talvez...
Estrelas continuavam a inundar o chão, de repente, uma maior que todas juntas, com seis pontas, atingiu o chão em cheio.
BOOM.
Partiu-se em dois, então.
─ SIBILA, ME AJUDE, ME AJUDE!
Era Betsy implorando para passar para outra metade.
Sibila não se importou. Estava salva. Não estava?
Não.
Não estava. Pouco se tratava de qual metade escolher ou conseguir ficar. Cometeram um erro: interpretaram de forma literal demais.
Se esqueceram do que realmente importava era como um tratava o outro, e quais escolhas fariam diante de situações difíceis, quando o “fim” de tudo aparecesse para lhes roubar a fé. A vida.
A amizade de Betsy poderia tê-la salvado, mas Sibila não o quis.
Betsy se salvou. O garoto Slytherin viveu o suficiente para arrepender-se de suas maldades, mas Sibila não conseguiu...
Morreu sem saber que no fim, o que realmente importa é que amor que se dá é igual ao que se tem de volta.
Ignorante ravina, com olhos bons para clarividência, mas cega outras... Sem vivência.
Que destino teve a tataraneta de Cassandra, que retrospectiva... uma vida sem acreditar nas pessoas, e dai que tinham brincado, zombado dela? Betsy também sofria do mesmo mal, com mesmo problema, mas escolheu um caminho diferente. Por que Sibila não escolheu um outro final, um que não fosse seu próprio fim?
Pobre Sibila que não soube o que realmente importava no fim, pobre e tola garota ravina.
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