Ch 3 - Encruzilhada



Capítulo 3 - Encruzilhada


 
    Atrás da porta estava algo como a garota nunca tinha visto antes. Era como um sonho.


    Um sonho com excesso de vermelho e fogo.


    Ela tinha uma visão levemente superior, como de prédio não muito alto. O chão de terra batida era a base de centenas, milhares de construções que não tinham mais do que três andares e sem nenhuma organização em sua disposição.


    Não existiam ruas; as construções - todas pintadas de algum tom de vermelho, amarelo ou laranja, algumas poucas com algum azul - pareciam terem sido construídas aonde e como o dono bem quisesse. Eram largas e, pelo que podia adivinhar, espaçosas. Era um povo endinheirado que vivia ali.


    Era noite, mas várias chamas simplesmente flutuavam por todo o local, dando uma iluminação digna de um dia ensolarado. Não eram velas, como em Hogwarts. Eram verdadeiras chamas puras, brilhando e se movimentando quase em vontade própria. Várias delas giravam em um tipo de dança hipnótica, como crianças brincando.


    _Seja bem-vinda à Capital do Fogo, Fada - falou a voz, tirando a garota de sua admiração.


    Ainda estavam dentro da escuridão e o homem não tinha passado pela abertura. Ele olhava para ela - ao menos era o que Gina acreditava, pois apenas a escuridão o cobria.


    _Hmm... Vamos?


    A jovem não sabia o que fazer, mas se surpreendeu quando conseguiu falar sem dificuldade. O homem mostrou dentes, brancos como a mais pura neve que a garota já tinha visto, em um sorriso aterrorizante.


    _Você é esperada no Palácio Real. O mesmo não se diz de mim. A Encruzilhada chegou ao Destino, o Véu obedeceu a Vontade. Se você não passar por essa porta logo, morrerá com todo o resto de onde estamos.


    A voz dele agora tinha perdido a frieza e ganhado um tom formal.


    _Encruzilhada? Do que está falando? E... - Engoliu saliva - ...você vai morrer?


    O sorriso continuava, e pareceu se alargar:


    _Um dia, Fada do Fogo, quando meu tempo terminar. Agora vá, ou pereça.


    O homem soltou um suspiro que a fez arrepiar, e a própria escuridão pareceu o consumir enquanto ele desaparecia. Não, não foi um suspiro. Ele respirava trevas, e as trevas o consumiam.


    Gina não precisou pensar muito antes de passar pela porta.


 


 


    _Não há dúvidas, ele foi torturado, os traços são claros. Um sangramento interno o matou.


    Harry observava o Medi-Bruxo e o corpo. As mulheres, sem memória, estavam sendo levadas por algum funcionário de algum departamento sem importância do Ministério da Magia. Ele não se importava o suficiente para prestar atenção.


    _Alguma pista para investigação? - Perguntou sem emoção.


    _Não no corpo, ao menos não nada que eu possa ver aqui. Talvez no St. Mungus consigamos alguma coisa.


    Balançou a cabeça afirmativamente e foi para a porta da casa. Desaparatou.


 


 


    _Potter está em Oxford - foi só o que um Inominável falou ao abrir a porta da sala da masmorra, deixar um papel com o endereço, e ir embora.


    Draco ainda olhava para o embrulho aberto sobre a mesa. Era um ovo de dragão. Do outro lado do vidro, os gritos do homem, que jurava que só tinha ido roubar o ovo quando ficou sabendo que Strongar estava fora da jogada, continuavam.


    Mas ele não dizia como tinha ficado sabendo que Strongar estava fora do jogo. Outro grito preencheu a sala. Ele falaria. Cedo ou tarde, ele falaria.


    Se pudessem simplesmente ler a mente dos malditos ou usar Veritaserum, nada disso seria necessário. Nem perder todo esse tempo. Leis estúpidas.


    Deixou o ovo na sala enquanto subia as escadas que davam no corredor no Velho Décimo Tribunal, no décimo andar do Ministério. O loiro sempre achou isso irônico.


    Subiu outras escadas para o Departamento de Mistérios, foi até o elevador e para o Átrio.


    E deu de cara com Harry Potter.


    _Malfoy - disse o garoto com uma aparência horrível ao entrar no elevador e apertar o botão do primeiro andar.


    _Potter. Como estão as coisas?


    Nenhum dos dois olhava para o outro. A porta se fechou.


    _Péssimas. Descobri um corpo em Oxford. Foi torturado e algum órgão interno se rompeu. Não sabemos se foi intenção do torturador. Mas salvamos duas trouxas.


    O Inominável não tinha dúvidas de que Potter era quem tinha torturado o homem. Esse tipo de diálogo era comum entre eles. Costumavam trabalhar juntos mais do que gostavam.


    _O torturador deve ter usado um feitiço reparador de tecido sem conhecer como funciona. Acontece. Alguma novidade sobre Ginevra?


    Com o canto dos olhos viu Harry apertar as mãos com força e o silêncio foi resposta suficiente.


    _Alguém estava invadindo a casa de Strongar. Ele foi convidado para a Sala 201 - era como chamavam a sala de tortura dentro do Ministério.


    Harry novamente não respondeu. O elevador chegou.


    Draco abriu a boca para falar alguma coisa, mas quando as portas se abriram ficou parado, boquiaberto.


    Na frente dele, mais de cinquenta aurores escutavam um jovem de cabelos ruivos e sardas gritar:


    _...não mediremos esforços para encontrá-la! Usem o EF à todo momento, Hermine Granger organizou uma central de inteligência para coordenar a busca. Alguma pergunta?


    Para surpresa de Draco, foi o jovem ao lado dele que deu um passo à frente e respondeu:


    _O que diabos está acontecendo aqui?


    Cinquenta e uma cabeças se viraram para Harry. Draco apenas deixou a porta do elevador fechar. Aquele não era problema seu.


 


 


    Kingsley, num canto isolado, viu quando o elevador se abriu e Harry apareceu junto a Draco. Por sorte, nem Hermione ou Ronald perceberam.


    Quando fora auror, o maior problema tinha sido obter respostas de maneira legal de suspeitos que eram claramente culpados. Tinha sido ele próprio quem tinha descoberto o método que permitia que as respostas pudessem ser obtidas com sucesso e dentro da lei. E agora a Weasley sabia. O método não continuaria por muito tempo.


    Mas não estava realmente preocupado. Durara tempo o suficiente, agora só precisava encontrar outra brecha na lei. Brechas sempre iam existir. Se não existissem, podiam ser criadas. Ele era o Ministro da Magia, afinal.


    Se sentia aliviado por ela ou o marido não verem Harry e Draco juntos porque poderiam começar a questionar quem estava com Harry na sala de tortura. O Ministro da Magia não tinha dúvidas, e tinha visto a competição dos dois rivais resolver vários casos que uma dupla mais unida não seria capaz.


    Porém Hermione ou Ronald poderiam pressionar o garoto-que-sobreviveu para terminar isso, alegando que estava se deixando corromper ou alguma outra besteira do tipo. Seria péssimo.


    _O que diabos está acontecendo aqui? - O jovem falou.


    Todos se viraram para Harry, mas a porta do elevador já estava fechando e a identidade de Malfoy estava segura.


    Kingsley foi quem falou:


    _Montei uma força-tarefa para procurar por Ginevra, sob comando de Ronald Weasley. Vamos encontrá-la, Potter, não se preocupe.


    Harry olhou de Kingsley para Ronald e vice-versa. Finalmente, parou os olhos no amigo e relaxou visivelmente.


    _Deseja mais alguma coisa, Potter?


    A voz veio de Ronald. Kingsley viu Potter ficar com o corpo rígido novamente e quase sorriu.


    _Ronald Weasley! - A voz da Granger se fez ouvir do lado do Ministro.


    Ronald não respondeu, nem Harry. Apenas continuaram se olhando por algum tempo. Quando o elevador chegou trazendo outro auror, o moreno entrou e desapareceu.


    Vitória!


 


 


    Ela tinha vivido por tanto tempo com o marido que teve que se segurar para não dar um tapa na própria testa. Como podia ter esquecido como aquela cabeça de vento funcionava?


    Rony culpava Harry pelo sumiço de Gina, afinal a garota tinha sumido na casa dele.


    Ela ia cuidar daqueles hormônios que aos 22 anos já tinham que ter dado um jeito de desaparecerem. Ah, se ia...


    _Harry Potter é obviamente nosso suspeito número um, já que Ginevra sumiu na casa dele, e é lá que foi encontrada a varinha dela. Ele foi um herói, mas hoje em dia é só mais um auror. Lembrem-se disso.


    Nenhum dos aurores mostrou-se surpreso com aquilo, mas a garota ficou em puro choque. O que?


    Quando olhou para Shacklebolt ele sequer escondeu o sorriso cretino na cara.


    _Você sabia - ela falou com realização repentina. Por isso usou o meu marido. Não queria sujar as próprias mãos. Ninguém vai ir contra uma investigação contra o Harry feita pelo melhor amigo.


    A resposta do Ministro da Magia foi baixa e simples:


    _Potter me ameaçou. Odeio ameaças.


    A vontade de dar um tapa na cara dele foi enorme. Monumental. E teria dado se não fosse por ouvir Rony a chamando.


    _Hermione. Hermione - ela olhou, ainda furiosa. Venha explicar o uso do EF e da central de inteligência.


    Ela foi. Querendo explodir, querendo gritar que aquilo não passava de um teatro, querendo matar Kingsley Shacklebolt.


    Assim que subiu no pequeno palco improvisado, tirou da própria orelha uma minúscula bola preta, do tamanho da cabeça de um alfinete, e mostrou para todos:


    _Como sabem, o Escutante Falador é um aparelho de alta tecnologia criado para comunicação facilitada dos aurores, intransferível, e inutilizável por outro que não seja o dono. Hoje vocês estarão ligados a uma central de inteligência criada por mim - e continuou falando.


    Mas eram apenas palavras dadas no "modo automático".


    Sua mente e sua fúria trabalhavam em como vencer o Ministro da Magia no próprio jogo.


    Nunca tinha conseguido, mas essa definitivamente seria a primeira vez.


    Ou ela sairia daquele circo maldito chamado Ministério da Magia.


 


 


    Rony estava certo. A culpa era dele. Só dele.


    Invadir o Departamento de Mistérios não tinha sido difícil. A Sala do Véu continuava no mesmo lugar. Ele tinha acabado de entrar nela.


    Mal teve tempo de dar um passo em direção ao Véu antes de cinco Inomináveis mascarados aparecerem barrando o caminho, as varinhas apontadas para ele.


    Não, eles não iam ficar entre ele e Gina.


    Ninguém ia!


    Sentiu lágrimas nos olhos enquanto mandava o primeiro feitiço e era imediatamente estuporado por alguém atrás dele.


 


 


    Draco Malfoy olhava para o corpo inconsciente de Harry aos seus pés.


    Tão previsível, querendo novamente bancar o herói depois de ser rejeitado pelo amigo.


    Tão fácil de destruir, agora, se quisesse.


    E pensar que por sete anos aquele tinha sido seu tão aclamado rival.


    E pensar que aquele tinha sido o grande herói salvador do mundo bruxo.


    Já era hora do garoto ter aparecido. O loiro precisava de uma desculpa visual para poder falar as próximas palavras:


    _Chefe, precisamos conversar.


    Ele nunca se sentiu sair do lugar. Apenas piscou uma vez os olhos e o cenário mudou.


    Estava em uma sala completamente branca. No meio dele, de vestes e máscara também brancas, um homem - ou mulher? - da mesma altura.


    _O que foi, Malfoy? - A voz não entregava emoção ou sexo do portador; Draco suspeitava que tal voz fosse magicamente modificada, apesar de não conhecer um feitiço que fizesse isso.


    Engoliu. O Chefe do Departamento de Mistério não era conhecido por sua paciência. Mas sua curiosidade era famosa.


    _Cruzamento de Realidades. O que pode me dizer sobre isso?


    Foi um longo tempo de silêncio, até a voz falar novamente:


    _Você não tem acesso a essa informação. Não deveria ter. Como chegou nela?


    Sorriu triunfante, abertamente. Não fazia sentido tentar esconder o sorriso do homem à sua frente. Sabia que o chefe era um perito em ler emoções nas menores reações:


    _Ginevra Weasley desapareceu em uma armadilha. O bruxo que preparou a armadilha disse que ela manda além do Véu do Tempo, além do Cruzamento de Realidades, além da Vida e da Morte.


    _Isso é impossível. O Véu está aqui - a resposta foi ríspida. E ele não leva ao Cruzamento.


    _Harry Potter acredita que seja possível. Estava pronto para se matar.


    O homem de branco não respondeu nada.


    Ficaram um longo tempo se encarando. O loiro sabia que cedo ou tarde a curiosidade do chefe falaria mais alto. E estava certo.


    _Muito bem, Malfoy. Procure Richard Stanford, em Dublim. Agora desapareça.


    Na próxima vez que piscou, se viu de volta à Sala do Véu. Mas os cinco Inomináveis, bem como o Véu, tinham sumido. Apenas Potter continuava aos seus pés.


    Claro. A sujeira era problema dele para limpar.


    Suspirou e fez o corpo levitar. Para onde diabos podia levar o auror desacordado?


 


 


    _A Fada do Fogo passou pelo Portal, meu Senhor.


    Exatamente no meio da Encruzilhada, um local que nenhum outro ser além deles poderia chegar, ele olhava seu subordinado dar o relatório.


    _Algum problema no processo? Tentou te atacar magicamente?


    _Não, ela estava sem varinha, meu Senhor.


    O Senhor do Tempo teria franzido as sobrancelhas se as tivesse, se seu corpo não fosse completamente feito de Matéria Escura.


    _Ela não teria chegado aqui sem varinha. Você sabe disso.


    O subordinado não respondeu. Ele só respondia a perguntas diretas.


    _Onde está o Guardião do Véu?


    _Morto, meu Senhor.


    Não era tempo do Guardião ter morrido ainda, mas não era incomum que guardiões perecessem por burrice. O poder que tinham nas mãos era enorme e muitos não conseguiam contê-lo, ou conter a vontade de usá-lo, e acabavam mortos por si próprios.


    _Desde quando?


    _No momento que a Fada do Fogo chegou aqui, meu Senhor.


    Aquilo, entretanto, não era comum. E era bem ruim.


    _Quem o matou?


    _Humanos, meu Senhor.


    Era pior do que tinha suposto. Humanos se intrometendo na Encruzilhada sempre era sinal de problemas.


    _Como?


    _Um humano rompeu o Tecido, meu Senhor.


    O espanto do Senhor do Tempo só não foi maior que sua ira.


    _Como ele ousa? Quem é esse humano que me desafia em meu próprio domínio?


    A resposta saiu tão sem emoção como todas as outras:


    _Julius Strongar.


    _Traga-o a mim.


    O servo desapareceu apenas tempo suficiente para voltar de mãos vazias:


    _Ele está morto, meu Senhor.


    _Você tem permissão para ir ao Mundo dos Mortos. Traga-me a alma dele.


    Novamente o homem desapareceu apenas por alguns instantes:


    _Não posso, meu Senhor.


    Outro espanto.


    _O Senhor da Morte impediu sua entrada?


    _Não, meu Senhor. O Senhor da Morte está morto.


    Matar o Senhor da Morte sequer era possível?


    _Quem comanda o Mundo dos Mortos?


    Dessa vez a resposta teve emoção. Medo. Puro e profundo medo.


    _Os Senhores da Verdade, meu Senhor.


    E o Senhor do Tempo também teve medo. Precisava convocar os Cinco Reinos, imediatamente.


    _Onde está o Emissário?


    _Morto, meu Senhor.


    Era um pesadelo.


    Nenhum ser da Encruzilhada podia adentrar nos Cinco Reinos sem um convite direto.


    _Tem alguém, qualquer um, que possa passar pelo Portal?


    _O último humano que entrou preferiu ser consumido pela Não-Existência a passar pelo Portal, meu Senhor.


    Um humano consumido pela Não-Existência. Morto, mas preso eternamente na Encruzilhada. Só podendo voltar à Existência pela vontade do próprio Senhor do Tempo. Ou de um certo artefato humano.


    Humanos. Sempre disseminando o caos.


    _Aquele que foi convocado pela Pedra da Ressurreição?


    _Sim, meu Senhor.


    Talvez o humano não estivesse tão louco. Fazia apenas cinco segundos - ou seriam minutos? Anos, talvez? Décadas? O Senhor do Tempo não era capaz de medir um tempo tão pequeno e desprezível - desde que ele tinha sido consumido. Talvez ainda fosse utilizável.


    _Muito bem. Traga-me Sirius Black.


    E o servo desapareceu por instantes. Mas dessa vez, quando voltou, tinha um homem nas mãos.


    Ou o que restava de um homem. Era apenas ossos escuros, já transformados em Matéria Negra, e uma alma tão fina e fraca que parecia apenas uma película sobre os ossos. Voltar a existir seria extremamente doloroso. Se ele ainda não estava louco, o processo de reexistir certamente o deixaria.


    _Ele vai servir - o Senhor do Tempo sussurrou para si mesmo.


    Tinha que servir.


    Ou a Verdade os destruiria.

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