Segredos
CAPÍTULO 1 – SEGREDOS
Ron atravessou a sala comunal e segurou Hermione pelos pulsos. Ele carregava no olhar uma mistura de fúria e preocupação e ela o encarava sem saber o que fazer, tentando entender o que o amigo falava, arfando.
“Não encontrei Ginny em lugar nenhum. As meninas do dormitório não a vêem desde ontem, na cerimônia de seleção”.
“Calma, Ron. Ela com certeza está em algum lugar aqui no castelo”, a garota tentava, em vão, acalmá-lo.
Ron andava de um lado para o outro e, mesmo que já não fosse tão desengonçado e não aparentasse ser só um menino que cresceu demais, naquele momento, ele parecia ter voltado a ser apenas um garotinho. Sua expressão era de alguém perdido, que não tinha idéia do que poderia fazer.
“Eu não consigo ficar calmo! Minha irmã sumiu! Como posso ficar calmo? Não com Você-Sabe-Quem… Não com essa guerra!”
“Voldemort não vai aparecer aqui em Hogwarts, Ron!”, resmungou Hermione, já ficando nervosa com a inquietação do amigo. Mas, apesar da firmeza de suas palavras, não tinha certeza sobre aquilo.
“Quem pode me garantir que não? Já não basta tudo o que aconteceu no ano passado? Ou será que esqueceu?”, perguntou em um tom mais baixo, temendo que outras pessoas escutassem. O assunto parecia ser delicado. Proibido.
“Não”, balançou a cabeça com força, negando. “Claro que não esqueci, Ron. No entanto, prefiro pensar que foi um fato isolado. Não pode acontecer de novo”, novamente, falou sem muita certeza.
“A morte de várias pessoas inocentes durante o ano inteiro parece ser um fato isolado para você?”, perguntou irritado, mas logo se calou ao ver que outras pessoas olhavam para eles naquele momento.
Dor. Lágrimas. Medo. Os dois referiam-se aos trágicos acontecimentos que precederam seu sétimo ano. Com Voldemort agindo publicamente, o mundo bruxo entrou em guerra – e Hogwarts não ficou distante da realidade cruel. A vida na escola tornou-se um inferno de novas regras e privações. Cautela era indispensável. Sangue frio e doses generosas de coragem também, pois não era raro, a cada virada de um corredor, deparar-se com alguém caído no chão, olhos abertos e cheios de terror.
Não houve culpados. Ninguém descoberto, nenhuma punição. Por quase um ano inteiro, os alunos e professores viveram naquela situação desesperadora, em estado de alerta. Andar sozinho pelos corredores era perigoso, fosse de dia ou depois do anoitecer. Visitas a Hogsmeade foram suspensas. Não houve festa no Dia das Bruxas e, no Natal, ninguém foi para casa, pois, por pior que fosse a situação de Hogwarts, ali ainda era o lugar mais seguro.
Mesmo assim os ataques não cessavam, apesar da ditatorial segurança. Era assim que os seguidores do Lord das Trevas que estavam infiltrados na escola agiam. Sorrateiramente e sem deixar vestígios.
Apesar da situação de medo que os envolvia, nada de mais grave havia acontecido com Ron, nem com seus amigos mais íntimos, até o dia em que Neville fora encontrado no dormitório. Olhos abertos e fixos. Uma expressão de horror. Nem uma gota de sangue. Mais uma vez a Maldição da Morte era usada sem que ninguém pudesse fazer nada.
Como se não bastasse perder um amigo, Ron precisou suportar a perda de um irmão que, mesmo estando um pouco afastado da família e ainda se redimindo pelo que havia feito com eles no ano anterior, ainda era o seu irmão. Percy não merecia uma morte cruel como a que recebeu. Ninguém merecia.
Apesar de toda a confusão e caos que Hogwarts se tornou , de uma hora para outra, tudo cessou. E, quando o ano letivo anterior havia terminado, todos ainda estavam tensos, embora fosse nítido o ar de alívio que tomou conta do ambiente. Mas ainda não era possível descansar. Ainda havia o alerta, pois apesar dos aurores terem conseguido prender um bom número de Comensais que estavam à solta, muitos continuavam livres. Muitos jovens seguidores do Lord das Trevas estavam lá, ao lado deles, estudando com eles.
Nunca souberam quem matou Neville e os outros, entre eles Padma Patil, Justino Finch-Fletchley e muitos do primeiro e segundo anos. Outro período letivo acabava de começar e Ron não conseguia ficar tranqüilo sabendo que sua irmã estava desaparecida. Não conseguiria suportar perdê-la.
“Onde ela pode ter ido?”, sussurrava, olhando para o buraco do retrato, na esperança de ter alguma idéia. Ele se apegava com todas as forças à possibilidade de a irmã ter apenas se escondido.
“Ron, não fique pensando no pior. Até parece que não conhece a sua irmã... Ginny está bem. Ela sabe se defender. Ela tem que estar bem”, Hermione sussurrou as últimas palavras, mais para si mesma do que para o amigo, tentando, mais uma vez, acreditar no que dizia. O griffyndor estava de costas para ela e não tirava os olhos temerosos da passagem que não se abria. Hermione o segurou pelos ombros e fez com que ele se virasse. “Harry vai encontrá-la. Eu sei que vai”, disse, encarando os olhos do rapaz.
No segundo seguinte, o retrato da Mulher Gorda girou quase sem fazer barulho e Ron virou-se automaticamente para aquela direção. Não sabia se gritava, se chorava ou se sorria. Não conseguiu pensar em nada e, talvez por isso, tenha feito tudo ao mesmo tempo.
O que definitivamente não era algo fácil.
Correu até a ruiva que acabava de entrar na sala e a abraçou tão forte que poderia jurar que era capaz de quebrá-la ao meio. Ginny ficou assustada e olhou para Hermione procurando respostas, mas essa já havia caído sentada no sofá, chorando compulsivamente.
“O que deu em vocês?”, perguntou, inocente.
“Como ousa fazer uma pergunta como essa, Ginny?!”, Ron estava vermelho e seus olhos carregavam, mais uma vez, a mistura de vários sentimentos. Raiva, felicidade, alívio. Ele próprio não seria capaz de definir. “Onde você estava? Quase nos matou de preocupação!”, sua voz soou abatida, completamente diferente do que a recém-chegada esperava ouvir. Parecia que o irmão se desmancharia na frente dela. Sentiu-se culpada.
“Estava por aí. Por que está tão nervoso?”, Ron ainda a segurava pelos ombros e a encarava nos olhos. Hermione continuava chorando.
“Ainda pergunta, Ginny?”, perguntou. Sua voz saiu quase chorosa. “Por Deus, você sumiu ontem à noite, só apareceu quase um dia depois e ainda pergunta por que estou nervoso? Você está sob minha responsabilidade!”
“Ron, eu me responsabilizo por mim mesma e eu já falei que estou bem. Mas, de qualquer forma, desculpe. Não fiz por mal”.
“Onde você estava?”, insistiu. “Olhe o estado em que você nos deixou!”, ele olhou pela primeira vez para Hermione e pareceu se espantar ao vê-la chorando. Sentiu-se grato pelo visível esforço que sua amiga tinha feito para demonstrar que estava tudo bem.
“Peço desculpas mais uma vez, Ron. Mil perdões, Mione”.
“Tudo… tudo bem. Agora está tudo bem”, falou, enxugando as lágrimas.
“Não imaginava que causaria tudo isso”.
Hermione atravessou a sala e a abraçou.
“Pensei que tinha acontecido alguma coisa muito ruim. Eu tentei me segurar para Ron não ficar mais preocupado, mas agora eu não consigo mais. Fico aliviada por você está bem, que bom que não aconteceu nada” ela falava rápido, em sussurros para Ginny, que se sentiu ainda mais culpada.
“Eu vou subir, tomar um banho e…”
“Você não vai! Só quanto terminar de explicar o que está acontecendo!”, interrompeu Ron, agora deixando a sua raiva vencer o alívio. “Harry ainda está perambulando pelo castelo, te procurando como um louco” Ron explodiu, assustando-a.
“Ron, por favor, me entenda. Eu realmente precisava de um tempo pra mim. Precisava ficar sozinha. Você não precisa ficar dando uma de babá comigo, eu sei me cuidar!”, respondeu arisca.
Estava assustada. Não mediu o que poderia acontecer. Não pensou se causaria problemas ao irmão, nem a ninguém. Agora, refletindo, podia entender a irritação de Ron, mas não significava que permitiria que gritasse com ela. Sabia de sua preocupação e do medo que ele sentiu, mas ela também compreendia o risco que estava correndo. Se ele soubesse o que se passava estaria muito mais irritado.
“Ginny, tudo bem” o ruivo passou a mão no rosto, tentando espantar aquele sentimento nocivo do seu corpo. “Vá dormir, é o melhor que você tem a fazer”.
Ela o encarou, como se tentasse analisar seus pensamentos, mas logo desviou o olhar e subiu as escadas com passos firmes. Ron respirou fundo, ainda tentando se controlar. Não foi uma tarefa fácil, mas, com muito esforço, conseguiu. Não descontaria em sua irmã, ela parecia estar tão abalada e assustada quanto ele, embora os motivos fossem outros. Estava confuso.
Seus sentimentos ainda estavam embaralhados quando, pouco tempo depois, o buraco do retrato se abriu novamente. Ron e Hermione olharam para o local e se depararam com Harry. O garoto estava ofegante e sujo. Visivelmente abatido. Seus olhos mostravam-se desesperados. Os cabelos, um pouco maiores que o de costume, estavam molhados pelo suor e, quando falou, sua voz estava ligeiramente rouca.
“Fui a quase todos os lugares possíveis”, ele apoiou-se na parede e fechou os olhos. “Seria… seria impossível vasculhar toda escola em apenas um dia”.
Harry respirava fundo, mas o ar parecia não encontrar o caminho certo para seus pulmões. Abriu os olhos e encarou os dois amigos.
“Eu não… Desculpe”, então ele notou as expressões aliviadas. “O que?”.
“Pode ficar tranqüilo, Harry”, Hermione se aproximou e segurou os ombros dele.
“Ela apareceu”, completou Ron.
“E está bem? Não aconteceu nada de mais, não é?”, perguntou, preocupado.
“Aparentemente, está ótima”, Ron respondeu com um pouco de raiva. “Nós estamos pior do que ela, eu posso garantir”.
“Onde ela está?”, exigiu saber.
“Ela acabou de subir e...”
Harry não deixou Ron terminar e disparou para as escadas que levariam aos dormitórios, mas foi impedido por Hermione.
“Não adiantaria nada você tentar falar com ela agora. Dê um tempo para você mesmo, olhe para o seu estado, Harry. Pense um pouco em você, pelo menos uma vez na vida”.
Ele encarou a amiga, procurando palavras para desafiá-la, mas no final se rendeu, dando meia volta e jogando-se em uma poltrona aconchegante. Suspirou e fechou os olhos, procurando respirou fundo. Dessa vez conseguindo sentir o ar encontrar o caminho perdido. Quando reabriu os olhos, voltou-se para os amigos com um sorriso simples. “Vocês estão com umas caras horríveis!”
“E você com toda a certeza está muito melhor do que nós, Harry”, ironizou Ron, menos bravo. Hermione esboçou um sorriso.
“Tudo o que precisamos é de um bom banho e descanso. Não quero passar por isso nunca mais. Não quero nem pensar que tudo pode acontecer novamente”, ela olhava para os dois como se eles pudessem garantir que o inferno não voltaria.
“Eu concordo com a Mione, acho melhor a gente ir dormir. Amanhã tem aula, não é mesmo? Também preciso de um banho e da minha cama…”, Ron parou de falar por alguns segundos e encarou o amigo. “Que foi?”
“Você? Preocupado com a aula?”.
“Melhor do que ficar preocupado com uma irmã desaparecida”.
“Tem razão”.
“Vê se não passa mais uma noite inteira sem dormir” aconselhou e depois, com um discreto aceno, despediu-se dos dois e foi para o dormitório.
“Ele tem razão, Harry. Não quero parecer repetitiva, mas já cansei de te pedir para ir até a…”
“Estou bem”, interrompeu. “Vou dormir como um anjinho esta noite, está bem?”
“Prefiro acreditar no que está dizendo e, em todo caso, boa noite”. Hermione ainda estava abatida, mas conseguiu sorrir ao se despedir. Logo depois, tomou seu rumo em direção ao dormitório feminino.
Harry ficou ali, parado, olhando para o teto, mas não sentiu o sono chegar. Foi para o dormitório e se deitou na cama, mas sabia que não conseguiria dormir. Estava realmente cansado, mas o sono não vinha e já estava habituado com aquela sensação angustiante. Queria poder fechar os olhos e dormir tranqüilamente mais uma vez, mas isso parecia ficar mais difícil a cada dia. Sentou-se na cama e vasculhou o quarto escuro com o olhar, preenchido pelos roncos de Ron e Seamus. Dean parecia uma pedra e a cama de Neville estava vazia. Essa visão fez com que todas as imagens tristes e impiedosas do ano anterior surgissem num jato de infelicidade. Não conseguiria dormir com aqueles pensamentos perturbando-lhe a mente.
Desceu as escadas, fazendo uma anotação mental rápida de que deveria subir antes que Ron e Hermione acordassem, porque não queria passar mais um dia inteiro ouvindo-os reclamar. Sentou-se à frente da lareira, observando as chamas, quando um vulto chamou sua atenção e, desejando que não fosse ninguém do seu dormitório, ficou quieto.
Suspirou aliviado por perceber que não teria que dar nenhum tipo de explicação, mas não iria ficar quieto. A curiosidade era grande demais para conseguir ficar com a boca fechada.
“Onde você pensa que vai a essa hora?”, falou ele, muito sério.
“Pensei que a sala estivesse vazia…”
“Pois pensou errado e, como uma pessoa razoavelmente ajuizada, devo lhe informar que é hora de ir para cama”, ele continuava sentado, fitando-a.
“Você não manda em mim”.
“Claro que não mando, mas seria sensato que eu não permitisse que você fizesse besteira de novo”.
“Harry! Prometo que eu não demoro”, suplicou a garota.
“Você disse a mesma coisa ontem, Ginny! E viu no que deu? Eu deveria ter contado pra eles que vi você saindo”.
“Seria muito pior” ela rebateu. “Porque Ron descontaria a raiva dele em você”.
“Você tem noção do que eu passei? Tive que fingir que não tinha te visto”, continuou, como se ela não tivesse falado. ”Precisei te procurar por todos os lugares que conheço nesse castelo, porque realmente fiquei preocupado, quando o tempo começou a passar! Estava me sentindo culpado em dobro! Se alguma coisa realmente tivesse acontecido a você, eu me culparia até o dia da minha morte”, falou nervoso, porém mantendo seu tom de voz controlado.
“Eu não queria te aborrecer, mas eu precisava sumir por esse tempo”.
“Então me diz por que você saiu ontem e, dependendo das circunstâncias, eu te deixo sair”
“Você está mentindo. É obvio que não vai me deixar sair de novo”.
“Não estou mentindo”, ofendeu-se. “Mas tenho muito medo de você dar de cara com quem matou todos ano passado”.
“Não fala nisso, por favor”.
“Mas é a verdade. Hogwarts pode estar nos dando uma sensação falsa de segurança. Acredite quando eu digo que nós não estamos completamente seguros aqui”, Harry lembrou-se do discurso de Dumbledore no banquete de boas vindas.
“Não estamos seguros em lugar nenhum”, revidou.
“Ginny...”
“Deixe-me sair”, pediu novamente.
“Diga aonde vai que eu deixo”.
“Não posso”.
“Eu prometo, juro por tudo o que você quiser que se você me contar podemos fazer um acordo”, ele continuou sem dar ouvidos a ela. “Prometo que será um segredo só nosso e posso te acobertar nas próximas vezes que quiser fazer o que quer que você esteja fazendo, mas eu preciso ter certeza de que você está segura”, ele não parecia falar sério.
“Seria uma proposta tentadora, mas você não faria isso. Eu conheço você, Harry. Você nunca, seria complacente com as decisões que eu tomei”.
“É muito sério?” perguntou, desconfiado.
“Ron jamais me perdoaria”, ela falou séria. “E isso é tudo o que eu posso dizer sobre o assunto”.
Harry a encarou, tentando analisar a expressão no rosto da garota, mas não teve muito sucesso. O que seria tão grave a ponto de fazer com que o amigo não perdoasse a própria irmã? O medo de perder mais um membro de sua família faria com que Ron perdoasse tudo. O que poderia ser tão grave para não merecer um perdão?
“Volta para o seu quarto, Ginny”, Harry decidiu que não desejava saber de mais nada. Queria apenas mantê-la segura, mesmo que não fizesse a menor idéia de onde vinha esse instinto. “Quando você quiser me contar o que está acontecendo, eu ajudarei você se estiver ao meu alcance”.
“Eu sei que eu cometi um erro, Harry. Assim como também sei que não tem como remediar e infelizmente, nada do que você fizer pode diminuir a besteira que eu já fiz. Eu me sinto suja, mas ao mesmo tempo não vejo como poderia ser diferente”.
“Tem certeza de que não quer conversar?”, perguntou com visível preocupação, mas Ginny balançou a cabeça negando.
“Enfim, Você não vai me deixar sair hoje, não é mesmo?”
“Não”.
“Se eu quisesse passar eu teria que te azarar, não é mesmo”?
“É, mas se eu fosse você eu não faria isso”, falou já segurando a varinha firmemente entre os dedos, sem apontá-la para a garota.
“Então acho que é melhor eu voltar para o dormitório”, falou sem muita certeza. Virou as costas, mas não chegou a dar dois passos. “Harry…”, começou, sem olhar para o amigo.
“O quê?”, voz dela o pegou de surpresa, instintivamente segurou a varinha com mais força.
“Eu espero que você me perdoe, quando souber”, falou insegura. “Não fique com ódio de mim, tá?”, pediu, lançando um sorriso rápido ao rapaz.
No instante seguinte, sem falar mais nada, correu para as escadas e seguiu para o dormitório feminino. Harry ficou jogado na poltrona, sem saber no que pensar. Estava confuso e, depois da conversa com Ginny, perdeu definitivamente o sono. Milhares de pensamentos passearam por sua cabeça enquanto os segundos se passavam. Estava preocupado e curioso. Mais curioso do que preocupado, era verdade, mas ainda assim queria que ela ficasse segura na torre por aquela noite.
Tanto tempo ficou ali, parado, que o sol nasceu e Harry ainda se encontrava sentado em frente à lareira, imóvel por praticamente toda noite. Subiu, tomou um banho e vestiu o uniforme. Quando voltou para a Sala Comunal, ela já estava quase lotada.
“Bom dia, Harry!”, cumprimentou Hermione, quase sem qualquer traço de abatimento.
“Oi, Mione”
“Que cara é essa, Harry? Parece que ficou a noite inteira sem dormir!”
“Na verdade eu fiquei”, respondeu secamente, não se importando se ela teria outro ataque de super-proteção.
“Não adianta dar conselhos a você”, resmungou.
“Não adianta mesmo”, respondeu com o pior dos humores. “Onde está Ron?”, perguntou.
“Já foi tomar café. É melhor irmos andando”.
“Sabe... Não é que eu não me importe com o fato de não conseguir dormir”, falou mais para si mesmo do que para Hermione. “Às vezes, eu também fico preocupado, mas simplesmente não consigo dormir por ficar pensando no que pode acontecer se fechar os olhos. Só consigo quando meu corpo está esgotado e me faz cair no sono automaticamente”, explicou-se, acreditando que isso diminuiria as futuras investidas de Hermione sobre o assunto.
“Eu passaria na Ala Hospitalar se fosse você”.
“Não seja exagerada, Mione”.
“Não é bom brincar com a saúde”, rebateu.
Ficaram em um silêncio incômodo. Aquele assunto já rendia conversas desde as férias e ela não desistiria facilmente. Hermione era teimosa demais quando achava que estava certa e Harry não pretendia competir com a teimosia da amiga.
“Olá!” uma voz familiarmente animada interrompeu o silêncio. Ao olharem para trás, viram Ginny correndo para alcançá-los.
“Oi, Ginny, dormiu bem?”, perguntou Hermione.
“Mais ou menos”, disse com simplicidade.
“Acho que a Ginny também está sofrendo de insônia, Mione”, Harry falou, encarando a ruiva. “Por que não manda ela procurar a Ala Hospitalar também?”
“Ora, não fale bobagens! Foi só uma noite mal dormida por causa de alguns pesadelos!”, Ginny falou irritada.
“Certo. Sei”, Harry resmungou.
Enquanto desciam para tomar café, Ginny se afastou do grupinho de gryffindors, que conversava alegremente sobre assuntos que ainda envolviam as férias de verão, e puxou Harry para longe deles também. Hermione acenou para os dois, falou algo como “Eu encontro vocês lá” e continuou, acompanhando os colegas de casa.
“Você quer saber a verdade, não quer?”, perguntou, encarando firmemente os olhos de Harry.
Havia passado toda a madrugada pensando e repensando se deveria fazer aquilo, pois ao contar colocaria tudo a perder. Sabia que ele não aceitaria a notícia com naturalidade, mas esperava que pelo menos ele fizesse um esforço para compreender. Estava sofrendo. Era angustiante guardar tudo sozinha, não ter com quem se abrir, não poder olhar nos olhos dele por sentir-se culpada... Sabia que Harry não era a escolha mais sensata e que ele poderia não ser a pessoa certa para compartilhar aquele segredo, mas, no fundo do seu coração, acreditava que ele poderia entender. Talvez Hermione fosse a pessoa mais indicada para ser sua confidente, mas não estava preparada para as perguntas que ela faria e, de qualquer forma, era muito mais difícil conseguir dobrar ou enganar Hermione.
“Claro que quero saber!”, falou sem conseguir conter a satisfação. Depois, tentando controlar melhor a sua curiosidade, continuou: “Você anda deixando todo mundo louco e sabe disso. Não é de agora, que notamos essa diferença de comportamento. Desde quando eu fui para sua casa, nas férias, notei que você anda estranha”.
“Sinal de que presta atenção em mim”, ironizou.
“Na verdade a maior parte do crédito é da Mione”, ele foi sincero. “Mas cheguei a ficar preocupado por pensar que a culpa era minha, por causa daquela nossa conversa, ano passado e...” ele cortou o que estava falando, mudando rapidamente de assunto. “Ron me contou que você já vinha estranha antes de eu chegar. Ginny, por favor, o que está acontecendo?”
“Não estou assim por você não querer ficar comigo para salvar o mundo, Harry. Para variar um pouco, não tem nada a ver com você”, ela falava baixo, olhando para os lados vez ou outra. “Eu conto tudo mais tarde, agora temos aula e…”
“Não”, ele falou, segurando-a com força pelo braço. “Você vai me contar essa história agora!”
“Mas… E as aulas?”, perguntou, tentando se soltar.
“Você não se preocupou com elas ontem”, respondeu rispidamente.
“Tudo bem, sua curiosidade venceu”, disse, olhando para a mão de Harry que a apertava com força.
“Desculpe”, falou envergonhado. “Mas não é curiosidade. Estou preocupado”, acrescentou.
Ginny gargalhou, achando graça.
“Ok, você não é nem um pouco curioso. De qualquer forma, não tem problema, porque já estava na hora de contar para alguém mesmo, Harry. E, apesar de tudo, você é a única pessoa em quem eu posso confiar, porque não teria a mínima disposição para encarar a Mione”.
“Não sei se isso foi um elogio”.
“Não queira saber”.
“Muito bem, então é melhor vir comigo!”, disse ele, segurando-a pela mão e andando rapidamente na direção oposta ao Grande Salão.
“Para onde?”
“Você quer que isso continue sendo um segredo, não é mesmo?”, ele perguntou, ansioso.
“Claro! Morreria se mais alguém soubesse. E quando eu falo morrer não é uma expressão para deixar a história mais dramática”.
“Aqui em Hogwarts, eu aprendi uma coisa: as paredes, literalmente, têm ouvidos”, Ginny olhou para as paredes e se deparou com os olhares curiosos de quadros de bruxos.
“Eles parecem mais curiosos que você, Harry”, falou rindo, mas o garoto pareceu não gostar. “Ok, você tem razão. Para onde vamos?”, perguntou, enquanto Harry a puxava, quase correndo.
“Para fora daqui”, respondeu, sem ser muito claro.
“Para onde vamos, Harry?”, perguntou mais uma vez, porém, desta vez, com mais firmeza e parando de andar, fazendo Harry parar também. “Estamos indo a…”
“Só até as margens da Floresta, não precisamos entrar”, disse ele, olhando para ela com uma expressão diferente de todas que ela já tinha visto em seu rosto. Era uma mistura de ansiedade, medo e certa curiosidade. Além de parecer bastante preocupado.
“Certo, tudo bem”, falou baixo, mais calma.
Os dois voltaram a andar um pouco mais devagar, quando já estavam no meio dos campos de Hogwarts, perto das margens da Floresta Proibida, onde não havia um aluno sequer. Todos estavam dentro do castelo, apreciando o café da manhã e Ginny lembrou que estava com fome, mas não queria cogitar a idéia de adiar aquela confissão.
“Acho que exagerei um pouco em trazer você pra cá, mas, pelo menos, aqui ninguém mais vai te ouvir além de mim”.
“É”, murmurou nervosa.
Harry sentou-se no gramado, que ainda estava úmido, e olhou para Ginny com curiosidade.
“Pronto, Ginny, pode me contar tudo”.
“Bem… Está certo. Vamos lá”, falou nervosa, tentando encontrar a coragem gryffindor que parecia ter esquecido debaixo da sua cama naquela manhã.
Orkut: Karla Kollynew
Comunidade: Kollynew
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