Little things
Little things
- A gente nunca conversa. Eu passei praticamente o mês inteiro com você e sinto como se não o conhecesse.
Eles estavam deitados sobre a cama coberta por um edredom de cor clara. Ela tinha a tez no mesmo tom do tecido e tudo o que se destacava eram seus cabelos e seus olhos castanhos. Ele desejou que ela estivesse toda coberta pelo grosso cobertor, assim não teria de encarar aqueles olhos que lhe cobravam uma resposta.
Ele tragou o cigarro, olhou para o teto, soltou a fumaça. Devagar. Passou um braço por trás da cabeça. Cobriu-se mais com o edredom, como se isso fosse protegê-lo da resposta. Tentou ignorar.
- Não há muito para se conhecer em mim.
E não havia, realmente. Mas o maior medo, e mais irracional para ele, era que ela não gostasse do pouco que conhecesse a mais e parasse de vê-lo.
- Não precisa ser muito. Sabe, coisas pequenas. Como sua cor favorita, o que gosta de comer no café da manhã, quais autores prefere, que tipo de sobremesa gosta mais... Não acho que seja de muita relevância num interrogatório, se é o que teme.
Não era um interrogatório que temia. Aquele não era o acordo. Puxou ainda mais o edredom para si, cobrindo a si mesmo quase inteiramente e deixando-a exposta no processo. Deveria ser assim, não deveria? Granger estava querendo, de algum jeito, ficar mais próxima dele - ele não podia deixar.
Mas queria tanto, tanto.
- Minha cor favorita é preto. Eu costumo comer torradas com geleia de uva e suco no café da manhã. Tenho livros de Nietzsche escondidos num fundo falso no meu armário. Minha sobremesa favorita é torta de nozes, mas gosto de bolo de chocolate. Minha pele é sensível ao sol e adquiri um vício recente em nicotina.
Talvez ele se arrependesse de saber que as flores favoritas de Granger eram orquídeas, que ela preferia chocolate meio amargo, era fã de Beatles e Jane Austen.
Aquele instante, porém, era bom. Fazia-o se sentir como se não estivesse sozinho no mundo.
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